Sexo, Escola e Rock And Roll escrita por Fernanda Lima


Capítulo 28
O anjo de asas cortantes


Notas iniciais do capítulo

* Versão de Jack McMiller *



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Parece que mais uma vez estava nevando na monótona cidade onde me propus a viver. A neve, errada, imprópria, invadindo com seu ar congelante as casas e as memórias - principalmente aquelas de quem eu menos gostaria.

Memórias de uma das épocas mais estranhas de minha vida surgiam todas as vezes em que a neve caía, ou em que a geada marcava as melancólicas árvores que via de minha janela -  juntamente com o reflexo de meu rosto jovem, mas já marcado pelas experiências. Naqueles tempos, eu era muito diferente de agora.

Mas era feliz.

Nunca havia sido tão feliz até então. Era o astro do colégio, aquele que trouxera patrocinadores de todos os tipos de empresa para transformar nossa pequena escola na maior criadora de cérebros brilhantes do estado mais frio do país. Minha mãe arrumara um emprego - um de verdade. Minhas notas eram excelentes, meu papel como Presidente do Grêmio Estudantil - como naqueles filmes gringos de colegial - me assegurava um futuro brilhante. E, além disso, eu tinha a garota perfeita.

Tudo nela era superlativo. Seus cabelos não eram loiros, eram loiríssimos. Seus olhos não eram azuis, eram azulíssimos. Seu corpo não era belo, era belíssimo. Sua pele, alvíssima. Seu ser, puríssimo. Como um anjo... a perfeitíssima Angeline.

Eu era apaixonado. Passava meus dias lembrando de como seu corpo fluía sobre o gelo, quando ela patinava docemente em sua roupa azul de bailarina. Como suas mãos de boneca deslizavam sobre as cordas do violoncelo. Como suas bochechas ficavam rosadas quando ela estava concentrada em seus estudos. Como ela era tão inebriantemente boa e maravilhosa, que parecia emitir sua própria luz.

Porém, em um daqueles nostálgicos dias, eu simplesmente não pensei nela.Naquele dia, suas lembranças simplesmente foram substituídas pelas da misteriosa e intrigante garota de roupas escuras, pele levemente bronzeada, cabelos negros, olhos brilhantes e, quando eu tinha a sorte de ouvir sua voz, um delicioso sotaque mediterrâneo.

Lembro-me bem do dia em que Bel entrara no colégio. Era uma garota triste, deslocada, fria. Era como a neve em pleno território tropical. Ela sempre me tirava a atenção do mundo real, com aquele seu inerente ar de realeza, e a imensidão de sonhos e imagens que pareciam fluir de sua mente direto para a minha.

As semanas se passavam, e o pequeno império que construíra começava a ruir. Minha mãe arrumara encrenca no trabalho, e, ao ser demitida, voltara ainda mais profundamente para o vício do álcool e, quem pode saber, das drogas. Um de seus clientes, em busca de vingança - nunca soube exatamente o motivo -, invadira nossa casa, levando consigo tudo o que podia carregar. Angeline, com sua extraordinária empatia, começou a perceber que algo estava errado com meus sentimentos - principalmente com aqueles que tinham relação com ela.

No auge da decadência, quando soube que minha mãe havia entrado em coma após uma de suas noitadas, cometi um ato que havia prometido a mim mesmo que nunca faria com nenhuma garota - eu traí o meu pequeno anjo. Mas aquela não foi uma traição apenas física. Foi, em todo, profundamente emocional, o ponto-chave que me desvinculou completamente dos imensos sentimentos que eu possuía por ela. Foi o que me fez enxergar que, em menos de cinco meses, eu havia mudado por completo.

Nos dois meses seguintes, fui o maior idiota que pensara jamais poder ser com qualquer pessoa. Eu sabia, ou pensava saber, que ela, a minha pequena, era muito mais forte do que eu, que era imensamente superior àquilo tudo, e, que no fundo, tudo o que eu fizesse seria apenas para que ela finalmente se livrasse de mim.

Entretanto, quando eu menos esperava, vi aquelas gloriosas asas angelicais se transformarem em navalhas; vi seus cabelos brilhantes virarem cobras peçonhentas. Parecia que eu havia libertado alguém de um dos mais obscuros manicômios, que havia atiçado a fera que, habilmente, se escondia dentro de sua carapaça de porcelana.

Não foi uma ou duas vezes que testemunhei os mais estranhos ataques, as mais bruscas mudanças de personalidade, o mais perigoso veneno que saía de sua boca, as ameaças mistas de amor e ódio que seus olhos exalavam. 

Eu tive que buscar ajuda. Falei com o pai dela, digníssimo homem, parceiro de negócios do Sr. Marcel H. Johnson. Em um levante de acontecimentos, vi-o buscar inúmeras oportunidades comerciais em diversas partes do mundo. Em menos de duas semanas, testemunhei a mudança de seu pai, muito nervosamente, para a Alemanha, onde trabalharia numa empresa não menos do que a própria Mercedes-Benz. E o angelical diabo, tão rapidamente como havia se transformado, sumiu de minha vida. A informação que recebera sobre ela foi de seu pai, que macabramente afirmava que "Angeline já havia sido internada e estava recebendo o tratamento correto".

Nos 4 meses seguintes, vi minha vida indo da mais pura glória para o imenso abismo, e deste para o simplesmente ordinário. Até agora, penso nisso como uma espécie de história de suspense. Talvez, um thriller.

Como em todo bom filme de terror, o causador do mal nunca morre na primeira tentativa.

No início das férias do primeiro ano do ensino médio, recebi uma foto em meu celular de uma garota muito mais que familiar.

"Não vai me desejar um feliz aniversário de 16 anos?", acompanhava a imagem. 

Mais tarde, soube que dentro de dois anos ela voltaria para o Brasil para decidir se estudaria em uma universidade daqui ou da Europa. Creio que não é necessário dizer o que começou a acontecer depois. Um pesadelo que se repetia.

E um dos principais causadores disso tudo estava, agora, chorando copiosamente, após a criatura supostamente maligna de nossa história de terror dar-nos um golpe certeiro no coração.


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Notas finais do capítulo

A história está mais macabra nessa parte, mas nada que ultrapasse as barreiras do natural.



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