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LadyMacbeth
ID: 81530
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  • 13/03/2011


  • Se você vive no planeta Terra e não passou os últimos dez mil anos escondido em alguma caverna, você provavelmente já ouviu falar em escritores.

    Claro, aquelas pessoas que escrevem, seria a sua possível afirmação. Essa afirmação, no entanto, estaria errada. Ou imprecisa, pelo menos. Mas imprecisa a ponto de estar errada. Porque um escritor, de verdade, não é alguém que escreve. Talvez existam até mesmo escritores que nunca pegaram num lápis, numa caneta ou num teclado em toda a sua vida. Escritores analfabetos, escritores sem papel, escritores que tem medo demais para se entregar à tarefa que nasceram para realizar. Não, não. O que separa um escritor de uma pessoa normal - e se você já ouviu falar em escritores, também já deve ter ouvido que eles definitivamente não são normais - é que escritores vêem. Um tanto obsessivamente, também.

    Obviamente, não estou falando de olhos, nem nada. Assim como podem existir escritores analfabetos, imagino que também possam existir escritores cegos. Surdos. Mudos. Alcoólatras. Hidrófobos. Anti-sociais. Arrogantes. Extrovertidos. Vítimas de déficit de atenção ou transtorno obsessivo compulsivo. Presunçosos. Escritores que matam elefantes e escritores que nunca saíram de seus quartos escuros e empoeirados. Escritores que já venderam milhares de livros e escritores que só tiravam nota zero nas aulas de redação da escola. Escritores que só conseguem trabalhar no computador, com letra Times Nem Roman tamanho 12 e margens de 2,5 cm, e escritores que compuseram sua última obra prima num pedaço de guardanapo que acabou no lixo. Escritores imortalizados nas melhores bibliotecas e revistas literárias e escritores massacrados pela crítica, muitas vezes com justiça. Escritores que têm a sua suprema obra-prima terminada na cabeça e que nunca vão transcrevê-la, e escritores que anotam cuidadosamente cada verso que lhes ocorre, aterrorizados diante da perspectiva de perder sua imortalidade nas areias do esquecimento.

    De um jeito ou de outro, todos eles têm aquela estranha e terrível capacidade de enxergar. E eles simplesmente não conseguem desviar o olhar. Um homem sentado num banco ensolarado do ônibus, uma rosa murcha abandonada ao pé de um poste sujo, o grupo de amigos que ri e pede mais uma cerveja no canto do bar. Tudo é visto, tudo é computado e, de alguma maneira estranha, tudo ganha significado. A rotina cansativa e desinteressante torna-se a crônica de uma geração desiludida, os carros no engarrafamento viram dragões que só serão vencidos com a conquista das sete pedras geminadas, o casal que segue abraçado pelo parque está unido por laços de comodismo, medo e abnegação que se confundem com amor eterno e incondicional. E a mente não descansa, não relaxa, não esquece, enquanto cada nó estiver convenientemente atado ou desatado, enquanto o ponto final não estiver colocado.

    Eu sou uma escritora, e isso não é uma profissão, nem um dom, nem um modo de vida. É só inevitável.