Acordou de sobressalto, sentando na cama, olhando o quarto a sua volta, era um quarto comum de que ele se lembrava dos que já tinha visto, tinha uma pequena cômoda com um laptop fechado, um guarda-roupa de parede e uma janela ampla que deixava a cortina a farfalhar. Olhou o chão e viu uma “coleção” de caixas de papelão espalhadas, levantou andando pelo labirinto de caixas, sentindo que de certa forma aquela bagunça no chão causava-lhe desconforto, seguiu pela porta entrando em um banheiro. Pelo menos ali estava organizado.

Resolveu, então, tomar um banho. Ele entrou no chuveiro, pensando no fato de estar ali, ainda se sentia perturbado pelo “Deus” e pela sua escolha, enfiando completamente a cabeça na água quente por longos minutos até sair, enrolando uma toalha na cintura, e passar uma das mãos no espelho embaçado olhando o próprio reflexo. Foi como ter uma espécie de déjà vu.

Talvez ele fosse daquele jeito quando vivo, o cabelo escuro e molhado grudava no rosto e pode perceber que ainda era exatamente o mesmo Ulquiorra, e embora a pele lhe fosse corada e as marcas das lágrimas tivessem ido embora, ainda era incapaz de sorrir ou expressar qualquer que fosse a expressão, os olhos verdes ainda mantinham-se frios e melancólicos, os mesmos. Tocou o próprio peito e percebeu que a tatuagem do número quatro ainda repousava lá. Estava realmente vivo? Tocou o local onde um dia um buraco de hollow havia ficado e ali tinha uma cicatriz e no mesmo lugar algo realmente pulsava dentro de si. Sabia que aquilo que pulsava lhe indicava vida, era humano.

Vestiu-se e saiu pela outra porta que dava a uma pequena sala integrada a uma cozinha e o caos de caixas ainda se encontrava no chão, respirou calmamente e começou a desembrulhar cada caixa colocando as coisas em cada lugar que lhe parecia apropriado, provavelmente demoraria o dia inteiro, era irritante viver como humano. Passava das quatro da tarde e sua campainha tocara. Não soube dizer o que era, afinal, não estava nem um pouco familiarizado com as engenhocas do mundo dos vivos. Ignorou o barulho feito pela campainha, em seguida dando atenção as pequenas batidas na porta fazendo o jovem moreno deixar o seu atual serviço e ir atender. Abriu a porta calmamente, como faria se estivesse em Las Noches olhando diretamente para seu visitante inoportuno. Era uma moça ruiva, dos olhos acinzentados, sorrindo alegremente, provavelmente se Ulquiorra pudesse ou conseguisse expressar surpresa já o teria feito.

– Mulher... – Ele disse vacilando.

– Mulher? – Ela colocou o indicador na boca mostrando-se confusa. – Oh! Bem, me desculpe. Tenho um nome! Inoue Orihime e vim aqui dar boas vindas a você. – A ruiva sorriu meigamente.

– Você não tem medo? – Ele perguntou seco.

– Medo? – Ela riu. – Meu irmão dizia para que eu não conversasse com estranhos mas... Como é um vizinho novo acho que posso falar contigo, não tenho medo.

Ele permaneceu em silencio.

– Desculpe o incomodo mas... Qual o seu nome?

– Meu nome? Mas ela sabe. –Pensou. – Ulquiorra Schiffer. – Respondeu rápido ainda tentando entender.

– Que nome diferente... Bem-vindo Ulquiorra-san! Moro no andar de cima, se você precisar pode me chamar. – Ela acenava subindo as escadas.

Ulquiorra se sentiu derrotado. Como ela não se lembrava? Talvez fosse a falta das “lágrimas” ou da pele pálida, mas ele ainda era o mesmo e seu nome, ela se lembraria. Pela primeira vez sentia algo estranho, mas ela apenas havia se esquecido dele, não era motivo para sentir aquela sensação lhe queimando o peito. Porque se sentia assim, ela não era apenas um lixo humano?

Orihime subiu para o seu apartamento.

– "O novo vizinho é engraçado." –Pensou. – "Queria poder lhe contar, Kurosaki-kun. Mas... Vou contar para Tatsuki-chan amanhã."

Ela apenas olhava uma página na internet de um site de relacionamentos qualquer olhando as fotos do ruivo, do qual ela jurava nunca ter se aproximado tanto e por quem, mesmo assim, ainda nutria um sentimento apaixonado.