Yellow Butterfly escrita por Tia Rovs


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Sakura consegue o direito de descer até a Terra com a missão de finalmente fazer o que não foi capaz em vida. Como Kakashi reagirá ao vê-la mais uma vez?

Disposição do texto:
"... pensamento..."
"itálico entre parênteses: lembrança"
—fala -descrição da cena -Fala



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Parte II

      Sem poder se conter em alegria e esperança, Sakura disparou dos céus até a Terra assim que obteve o consentimento dos deuses. Pelos deuses! Por tudo o que há de bom! Ia vê-lo mais uma vez! Não era legal? Como estava satisfeita! Não era como estar viva de novo, é claro, mas poderia vê-lo novamente, dizer tudo o que sentia. Estava tão grata! Tão feliz! Mal podia conter os pulos de felicidades que o coração dava.

      Infelizmente, os deuses lhe explicaram que ela não poderia descer até a terra com sua antiga forma, mesmo porque seu corpo devia estar sendo velado e seria deveras estranho se ela se levantasse de repente do caixão. Então, deram-lhe a forma singela de uma borboleta amarela. E devia confessar que adorara aquela forma. Era comum, porém leve, inofensiva e bela. Sem mais poder esperar, abriu as asas e voou até a terra.

      Porém esqueceu-se de que era apenas uma pequena borboleta e que o vento era implacável com esses pequenos animais, incapazes de manterem-se estáveis. A pequena Sakura sentiu medo. Quer dizer, as borboletas que nasceram borboletas sabiam disso. Nunca voaram a alturas tão grandes quanto aquela em que ela voava. Mas era necessário. Nunca diminuiria a altura se não perseverasse e continuasse... mas o vento... Algoz implacável. Não a deixava em paz.

      O vento a jogava em todas as direções, fazendo com que perdesse o rumo. Parecia que enormes pressões passavam pelas asinhas da pequena. Tinha medo que o vento rompesse tais membros. Tinha medo que a cada lufada de ar, ficasse mais distante de seu amado. Que alguma coisa terrível pudesse impedir de uma vez que eles se vissem uma última vez. Como por exemplo... E se a asa se rompesse? Como chegaria até ele? Céus! Ela recebera apenas uma chance! Para vê-lo apenas uma vez mais! Não podia morrer de novo! Não agora que ganhara uma nova vida como borboleta para dizê-lo! Não quando tudo o que mais queria estava prestes a ser alcançado. Era como se estivesse em um deserto há dias implorando por água e quando, finalmente a alcançava, o copo se quebrasse e derramasse todo o líquido.

      Implorou para que as asas agüentassem. E também para que o vento não a levasse para muito longe! Orava para que o vento não fosse um daqueles que levavam para além do oceano. Para algum lugar muito distante. Ou mesmo para que o vento não a atirasse contra nenhuma roseira ou algo assim. Sua única missão era encontrar o homem que amava e ser capaz de demonstrar o que não fizera em vida. Não podia ficar no meio do caminho!

      Estava cheia disso! De ficar no meio do caminho. A meio caminho de lhe confessar, a meio caminho da felicidade. Em sua vida, tudo fora meio caminho... Não queria que o primeiro dia do resto de sua morte fosse tudo a meio caminho de novo!

      Sua nova forma era frágil como o cristal. “Vento! Por favor!”

      “Detenha-se! Segure-se! Por favor, não mate a borboleta!” Ela pedia em pensamentos.

      Estava tão perto! Tivera outra chance! Não era justo! Não agora! Não podia matá-la! Não justamente a ela! Tantas borboletas...

      Se a situação não fosse tão tensa e não estivesse tão apreensiva, teria rido de seu egoísmo evidente. Não que quisesse que outras borboletas morressem, era só que... Precisava vê-lo!

      E então uma rajada de vento ainda maior levou-a sem que ela conseguisse discernir uma direção. Estava trêmula, tanto pelo vento quanto pelo medo. Seria esse seu fim?

Hold on ….
Wouldn’t it be nice ---Don’t kill the butterfly (Hold on hold on)
To spread her wings and fly-----Don’t kill the butterfly (Hold on hold on)
To see you one more time---- Don’t kill the butterfly (Hold on hold on)
To be a yellow butterfly
Segure-se
Não seria legal? --- Não mate a borboleta (segure-se segure-se)
Abrir suas asas e voar----- Não mate a borboleta (segure-se segure-se)
Ver você mais uma ver ---- Não mate a borboleta (segure-se segure-se)
Ser uma borboleta amarela.
XXXXXXX

      E então era isso... Perdera mais uma pessoa que amava. Que sorte a sua, não? Parecia que todos a quem ele realmente amava possuíam o estranho destino de morrer ao seu lado, sem que ele pudesse impedir. Nesse caso, o pior era que, de fato, era sua culpa o ocorrido.

      Encarou o riacho em sua frente completamente frustrado. Como fora idiota! Como fora tolo! E desde quando meio de batalha é momento para declaração? Esse foi seu maior erro! Se não o tivesse feito, talvez ela estivesse ali a seu lado contemplando o rio, falando sobre alguma coisa engraçada. Ou até mesmo dizendo como se sentia em relação àquilo que ele dissera.

      Não sabia, no fim das contas, o que ela achava sobre os sentimentos que ele nutrira quanto a ela. Parecia que aquilo, só servira para distraí-los incapacitando-os de perceber o iminente ataque. Mas ela percebera. E salvara-o. As custas da própria vida.

      Jamais esqueceria aquela imagem. Aquela cena. O pequeno objeto atingindo-a. Ela com o corpo deitado sobre o dele. Os lábios apertados e um brilho intenso nos olhos. Com um esforço, ela estendeu o braço até o local ferido e tirou a pequena seta com facilidade, contudo, no momento seguinte, desmoronou sobre ele. Os grandes olhos verdes o encaravam.

      “-Você está bem? –Ele perguntou em seu ouvido, enquanto a tirava cuidadosamente de cima de si. Ainda que gostasse daquilo, não era a hora. Precisava socorrê-la. Levá-la a algum lugar. Fazer algo para reverter!

      -Sim. –Ela disse incapaz de se mover. Todo o corpo paralisara, senão a cabeça. Seus olhos o encaravam firmemente e queriam transpassar alguma tranqüilidade, ele bem sabia.- Vai dar tudo certo.

     -Você não consegue se mover, não é? –Kakashi perguntou afastando uma mecha de cabelos rosados de seus olhos esquerdo que permanecia fechado desde que a colocara na nova posição e os fios ali caíram.

      -Hum... Não. –Ela respondeu hesitante. Parecia não querer preocupá-lo.

      -Perdoe-me, por favor! –Ele respondeu acariciando seu rosto com suavidade, enquanto lágrimas se formavam em seu olho visível- Eu não devia ter te dito nada! Não agora! Não aqui! É tudo minha culpa!

      -Eu não posso te perdoar. –Ela disse com suavidade de olhos cerrados- Não vejo crime pelo qual deva ser perdoado. Era uma situação tensa. Tem muitos caras aqui que querem o nosso pescoço. E talvez não pudéssemos sair vivos. Era aquele momento ou a omissão eterna. Ao menos um de nós fez a coisa certa.

      Observou-a calado. De que coisa certa ela estava falando? De ela tê-lo tirado da rota do veneno? Não entendera o que dera o efeito dual da frase dela. Apenas queria entendê-la... Ela estava falando nas entrelinhas? Ela não era habitualmente esse tipo de pessoa...

      -Calculo que este veneno deva ser algum paralisante muscular. –Ela continuou com calma mudando de assunto- Entretanto, não foi bem ministrado, caso contrário eu teria morrido há alguns minutos. Meu coração não parou de funcionar. Então deu errado.

      -Quanto tempo temos? –Ele perguntou levemente nervoso. Olhando ao redor e vendo os inimigos aproximarem-se, grande parte rindo, em deleite.

      -Não sei ao certo. –Sakura disse olhando o céu- Talvez minutos, talvez dias. Um veneno mal feito é imprevisível.

      -Eu juro, Sakura! –Kakashi disse abaixando-se e beijando-lhe a testa, ainda com a máscara- Mato um por um e farei que sofram o mesmo que você.

      Então foi com tudo em direção a um dos homens que fez questão de gracejar sobre o estado em que a moça ficara, ainda que não tenha entendido o porquê do veneno não funcionar como devia. Kakashi, sem qualquer hesitação utilizou seu sharingam, eliminando a todos que podia. Roubou a zarabatana daquele que ferira Sakura e acertou a pelo menos dez, pois era o número de setas que tinha. E depois o reforço chegou. E a menina foi levada para o hospital.”

      Tudo por sua culpa. Decidira-se naquele dia que ia declarar-se a ela durante a primeira oportunidade. Antes tivesse ficado calado. Já a amava em silêncio há cinco meses. Por que não suportar mais um dia?

      Talvez porque não agüentava mais vê-la sem que pudesse tocá-la. Ou porque queria abraçá-la de um jeito incompatível com aquele aperto de mão matinal. Ou talvez porque não suportava passar um minuto sem que ela estivesse por perto. E precisava desabafar. Precisava dizer a alguém que estava sendo consumido pela ausência da moça ao seu lado. Mas não podia contar aquilo a ninguém. Ainda que a amasse como a própria vida, sabia que a relação de ambos era maldita. Nunca, em Konoha, acontecera um caso como o deles. Pelo menos não às claras. Um professor e uma aluna. Ainda que não mais conservassem estas funções. Nunca um homem com catorze anos a mais namorara seriamente uma mulher, que não fosse por interesse financeiro por parte dele ou dela. E ele ponderara sobre isso várias vezes. E ainda assim, quando a via chegar com um belo sorriso nos lábios, escolhia estar com ela. Escolhia amá-la. Era como se a pergunta só tivesse uma resposta, como se só houvesse uma opção. Ela. Sempre!

      E o que não fora para ele, vê-la desabar. Levara-a para o hospital. Não saíra de seu lado durante os dois dias mais longos de sua vida. Não era certo que ela estivesse deitada naquele leito. Ela devia ser aquela que cuidava das pessoas não a que era cuidada. Aquilo acabou com o resto de compostura que tinha. Sua mão fechada sobre a dela, como se pudesse transmitir sua alma sadia para junto dela. Como desejara estar no lugar dela todo esse tempo! Tinha certeza que se fosse ela a saudável, tudo seria mais efetivo. Tinha certeza de que uma especialista em venenos como ela era capaz de achar um antídoto até mesmo para um veneno mal-feito. Era claro para ele que ambos sairiam salvos. E ainda que morresse, não se importaria, pois saberia que ela ficara viva. Sã e salva. Viva para poder sorrir e levar alegria àqueles que a rodeiam com toda a energia e vivacidade que aquela mulher possuía.

      Doía a um homem com a idade dele ver a criança que presenciara crescer e se transformar em uma linda mulher simplesmente morrer. Era errado! A ordem natural exigia que os mais velhos como ele, fossem primeiro.

      Mas não! Parecia que alguém no alto dos céus não gostava dele. Sempre levando as pessoas que mais ama. Sempre levando um pedacinho de seu coração com cada uma das mortes. Desconfiava seriamente que Sakura levara a última parte do coração que lhe fora arrancada. De alguma forma, não acreditava mais em justiça divina. Não acreditava mais em felicidade.

      Embora ela pudesse não ser sua mulher, ainda era alguém que ele amava muito e cuja companhia era um dos momentos mais valiosos. Trocaria sua coleção inteira do Icha Icha por apenas uma tarde ao lado dela, conversando em algum lugar.

      E o mais interessante era que ela o fazia bem há tanto tempo, mas só nos últimos cinco meses pudera aperceber-se do significado dela em sua vida. Fora algo tão... natural a admissão de que a amava. Passava um ou dois dias sem nem ao menos avistá-la e ficava louco de saudades. Arranjava desculpas para andar pela rua da casa dela e ver se a luz da janela estava acesa. E quase sempre estava. Tomava coragem e batia lá. Na primeira vez, ela apareceu com uma expressão preocupada por vê-lo. Ele a tranqüilizou dizendo que nada aconteceu. Ela o convidou para entrar e assistir a um bom filme. Ele concordou e pela primeira vez em anos teve momentos de diversão. Um daqueles em que as gargalhadas simplesmente vêm. Sem ter que forçar, como habitual em suas conversas com alguns amigos. Ele ria porque achava graça, não para agradar. Ela fazia questão de falar besteiras sobre o filme e ele de incrementá-las. Não demorou muito para que ele visitasse a moça durante todas as suas noites de folga. Seja para assistir a um filme, jantar alguma nova receita que a moça inventava, seja para jogar cartas... Tudo o que queria era estar com ela.

      Com o tempo, essas coisas não foram mais suficientes. Agiam com a intimidade de um casal, mas nunca sequer trocaram cafunés. Precisava de mais que aquela amizade com gosto de namoro. Precisava de uma verdadeira relação amorosa. Precisa dizer que a amava. Mas... e se ela não correspondesse, como ele bem sabia que ela não faria? Então guardou para si aquele sentimento. Prometeu a si que suportaria até que não conseguisse mais. Até que não tivesse mais como se esconder daquilo. Até que não pudesse mais vê-la sem que quisesse deitá-la no lugar mais próximo e torná-la sua.

      E esse momento chegara na forma de uma missão. Quando a missão viera, eles passavam todo o tempo juntos, ainda que, com Naruto a tiracolo. E ele pôde notar, pela primeira vez, como não conseguia mais guardar aquilo para si. Como sentia ciúmes de quando Naruto se aproximava dela e lhe lançava alguns olhares. Ela o perguntara por várias vezes o porquê da cara amarrada. Ele cansou de dizer que não estava com raiva. Ela o olhava com cara de quem duvidava e continuava. Não agüentava mais dar desculpas esfarrapadas. Ele devia partilhar com ela aquele segredo. Ela devia saber que ele a amava e que, de sobreaviso, seria cortejada por ele descaradamente. Faria de tudo para que ela estivesse ao seu lado como sua mulher. E assim, pela primeira vez, fora até uma missão pensando em uma oportunidade de estar só com ela e dizer-lhe tudo. Mas essa oportunidade não chegou. Naruto parecia incapaz de sair de perto deles e dar-lhe o tempo que precisava. Até que foram atacados por muitos homens que pareciam disposto a matá-los. Então mandou que o jovem de loiros cabelos fosse buscar reforços na vila, que não estava muito longe. E, dessa forma, sentiu que era aquela a hora.

      Seu instinto falhara. Aquela fora a pior hora possível. Justamente a que ele não podia dizer nada. Embora sentisse que morreria se não contasse, ainda era melhor que vê-la morrer bem em sua frente e não poder fazer nada.

      E agora... Bem, eram só lembranças. Viveria apenas de lembranças. As que ela tinha lhe dado. Apenas de possibilidades. O que teria acontecido se ela estivesse viva? O que teria acontecido se, depois que eles tivessem saído do hospital, tivessem ido até a parte abandonada da vila no campo de flores, fazer um piquenique? Talvez tivessem terminado juntos, rolando nos meio das flores, enquanto trocavam carícias ousadas. Ou talvez ela tivesse dito “não” e lhe dado um tapa no rosto e ido embora.

      Mas nenhuma dessas coisas nunca aconteceriam porque ela não estava lá. Morrera por sua causa. Para sempre se lembraria que ele próprio matara as chances de ser feliz. Dera um tiro no próprio coração. Suicidara-se ao vê-la morrer. Pois ela era, com certeza, parte de si.

      Mais lágrimas escorreram por seus olhos. Não! Como os deuses podiam fazer isso com ele? Logo agora que pensava que poderia ser feliz de novo! Logo agora que pensava que poderia ser um homem livre. Livre para ser feliz! No final das contas o homem só nasce com a certeza de que vai sofrer e muito na vida. Não tem direito a felicidade.

      Com as mãos entre o rosto ainda mascarado e, incapaz de relutar contra aquele sentimento, deixou-se chorar livremente. As lágrimas que contivera até agora. A raiva ardendo em seu coração. A inconformidade fazendo com que sentisse vontade em descontar sua ira em qualquer coisa, mesmo que um tronco de árvore. Estava destruído por dentro como uma cidade depois de uma guerra sangrenta. A diferença de si era que as ruínas permaneceriam ali. Nada seria edificada em seu lugar. Era apenas um monte de ruínas que permaneceriam ali até o momento em que morresse. Marcado pelo fogo da ira e da revolta. Não conseguia aceitar a perda. Não depois de provar a sublime felicidade de passar os dias ao lado dela, ainda que como amigo. Amava. O seu oxigênio era a companhia daquela mulher. E seu oxigênio se fora. Quanto tempo tinha antes que morresse asfixiado? A vida toda?

      A vida toda era muito tempo para que sentisse a garganta se apertar buscando por oxigênio e ele nada ter a oferecer. Era muito tempo para que se debatesse sem nada poder fazer para tê-la de volta. Era muito tempo para sentir o sangue perpassando sua veias sem ter com que alimentar suas células. Sem ter o amor para lhe alimentar a vida.

      E aquela dor no peito? Aquela que consumia? Não podia superar. O aperto era forte demais. Ia estourar seu coração antes que fosse capaz de gritar o nome dela. Será que não seria mais fácil que terminasse com tudo? Que fosse atrás dela em outro mundo?

      Talvez a morte acabasse com essa dor. Como o Romeo seguindo até o outro mundo sua Julieta bebendo de seus lábios o veneno. Não beberia o veneno dos lábios dela, mas... Pegou no bolso uma caixinha semelhante àquelas de jóias e a abriu, revelando a seta que a atingira e que ela retirara do próprio corpo. Guardara-a depois que ela a jogara ao seu lado. Guardara-a para sempre lembrá-lo a maior besteira da sua vida. Pretendia colocar em uma espécie de moldura para que todos os dias, ao acordar, olhasse aquilo e visse como jogara suas chances de felicidade pela janela aberta.

      Talvez não estivesse jogando limpo, mas ninguém nunca lhe dissera que era obrigado a agüentar toda aquela dor sem reclamar. Ninguém lhe disse que precisava viver sempre naquela angústia e agonia. E então acariciou a seta inadvertidamente, pouco se importando em ter cuidado para que não se ferisse. E se ferisse, que mal havia? Talvez voltasse a vê-la logo... Naquele lugar que as almas vão depois da morte... Isso se ele merecesse o mesmo lugar que ela...

He’s been sitting on the bay
Lost inside a cloud of darkness
Ele esteve sentado na baía
Perdido dentro de uma nuvem de escuridão

      E foi então que ele sentiu um arrepio súbito. Um daqueles que subiam dos pés a cabeça e que não tinha qualquer explicação. Ou melhor, tinha sim.

      O cheiro de cerejas lhe acariciou as narinas. Envolvendo-o e fazendo com que fechasse os olhos enquanto aquele vento passava trazendo até ele aquele delicioso odor. Pôde senti-la. A sua pequena musa. Por um instante, fechou os olhos e permitiu-se recordar dela com carinho. O cheiro que a pele dela exalava. Como uma vez sentira quando batera a porta dela e ela acabara de sair do banho. O cheiro que ela exalava quando passava o braço por cima dele para pegar a pipoca enquanto viam um filme juntos. Ou o mesmo que ele sentira quando se declarara a ela. E sentiu que mais algumas lágrimas escorriam por seu rosto. Aquele cheiro, de alguma forma, fazia com que ele pensasse que ela ainda estava por ali. Como se de repente ela fosse pular de alguma árvore da mata ciliar e abraçá-lo dizendo que tudo fora brincadeirinha. E como ele brigaria com ela. Mas depois a abraçaria de volta como nunca fizera. Tentando pôr em seu abraço toda a dor que sentira, todo o sentimento que tinha, toda a falta que ela lhe fez...

      Após um longo tempo, quando abriu seus olhos, viu em sua frente uma borboleta dançando junto a brisa. Parecia um tanto inábil, pois não tinha muito controle sobre si, e acabava a mercê do próprio zéfiro. Era uma cena até engraçada. Nunca vira uma borboleta tão sem jeito. Pobrezinha. Apesar de um pequeno animalzinho, também tinha lá seus problemas... Às vezes se perguntava se a vida de uma borboleta não devia ser tão mais simples do que a sua como humano.

      Ela tinha uma cor viva e alegre. Um amarelo brilhante e reluzente. Fazia com que ele quase tivesse vontade de viver novamente. Acompanhou com o olhar a borboleta que tentava seguir contra o vento. Parecia ele com seu destino... Tentara ser feliz ainda que lhe fosse negado. De alguma forma, despertava algum reconhecimento de si próprio naquele diminuto ser.

      A borboleta caiu no chão e grudou-se a ele, enquanto o vento usava de todo seu rigor para carregá-la, mas perseverante, a borboleta continuou ali. O homem sorriu ao ver como a pequena não se entregava e, estranhamente, lembrou-se de alguém. Sakura, claro! Tão persistente quanto a pequenina. Ela sempre era insistente. Só parava quando conseguia o que queria. E talvez por essa semelhança, ele tenha ido até lá, retirá-la do chão e colocá-la na palma da mão, cobrindo com cuidado com a mão esquerda para que o vento não a arrastasse.

      De início, a pequena se debateu, mas depois ficou estranhamente quieta. Quase como se estivesse exatamente onde queria. As perninhas pareciam ter se relaxado.

      Voltou a se sentar no lugar onde estivera e encarara a frágil borboletinha amarela. Tinha as asas naquela cor vibrante enquanto suas bordas eram... Rosadas? Retirou a mão esquerda de cima para observar. Que borboleta diferente! Nunca tinha visto uma borboleta como aquela! Asas amarelas com rosa nas bordas? Era um tom contrastante e talvez ligeiramente escandaloso, mas o satisfazia saber que a perseverança não era a única característica que a borboleta possuía. Os tons rosados, exatamente como os cabelos macios da mulher que amava.

      E o cheiro dela... De onde vinha? O vento que o trouxera, parecia ter ido embora há algum tempo. Talvez para a alegria de sua reduzida copanheira.

      -Sente, amiguinha? –Kakashi perguntou com a borboleta na palma da mão- É o cheiro dela! Acho que ela está por perto.

      A borboleta bateu as asas uma única vez, sem sair do lugar. Ele deu uma risada de leve, porém sem alegria. Não tinha motivo para estar feliz no momento em que o funeral da mulher que ama estava acontecendo. O que achou graça foi que parecia até que a borboleta estava confirmando.

      -Eu gostava desse cheiro. –Ele continuou observando a pequena- Sempre quis saber se era algum perfume que ela usava ou se vinha da alma dela. Eu tenho um palpite, mas gostaria de confirmar.

      A borboleta inexplicavelmente levantou vôo e a meio caminho uma luz forte a acometeu fazendo com que as retinas dele se ferissem, forçando-o as fechar os olhos. Estranho. O dia era ensolarado, mas aquela luz não se parecia com nenhuma que pensara já ter visto. Isso o deixou levemente apreensivo. Mordeu os lábios, sentindo uma inquietação enorme. Uma incapacidade de esperar pelo momento seguinte.

      -Então por que não confirma, Kakashi? –Uma voz clara, doce e extremamente sensual respondeu de onde a borboleta estivera. Parecia bastante emocionada. Aquela voz... Kakashi, por um instante, não pôde acreditar em seus ouvidos. Reconheceria aquela voz em qualquer canto do mundo! Era o timbre que mais amava no mundo. Era a voz dela! Tinha de ser, não? Ou... será que estava tão louco de saudades a ponto de imaginar isso?

When he saw the butterfly
Dancing in the wind
The story goes
He knew that she was still so close
Quando ele viu a borboleta
Dançando ao vento
A história prossegue
Ele soube que ela ainda estava muito perto

      Abriu os olhos rapidamente para ver se não havia pirado de vez e estivesse a imaginar aquilo, como sabia que devia ser. Mesmo assim, a esperança o assolara. Quem sabe não abrisse os olhos e a visse exatamente à sua frente dizendo que estava ótima e que não morrera. Que o laudo fora errado e os corpos trocados. Poderia até ser, se ele não tivesse segurado a mão dela até o último minuto. Se ele não estivesse ao lado dela até que Tsunade detectasse que ela não mais respirava, talvez fosse possível.

      Seus olhos encararam a uma mulher de um metro e sessenta e nove de cabelos compridos tão róseos quanto uma bochecha corada de jovem apaixonada, os olhos mais verdes que o viço de planta recém-nascida em plena primavera e tão vívidos quanto tal planta e o corpo tão esguio... O corpo do qual ele não cansava de observar o movimento dos quadris. Trajava um vestido no tom rosa bem claro.

      -Sakura? –Kakashi chamou com incredulidade, um sorriso inevitável lhe cobrindo os lábios. Os olhos ligeiramente arregalados. Ela estava ali?- Eu não posso crer! Você está mesmo aí?

      A moça aproximou-se calmamente e se ajoelhou em frente a ele, apoiando um dos braços no joelho dele que estava dobrado e erguido a sua frente. Tinha os movimentos suaves como os de uma borboleta.

      -Sim e não. –Ela respondeu encarando-o. Seus olhos encontrando os olhos do homem. A mão parou a meio caminho do rosto do belo amado, mas encorajou-se a continuar e iniciar uma carícia. Sakura não tinha mais nada a perder. Só tempo, se continuasse apegada às suas inibições humanas- Meu corpo mesmo está sendo velado, creio eu. Este aqui é um temporário que recebi para cumprir a minha missão.

      -Missão? –Kakashi perguntou ainda incrédulo. Era capaz de sentir o toque da moça brincando com seu coração. Brincando com sua tez. Com seus sentimentos. E era um toque tão real! Mal podia crer. Tocou-lhe a mão com a própria e devolveu uma carícia às costas da mão da jovem. Parecia querer acreditar que era mesmo a textura da pele dela aquela a que tocava. Mas não havia engano. A carícia dela fazia com que seu corpo vibrasse irrefutavelmente, seu coração já batia tão rápido quanto as notas de uma música heavy metal e um arrepio parecia querer tomar conta de si, embora estivesse tentando controlar-se para que não o tivesse.

      Kakashi baixou o joelho no qual ela se apoiava, fazendo com que ela começasse a cair, por estar apoiada ali, mas no meio da queda dela, puxou-a para cima de si e abraçou-a fortemente.

      A posição na qual ela caiu não era exatamente confortável, mas quem se importava? Os braços dele lhe envolviam a cintura com força. O abraço dele parecia querer fundir a ambos os corpos, fazendo com que não mais pudessem se separar. Fazendo com que ela nunca mais se afastasse de si. Ela estava muito feliz com aquilo. O abraço com o qual ela sempre sonhara. O jeito carinhoso dele para consigo. Tanto tempo acreditara que nunca teria aquilo... Mal podia acreditar que tivera de morrer para estar daquele jeito ao lado dele.

      Uma das mãos dele passeou pelas costas dela sensualmente. Vinham desenhando o caminho de sua coluna vertebral, de baixo para cima. A sensação provocada por tal ato foi arrepiante. Fez com que ela arqueasse o corpo de leve. Podia sentir uma corrente de calor se espalhando dentro de si.

      Ele beijou o alto da cabeça dela, que estava apoiada no peito forte e másculo dele. Ouvia-lhe o coração bater descompassadamente. Talvez pelo susto de vê-la. Talvez pela alegria.

      Aquela sensação... Aquela felicidade em estar nos braços dele! Nunca antes se sentira dessa forma. Nunca antes sentira dentro de si aquela euforia explosiva. Era capaz de sorrir o dia inteiro sem que seu sorriso esmorecesse por um instante. O coração parecia demasiado pequeno para caber aquela euforia que a acometia. A euforia de estar junto ao homem de sua vida por alguns minutos. Alguns meros minutos que levaria como lembrança para a eternidade, para que em nenhum momento se esquecesse que existe alguém que faz com que as partículas de sua alma reajam de imediato com um mero sorriso.

      -Por quê, Sakura? –Kakashi perguntou afastando-a vagarosamente, encarando a bela face da moça- Por que apareceu para mim? Há tantas pessoas que ficariam felizes em ver você. Tantos que querem lhe falar...

      -Porque nenhum deles me importa agora. –Ela respondeu com suavidade, sentando sobre seus joelhos- Porque nenhum deles precisa de mim. Porque nenhum deles lamenta a minha perda como você. Porque nenhum deles me ama como você. Simplesmente porque nenhum deles é você.

      -Eu não entendo. –Kakashi falou observando-a incerto- Você está preocupada comigo?

      -Não exatamente. –A jovem respondeu com um sorriso levemente amargo, em seu tom uma tentativa de divertimento- Receio que minha razão seja um pouco mais egoísta.

      Ele olhou-a ligeiramente confuso. Um sorriso brincava nos lábios da jovem. Era um sorriso ligeiramente amargo.

      -Como assim? –Ele questionou ainda confuso.

      -Eu não teria a paz eterna se não viesse. –Sakura redargüiu mordendo o lábio inferior. Era a hora de dizer. Hora de, finalmente, cumprir sua missão. Não era fácil. Confessar os sentimentos em voz alta nunca fora seu forte. Sempre preferira guardar para si. Entretanto, não havia nada no mundo que quisesse mais que isso. Não neste momento- Não depois de ouvir de você que me amava.

       -Já sei! –Ele sorriu tristemente desviando o olhar do dela para alguma direção aleatória. Ele sabia que esta era uma conversa que deveriam ter. E tinha quase certeza de que isso aconteceria. Ela viera pra lhe dar o fora, claro!- Você voltou para puxar meu pé e assegurar que este velho tarado aqui jamais corra atrás de moças jovens e inexperientes como você.

      -Mais ou menos. –Sakura confirmou com um sorriso brincalhão nos lábios- Voltei para assegurar que você não corresse atrás de outras moças jovens. Eu morreria de novo se visse você com a Ino ou algo assim. Não poderia aceitar que Ino tomasse o que devia ter sido meu se eu não tivesse sido tão tola.

      -O que quer dizer com isso? –O homem de cabelos prateados de repente pareceu muito interessado e encarava-a com algum espanto. O espírito tremendo em antecipação. A ansiedade fazendo com que passasse os dedos pelos cabelos. O coração falhando algumas batidas. Um certo nervosismo assolando-o de súbito.

      -É como eu sempre lhe disse, os homens são rápidos para enxergar as coisas quando é com os outros, mas lentos demais quando é com eles. –Sakura disse com um sorriso debochado no rosto ao que recebeu um olhar exasperado do homem- O que eu estou aqui tentando te dizer, Kakashi, é que eu não poderia passar a eternidade com um arrependimento nas costas. O arrependimento de não ter te dito naquela hora o que esteve travado na minha garganta há tempos. Aquela fora, de longe, a oportunidade que eu estava esperando. A oportunidade que eu não devia ter deixado passar. Eu não poderia agüentar o resto da minha morte sabendo que eu perdi a oportunidade da minha vida porque morri. Eu não podia aceitar. Não mesmo. Não sabendo que eu poderia ser feliz aqui, viva.

      Ela parou para respirar e ele a observou tentando assimilar aquelas informações.

        -E que oportunidade é essa? –Ele perguntou tentando parecer calmo, apesar de estar ansioso por ouvir o que viria. O coração cheio de expectativa, mas ainda assim, desacreditado. E se... Poderia ser, não? Ela poderia amá-lo de volta, não? Mas... Como? Como uma jovem bonita como ela, podia amá-lo?

      -Eu pedi aos deuses que me deixassem ver você ao menos uma última vez para dizer o que não pude dizer naquela hora. Eu quero te dizer que todo esse tempo, eu te amei desesperadamente. –Sakura disse com as lágrimas tingindo de verde-escuro as suas orbes.

      Essa informação o deixou ainda mais incrédulo do que o fato de vê-la a sua frente. Sentiu o coração arder. O que os deuses fizeram?

CONTINUA

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Notas finais do capítulo

Bem, bem... Eu me derreti em água quando escrevi esse capítulo, mas vai muito da pessoa. Na época eu estava extremamente sensível a tudo e qualquer coisa! ^^
Eu gosto bastante da densidade que esse cap atingiu e espero que apreciem também. Mas aguardem o último semana que vem! ;) Aquele é o meu favorito dessa fic! ^^
Agradeço de pronto às reviews do cap passado e ao apoio! ^^ Obrigada por estarem aqui comigo! ^^ Bjks e té +! XD



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