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srtadangerous
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  • 17/10/2010


  • Eu fiz uma descrição no estilo The Host pra vocês saberem bem com qual maluca paranóica estão lidando. É como se fosse a minha última lembrança, e é claro que não são obrigados a ler se não quiserem. Enfim, está aí:

     

    Começo e Fim

     

    Assim como fui alertada quando saí do planeta das Flores, tudo começou pelo fim.

    -Tchau meu bebê- Disse abraçando o garotinho de cabelos castanhos e cacheados, hoje com quatro anos, ajoelhada junto à porta para diminuir a nossa diferença de altura. Meu irmãozinho, que eu cuidei desde que nasceu com tanto amor, estava se tornando cada vez mais parecido comigo, a minha cópia pra ser mais precisa.

    -Tchau Fifia- Respondeu carinhosamente, usando o apelido besta que ele mesmo inventou assim que aprendeu a falar.Minha mãe gostou dele e o usa também, de vez em quando, apesar disso ter me deixado chateada no começo.Eu já tinha um nome bastante curto e bonito, não precisava de variações.Sofia, esse é o meu nome.Sou uma adolescente agora,  o ensino médio deixou de ser um sonho distante e agora eu o estou vivendo.Estudando à tarde sempre, devorando livros sobrenaturais, tomando Milk shake de açaí e caminhando. Essa foi minha vida até agora, mantenho sempre minhas notas na média e muitas vezes acima delas.

    Andei até o carro devagar, por causa da chuva, eu não queria melar meu All Star novinho de lama.Eu não gostava de modismo, mas fazia tanto tempo que as pessoas usavam esses sapatos que eles já não eram apenas moda, e sim clássicos.

    A cidade estava um tanto vazia, o “inverno” daqui fazia as pessoas não quererem sair de casa, às vezes chovia dois dias inteiros. Era meio estranho morar em um lugar onde todos diziam não “existir”, as pessoas sempre faziam piada sobre isso e eu não gostava. Sou do estado do Amazonas, o maior desse imenso país chamado Brasil. Ao contrário do que muitos pensam, aqui não é só verde ou bichos andam pelo meio da rua.Isso me faz até rir às vezes. Aqui há cidades encantadoras, com muitos parques e com riqueza em detalhes. Estávamos no período de inverno amazônico, não faz frio, mas chove muito.Aqui faz frio às vezes. Em junho e julho faz próximo de oito graus, ou menos. Eu gosto do frio. Minha pele parda um pouco pálida diz bem isso.

    Fui deixada na rua de baixo, perto do colégio, no centro da cidade, por meu pai que seguiu para a escola onde trabalhava somente no período da tarde, ele era professor lá e em faculdades, e minha mãe também. Eram dois filósofos famosos por aqui. Muito admirados, e eu sentia orgulho deles.

    Andei tranquilamente pelas ruas e entrei em uma galeria repleta de lojas chics. Cada par de sapatos em uma loja dessas custava o que uma pessoa precisaria pra sobreviver por pelo menos meio mês. Mas isso não as deixava vazias, muito pelo contrário. Aquela galeria estava sempre cheia da gente, não importava à hora. Talvez muitos ali estivessem apenas fazendo como eu, economizando tempo e evitando se molhar, já que a saída dela dava na rua quase em frente ao colégio. Sentei um pouco em um banco próximo a saída esperando a chuva passar mais, até que ela se tornou apenas uma leve garoa. Permaneceria assim até a metade da tarde, onde ou pararia de vez, ou voltaria mais forte.

    Na porta da galeria havia uma lâmpada baixa, o que chamou minha atenção para três mulheres que entraram na loja de perfumes, pelas roupas eu soube que trabalhavam lá. Todas tinham olhos com um brilho prateado. De repente um arrepio passou pela minha espinha e meus braços também se arrepiaram. Tentei me acalmar, só podia ser mais uma invenção da indústria, mais uma moda, dessa vez eram lentes de contato sinistras e arrepiantes.

    Saí dali a passos rápidos, encontrando no caminho pessoas com as mesmas lentes. Eu já estava me acostumando com aquele brilho prata. Logo logo essa moda passaria e todos seriam normais outra vez. Senti outro arrepio, quase um pressentimento, que eu tentei ignorar. Coloquei meu cabelo castanho - com pontas levemente loiras - encaracolado atrás da orelha e subi a rua da escola, onde uma Anne nervosa me esperava embaixo de uma das árvores.

    Era difícil imaginar que a minha quase inimiga no ano anterior se tornasse a minha melhor amiga agora.

    Aproximei-me dela e vi que no fundo dos seus olhos completamente negros havia uma insinuação de prata.

    -Até você? – Perguntei fazendo uma careta – Acho bom tirar essa coisa antes de andar comigo.

    -O que? – Ela parecia estranhamente fora do mundo hoje. Parecia... não ser mais a Anne.Mas com certeza isso era só a minha imaginação fértil.

    -Os olhos..eles são sinistros. Tira isso – insisti

    -Quanto tempo ainda têm até começar as aulas? – Perguntou parecendo ainda mais nervosa enquanto eu olhava no meu delicado relógio de pulso.

    -Vinte minutos. – Levantei o rosto para encará-la – Anne você está bem? Eu posso te ajudar?

    -É claro que eu to bem, não se preocupa tá? Eu só tava com medo de não dar tempo de te levar à loja de perfumes, há uma fragrância nova e eu queria muito experimentar.

    -Então acho melhor a gente se apressar, não me sinto bem chegando atrasada.  –Concordei.

    -Não vai demorar e nem doer. Rápido e fácil.

    Não entendi essa parte do doer, mas não iria perder meu tempo tentando entender a Anne. Ela era tão difícil e esquisita quanto eu.

    Fizemos o caminho de volta na metade do tempo que eu demorei indo, Anne me arrastando pelo braço entre as pessoas. Entramos na loja onde as três mulheres trabalhavam.

    -Boa tarde, queridas! – disse uma das mulheres com um sorriso gentil, o que me fez sentir grande uma culpa por ter tido medo dela antes. – Posso ajudá-las?

    -Sim, gostaríamos de ver a nova fragrância. – Se não tivesse tão paranóica esses últimos dias eu podia jurar que Anne deu uma piscadinha pra vendedora. A mulher rapidamente disfarçou.

    -Só um momentinho, vou pegar uma amostra – Disse retirando-se.

    Fui até a frente de um espelho enorme onde havia amostras de maquiagem. Olhei para o meu rosto por um longo tempo, notando como ele tinha uma forma oval e como meus olhos castanho-escuros podiam parecer mais claros dependendo da luz. Meus lábios eram cheinhos, de uma cor rosa pálida e minhas bochechas estavam sempre vermelhas de tanto rir o tempo inteiro. Desviei os olhos para minhas mãos enquanto Anne se aproximava com a vendedora ao seu lado. Eram mãos macias e finas, com dedos de criança e unhas grandes para aliviar essa impressão de pequenina.

    As duas me cercaram, enquanto a vendedora pegava o perfume e colocava em uma pequena folha, que ela me deu. O perfume tinha um cheiro maravilhoso, eu iria comprar um pra mim. Mas quando me mexi para pegar o frasco a minha cabeça girou e eu caí atordoada nos braços das duas garotas ao meu lado.

    -Eu... eu...por que? – Tentei formular uma frase, mas as palavras não se organizavam mais como deveriam. Eu me vi perdendo os sentidos. Deixei o vazio me engolir.

     

     

    -Ela não responde, já deveria estar acordada há duas horas. –Uma voz leve de mulher falou ao meu lado.

    -Talvez você devesse chamar pelo nome da sua hospedeira. Pode funcionar. –Outra voz, dessa vez mais profunda, um homem.

    -Sofia? Meu bem, acorde. Olha, nós estamos ficando desesperados. Nos dê ao menos um sinal de que está me ouvindo. Sofia?

    Minhas pálpebras tremeram ao ouvir o nome dela. Esse corpo reconhecia o nome. Eu queria abrir os olhos, mas a luz era insuportável. Fui me levantando devagar, sentando em algo que parecia uma maca. As mãos da mulher continuaram agarradas às minhas.

    -Ela se foi? –Perguntei com um caroço na garganta. Ouvi dois suspiros aliviados ao ouvir o som da minha voz – Ela era tão doce... estava apavorada. -Comecei a chorar.

    -Shhh, sinto muito por isso, Flor, deve estar sendo difícil pra você. O fim é apavorante. -Continuei sem abrir os olhos, mas pude sentir a mão macia dela em meus ombros, me consolando – Ela nunca mais vai voltar.

     

    Fim