Ela mostrava um olhar preocupado, as sobrancelhas estavam tão contraídas que ele podia jurar que com mais um pouco de força elas se uniriam. Então os olhos se encontraram e ele pode ver o olhar mais doce e aliviado que já recebera da ruiva quando ela desfez a cúpula de luz que o envolvia.

Ulquiorra enfim havia acordado do recente nocaute. No início tudo a sua volta parecia um grande borrão, mas aos poucos ele pode ver todos aqueles a quem ela chamava de companheiros – e que o haviam atacado – esperando para que ele acordasse. Um súbito aperto lhe tomou o peito e buscou o olhar da pessoa mais próxima de si, obviamente, Orihime. A expressão do moreno era desconfiada e confusa, afinal, de alguma forma ela os havia convencido a não atacar ali mesmo.

– Noah... – A ruiva chamou baixo. – Por favor, explique à eles que você... Você é humano!

Ulquiorra ainda olhava em volta procurando palavras que não saiam. Queria poder se explicar, mas de alguma forma aquela tensão de todos olhando para ele com desconfiança não o deixava confortável. Sibilou uma, duas, três vezes, mas realmente não sabia como começar.

– Não vamos lhe morder. - A pequena shinigami aproximou-se trocando o ombro do ex-arrakar. – Precisamos saber a verdade, Ulqu...

– Noah. – Ele interrompeu a fala de Rukia. – Meu nome é Noah.

– Então nos conte Noah! – Renji mostrou um sorriso faceiro.

– Eu... – Noah buscou conforto nas mãos de Orihime. – Preciso daquilo... Preciso encontrar pessoas que são importantes para mim ou eu nunca vou conseguir descansar em paz, não conseguirei viver em paz. É algo importante para mim, eu preciso me livrar disso ou esse buraco no peito nunca irá fechar. Vou roubá-lo queiram vocês ou não, sei dos riscos. O que eu pretendo não é da conta de vocês, de nenhum de vocês.

– Noah eu... Isso é da minha conta! Não vou te abandonar! – Inoue já enchia os olhos de lágrimas.

– Você não tem escolha. – Ishida finalmente havia quebrado o seu silêncio desconfiado e pensativo. – Se é importante para Orihime, você não tem escolha de não nos deixar ajudar. Eu não tenho nada a ver com a Soul Society, de qualquer forma.

– Somos mestres em burlar regras da Soul Society, não é mesmo? E além disso, não a deixaríamos Inoue sozinha nunca. Não com você. – Ichigo se aproimou estendendo o braço para que Ulquiorra se levantasse. – Estamos juntos nisso.

A cena, um tanto quanto estranha vista daquele modo era uma surpresa. Primeiramente pelo fato de duas pessoas que quase se mataram minutos antes dando as mãos. A segunda coisa estranha: Ulquiorra estava realmente sorrindo.

A história e todas as memórias de Ulquiorra foram contadas, cada parte tocava o coração de cada um, afinal, todos ali tinham alguém a quem amavam e decidiram proteger. A decisão foi unânime, eles passariam alguns dias no Hueco Mundo treinando, planejando a chegada a Soul Society e o furto do Hougyoku.

Receberem a ajuda de Neliel, tanto para os treinos como para encontrar as melhores gargantas para a saída de encontro a Soul Society. Iriam separados, em pequenos grupos pois sabiam que teriam de enfrentar principalmente os shinigamis do segundo esquadrão.

O último dia de planejamento havia sido completamente exaustivo. Inoue havia retomado os antigos treinos com Rukia e ajudado a programar a defesa da entrada com Chad. Sentia cada músculo do seu corpo doer, mas estava feliz. Poderia pensar que viver daquela forma, com os amigos e a pessoa que amava por perto, sem perturbações seria perfeito, poderiam morar todos ali.

Entrou em seu quarto, tomou um longo banho e resolveu andar pelas ruínas de Las Noches. Subiu levas e levas de escada encontrando o topo – completamente destruído – de um dos prédios. Parou ali e deu-se conta de que conhecia aquele cenário muito bem, bem até demais. Agora que tinha suas lembranças de volta pode praticamente reviver a cena de ter Ulquiorra se desfazendo em pó ao toque de suas mãos, doía tanto pensar que isso poderia acontecer hoje. Havia sido exatamente ali naquele local onde tudo começara e acabara ao mesmo tempo.

– Engraçado você vir para justamente aqui.

– O que?! – Orihime assustou-se e virou-se de uma vez, encontrando o amado.

– Te assustei? – O moreno chegou perto dela, ainda não havia coragem o suficiente para tocá-la sem que ela o fizesse.

– Um pouco sim! – Ela sorriu. – Eu vim sem rumo, mas aqui foi onde...

– Onde eu morri. – O olhar era vazio e perdido na paisagem destruída.

– É... Naquele dia você... Você... Como chegou aqui? - Inoue levou as mãos ao peito sentindo o rosto queimar em rubor.

– Não lhe encontrei no quarto, cheguei sentindo sua reiatsu. – Ele sorriu para ela e forma doce, nunca ele havia parecido tão humano como nos últimos dias. - Aquele dia foi importante para as minhas escolhas e para minha vida hoje.

– Por qual motivo você diz ser... hm... “Importante”? – Ela mordeu o lábio inferior.

– Naquele dia, parte de mim pode entender pelo quê você lutava. Quando eu senti seu toque eu pude entender de certa forma como o coração era poderoso, como acreditar era poderoso, como tudo o que eu queria com vontade poderia estar sobre a palma das minhas mãos. Mas mesmo assim ainda era tão confuso para mim, por isso eu voltei.

– Então você voltou porque você quis? – A ruiva ficou surpresa.

– Eu fiz uma escolha, então, sim. Eu ainda mantinha uma curiosidade imensa dentro de mim sobre tudo que era humano. Talvez uma ânsia contida de sentir algo extraordinário que só humanos poderiam sentir.

– Mas agora você recuperou suas memórias, seus sentimentos, tudo, você está até conversando, você não falava muito. – Riu.

– Mulher, eu não precisei em momento algum me tornar humano ou recuperar minhas memórias para sentir algo extraordinário.

– Como?

– Eu apenas coloquei meu olhos em você. Hoje eu compreendo que minha repulsa, ódio e tudo mais eram apenas pelo motivo de que eu não entendia o que era amor. – Pela primeira vez ela o via completamente corado.

– Noah... – Orihime se jogou nos braços dele roubando-lhe um beijo. – Nós vamos lutar juntos. Vamos encontrar seus avôs e quando tudo isso acabar eu juro, juro que vamos ficar juntos!

– Nós partimos amanhã e pode ser que algo ruim aconteça. Você sabe. – Ele a repreendia, ao mesmo tempo em que sentia um calor gostoso por ainda estar abraçado com ela.

– Não vai acontecer. – Inoue sorriu encostando sua testa na dele.

Beijaram-se mais uma vez. Finalmente poderiam estar juntos, até mesmo naquele ambiente que era cenário de memórias tristes e completamente caóticas para ambos.

Orihime tinha para si – e estava convicta disso – que se ali, onde tudo parecia ter acabado, algo tão maravilhoso poderia acontecer como acontecia naquele momento, tudo daria certo no fim. Estava certa de que ela seria tão forte como nunca havia sido. Inoue já havia deixado Ulquiorra escapar, literalmente, de suas mãos. Jamais deixaria que isso acontecesse novamente.