Sexo, Escola e Rock And Roll escrita por Fernanda Lima


Capítulo 24
Porcelain


Notas iniciais do capítulo

* Versão de Isabel Rigardi *



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- Bel, acorda. 

- Sai daqui. - Num impulso, me enrolei debaixo do cobertor, tentando ignorar as cutucadas que se seguiram.

- Prometemos ajudar a Sabrina a fazer a mudança hoje, lembra? Já são 2 horas.

- Sim, e como eu comecei minha siesta só há meia hora, boa noite. - Além do cobertor, pus o travesseiro sobre o rosto.

- Você vai sufocar assim. - Se livrando das minhas barreiras de proteção, Jack tentava me puxar da cama, com sucesso.

- Cazzo, onde já se viu interromper o sono de um italiano? - Com a sensação de areia nos olhos e moleza, mal conseguia ficar em pé.

- Isso é falta de hábito.

- Não, é excesso de hábito. Uma necessidade física.

- Sim, e acho que para Sabrina é uma impossibilidade física levar tudo aquilo sozinha para o colégio. O William também já está esperando com o carro.

Terminada a nossa dialética, apenas substituí os shorts por uma calça de moletom, pus um suéter do Lazio¹ e um par de valenki² , que havia ganhado de meu nonno, com minhas galochas cor-de-vinho.

- Você vai sair assim? - William me perguntou, apesar de sua expressão e tom de voz indiferentes.

- Está ventando e chovendo, o que você espera que eu use?

Sem discutir mais, nós três entramos no carro. Cerca de 40 minutos depois, nos encontrávamos na frente do prédio de Sabrina, onde ela nos esperava;

Saí do carro depressa, brava e ao mesmo tempo preocupada com a loira pela idiotice de resolver nos esperar do lado de fora ao invés de dentro de sua quitinete. Antes que pudesse expressar isso, meu irmão extremamente sutil se adiantou:

- Guria, qual o seu problema? Podia ter nos esperado do lado de dentro. Uns três graus a menos e começa a nevar.

- Desculpe, é que... - Ela olhou para baixo, corando. - Quando eu estava tirando as coisas do armário, achei um rato lá dentro.

Nos entreolhamos, e não pudemos segurar o riso.

- O que foi? Meu avô sempre me disse para ficar longe deles.

- Ótimo, então vamos tirar ele de lá. 

Uns degraus depois, encontramos um local que deveria se parecer com a visão interna da partícula que deu origem ao Big Bang. Caixas de papelão, roupas, pedaços de móveis, louças e todo o tipo de inutilidade se espalhavam até metade do corredor externo do andar.

- Como pode caber tanta coisa num local tão pequeno? - De novo, William expressava aquilo que se passava na minha mente. Ligação fraternal, talvez.

- Aliás, Sabrina, onde estão Allen e Maria? Não vêm ajudar? - Jack perguntou, enquanto tirava algumas caixas do caminho para poder alcançar a porta.

- Eles estão nos esperando no colégio. Já que é fim de semana, as senhoras da limpeza - Ela disse isso num tom excessivamente respeitoso - não estão lá, então foram limpar o apartamento e conversar um pouco com o pessoal da coordenação.

- Entendo. - Respondi por Jack, que deu um longo suspiro antes de dividir o plano de ação com os mortais.

- Então, nos diga o que está nas caixas, para não acabarmos colocando coisas que quebrem por baixo. Vamos levar o que for mais pesado para o colégio agora, enquanto você e Bel dão um jeito nessas coisas espalhadas, tudo bem?

Ela assentiu. Passei pelo caminho aberto por Jack, procurando, com os olhos, alguma mala ou mochila onde pudesse guardar as roupas e as louças menores.

- Bel... - Ela tocou meu ombro, olhando para algumas porcelanas que estavam no armário. - Eu gostaria de levar essas depois, na mão.

Presumi que fossem presente de alguém, já que pareciam caras demais para as condições dela. Quando ia confirmar, ela se antecipou:

- Eram da minha mãe. Ela as colecionava, mas só sobraram essas. 

Apenas dei um sorriso de leve, sem saber o que dizer. Como sempre que ficava com ela, senti uma certa sensação de frio. Dizem que pessoas tristes fazem isso conosco.

Depois de alguns minutos pondo roupas em uma velha bolsa de academia que encontramos no guarda-roupa, a voz de William me alcançou.

- Bel, Sabrina! Estamos indo. Continuem guardando as coisas, voltamos em uns 20, 25 minutos, giusto?

- Bene. - Sem olhar para a porta, respondi. Ouvi seus passos afastando-se.

Um tempo depois, o lugar já estava consideravelmente mais organizado. Faltavam alguns copos, que precisávamos dispor de forma que chegassem inteiros. Resolvemos descansar por um tempo, sentando-nos em um dos poucos cantos vazios que havia.

- Ainda bem que isso deu certo. - Olhando para a parede de forma pensativa, a garota loira vagueava por seus pensamentos. - E pensar que estou me mudando para o colégio uma semana antes das férias começarem... e logo vamos ter que arrumar as malas de novo para a nossa viagem.

- É verdade... - Alguma ansiedade me tomava ao pensar no que iríamos fazer. - Mas, e a outra garota que ia morar com você?

- A Julia? Parece que ela só vai quando as aulas voltarem, em agosto. Foi viajar com os tios para a Flórida. 

- A Flórida? - Me surpreendi. Nunca pensei que fosse tão comum que pessoas aparentemente pobres fossem para lá.

- Parece que os tios dela têm uma condição melhor.

- Então por que não a deixam morar com eles? Ou a colocam em um colégio melhor? - Ao fazer a última pergunta, logo me lembrei de Allen.

- Eles não moram aqui. Vivem em Campinas, ela foi de ônibus até lá para encontrá-los. 

- Se ela tem problemas com a família, seria melhor que fosse morar em Campinas de uma vez, eh?

- Posso falar com ela depois sobre isso. - Confirmei, apenas. Ficamos em silêncio até ouvirmos nossos dois carregadores chegando.

- Sabrina, você está com sorte! Ficou justo no melhor apartamento. Aquele grande, com vista para a praça, sabe? - Sorridente, meu irmão discorria sobre o que havia sido resolvido. - Então, já começamos a tirar as coisas, Maria e Allen estão cuidando do resto. Mas, como são dois baixinhos, ainda vamos ter que cuidar do resto. Mais alguma coisa pra levar?

- Arrumamos as roupas e quase toda a louça. Ainda tem três caixas com livros, CDs e outras coisas que já dá para ir levando. Eu e Sabrina levamos o resto depois, já que parou de chover. É leve, em duas viagens damos conta.

- Certeza?

- Sim, é mais importante que vocês cuidem dos móveis. - Me voltei para ele. - Tem móveis, não é?

Ele riu.

- Claro, quando chegamos já tinha uma beliche, uma outra cama, duas mesas e mais um armário embutido. Ainda bem, já que os daqui são do dono do apê. Os caras fizeram bem ao venderem parte do colégio para a iniciativa privada, viu.

- Virou capitalista agora, é? - Escarneci dele, empurrando na direção de Jack uma das caixas que iriam levar.

- Ma che...! - Bagunçando meu cabelo, resolveu levar duas caixas consigo de uma vez. Eu e Sabrina estávamos sozinhas de novo.

- Então, vamos levar o resto? - Restavam apenas a caixa com as louças, a bolsa de roupas, uma mochilinha de frescuras e as porcelanas. Apanhei as duas primeiras, enquanto Sabrina cuidava do resto.

- Está tudo bem deixarmos tudo aberto enquanto isso? 

- Está vazio de qualquer forma. 

-x-x-x-x-x-x-x-

Acompanhadas por uma das secretárias, entramos no apartamento. Me surpreendi com o local. Era arejado, claro e os móveis estavam em condições bastante boas. As caixas estavam espalhadas pelo chão e as camas estavam sem colchões, mas o que mais chamava a atenção era um enorme iMac que se impunha sobre uma mesa  de madeira. Sabrina estava parada na frente dela, boquiaberta.

- O que achou? - Allen ficou ao seu lado, animado. 

- V-v-você comprou isso?! - Eu e a loira dissemos ao mesmo tempo, quase infartando.

- Era surpresa. - Maria disse, mexendo no cabelo de Allen. - Parece que o Papai Capone estava na jogada dos investidores, e quando soube que era Sabrina a nova ocupante do lugar, fez o favor de logo comprar essa belezinha.

- Uau, Allen! - Abracei-o fortemente. Sabrina ainda estava perplexa.

- Não sei como te agradecer, Allen. Não precisava...

- Pode me fazer daquele macarrão que comemos na sua casa. - Assim que ele disse isso, o ogro que se escondia no meu estômago resolveu se manifestar.

- Ok, que tal fazermos isso agora então? - Abandonando o que estávamos fazendo, seguimos para o carro.

- Vamos jantar na casa da Bel, então.

- Ótimo.

- Ah, que bom que vocês perguntaram. Claro que podem ir para a minha casa. - Olhei para Allen, que praticamente ignorava a minha fala.

- Como se precisássemos da sua permissão. - Era verdade. Nunca me perguntavam se podiam ir lá.

- Eu posso chamar a polícia, sabe? 

- Teriam preguiça de dirigir até lá.

Desistindo de mais uma sessão de dialética, seguimos, cansados, para a nossa... digo, minha casa.


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Notas finais do capítulo

¹ Time de futebol italiano, sediado em Roma.

² Bota russa de inverno feita de feltro e lã.



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