Capítulo 77 - O Alerta de Karina

 Nunca pensei que fosse dizer isso algum dia, mas parece que os ventos estão começando a soprar a favor da NERD. Graças a grande habilidade de Demi em batalhas de Tazi, conseguimos enrolar a gangue de delinquentes que havia roubado nosso desconfortável (porém seguro) lugar de intervalo. Com a nossa vitória e garantia do cumprimento da promessa de nos deixar em paz (afinal, eles juraram pelo cuspe), podíamos dizer adeus aos intervalos na biblioteca. Tendo um território no pátio novamente, poderíamos continuar nossa escalada para nos tornarmos Tazi Masters e reis do recreio (epa...eu disse recreio...e, peraí, estou sendo otimista...ai, caraca, tem alguma coisa errada aí..)

  Enfim, acabado o intervalo, cada um foi para sua sala e Wilson parecia ainda mais animado do que de costume. Nosso lugar seria apenas o começo, pois com o poder da Demi do nosso lado, logo dominaríamos o reino dos Tazi. É...estou sendo meio repetitivo, mas acontece que são raras as vezes que tenho esperança de me dar bem com esses caras.

  No dia seguinte, fui para a escola com uma motivação a mais. Havia dinheiro o suficiente na minha carteira para comprar o pacote de salgadinhos do dia e garantir mais um Tazi. Pelo menos nas primeiras semanas, teríamos que aumentar nosso arsenal pelo método mais difícil (comprando os salgadinhos, mesmo que os únicos que sobrassem na cantina fossem aqueles de bolinha de queijo fedorento). Mas tinha certeza de que isso duraria pouco. Sim. Eu, eu, Daniel Luz, estava sendo otimista e, de alguma forma, também estava achando bom demais para ser verdade. E, naquele intervalo, a sorte estava do nosso lado.

- Caraca! - gritou Wilson - Que sorte!

- O que foi? - perguntei.

- Vejam isso - disse ele, exibindo sua mais nova aquisição.

- Isso é... - Jorjão também se calou ao ver o que conseguira.

- É um Tazi de ouro! - exclamei - São bem raros

- Bastante - respondeu Wilson - Tazis de prata são incomuns, mas Tazi de ouro são raros. Hehe. Essa belezinha vai garantir nossa ascenção.

 Ele vira seu olhar na direção de Demi e sorri animadamente.

- Tá, tá, eu entendi...quer que eu jogue por você com esse Tazi de ouro - falou ela.

- Sim. Você é nossa arma secreta, Demi! - falou Wilson, mal podendo conter sua animação.

- Mas..não devia confiar tanto assim em mim. Eu posso perder, como qualquer pessoa.

- Você? Difícil! Sua habilidade é ímpar...só você tem talento suficiente para jogar essa coisa!

- Bem, sei lá..eu só jogo. Devo ter um santo forte ou algo assim...

- Espero que esse santo continue sempre do seu lado - falou Wilson - Vamos agora desafiar alguém por aí...que tal aqueles moleques ali?

- Bom, eu.. - mas não deu tempo de Demi argumentar. Ela logo foi puxada pelo braço por Wilson e levada a desafiar os caras. Enquanto isso, Jorjão, Karina e eu ficamos no Q.G. (tá...pode até ser exagero, mas era o nosso território no pátio e isso já significava bastante).

- Bom...eu só consegui Tazis de bronze mesmo - falou Jorjão - Mas pelo menos foram em salgadinhos que eu gosto.

- Ainda bem que sempre conseguimos comprar antes que só sobrem os de bolinha de queijo fedorento - comentei.

- Até que o gosto não é ruim, mas que é fedorento é - concordou Jorjão.

- É verdade que Demi é uma ótima jogadora de Tazi - comentou Karina, em um dos raros momentos onde ela puxa um assunto - Mas...queria conversar uma coisa com vocês...

 Eu sendo otimista e a Karina puxando conversa? Sinal de que alguma coisa no mundo estava mesmo errada...

 - Hã? O que é? - perguntei.

- Bom, se Wilson estivesse aqui com certeza discordaria, mas pessoalmente, acho que estamos entrando em um problema sério com esses Tazi..

- Não é a primeira vez que você fala isso - comentei - Explique melhor...o que está passando pela sua cabeça, heim?

- Bom...ontem, depois da aula, tive uma conversa com  o professor Denis...

- Com quem? - perguntou Jorjão.

- O professor Denis! A pessoa que nos ajudou com o jornal da escola, lembra?

- Ah, sim, é verdade..

 É. Isso que dá o personagem ficar muito tempo sem aparecer na história. De qualquer modo, o que ela foi falar com ele?

- E o que você queria falar com ele? - perguntei - Aliás, você procurando alguém para conversar é difícil, heim?

- Imagino que, estando tão animados com o sucesso dos Tazi, vocês não iriam me ouvir...até o momento que eu possuísse um argumento bom o suficiente para falar o porque de estarmos entrando em um problema sério!

- E que argumento é esse? - questionei, cada vez mais curioso.

- Bem - continuou ela, mantendo a expressão séria de sempre  - Resumidamente, a conversa foi assim...

* Flashback da Karina *

 Professor Denis estava arrumando algumas coisas na sala dos professores, quando Karina aproximou-se de forma cuidadosa.

- Com licença...professor Denis? - disse ela, batendo com cuidado na porta. Um dos professores tira os olhos do jornal que estava vendo e dá um sinal a Denis que parecia distraído arrumando toda aquela papelada.

- Oh...Karina? - disse ele, simpaticamente, ao vê-la - No que posso ajudá-la?

- Preciso ter uma conversa com o senhor...em particular - continuou ela.

- Oh, claro...só um momento.

 Poucos instantes depois, os dois estavam em uma das mesas da cantina. O professor oferece um suco.

- Não ofereço um lanche para não estragar seu almoço. Hehe! - ri ele - Mas diga...o que está te afligindo? Raro encontrá-la sem seus outros amigos junto

- Bem...sei que é estranho chamá-lo de repente, mas gostaria de pedir sua opinião sobre um assunto que está me deixando particularmente incomodada.

 O professor era todo ouvidos. Karina continuava sua explicação.

- Bom...não sei se o senhor está acompanhando, mas estamos vivendo um momento que pode ser chamado de "período de febre".

- Período de febre?

- Quando uma onda de modismo assola todos os estudantes de forma avassaladora. Estou me referindo aos Tazi.

- Os Tazi? Oh, sim, aqueles disquinhos de alienígenas que vem nos salgadinhos. Os professores sempre confiscam alguns desses...o que eles tem?

- Creio que isso será só o começo...por isso, gostaria de perguntar o que o senhor, como estudioso de ciências sociais, acha disso?

- Bem, pelo minha pouca experiência, imagino que os Tazi sejam uma jogada de marketing das empresas de salgadinhos para conseguir mais lucro...

- Sim. Isso também concordo. O que mais me preocupa, são os efeito dessa jogada de marketing.

- Acho que sei onde quer chegar...bem, é verdade. Um fenômeno dessa magnitude é mesmo capaz de engolir nossos alunos como um redemoinho.

- Isso mesmo - continuou Karina - Os Tazi não são obtidos apenas nos salgadinhos...podem ser apostados e perdidos em partidas de Tazi. Algo parecido com figurinhas...

- Exatamente. Sei bem o que quer dizer - concordou o professor Denis - Na minha época de garoto...uma moda parecida assolou minha geração: as figurinhas do campeonato brasileiro.

- Figurinhas...do campeonato brasileiro? - repetiu Karina.

- Sim...agora estou me lembrando...

* Flashback do professor Denis *

 Naquela época, o professor Denis era apenas um aluno da sexta série, que colecionava figurinhas do álbum do campeonato brasileiro de futebol. Era uma febre entre os meninos. E ele parecia bom em ganhar as figurinhas no bafo.

- Ha! Ganhei mais uma!

- Ah, Denis! Você é um apelão! - gritou um dos amiguinhos dele.

- Haha! Vocês que precisam treinar mais! - riu Denis - Agora tenho quase todas as figurinhas do álbum!

- Quase todas, é? - diz uma voz feminina, vindo lentamente atrás dele.

- Ah! Joseane! - retrucou Denis (sim, era a inimiga de infância dele que, por coincidência, também era professora da nossa escola) - O que você quer aqui?

- Eu? Nada demais...só gostaria de saber que figurinhas faltam para você terminar o álbum...

- Heh! Não é da sua conta, mas eu tenho todas, menos o escudo do Nacional... - lamentou o professor.

- Ah, sim...aquela figurinha holográfica ultra-rara de um time de terceira divisão que ninguém lembra? Seria essa aqui? - a garotinha exibe sua figurinha, deixando o pobre garoto babando de desejo pela figurinha.

- O-Onde você a conseguiu? - perguntou Denis.

- Tive sorte de tirá-la em um dos pacotinhos - falou Joseane - Sabe...eu também coleciono essas figurinhas

- Você é uma menina! Nem deve gostar disso! - reclamou Denis.

- Mas eu coleciono. Aliás, várias amigas minhas também. Não quer apostar suas figurinhas ultra-raras para ganhar a única que falta para o seu álbum?

- Hehe! Você não sabe com quem está falando - se gabou Denis - Sou o maior batedor de figurinhas da região!

- Então não vai ter medo de apostar, vai?

- Aposto todas as minhas figurinhas com você!

* Fim do flashback do professor Denis *

- Por que está chorando, professor? - perguntou Karina.

- Porque...porque ela era melhor do que eu e levou todas as minhas figurinhas! Joseane! Aquela desgraçada! - reclamou o professor, não podendo segurar suas lágrimas. Karina mantém a postura séria.

- Então o senhor entende esse momento de febre, não é?

- Sim. Entendo - respondeu ele, secando o rosto com um dos guardanapos da mesa - Por melhor que você se ache, sempre tem alguém mais forte. É o princípio do vício em apostas...

- É isso que me deixa preocupada. Dentro de poucos dias, o pátio se tornará uma arena de batalha, com apostas e disputas por todos os lados! A corrida pelo título de Tazi Master da escola será implacável...viveremos em uma verdadeira guerra escolar!

- Sim...é exatamente isso que pode acontecer.

- O que podemos fazer para evitar isso?

- Infelizmente...enquanto houver alunos comprando salgadinhos e colecionando Tazi, não poderemos fazer nada. Nós professores apenas pedimos que não joguem isso durante as aulas e fazemos nosso papel confiscando os Tazi de alunos indisciplinados, mas as batalhas de Tazi não ferem nenhum regulamento do colégio e mesmo que fosse o caso, os alunos dariam um jeito de batalharem clandestinamente.

- Faz sentido...então só nos resta esperar a febre passar.

- Bem, você pode se manter alheia a isso não comprando os salgadinhos.

- Não como salgadinhos - respondeu Karina - Mas, meus amigos parecem ter sido infectados pela febre..

- Nesse caso, só posso aconselhar que se prepare para a guerra!

* Fim do flashback da Karina *

- E foi isso - disse ela - Os Tazi serão os meios usados para levantar a maior guerra escolar já vista.

 Jorjão e eu nos entreolhamos. Parecia uma visão exagerada...e que raio de flashback tem outro flashback dentro? Bem, que seja, mesmo com a explicação de Karina, ainda achava aquilo tudo um exagero.

- Guerra escolar? Você tem assistido muitos filmes, Karina - falei - Isso já é exagero! Tudo bem que todos estão querendo ganhar todos os Tazi, mas dizer que isso vai virar uma guerra...

- Galera! Galera! - chegou Wilson, com mais um monte de Tazi na mão - Ganhamos mais uns dez Tazi novos!

- Novos? Novinhos em folha? - falou Jorjão.

- Sim. E um deles também é de ouro! - disse Wilson - Agora temos dois Tazi de ouro! Nossa coleção está aumentando cada vez mais! Bwahahaha! 

- Tivemos sorte de novo - falou Demi.

- Para com isso! Você é nossa arma secreta! Vamos nos tornar Tazi Masters em pouquíssimo tempo nesse ritmo!

 Também sorri com nossa conquista. Parece mesmo que finalmente iríamos ser bons em alguma coisa. Apesar da conversa de Karina ter me feito refletir um pouco...aqueles Tazi eram um passaporte para sair da base da pirâmide social escolar, mas será que trariam mesmo problemas para a gente? Saberíamos logo...