Capítulo 85 - Fantasias, bolos e panfletos

 Foi batata: o assunto principal das próximas semanas foi a festa de Halloween. A intenção de Wilson era a mesma de sempre: usar da festa para ganhar alguma notoriedade para nosso grupo. Claro que da minha parte poderia deixar essa passar batido. Nunca gostei muito de festas, principalmente festas onde você precisa vir fantasiado. A maioria do pessoal estava deixando sua fantasia em segredo. Wilson quis deixar que nossa criatividade falasse mais alto e usássemos nosso potencial para criar fantasias que combinassem com cada um de nós. Para pessoas que gostam desse tipo de coisa, como a Demi, foi um prato cheio. Mas para gente que nem eu, que só lembrou que realmente precisava arranjar uma fantasia na tarde do dia da festa, as coisas eram um pouco diferentes.

- Não acredito que você vai assim - reclamou Marcela, minha inconveniente irmã mais velha.

- O que é que tem? - retruquei. Ora, foi a única coisa que deu pra arranjar.

- Ah! Até que tá bonitinho - murmurou minha mãe.

- Fala sério, mãe! - respondeu Marcela, fazendo pouco caso.

 Qual o problema? Quando não se tem nada para se fantasiar, pegar um lençol branco velho e fazer dois furos no lugar dos olhos te transforma em um legítimo fantasma. Tá. Tudo bem. Eu admito que era ridículo, mas se fosse sem fantasia o Wilson iria me encher o saco eternamente. Mas não tinha com o que se preocupar. Tenho certeza de que o trabalho deles devia estar bem melhor.

- Eu te pego às dez, ok? - falou minha mãe, alguns momentos mais tarde, quando me deixava na porta da escola. Concordei olhando pelos buracos do lençol e entrei na escola. Bem, tá certo que eu estava ridículo, mas ao menos tinha o consolo de que ninguém iria me reconhecer daquele jeito.

- Opa. E aí, Daniel? - cumprimenta um aluno da minha sala vestido de ninja (ou algo assim) - Lençol legal

 Continuei andando. Tá. Ele devia ser um cara observador.

- Oi, Daniel - cumprimenta outra aluna vestida de vampira - Não deu tempo de preparar uma fantasia?

 Tá. Duas pessoas me reconheceram. Mas deve ter sido coincidência. Aposto que Wilson e os outros nem vão perceber que sou eu antes de eu falar.

- Daniel! Sabia que você viria! - falou o próprio, gritando alto atrás de mim. Tá bom. Desisto. Todo mundo sabia que era eu!

- Ah...Wilson - virei para trás e me deparei com o figura usando uma camisa vermelha com listras pretas, um chapéu e uma luva com garras falsas - Freddy..Krueger?

- Pois é - disse ele - Hora do Pesadelo...clássico dos filmes de terror!

- Não sabia que assistia esse tipo de filme...

- Bom...na verdade eu vi as sinopses - disse ele baixinho - É que...não gosto muito de filmes de terror.

- Você tem medo

- Não é bem medo! Eu só...só não gosto...

- E aí, gente?! - uma voz conhecida nos interrompe. Wilson pulou para trás.

- Ah..Jorjão..é você - gaguejou ele.

 Claro que estava comendo alguma coisa (algum tipo de bolo). Como era grande, não me admirei que usasse uma maquiagem verde, umas cicatrizes pintadas e uns parafusos falsos pendurados. 

- Frankenstein - adivinhei.

- É...uma tia minha é boa maquiadora. Ela me ajudou com a fantasia em agradecimento.

- Agradecimento?

- É. Sempre faço propaganda dos salgadinhos que ela prepara. Aliás, passem na cantina da Tia Vanda quando puderem. É lá perto do centro.

- Vou anotar isso...- falei.

 Wilson parecia empolgado, vendo os outros fantasiados.

- Hehe. Acho que temos chance de ganhar o concurso de fantasia. Até agora não vi nenhum Freddy, ou Frakenstein ou...Gasparzinho.

- Não é Gasparzinho! É..bem...é um...é um fantasma misterioso.

- Oi, gente! Oi, Daniel! - cumprimentou outra aluna aleatória.

- Não é muito misterioso, né? - comentou Wilson.

- Tá. Foi mal. Não consegui preparar uma fantasia decente!

- Gente! Boa noite! - exclamou Demi, assim que vê nosso grupo. Como era de se esperar, ela caprichou na fantasia. Conseguiu fazer uma maquiagem bem pálida, arranjar um vestido preto com uns detalhes que lembravam teias de aranha, colocar umas olheiras bem fortes e alisamento nos longos cabelos pretos que ela já tinha.

- Ah! Caprichou na fantasia, heim? - comentou Wilson

- Queria fazer algo meio gótico, mas não pensei em nenhum personagem específico. Acho que ficou uma mistura de Elvira com Mortícia Addams.

- Ficou legal - disse.

- Você também ficou legal como Gasparzinho, Daniel.

- Ah...tá...

- E a Karina? - perguntou Demi.

- Estou aqui - diz ela assim que Demi termina a frase. Bem, acho que ela devia gostar de Halloween. Agir como um fantasma de verdade ela sempre agiu.

- Que susto, Ka! - reclamou Demi, mas logo elogiou a fantasia dela. Karina usava uma capa vermelha e carregava uma cestinha. Seria...Chapeuzinho Vermelho?

- Ah, Chapeuzinho Vermelho. Que bonitinha - Demi sorriu meigamente. Karina apenas acena afirmativamente com a cabeça.

- Chapeuzinho Vermelho? - estranheie - Achei que viria de algo mais assustador.

- A versão original da história sempre foi assustadora - respondeu a baixinha - Para começo de conversa, nunca teve lenhador nenhum e o lobo devorava todo mundo.

- Ah, sim - havia me esquecido de que ela era expert em literatura. De qualquer forma, fiquei feliz de pelo menos ela não ter feito nenhum comentário engraçadinho pela minha fantasia de última hora.

- Ah, claro - murmura ela, assim que penso nisso - Acho que posso pegar alguns cabos de computador emprestado para você, Daniel.

- Por quê?

- Vai completar sua fantasia de Estagiário Fantasma.

- Não me lembre do Estagiário Fantasma! (*) - retruquei.

 De todo modo, o grupo estava completo e já podíamos participar das atividades da festa de Halloween. Assim como na festa junina, havia algumas barracas organizadas por alunos interessados, tudo com tema de Halloween, terror, fantasmas e coisas assustadoras (ou com intenção de ser assustadoras).

- O concurso de fantasias será mais tarde - disse Wilson - Até lá, podemos curtir a festa.

- Eles tem uns doces esquisitos - falou Jorjão - Já viu aquele ali?

 Ele aponta para uma barraca onde a professora Vitória, nossa professora de artes, estava tomando conta.

- Boa noite, professora Vitória - cumprimentou Wilson. Ela estava usando roupas normais, por incrível que pareça.

- Boa noite, gente - ela cumprimenta cordialmente - Gostando da festa?

- A senhora não veio fantasiada?

- Ah, bem...é que tive um pequeno acidente - ela mostra sua mão, que estava embaixo do balcão até agora, aparentemente decepada, com sangue e tudo. Levamos um susto, mas era de mentira - Haha! Brincadeira! Minha verdadeira mão está aqui!

- Muito bem-feito - admirou Demi.

- O Halloween permite que a gente crie coisas assustadoras. É tão divertido. Uhuhuhu. Muito divertido mesmo. Ai, ai...a arte é mesmo incrível...

 Ela tinha entrado em êxtase (isso sempre acontecia quando ela começa algum assunto que se interesse), mas Demi a faz voltas ao normal.

- Professora? Tudo bem?

- Oh, sim, claro. Por que não expeirmentam alguns docinhos?

 Eu até gostaria, mas a arte usada nos bolos não era muito agradável. Bem, você arriscaria comer um bolo que imita uma mão ou um em que os enfeites de ameixa parecem morcegos e a cobertura de morango lembrasse sangue? Tinha que ser muito corajoso ou então ser o...

- Manda uns três bolos desse para mim, professora? - pediu Jorjão, sem o menor constrangimento.

- Opa. É pra já!

 Demi e eu nos entreolhamos meio enojados, mas é verdade que era tudo comestível. Bom, se dependesse de nosso Frankenstein, a barraca não entraria no prejuízo nunca. Depois disso, continuamos nosso passeio quando ouvimos uma irritante (e conhecida) risada.

- Ora, ora. Vocês por aqui? - disse Patrícia, devidamente maquiada e com uma fantasia bem-feita, como era de se esperar. Se não fosse a risada, seria díficil reconhecê-la naquela fantasia de Harlequina. Ela conseguiu reproduzir tudo, inclusive os naipes de baralho.

- Harlequina? - perguntei.

- Oh, sabia que vocês reconheceriam a personagem - disse ela - Não custou nem mil reais na costureira profissional. Pena que não tem ninguém fantasiado de Coringa, né?

- Muito bem-feita - comentou Demi - Vai ganhar muitos pontos no concurso de fantasias.

- Já vocês...acho que não terão a mesma sorte, não é, Gasparzinho? - disse ela, olhando para mim.

- Acho que vou aceitar os fios e me fantasiar de Estagiário Fantasma mesmo - murmurei.

- O que você quer, Patrícia? - perguntou Wilson.

- Eu? Nada, querido...só estou cumprimentando. E...achei que quisessem um folheto com as atividades do evento - disse ela, entregando alguns papeis para cada um de nós.

- Obrigado - respondi.

- De nada, fofo - respondeu ela - Como membro da diretoria do grupo de eventos, tenho certeza de que vocês irão se divertir bastante. Principalmente no desafio da casa assombrada

- Desafio da casa assombrada? - perguntou Wilson. Na hora tive um mau pressentimento (acho que vou investir na carreira de sensitivo. Vivo tendo maus pressentimentos)

- É. Foi montada uma réplica de casa assombrada lá na quadra. Quem sair pelo caminho certo ganha. Mas...vocês vão entender melhor se forem até lá. Bye, bye!

- Desafio da casa assombrada, heim? - repetiu Wilson - Fiquei curioso! Certo, galera! Vamos lá ver do que se trata isso!

- É..parece divertido - comentou Demi.

- Imagino o quanto - falei. E lá fomos nós ver do que se tratava. Acho que o concurso de fantasias não será meu único problema nessa festa.

(*) = ver capítulos 10 a 13.