Anjo Caído escrita por yumesangai


Capítulo 24
Julgamento da Vida




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“M-major…” Makoto parou de digitar, suas mãos estavam tremendo.

 

“Qual a posição do Anjo?” Katsuragi olhava para os painéis, mas o maldito alarme atrapalhava sua concentração.

 

“Tem dois sinais azuis… logo acima do Q.G”. Aoba anunciou.

 

As telas principais mostraram o Anjo, com braços que pareciam fitas, grande. E o outro parecia muito pequeno, quase humano, os dois flutuavam.

 

“Nagisa?” Misato arregalou os olhos ao ver a confirmação de Anjo, como se a quinta criança pudesse ouvi-la, ele olhou na direção da câmera, o sorriso desdenhoso não estava em seu rosto, pelo contrário.

 

Ele parecia furioso.

 

“Precisamos lançar a Unidade 01”. Misato olhou na direção de Gendo, Fuyutsuki assentiu ao lado do Comandante.

 

“Unidades 00, 01 e 02 preparar para lançamento”. Anunciou pelo controle.

 

—-

 

Shinji não se lembrava de ter piscado os olhos, mas num instante Kaworu havia desaparecido. Todos os últimos acontecimentos pareciam estar escapando de suas mãos. Kaworu o beijando, tirando a restrição de seu pescoço e então ativando o próprio campo A.T.. Um Anjo. Kaworu era um Anjo.

 

Kaworu era o inimigo.

 

“Por quê?” Ele caiu sentado no chão.

 

Ele não iria lutar contra Kaworu, era impossível.

 

—-

 

“Você é feio igual os outros”. Asuka começou a disparar com o rifle, mas não fazia nem cócegas no campo A.T. dele.

 

Kaworu flutuava um pouco mais distante, apenas observando.

 

“Nagisa, depois disso tudo, eu não quero lutar com você, então espero que você tenha um plano”. Asuka murmurou e voltou a atenção ao Anjo.

 

A unidade 00 chegou de apoio.

 

“Novas armas foram lançadas na catapulta”. Ayanami anunciou correndo para um dos pontos de retirada.

“Ótimo, porque o Campo. A.T. dele é mais forte que o normal”.

 

Bombas N² foram lançadas de apoio, mas mesmo quase 10 delas não surtiram efeito. Um disparo do Anjo e tudo foi pelos ares. Ele era rápido, da última vez eles contaram com tempo para elaborar um plano, eles não tinham mais essa opção.

 

Os rifles tinham uma potência melhor, e uma faca embutida, deveria ser o bastante para cortar o Campo.

 

As Unidades 00 e 02 cercaram o Anjo e pularam com a lâmina apontada, mas as duas foram repelidas pelo Campo A.T. e arremessadas contra destroços. Quando o Anjo disparou, elas conseguiram se esquivar.

 

“Droga, droga, não dá pra se aproximar”.

 

Um feixe de luz ficava visível antes do disparo, enquanto ele se preparava para outro lançamento, seus braços mudaram de forma e como uma fita cortante, decepou o braço da Unidade 00.

 

Asuka ouviu Rei gritar pelo comunicador.

 

Num momento de distração, duas fitas vinham na direção da Unidade 02, mas não a atingiram. Asuka viu a quinta criança em seu campo de visão, usando o próprio Campo A.T. como barreira.

 

“Shikinami, lembre-se o que o EVA representa. O EVA tem própria vida, una a sua vontade a do EVA e liberte-se das amarras”.

 

E com isso ele desapareceu.

 

“Isso é hora de falar em enigmas?” 

 

Ela encarou o Anjo e respirou fundo fechando os olhos.

 

“Tudo que eu vi, tudo que senti… Eu quero ser forte o bastante, eu não quero ser protegida. Mas se eu não sou o bastante, então… Unidade 02, modo reverso”.

 

O comando fez com que a cápsula desligasse as luzes. Algumas armaduras do EVA se soltaram. Vários cilindros saíram das costas do Evangelion. Os conectores do uniforme brilhavam assim como os olhos de Asuka, ela rangia os dentes enquanto o LCL da cabine borbulhava.

 

“A Unidade 02 perdeu os limitadores”. Maya encarava os gráficos que oscilavam no painel.

 

“Os índices estão negativos, o que significa que ela entrou na zona de contaminação”. Ritsuko leu por cima dos ombros dela.

 

“Onde está a Unidade 00?” Misato não conseguia mais vê-la na tela.

“Com o Kawor-- quer dizer, com o Anjo”. 

 

A Unidade 00 estava levitando ou sendo levitada por Kaworu, eles não estavam lutando, pareciam estar conversando, o que tornava a situação mais bizarra ainda.

 

“Dessa vez Longinus e Cassius estão no Dogma e com isso, o fim e o começo. Ayanami, Lilith, mais uma vez nós tentamos quebrar esse ciclo”.

 

—-

 

A unidade 02 se desconecta da bateria. A mandíbula do EVA se abre revelando uma boca e dentes, e ela corre rugindo e consegue quebrar camadas da barreira do campo A.T. do Anjo com as próprias mãos.

 

Shinji ainda dentro do quarto, ergue o rosto.

 

“Asuka?”

 

Toda a Central está uma bagunça, as pessoas estão gritando e falando ao mesmo tempo, ele consegue ver a Unidade 02 em uma forma bestial, o padrão do piloto são várias linhas pretas.

 

Ele não precisa pedir permissão, a Unidade 01 estava a sua espera, embora possivelmente eles tivessem tentando iniciar a partida do EVA com um dummy.

 

“O piloto da Unidade 01 já se encontra no plug”. Aoba anunciou quase aliviado.

 

“Shinji-kun, preparar para lançamento”. Misato anuncia sem olhar para trás.

 

“O DSS está desconectado, como ele conseguiu isso?” Ritsuko abria pequenas telas no monitor, mas os indicativos que deveriam vir junto da terceira criança desapareceram.

 

Misato tinha um sorriso de lado.

 

“Vai Shinji-kun, Asuka precisa de você!”

 

—-

 

“Asuka! Asuka!” 

 

“Eu vou eliminar o Anjo. Eu vou eliminar o Anjo”. Ela repetia trincando os dentes, como um mantra.

 

“Asuka, está tudo bem agora”.

 

Zeruel lançou um dos raios de energia. A unidade 02 empurrou a unidade 01 para fora do alcance e perdeu um dos braços no processo, um dos braços em forma de navalha fez uma abertura na lateral do Eva e sangue jorrava das duas feridas.

 

Asuka apertou a lateral do abdômen e gritou.

 

Shinji viu a unidade 02 começar a comer o Campo A.T.

 

“Kaworu, Ayanami…?” Ele procura por ajuda, mas consegue vê-los apenas desaparecendo para dentro da NERV.

 

A unidade 02 não precisa de Shinji. Ele sequer tem força para romper o Campo A.T.. Asuka ficaria bem? Ele ainda podia ouvi-la murmurando e lutando pelo canal de áudio, então não era Berserk, mas ele nunca viu o EVA daquela forma.

 

“Misato-san!”

 

“O Anjo e a Unidade 00 estão entrando no Terminal Dogma, nós precisamos impedir o Terceiro Impacto”.

 

Ele salta pelos destroços até achar a mesma passagem que eles. 

 

"Asuka, se você precisar de ajuda, eu volto”.

 

“Não! Eu consigo!”. 

 

Shinji fecha os olhos com força, era doloroso ouvir a voz dela soando desse jeito, mas se existia alguém ali que era verdadeiramente invencível era ela.

 

E ele iria depositar suas esperanças nela.

 

“Eu acredito em você”.

 

Ela sorri.

 

—-

 

Kaworu já se encontrava sobre o mar de LCL do Terminal Dogma, encarando o Anjo. O princípio para toda a vida do planeta e a chave para o fim. O segundo Anjo, Lilith.

 

"Lança da vida. Lança da morte. Eu sou o último mensageiro e aquele que guiará para a porta da vida. Fruto da vida. Anjo. Lilith, eu caio sob seu julgamento. Eu abdico dessas asas e do conhecimento eterno".

 

Seus braços se estendem num convite.

 

"Kaworu-kun, o que está fazendo!?"  A voz de Shinji soa desesperada pelo comunicador.

 

As lanças de Longinus e Cassius recuam como que para tomar impulso.

 

"Ayanami! Ayanami! O que está fazendo!? Parem com isso!". Shinji tenta avançar com a Unidade 01, mas o Campo A.T. o bloqueia.

 

Kaworu olha pela última vez para trás.

 

"Eu sou o Anjo Caído, Shinji-kun".

 

"KAWORU-KUN!"

 

Ele mexe os lábios sussurrando algo. Shinji congela.

 

As duas lanças o atravessam.

 

E o corpo cai.

 

As lanças se transformam numa cruz que crucificam a Unidade 01. Shinji apenas soca os controles. Nada funciona. Nada pode fazê-lo voltar ao tempo.

 

"Eu nunca disse que o amo de volta".

 

O corpo de Lilith toma a forma de Rei. Shinji não se importa mais com o destino da humanidade.

 

—-

 

“O que está acontecendo?”

 

A equipe da NERV está do lado de fora, em uma das saídas, observando o que parece ser o fim do mundo.

 

“E-é o Terceiro Impacto?” Aoba arregala os olhos.

 

O céu está roxo, a Unidade 01 encontra-se flutuando, com um arco de luz ao seu redor, como uma auréola. Lilith, ou melhor Rei, estica os braços, com o EVA na palma de suas mãos.

 

A Unidade 02 no chão olha para os céus.

 

“Nagisa, Ayanami, era isso mesmo que vocês planejavam?” 

 

O Eva está afundado parcialmente na água, boa parte da armadura se foi, revelando pele, possivelmente humana. Asuka só consegue enxergar com um dos olhos, mas ela não tem mais forças para mantê-lo aberto.

 

“Cassius, Longinus, Adão e Lilith. EVA. A fonte de vida dos Anjos e a fonte de vida da humanidade. O EVA 01 é a árvore da vida. Agora somente o filho do Ikari poderá nos dizer se a evolução seguirá ou se iremos ruir no Terceiro Impacto”. Fuyutsuki chama a atenção de todos com suas palavras.

 

Misato olha ao redor, nem o Comandante ou Ritsuko estavam mais ali, eles desapareceram no meio da confusão de Kaworu e Rei no Terminal Dogma.

 

“Shinji-kun…”.

 

A figura de Lilith cria asas. 

 

—-

 

Shinji abre os olhos, o céu é branco, mas toda aquela luz não incomoda seus olhos, ele sente água batendo em seu corpo e percebe que está num mar de LCL, como na beira de uma praia.

 

Não tem cheiro, mas é quente, agradável.

 

Ele vê a figura de Rei sentada sobre ele, ela não é pesada.

 

“Por que você o matou?”.

 

“Esse era um desejo dele”. Ela soa como Rei, mas Shinji não tem certeza se ela é a mesma pessoa.

 

“Eu nunca disse que o amo de volta”. Ele sente as lágrimas escorrendo. Rei não se pronuncia. “Onde nós estamos?”

 

“No renascimento. Aqui não existe dor e sofrimento”.

 

“Então por que eu ainda me sinto desse jeito?”.

 

“Você pode escolher como quer o mundo”.

 

“Eu queria não sentir nada disso, sem esperar a aprovação do meu pai, sentindo falta da minha mãe que eu nem consigo mais me lembrar direito do rosto dela, da companhia da Asuka, de conversar com a Ayanami, do colégio com o Touji e o Kensuke, dos conselhos do Kaji-san, e… Kaworu-kun”.

 

“Você quer um mundo sem esses sentimentos?”

 

Shinji não responde, ele apenas vira o rosto para o lado, encarando aquele universo extenso e vazio.

 

Talvez ela fosse a única forma de não sentir dor. Esquecer.

 

Ele fecha os olhos.

 

—--

 

Shinji escuta o sinal indicando o final da última aula. Ele dá um salto na cadeira. O professor é um senhor de cabelos grisalhos, e sai da sala tão rápido quanto a maioria dos alunos.

 

“Ei. Você viu que saiu um jogo novo?” A voz é tão próxima que por um instante, ele acha que é com ele, mas a garota ruiva está falando com um rapaz de olhos vermelhos.

 

Ele os conhece. Algo dentro dele grita, mas ele não sabe o que é, não são seus amigos.

 

“Vamos até lá? Mas no caminho, você vai me comprar uma bebida”. Kaworu se levanta colocando o material dentro da pasta.

 

Cai um caderno de anotações ao lado do pé de Shinji, ele se abaixa para pegar, Kaworu sequer olhar em seus olhos, tão pouco agradece. Os dois saem andando, conversando e rindo juntos.

 

Ele continua sentado, olhando para o pátio onde ainda observa os dois, eles se encontram com Aida e Suzuhara que estão falando alto, ele quase consegue ouvi-los. Asuka reclama de algo, pisando no pé de Suzuhara e então Ayanami que estava sentada em silêncio próximo a eles se levanta, Asuka e Ayanami seguem conversando na frente, enquanto os garotos ficam para trás, Kaworu com as mãos no bolso rindo da situação.

 

E ele percebe que nunca reparou que seus colegas de classe eram próximos assim, que voltavam para a casa juntos e que combinavam de fazer as coisas juntos. O que ele fez esse tempo todo que estava sempre sozinho?

 

Ele sente os olhos ardendo e leva as mãos ao rosto percebendo que estava chorando.

 

“Por quê?”

 

As lágrimas caem com mais força, e logo ele está soluçando. Não é isso que ele deseja, não é esse tipo de realidade que ele quer. Sem conhecê-los, sem que eles se importem, como se ele fosse invisível.

 

Ele já havia sentido o amor deles antes, por que não consegue mais agora?

 

E então começa a nevar. Os primeiros flocos de neve começam a cair e Shinji estica a mão.

 

‘A primeira neve é para ser apreciada com seus amigos’. Yuy havia dito quando ele era criança. Ele não entendia, achava que tinha a ver com montar bonecos de neve e brincar. Ele queria entender o significado daquelas palavras.

 

—-

 

“Essa é a sua escolha?” Ayanami pergunta quando ele abre os olhos. “Você vai acabar se machucando”.

 

“Kaworu-kun era um Anjo, ele falava coisas difíceis de entender… Mas ele sempre me protegeu”.

 

“Nesse mundo você está seguro”.

 

Ele ergue o corpo, fazendo com que Rei saia de cima de si. Os dois continuam sentados na beira do mar de LCL.

 

“Eu já desejei isso uma vez, antes de abrir o meu coração, eu não quero voltar atrás. Eu quero um mundo com os meus pais, a Misato-san, Kaji-san, Asuka, Ayanami, Touji, Kensuke, Kaworu-kun, com todas as pessoas, eu quero a felicidade delas”.

 

“Esse mundo que você deseja, também existe dor e medo”.

 

“Tudo bem”. Shinji sorri e estende a mão a ela. “Todos protegeram os meus sentimentos, é a minha vez de retribuir”.



EPÍLOGO

 

No primeiro dia naquela cidade, Shinji não espera nada diferente de sua vida até então, os pais trabalham em laboratório, então de alguma forma eles estão sempre se mudando, passaram os últimos cinco anos no interior, mas agora decidiram ficar instalados em uma cidade maior, para melhorar os estudos de Shinji, não que ele precisasse, mas para concorrer numa Universidade, seria importante um ensino mais preparatório.

Ele ainda não tem certeza do que queria fazer, a ideia de ficar em um laboratório como seus pais, parecia um pouco monótona, como se fosse viver uma vida que ele já conhecia, com a mesma rotina.

“Parece que vai fazer frio, não se esqueça das luvas”. Yuy fala da cozinha.

“Boa aula, Shinji”. Gendou diz abaixando o jornal.

Ele sorri para os pais. Calça o sapato na entrada e caminha para a estação, ele estava acostumado a ir para o colégio de bicicleta, mas com o trânsito da cidade, ele ainda não sabia se era uma boa ideia.

No trem ele vê vários estudantes com diferentes uniformes, alguns parecem concentrados com livros e anotações, outros com jogos e fones de ouvido. 

O celular vibra com mensagens de seus dois amigos de lá. Ele respira fundo, não é bom em fazer amigos.

A Cerimônia de entrada é no ginásio coberto, eles estavam em pleno inverno, como já era de se esperar, muitos alunos já estudaram juntos, e se concentram em pequenos grupos de amigos se abraçando e comemorando estarem na mesma turma.

A sala de aula é grande e ele consegue se sentar próximo da janela, as aulas são silenciosas. No intervalo, alguns alunos começam a conversar com as pessoas próximas de suas carteiras, outros alunos se aproximam e começam pequenas conversas.

O garoto sentado em sua frente tem os cabelos prateados, ele olha quando Shinji desvia o olhar, ele sente que está sendo observado, mas não tem coragem de encará-lo. Ele chega a abrir a boca como se fosse dizer algo, mas muda de ideia.

“Kaworu, eu quero o meu pão com curry, vamos logo”. Uma garota ruiva anuncia parada na porta, ela sentava na outra fileira um pouco mais a frente.

Shinji escuta outros alunos falando sobre ela, como ela era bonita, outros murmuram para não perder tempo, que a alemã tinha um gênio forte.

Ele não pretendia comer na cafeteria, e tira o bento de dentro da mochila, na outra extremidade da sala, uma garota de cabelos curtos fazia o mesmo.

Shinji olha para o pátio, não havia muitos alunos por ali devido ao frio, ainda não havia começado a nevar, mas era só uma questão de tempo.

Quando Shinji escuta o sinal indicando o final da última aula, ele dá um salto na cadeira. O professor é um senhor de cabelos grisalhos, e sai da sala tão rápido quanto a maioria dos alunos.

“Ei. Você viu que saiu um jogo novo?” A voz é tão próxima que por um instante, ele acha que é com ele, mas a garota ruiva está falando com o rapaz de olhos vermelhos.

“Vamos até lá? Mas no caminho, você vai me comprar uma bebida”. Kaworu se levanta colocando o material dentro da pasta.

Cai um caderno de anotações ao lado do pé de Shinji, ele se abaixa para pegar, Kaworu sorri para ele.

“Obrigado, Ikari-kun”.

“Shinji”. Ele o corrige imediatamente. “Você pode me chamar de Shinji”.

Kaworu pisca os olhos surpreso, era a primeira vez que eles se falavam, então seria estranho chamá-lo pelo primeiro nome, Shinji escuta o próprio coração martelar e o rosto aquecer de vergonha.

Mas de alguma forma, ele queria se aproximar dele. Dos dois.

“Você… Quer ir com a gente?” Ele soa incerto, olhando na direção de Asuka que apenas dá de ombros igualmente confusa.

“Eu…”.

Eles não são amigos. Algo em seu peito dói com esse pensamento.

“Sim”. 

“Você gosta de jogos também Ikari?” Asuka pergunta com um sorriso amigável.

“Um pouco”. 

Ele anda um pouco atrás, Kaworu e Asuka andam ombro a ombro, as vezes se esbarrando de propósito e empurrando um ao outro na beirada da calçada, eles parecem irmãos.

Shinji se sente menos sozinho de alguma forma.

Eles param numa pequena loja, enquanto Asuka retira algumas moedas para pegar a bebida de Kaworu na máquina do lado de fora.

“Me desculpe por fazer você vir junto nesse frio”. Kaworu assopra as mãos, o ar gelado escapa por seus lábios.

O céu cinza traz um vento que dói o rosto. Asuka não reclama, mesmo usando saia.

“Não, eu quem concordei… eu… eu fiquei feliz por ser convidado”. Admite baixinho, com as bochechas coradas.

Kaworu apenas assente. Asuka joga uma bebida que ele pega no ar.

“Ei Ikari, você quer alguma coisa? Aproveite enquanto eu estou sendo generosa”.

“Er.. não, obrigado”. Ele coloca as mãos no bolso e consegue sentir as moedas geladas, mas ir até a máquina e apertar um botão parece uma prova de coragem.

A loja de jogos não fica longe e eles conseguem ver alguns outros estudantes ali, ele reconhece Aida e Suzuhara que são da mesma classe, mas eles também não são amigos. 

“Eu não sabia que o lançamento era tão popular”. Asuka olha surpresa em volta.

“Não é isso, estamos vendo a Ayanami surrar o Touji”. Kensuke aponta para a máquina de jogos, Touji ocupa uma cadeira e Ayanami a outra, eles estão em alguma partida de luta.

Touji aperta os botões furiosamente, Rei mantém uma expressão séria, enquanto move os dedos agilmente pelo controle.

“Uau, Ayanami você é muito boa!” Asuka abre caminho entre os alunos e fica próxima, Rei está totalmente concentrada.

Shinji se vê interessado naquelas pessoas que agora fariam parte de seu dia a dia, no passado ele nunca se preocupou em conhecer nada além do que sua própria bolha. Ele se via quase ansioso pelos próximos dias.

Mesmo após dez minutos as pessoas continuam investidas na torcida, Kensuke está recolhendo dinheiro dos alunos. Asuka está fazendo campanha para Rei, e aparentemente esqueceu que estava indo comprar algo.

“Quais são as suas apostas?” Kensuke para na frente dos dois.

“Ayanami”. Kaworu sorri dando uma nota.

“E você Ikari?”

“Er... “ Ele olha de um para o outro.

“Touji é bom, ele está sempre aqui”. Kensuke incentiva.

“Ayanami é especial”. Kaworu completa.

“Ela é”. Ele se viu concordando mesmo saber exatamente o porquê.

Kensuke se afasta quando recolhe as apostas deles e foi para o próximo aluno. Shinji acaba rindo de toda a situação. E aproveita o momento para mandar uma mensagem para a mãe avisando que iria chegar um pouco mais tarde, pois estava com… amigos? Acabou apagando a mensagem e escrevendo que estava numa loja de jogos dando uma olhada em algumas coisas.

“Toma”. Kaworu estica a mão e entrega um copo de chocolate quente.

“Eu… er… obrigado”. O copo quente é um alívio, já que havia esquecido as luvas em casa.

“Você realmente gosta de jogos ou disse isso apenas para vir conosco?”

Shinji foi pego de surpresa pela pergunta repentina, suas bochechas coram, não era mentira, ele gostava de jogos, mas a última vez que jogou algo foi quando era criança. Ele nem tinha um video-game atualmente.

“Tudo bem, não precisa dizer”. Kaworu termina a própria bebida.

“A vitória é de Ayanami!” Kensuke anuncia para a alegria de muitos. Asuka está erguendo o braço de Rei, enquanto as pessoas aplaudem.

A movimentação na loja aumenta e Kaworu e Shinji decidem ficar do lado de fora, soprando ar gelado. Shinji estica a mão e um pequeno floco de neve cai bem no meio.

“Já começou a nevar”. Kaworu pende o pescoço para o lado para ver a neve caindo. “Você vai ficar bem?”

“Hãn?”

“Você está sem luvas”.

“Ah, eu vou sobreviver”. Shinji esconde as mãos no casaco, seus dedos estavam mornos ainda graças ao copo quente de bebida.

“Não é o bastante”. Kaworu tira as próprias luvas e pega o pulso dele para ajudá-lo a vestir as luvas.

“N-não é necessário, Nagisa-kun”. Ele tenta relutar, mas Kaworu segura suas mãos, ambos estão sem luvas agora. As mãos dele estão agradavelmente quentes.

“Kaworu. Eu te chamo de Shinji-kun, e em troca você me chama de Kaworu”.

“Ka-Kaworu-kun, não precisa…”. Ele não consegue olhá-lo nos olhos, enquanto sente o rosto arder.

“O que vocês dois estão fazendo?” Asuka pergunta com a mão na cintura encarando seu amigo de infância e o novato basicamente de mãos dadas.

“Shinji-kun esqueceu as luvas, ele vai usar as minhas”.

“Nossa, que cavalheiro você é, quando eu esqueci as minhas, eu não lembro dessa gentileza”. Asuka debocha passando por eles e começando a andar na frente.

“Eu ofereci as minhas meias para proteger os seus dedos”. Kaworu conta com um sorriso divertido.

Shinji segura o riso.

“As meias!” Ela repete indignada. “Quem bom que o Ikari é especial assim, você vai ser o incrível Shinji”. E aponta o dedo na direção dele.

“Er…” Shinji apenas encara sem saber o que dizer com isso, ou se era uma coisa boa.

“Sinta-se honrado com seu novo título”. Ela joga os cabelos com um ar dramático.

“Você vai ouvir isso muitas vezes, vá se acostumando”. Kaworu sussurra e Shinji começa a entender o relacionamento deles e sobre a impressão que a Alemã causa nas outras pessoas, mas ao contrário do que ouviu, ela é cheia de energia.

“A minha casa é para o outro lado”. Ele para no cruzamento, quando Kaworu e Asuka começam a seguir na direção oposta.

“Você veio comprar o jogo com a gente, pelo menos jogue conosco”. Asuka diz sacudindo a sacola da loja.

“É Shinji-kun, não tem dever de casa nem nada, você precisa voltar tão rápido?” 

“Eu…” Seu coração acelera de felicidade, ele não esconde o sorriso. “Não, eu só preciso avisar a minha mãe”.

“Claro”. Asuka concorda. “Eu moro aqui perto”. Diz apontando para um prédio amarelo na outra quadra.

“... Mãe? Sim, tudo bem. Ah, não, eu não comprei nada, mas… hmm…” Ele desvia os olhos do olhar curioso de Asuka e Kaworu. “E-eu vou jogar na casa de uns amigos, se não tiver problema. Ah…”

“Nós devolvemos o Shinji-kun em algumas horas, para o jantar ainda!” Asuka fala alto.

“Baka”. Kaworu bagunça os cabelos dela. “O que a mãe dele vai pensar ouvindo você falar desse jeito?”

Shinji ri discretamente. “Sim. Obrigado, mãe”.

“Você vai ter que ir até a casa dele se desculpar”. Kaworu balança a cabeça negativamente, Asuka devolve com uma careta.

“O que ela disse?” 

“Para convidá-los para o jantar para retribuir o convite”.

“Nós aceitamos!” Asuka junta o braço no de Shinji e no de Kaworu, ficando no meio deles, enquanto eles caminham pelo meio da rua. “Precisa de um lugar para a Ayanami também, ela vai lá casa mais tarde”.

“Rei é a menos barulhenta, você vai gostar dela”. 

Shinji sorri. Ele olha para o céu, sua mãe uma vez havia dito que dividir a primeira neve do ano na presença de amigos era um momento especial. Ele consegue entender o motivo. Kaworu, Asuka, Rei, ele já os considerava como amigos.

E tão rápido quanto o ritmo daquela cidade, ele se vê preenchido por essa sensação quente no peito.

Ele finalmente se sente completo.






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Notas finais do capítulo

Foram 11 anos até a conclusão, bom foram uns 6 anos de hiatus basicamente, mas acho que já disse anteriormente, o Shinji é um personagem difícil de escrever, e todas as vezes que tentei continuar, eu não gostava do resultado.
Fico feliz por conseguir a inspiração para concluir, e obrigada a todos que acompanharam!



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