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Maiara Winkler
ID: 760212
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  • 16/02/2018


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    21 de setembro de 1836

    "Este é o presente de aniversário que ganhei de Louis. Use como quiser, ele disse. Mas talvez fosse interessante copiar aqui os poemas que me agradarem, e lê-los para ele de vez em quando. Não entendo exatamente o que quer dizer meu aniversário. Será que eu nasci no dia 21 de setembro, ou foi nesse dia que larguei todas as coisas humanas e me tornei o que sou?  

    Os cavalheiros meus pais estão sempre relutantes em esclarecer questões tão simples. Parece até que é de mau gosto mencionar esses assuntos. Louis faz ar de perplexidade, depois de infelicidade, antes de voltar ao jornal. E Lestat, ele sorri e toca um pouco de Mozart para mim, depois responde, dando de ombros: — Foi o dia em que você nasceu para nós.

    Naturalmente ele me deu uma boneca, como sempre, uma réplica minha, sempre usando uma duplicata do meu vestido mais novo. Manda buscar essas bonecas na França, faz questão que eu saiba. E o que eu deveria fazer com ela? Brincar, como se eu fosse uma criança de verdade?

    — Existe aí alguma mensagem, meu amado pai? perguntei-lhe esta noite. — De que eu própria serei uma boneca para sempre? — Ele já me deu trinta dessas bonecas ao longo dos anos, se a memória não me falha. E a memória nunca falha. Cada boneca exatamente igual ao resto. Não iria haver lugar para mim no quarto, se eu ficasse com elas. Eu as queimo, mais cedo ou mais tarde. Despedaço os rostos de porcelana com um atiçador. Fico vendo o fogo comer os cabelos. Não posso dizer que gosto de fazer isso. Afinal, as bonecas são lindas. E se parecem mesmo comigo. No entanto, esse é o gesto correto. A boneca espera isso. E eu também.

    E agora ele me trouxe outra, e depois fica parado à minha porta olhando para mim, como se minha pergunta o ofendesse. E de repente tem uma expressão de tanta raiva que eu penso: este não pode ser o meu Lestat. Gostaria de poder odiá-lo. Gostaria de poder odiar os dois. Mas eles me derrotam, não com sua força, mas com sua fraqueza. São tão amorosos! E tão agradáveis de se ver. Mon Dieu, como as mulheres correm atrás deles! Enquanto ele estava ali de pé olhando para mim, vendo-me examinar a boneca que ele me dera, perguntei rispidamente:

    — Está gostando do que está vendo?

    — Você não as quer mais, não? — ele sussurrou.

    — Você quereria, se fosse eu? — perguntei.

    A expressão no rosto dele ficou ainda mais zangada. Nunca o vi daquele jeito. Um calor ardente subiu-lhe ao rosto, e ele piscou para clarear a visão. Sua visão perfeita. Saiu e foi para a sala. Fui atrás dele. Na verdade, eu não suportava vê-lo daquele jeito, mas fui atrás dele.

    — Você gostaria delas, se fosse eu? — insisti.

    Ele me encarou como se eu o assustasse, ele um homem de um metro e oitenta e eu uma criança com no máximo a metade disso.

    — Você me acha bonita? — perguntei.

    Ele passou por mim, desceu o corredor e saiu pela porta dos fundos do apartamento. Mas eu o alcancei. Agarrei sua manga, quando ele estava no alto da escada.

    — Responda! — falei. — Olhe para mim. Que é que está vendo?

    Ele estava num estado horrível. Pensei que fosse se desvencilhar, rir, mostrar sua exuberância costumeira. Mas em vez disso ele caiu de joelhos na minha frente e  agarrou  meus braços. Beijou-me  com força  na boca.

    — Eu te amo! — falou. — Eu te amo! 

    Como se fosse uma maldição que me jogava. Depois re­citou-me este poema: 

    Cubra o rosto dela;

     meus olhos se ofuscam;

    ela morreu jovem.

    Webster, tenho quase certeza. Uma daquelas peças que Lestat tanto adora. Fico pensando... será que Louis vai gostar desse poeminha? Não sei por que não. É pequeno, mas muito bonitinho."

     

    — Anne Rice, A Rainha dos Condenados