Capítulo 98 - Problemas Pesados

- Vai, escolhe logo! - reclamou um dos capitães dos times de futebol da Educação Física, enquanto Dimas (aquele mala ainda estava na nossa sala) tentava decidir entre os três alunos restantes para completar as equipes, a saber, eu, Wilson e Jorjão.

- Cala a boca! Deixa eu pensar! Droga...eu vou ter que levar dois deles para o meu time. Tsc.

- Por mim pode demorar à vontade - falei (não estava a fim de jogar mesmo).

- Parece que um de nós vai enfrentar os outros dois, heim, Daniel? - disse Wilson - Falei que com o Jorjão na nossa sala as coisas iriam ficar mais divertidas.

- Ai, droga...qual de vocês é o menos pior? - perguntou Dimas.

- Menos pior? Não foi você quem perdeu pra gente no basquete ano passado? - falei.

- Ora, seu! - Dimas tentou me agarrar pela camiseta, mas sabia que não faria nada com o professor olhando feio pra ele - Tsc. Tá folgado demais. Vocês só ganharam aquela vez porque as meninas fizeram quase tudo. E além disso aqui é futebol! Futebol! Jogo de verdade! Coisa que você nunca vai aprender a jogar bem, nem em um milhão de anos, falou?

 Se ele tá falando...quem sou eu para discordar que deveríamos nos preocupar com nossas habilidades futebolísticas muito mais do que com nossos estudos? O fato é que Dimas estava demorando tanto que o professor Jubal, nosso detestável professor de Educação Física, já estava começando a ficar irritado.

- Vai demorar muito, Dimas? - perguntou o professor.

- Tô escolhendo, professor....GRRR. Tá bom, já que tá se achando o gostoso, entra aí, Daniel. Vamos ver o que você consegue fazer.

  Não fui o último a ser escolhido, mas quando Dimas falava daquele jeito é sinal de que iria torrar minha paciência o jogo inteiro. Fazer o quê? Lá fui eu. Educação Física...a pior das piores coisas do colégio. Wilson e Jorjão eram as opções do momento.

- Tá legal...hmmm...vai, Wilson, fazer o quê? 

- E o gordinho fica do nosso lado - falou Dimas - Vambora

- Aí, Daniel, parece que sou eu contra vocês, heim? - disse Wilson - Mas relaxa que se a bola chegar em mim eu passo pra vocês.

- Se fizer isso, você morre, tá ouvindo? - retrucou um cara do outro time. Enquanto isso, Jorjão e eu ficamos em algum canto do nosso lado da quadra.

- Devia ter trazido uma  bolacha pra passar o tempo - comentou ele.

- O professor não deixaria comer durante o jogo - falei.

- Eu comeria enquanto ele não está olhando - disse Jorjão - Fazia isso direto ano passado.

- Ei, as comadres aí vão parar de falar e se espalhar mais? Desse jeito vai ficar complicado - reclamou Dimas.

- Tá, tá bom - respondi, indo alguns passos para o lado a contragosto. Aquele Dimas...por que diabos um simples jogo de futebol escolar precisa ser levado tão a sério? Bem, o resto era seguir a velha rotina de sempre: caminhar aleatoriamente pela quadra e fingir que estava participando do jogo. Daí, era só fugir da bola quando percebesse que ela estava vindo na minha direção e deixar o resto do time fazer o trabalho. Quem quer fazer gol são eles e não eu. No meio de minha trajetórias sem rumo, acabei esbarrando em Wilson, que, ao que parecia, estava fazendo o mesmo que eu.

- Ops, desculpe - falei.

- Não foi nada. Mas até que descobri um jeito legal de passar o tempo aqui.

- Sério? Como?

- Se eu tivesse um pedaço de papel daria para visualizar um algoritmo do movimento de cada um dos caras na quadra...e se jogasse isso num programa de simulação, poderia emitir os resultados das melhores combinações de time. Acho que a gente conseguiria se dar bem vendendo um software desses.

- Acho que eles não precisam de software nenhum para deduzir quais as melhores combinações. Basta não ter nenhum de nós nos times.

- Então, talvez se eu fizer uma simulação de quem de nós é o melhor jogador, talvez eles não precisassem pensar tanto na hora de escolher os times.

- Mas é por eles pensarem que demora mais e perdemos tempo de jogo. Se os times fossem decididos rápido, teríamos que jogar essa tortura por mais tempo!

- É, é verdade, olhando por esse lado...

 Enquanto discutíamos, a bola foi para a direção de Jorjão. Meio sem rumo, ele tentou escapar, mas ela simplesmente estava destinada a cair perto dele.

- A bola, gordo! Pega a bola! - gritou Dimas.

- Pegar a bola?- perguntou Jorjão.

- Pega logo a bola! - nosso capitão bronqueava. Jorjão fez o que entendeu. Pegou a bola com as mãos e saiu correndo.

- E agora? O que eu faço? - perguntou ele.

- Não é com as mãos, imbecil! - gritou Dimas - Você tinha que ir levando ela com os pés! Só o goleiro pode pegar ela com as mãos!

- E quem é o goleiro? - perguntou Jorjão.

- É ele! - falou Dimas, apontando para o aluno que estava no gol.

- Ah, então tá - disse nosso despreocupado amigo, lançando a bola na direção do nosso gol. 

- Espera, isso aqui não é handebol! - gritou Dimas, mas já era tarde. Jorjão acabou caprichando tanto no lançamento e o goleiro achou isso tão inesperado que se atrapalhou, deixando a bola entrar.

- Gooool! - gritou o capitão da outra equipe - Gol contra com as mãos ainda! Hahauihauhaha!

- Aí, Jorjão! Fez gol, heim?

- Não valeu! Foi com as mãos! - reclamou o goleiro.

- Ué? Ele disse que só o goleiro podia pegar a bola com as mãos...então joguei para ele - falou Jorjão.

 Não é preciso dizer que Dimas estava furioso.

- Eu...eu...vou te matar, seu gordo!

 As meninas que acompanhavam o jogo fora da quadra riam sem parar. O professor apitou e finalmente vem tirar satisfação com Jorjão.

- Posso saber que diabos vocês estão fazendo? - perguntou Jubal.

- É esse gordo, professor! - falou Dimas, dando um empurrão que não fez nem cócegas em Jorjão - Ele tá sacaneando nosso jogo!

- Mas eu só passei a bola para o goleiro. Não tenho culpa se ele não consegue pegar uma bola lançada com as mãos.

- Com as mãos? Jorge! Há quanto tempo você faz Educação Física? Até hoje ainda não aprendeu que em futebol não pegamos a bola com as mãos.

- Eu sei, mas...

- Ham, ham. Permita-me defender meu amigo, professor - disse Wilson, intrometendo-se na conversa. "Lá vem problema", pensei.

- Wilson? O que foi?

- É verdade que pelas regras do futebol não se pode pegar a bola com as mãos, mas o próprio Dimas falou: "Pegue a bola!". Quer dizer, ele não especificou se era para chutar ou pegar a bola para lançá-la. Jorjão apenas interpretou erroneamente o que foi falado. É ou não é, Jorjão?

- Sim. Isso mesmo. Ele não especificou.

 Naquela hora, não sabia quem estava mais vermelho de raiva: se era o professor ou Dimas. Por via das dúvidas, achei melhor ficar quietinho no meu canto (se bem que na Megatec, isso não adianta muito).

- Chega! Chega, Wilson! - falou Jubal - Já estou cansado de vocês não levarem Educação Física a sério! Só porque essa matéria só depende de presença, vocês acham que podem fazer de qualquer jeito, não é? 

- É que...esportes são questão de talento, professor - argumentou Wilson - Não pode exigir que todos os alunos sejam bons. Hehe!

- Não quero que sejam bons, mas que façam o mínimo. Isso vale pra você, para o Jorge e...e...para você também, Daniel!

 Falei que ficar quietinho no meu canto não adianta muito?

- Mas nós tentamos nosso melhor - argumentei.

- Vocês só correm de um lado para o outro.

- Sinal de que estamos nos mexendo. E se é Educação Física, estamos fazendo algo para melhorar nosso corpo - disse Wilson. É. Ele tinha resposta pra tudo.

- É...pode ser, mas um de vocês nem isso faz. E é você, Jorge! - disse Jubal, apontando para o pobre Jorjão, que engole seco.

 No fundo era verdade. Jorjão nem se dava ao trabalho de correr. Wilson e eu pelo menos fingíamos.

- Ah, é que correr cansa muito - disse nosso amigo de alto valor de massa.

- Você já está muito acima do peso ideal, sabia? - disse o professor - Tô falando sério! Estou preocupado com sua saúde!

- Se esse é o problema, professor - falou Wilson - Então vamos ajudar o Jorjão a perder peso.

- O quê?! - Jorjão começou a ficar preocupado. Na verdade, ele fez uma cara parecida com as que eu faço quando Wilson tem alguma ideia maluca.

- Isso mesmo. Nos dê uma semana. Em uma semana, o Jorjão vai perder 10 kg.

- 10 kg?! - exclamou Jorjão.

- Dez?! - repetiu Jubal, pasmo.

- Hauahuahuahha! Nem ferrando! - riu Dimas - Esse gordo não consegue perder nem 3 quilos, quanto mais 10!

- Tudo bem, tudo bem, 10 kg pode ser muito...então cinco! Cinco quilos no mínimo! Em uma semana, faremos Jorjão perder 5 kg!

- Cinco, heim? - falou o professor - Interessante...mas e se vocês não conseguirem...

- O senhor pode deixar eu, o Jorjão e o Daniel em recuperação. Até assinamos um termo concordando com isso!

- O QUÊ?! - agora fui eu que fiz a cara de sempre - Por que eu também?! Não tenho nada a ver com isso!

- Como não? Se um membro da NERD tem um problema, TODOS temos um problema! Você é nosso irmão nessa, Daniel!

- Mas recuperação em Educação Física? Será a vergonha até a morte!

- Hahahahuaha! Gostei, gostei! - falou Jubal - Por mim tá apostado...se vocês conseguirem fazer o Jorge perder cinco quilos até a próxima semana, garanto que vão passar em Educação Física com dez, mesmo que só venham para a quadra e não façam mais nada pelo resto do ano.

- Dez?! Uau! - exclamou Wilson.

- Dez? - reclamou Dimas - Nem eu que sempre joguei bem fechei com dez!

- Mas...se não conseguirem. Os três terão que fazer recuperação comigo...e com as minhas baterias de exercícios para turma de recuperação..hehe...o Jorge vai perder até mais do que cinco.

- B-Bateria de exercícios? Como assim? - perguntei.

- Hehe. Poucos conhecem, mas...ninguém que conheceu, gostaria de ter conhecido. Hehe.

- Não precisaremos passar por nada disso - falou Wilson - Por que vamos conseguir 

 Engoli seco. Educação Física já era cruel, mas pelo menos passávamos por presença. Agora ficar em recuperação e ainda passar pelo inferno do Jubal. Não. Isso nunca. Precisávamos fazer nosso gordinho ficar em forma, mas...ao olhar para ele e ver o tamanho da criança...comecei a ficar com medo. A cruel saga do emagrecimento vai começar...