eu queria te dizer que eu não sou assim
o que você enxerga agora
é alguma coisa
do que restou de mim
eu não era assim desesperada eu não
derrubava as coisas sem querer eu não
tropeçava em flores
eu queria te dizer que eu não sou assim
eu não costumo falar tanto sobre o nada
eu não sou de escrever eternidades
meus poemas são sempre momentâneos
como moscas
poemas que são moscas
eles pousam sugam um pouco de você
e vão embora
amanhã já não fazem mais sentido
eu queria te dizer que eu costumava cantar
bêbada no meio da rua
às 3:40 da madrugada eu costumava subir
em árvores e pular muros
eu não era assim eu não almoçava na hora
do almoço eu não dormia na hora de dormir
eu era boneca ventríloco
dessa geração-caos que não rouba carros
eu era a não-se-aproxime-de-mim porque sou
tóxica
eu era uma dinamite
alguém me disse
— ei diabinha,
você não parece mais a mesma onde estão
seus band-aids onde estão seus hematomas?

e eu queria te dizer que eu não era assim
eu era
pior eu sempre fui pior
eu nunca quis ser amada
eu nunca fui elegante
eu nunca fui bem arrumada

— iago souza, 26 de novembro de 2017