Capítulo 66 - O caminho sem volta

 É como eu já disse: o tempo é relativo e sempre passa mais rápido quando você não quer. Aquele sábado agourento chegou e lá estáva eu, na entrada da escola, aguardando o resto da gangue chegar. É, eu fui o primeiro a chegar. Ainda me pergunto como consigo ser tão otário: podia pelo menos ter dormido até um pouco mais tarde, mas a ansiedade me impediu. Virei e desvirei na cama imaginando que tipo de problema Patrícia estaria armando para a gente. Por um momento, cogite a possibilidade de furar, mas conhecendo o Wilson, é bem provável que ele fosse me buscar em casa. A gente nunca pega uma gripe quando precisa. 

 Bom, de qualquer forma, lá estava eu, só imaginando os problemas que viriam. Por sorte, a primeira companheira de guerra aparece é a Demi. Estava usando um shortinho branco, camiseta rosa e uma sandália também branca. São raras as vezes que a via sem o uniforme da escola e não é exagero dizer que era ainda mais bonitinha sem ele.

- Oi, Daniel - chegou ela, cumprimentando - Só chegou você?

- Pois é - respondi.

- O pessoal sempre chega em cima da hora - disse ela, olhando para seu relógio de pulso à prova d'água - Bom, vamos esperar. E aí? Nervoso?

- Muito - respondi firmemente - Ainda não acredito que aceitamos cair assim de bandeja na boca do lobo

- Não exagera! E mesmo que a Patrícia tente alguma coisa, estamos em turma. Podemos usar o plano do Wilson

- Você leva mesmo a sério o que ele diz? - perguntei.

- Bom...pela minhas experiências com vocês...não duvido nada que ele tente. Mas sabe, mesmo que dê tudo errado, acho que vai ser divertido.

- Mesmo?

- É. Nessas horas eu agradeço ter conhecido vocês. Se eu estivesse sozinha, acho que não teria coragem de aparecer na festa dela...mas com vocês, eu não tenho medo de encarar qualquer coisa que aquela metida faça!

 Ela fez uma cara de satisfação que me deixou sem graça. Puxa, ela realmente tinha bastante consideração pela gente. Uma das coisas que sempre me peguei pensando é porque uma garota bonita e talentosa como ela aceitou entrar no nosso grupo, mas parece que gostava mesmo de todos. Isso me deixou feliz e, de certo modo, até um pouco mais tranquilo para o que poderia vir naquela festa. Bem, pelo menos até a próxima frase que ela disse.

- E então? Trouxe roupa de banho?

- Sim - respondi, desolado - Acho que entrar na piscina fará parte da missão, não é?

- Relaxe. Ela não vai poder nos afogar, vai?

- Por via das dúvidas, trouxe um cadeado para o caso de alguém tentar pegar minhas roupas para me deixar de calção a festa inteira. Tenho que pensar em tudo!

- Bom, pelo menos está calor, né? - disse ela - Mas vamos ficar atentos na piscina também.Ei, não é a Karina ali?

 Ela mesma. Usava um shorts azul, camiseta branca com uma estampa de Star Wars, tênis e um tipo de chapeu de praia. Logo ela atravessou a rua e nos cumprimentou, com a expressão séria de sempre.

- Agente Karina Martinez se apresentando - disse ela, como sempre, sem mudar a expressão.

- Não precisa falar assim...está mesmo levando isso muito a sério - observei.

- Se a Patrícia está mesmo levando sério seja lá o que for que estiver planejando, precisamos levar nosso lado a sério também

- Hihi. Que bonitinha - disse Demi - Gostei desse seu chapéu

 Karina tira o chapéu, olha para ele e coloca novamente na cabeça.

- Sério? Não achei nada demais, mas não gosto muito de tomar sol. Aliás... - ela mexe na bolsa cinza que carregava e tira um pequeno pote de protetor solar - Recomendo que passem isso. Tem alto fator de proteção.

- Eu trouxe o meu - disse Demi.

- Vou aceitar - falei, estendendo minha mão para ela colocar protetor, enquanto Demi observa outro dos nossos chegando.

- Não é o Jorjão? - disse ela, olhando para longe e vendo uma figura nada difícil de se detectar, ainda mais pela camiseta floral. E por incrível que pareça, ele chega correndo.

- Agente Jorge Amaral se apresentando - cumprimentou ele - Não estou atrasado não, né?

- Não - respondi - Ainda está dentro do horário.

- Cara, nem tomei café da manhã direito para aproveitar a festa - disse ele, claramente, o menos preocupado com o que Patrícia poderia estar armando.

- Quando você diz...não tomou o café da manhã direito, quer dizer que... - comentei, embora já soubesse a resposta.

- Só comi três pãezinhos e um pacote de bolachas - respondeu ele, como já imaginava. Demi, então, fez a pergunta que eu iria fazer na sequência.

- E o Wilson? Achei que ele fosse o primeiro a estar aqui

- E olha que é o cara que mora mais perto - falei - Deve estar armando alguma

 De fato, Wilson já estava uns cinco minutos atrasado, quando, finalmente, enquanto já discutíamos que ônibus pegar para chegar na casa da Patrícia, Wilson enfim dá às caras, com uma bermuda beje, camiseta regata, mochila e mais um boné preto.

- Saudações, agentes! - cumprimentou ele, já que era pedir muito um cumprimento normal - Desculpe a demora!

- Você mora aqui do lado, Wilson - critiquei - O que estava fazendo?

- Preparativos, meu caro Daniel - respondeu ele - Sem contar que precisava revisar nossos planos mais uma vez.

 Apenas para situar o leitor, essa era nossa operação de aniversário. O plano era dividido em muitas partes que não convém citar tudo aqui, mas vocês verão conforme forem sendo colocadas em prática. A primeira era seguir à risca a regra de nos mantermos juntos e, para começar, chegarmos juntos na casa dela para manter a impressão de que não estávamos com medo. E isso seria feito agora.

- Beleza. Peguei no Google Maps o mapa para a casa dela e a melhor rota. O ponto que vamos descer fica alguns quarteirões longe da casa, portanto precisamos tomar cuidado logo na entrada

- Vai dizer que ela prepararia alguma coisa antes de entrarmos na casa? - questionei.

- Ora, Daniel. Sempre tem várias fases antes do castelo do chefe final - respondeu ele.

- Bom, o bairro dela é numa zona nobre...acho que é bem seguro - apontou Demi - O problema vai ser mesmo na casa dela

- Mesmo assim, melhor previnir do que remediar - destacou Wilson - Karina, o presente está pronto?

- Sim - disse a garota, mostrando a caixa de bombons embrulhada - Um pacote caro de chocolate importado, como ela deve estar acostumada.

 E que custou um bom pedaço da mesada de todo mundo ali. Mas como não sabíamos o que dar, concordamos em nos juntar para comprar uma coisa que toda menina gosta: chocolate. Uma coisa que sempre vou levar comigo: na dúvida, comida sempre é o melhor presente e Jorjão concordava bastante com isso.

- Posso ver se está tudo em ordem mesmo? - disse Jorjão, de olho no embrulho.

- Só quando chegarmos lá - advertiu Wilson - Lembrem-se: se aparecermos de mãos vazias, ela vai ficar ainda mais rancorosa com a gente.

 Mais do que ela já era? Bem, tinhamos um presente e todo mundo já estava ali. Hora de ir para a festa. Agora não tinha mais jeito

- Vamos lá, galera! - falou Wilson, olhando para o relógio do celular - Pelo horário do convite a festa começa a uma hora e...ah, sim, por falar nisso, todos estão com os convites? Precisamos dele, não?

 E era verdade. De qualquer modo, todos mostram seus convites para Wilson. Agora estávamos prontos para ir, não? Bem, quase..

- Ótimo. Todo mundo com convite. Eu também já...epa - ele olhava para a mochila, com uma cara não muito amigável - Espera aí...

 Não me diga que...

- Você esqueceu seu convite, Wilson?! - bronqueie.

- Já lembrei. Deixei em cima da mesinha do meu quarto. Eu já vou pegar!

 Sorte que ele morava perto do colégio. E ainda foi o que chegou por último! Bem, de qualquer forma, dez minutos depois ele voltou, agora sim, pronto para começarmos nossa operação.

- Certo, NERD! Agora sim estamos prontos! Nossa Operação de Aniversário começa agora!

  E eu acrescentaria que nossos problemas começavam agora. Assim que entramos no ônibus, em direção a casa daquela garota, já senti o frio na barriga e a sensação de desastre. Agora não tinha mais volta!