Capítulo 05 - Testando o café do intervalo...e um quarto membro realmente inesperado!

 

- Perfeito! Agora é só esperar! - diz Wilson, colocando o café na garrafa térmica e tirando um monte de copinhos de plástico da embalagem. Sim. Ele realmente fez aquilo. Doação de cafézinho no intervalo? Isso nunca ia dar certo!

 

- Não acredito que estamos fazendo isso.. - comentei, sentado nas cadeiras que meus dois novos amigos arranjaram para nossa "sala improvisada" - Você acha mesmo que alguém vai vir provar esse café?

 

- É claro! Café faz sucesso em qualquer lugar..e é só o começo! Logo poderemos melhorar nossa técnica e evoluir para chocolate quente como o Jorjão sugeriu!

 

- Chocolate é o que há! - diz Jorjão, sorrindo.

 

- Outra coisa...temos permissão para fazer isso? - perguntei, mas provavelmente Wilson já teria uma resposta para isso.

 

- Claro. Falei com o diretor Rui e ele ainda deu aval para distribuirmos esse panfleto! - o garoto me mostra um papel de propaganda com alguns bonecos palitos muito mal feitos segurando uma xícara de café. "Café no intervalo...o melhor café da sala de limpeza do corredor térreo"

 

- Quem desenhou isso? - perguntei.

 

- Eu - diz Jorjão, sorrindo - Legal, heim?

 

- Eu desenho muito mal. O Jorjão é o melhor para fazer isso

 

Ao ouvir isso, fiquei imaginando o quanto Wilson deve desenhar mal, mas, eu também não era nenhum artista. Provavelmente é o melhor que iríamos conseguir.

 

- Bem...pelo menos tem propaganda, né? - comentei.

 

- Não é? Vai ser um arraso!

 

- Ainda não acredito que conseguimos autorização para isso..

 

- Qual é o problema? Os copinhos, a garrafa térmica e a cafeteira são meus. A escola não vai entrar no prejuízo.

 

- Não sei se é só o prejuízo...não dizem que cafeína em excesso faz mal?

 

- Em excesso - Wilson coloca - Exatamente. Mas só oferecemos um copinho pequenininho desses...se a pessoa quiser mais, terá que voltar depois. Com o tempo, teremos nossos frequentadores e assim analisaremos quem são os melhores para se juntar a nós

 

- Tá tudo bem mesmo? - eu insistia.

 

- Relaxa. Essa escola não reclama de nada que não dê prejuízo - diz Jorjão, chupando várias balas logo de manhã.

 

- Tsc. Espero não me meter em encrenca por causa disso

 

- Você se preocupa demais. No intervalo, nossa cafeteria vai ser o maior sucesso

 

 Meus poucos dias de convivência com aquele cara já me fizeram perceber que não adiantava muito discutir. No fundo, acho que já estava sendo levado pela correnteza. Só me restava ver no que tudo aquilo ia dar. Não sei se mudaríamos alguma coisa com amostra grátis de café, mas...eles pareciam mesmo animados.

 

 Perto dali, uma garota chegava na escola em passos lentos. Tinha cabelos ondulados, morenos, olhos de jabuticaba e boa altura. Bonita. Ela olha para o portão de entrada e assim que adentra o pátio já é abordada por um menino.

 

- Oi! Você é a garota nova da sétima série, Demétria, não é? - ele diz, praticamente atropelando a mocinha.

 

- S-Sim - ela responde, tímida - Mas pode me chamar de Demi...meu nome não é muito comum

 

- Então...eu sou da sua sala...sabe que te achei muito linda e...

 

- Olha a hora! Já tô atrasada...preciso entrar, tá? - ela o evita, saindo dali voando. O garoto tenta insistir, mas ela é rapidamente abordada por outro rapaz.

 

- Oi, Demi! Você já viu aquele filme...

 

- Já!

 

- Mas eu nem falei qual

 

- Não importa, eu preciso ir. Até!

 

Ela entra no banheiro feminino, lava o rosto e suspira. "Ai, é sempre a mesma coisa", pensa, "Eles não me deixam em paz". Nisso, duas meninas entram conversando e param no espelho para retocar a maquiagem. Demi não estava usando muita coisa naquele dia, mas era bonitinha mesmo sem maquiagem. O sinal toca e ela sobe para a aula, deixando as garotas ali.

 

- Aquela não era... - comenta uma delas.

 

- É. O nome dela é Demétria Gomez...parece que já fez uns bicos de modelo mirim, faz aulas de teatro e até já apareceu cantando num evento aqui da cidade

 

- É a mesma que os meninos vivem babando?

 

- É...para você ver...só porque nasceu um pouquinho bonita e é um pouquinho famosa se acha a última bolacha do pacote. É bom ficar de olho nessa aí...

 

Mas Demi não era nem um pouco metida. Tudo isso era apenas um preconceito que as outras meninas tinham dela. Ela também é uma aluna nova na Megatec. Acontece que os meninos achavam algo extraordinário ter uma modelo-atriz-cantora de verdade na sala e começam a assediá-la direto. O que, claro, causava um certo ciúme nas meninas. Mas a mocinha não queria nada além de sossego ou, se pudesse, apenas amigos normais. Resultado: ela já começou a sofrer desde o primeiro dia. Parece que "exceder" o limite de popularidade também era motivo de bullying.

 

Demi chega em sua sala e senta-se numa carteira na parede. Algumas meninas conversavam no fundo e uma delas, que logo conheceríamos bem, era ninguém menos que A garota popular. Entenda garota popular como a riquinha loira, que tinha as roupas da moda, tinha as bolsas estilosas e tinha o pai com a maior conta bancária da Megatec. Isso era motivo suficiente para outras patricinhas babarem ovo dela e, claro, deixá-la ainda mais mimada e marrenta do que já era por natureza. Seu nome era, vejam que ironia, Patrícia Bittencourt

 

- Ora, ora - comenta Patrícia, deixando a conversa com as suas seguidoras e se aproximando de Demi - Se não é a cantora?

 

- Ah...oi...Patrícia, né?

 

- Olha só, ela sabe o meu nome. E aí? Como andam as coisas?

 

- Bem - ela responde, achando que ela queria mesmo fazer amizade - Cheia de coisas para fazer, mas estou indo bem

 

- Entendo...você deve estar saindo com muitos carinhas por aí, né?

 

- O que? Não, não, eu estava falando das minhas aulas de teatro, tem muita coisa que

 

- Ah, quem você tá querendo enganar?

 

- Como assim?

 

- Pensa que eu não conheço o seu tipo? Canta, atua, já até trabalhou de modelo....eu sei, você é conhecida por aqui...homem é o que não deve faltar pra você

 

- P-Para com isso! Eu não sou assim...eu só gosto de atuar e cantar, mas...não sou desse tipo

 

- Ah, é? Pensa que a gente não viu? Só nessa primeira semana de aula vi você conversando com uns vinte meninos...e olha que é só a primeira semana. Imagino qual deve ser o seu record no fim do ano

 

- Ai, cala a boca! Quem você pensa que é para falar assim comigo? - Demi levanta, perdendo a linha. Mas era isso que Patrícia queria.

 

- Nossa, tá nervosinha! - diz a patricinha, com cara de desprezo - Tá vendo, gente? Só porque é famosinha e queridinha dos meninos tá se achando A superior...huh!

 

Todos olham para ela. Demi fica sem jeito.

 

- Quem VOCÊ pensa que é para falar assim, garota - diz Patrícia, mudando para um tom sério e humilhante - Não vai se achando a famosa só porque apareceu em uma revistinha chinfrim ou porque cantou uma musiquinha no aniversário da cidade. Para você ter a minha classe, ainda precisa subir muito

 

- Uuuuuuuhh!! - provoca outra menina.

 

- Mostrou quem manda, heim, Paty? - diz outra.

 

Demi sente vontade de dar um soco na cara da garota, mas o professor entra na sala. "Droga", ela pensa, "Você não pode fazer nada diferente que dá nisso...eu só queria uma vida normal". Ela também sente vontade de chorar, mas isso seria dar uma vitória ainda maior para aquela metida da Paty. Algum tempo depois, o sinal toca e era hora do intervalo. Demi tenta sair da sala calmamente, mas logo um moleque da outra sala a aborda.

 

- Nossa! É a Demi Gomez! Já ouvi falar muito de você! Adorei aquela sua propaganda

 

- Hã...obrigada

 

- Escuta, você tá a fim de ir numa festa esse fim de semana? Eu sei que você é ocupada, mas é muito legal e..

 

- É, não vai dar..fica para outra vez

 

Ela tenta descer para o pátio, mas nisso outro menino tenta chamá-la e ainda vê outros dois que ela não queria topar de jeito nenhum. Precisava se esconder...

 

- Isso! Agora é só deixar a porta aberta e esperar alguém aparecer! - diz Wilson, realmente acreditando que alguém apareceria para tomar café.

 

- O café ainda tá quentinho - comenta Jorjão - Agora é só esperar o pessoal vir

 

- Hehehe. Não vai demorar muito..

 

Mas, cinco minutos depois.

 

- Cinco minutos e ninguém apareceu? - diz Wilson, estranhamente surpreso.

 

- Vai ver não fizemos cartazes o suficiente - diz Jorjão.

 

- Tsc! Como pode? Será que a gente deveria ter se identificado? Que chato...eu queria fazer surpresa

 

Se ele tivesse se identificado aí sim que ninguém iria vir até a gente. Era melhor desistir da ideia.

 

- Esquece. Melhor pensar em outra coisa

 

- Tsc! Será que é melhor oferecer suco? Mas teremos mais despesa...não tem graça tomar suco nesses copinhos

 

Nisso, Demi entra correndo na sala de limpeza. Talvez ali ninguém a encontrasse. Ou talvez ela tivesse feito a ação que mudaria sua vida para sempre!

 

- Ufa...sala de limpeza e...ah, também tem gente aqui?

 

- Ah! Uma visitante! - grita Wilson - Viu? Uma hora alguém apareceria!

 

- Err...será que ela veio mesmo pelo café? - perguntei.

 

- É claro! Por que mais ela entraria na sala de limpeza?

 

- Bem, na verdade - ela tenta se explicar - Não sabia que tinha alguém "morando" aqui...

 

- Morar? Talvez. Somos os voluntários da limpeza e pode-se dizer que esse lugar é nossa segunda casa! - diz Wilson, animadamente.

 

"Fale por você", pensei. Achei incrível o fato de alguém ter entrado ali, e ainda mais o fato desse alguém ser uma garota. E aquela história de que garotas amadurecem três vezes mais rápido que os meninos?

 

- Olha...desculpa entrar aqui assim - ela lamenta, desviando o olhar - É que...estava me escondendo de umas pessoas chatas - parece que ela se sentiu segura ali.

 

Tava explicado.

 

- Relaxa - comentei - Duvido que alguém entre aqui!

 

- Deixa de ser pessimista, Daniel! Não quer quer nosso café faça sucesso?

 

- Café, é? - ela comenta, curiosa.

 

- É...nós mesmos fizemos - diz Wilson, todo orgulhoso, oferecendo um copinho - Pode pegar! É de graça!

 

- Bom, eu não sou muito fã de café, mas - ela pega o copinho, toma um pouco e...pttttz! cospe na hora

 

- Ai, que amargo

 

- Amargo? - estranha Wilson, até ele mesmo experimentar um copinho. O resultado é o mesmo. 

 

- Tem razão! Tá amargo!

 

- Você não experimentou o próprio café? - bronqueie.

 

- Não queria desperdiçar o café...mas foi muita distração esquecer do açúcar....

 

"Como assim esqueceu o açúcar?", pensei, injuriado.

 

- É...acho que hoje não vai dar certo servir o café - comenta Jorjão - Só se a gente for até à cantina e pegar aqueles saquinhos de açúcar

 

- Será que dá tempo?

 

- Esperem! Não saiam daqui...quer dizer...não quero ficar sozinha na sala de limpeza - diz a garota, temerosa de ratos ou alguma outra coisa. Entendia bem a posição dela.

 

- Sério? Então ainda quer ficar aqui?

 

- Bem...é que eu não queria sair agora - ela responde. "Não queria encontrar aqueles meninos chatos", ela pensa, "Mas esses três...parece que não me conhecem.Pelo menos não deram em cima de mim..."

 

- Aliás...a gente ainda não se apresentou! - diz Wilson, com a animação de sempre - Meu nome é Wilson...estes são Daniel e Jorjão

 

- Prazer - disse, com a vergonha alheia de sempre.

 

- E aí? - cumprimenta Jorjão.

 

- Prazer. Meu nome é Demétria, mas podem me chamar de Demi. Sou uma aluna nova da sétima série.

 

- Demi. Perfeito - diz Wilson animado - Seja bem-vinda à escola e à nossa sala de limpeza! Estaria interessada em ouvir às nossas ideias para mudar essa escola?

 

- O que? Você acha mesmo que ela quer ouvir? - disse, quase gritando.

 

- Por que não?

 

- É. Por que não? - diz Demi, animada e mostrando um lindo sorriso - Pelo jeito animado que ele fala, deve ser algo bem legal!

 

Ela não sabia no que estava dando corda, mas o sorriso pareceu sincero.

 

- Bem, tudo começou quando essa escola foi invadida por...

 

Mas antes que Wilson começasse seu discurso revolucionário, um dos garotos apaixonados por ela a vê e entra correndo na sala.

 

- Demi! Você está aqui

 

- O que? Demi Gomez está aqui? - diz outro, também entrando na sala.

 

- Opa! Mais gente! Quanto mais melhor! - diz Wilson, todo animado. Mas não acho que fosse esse o caso. Se entrasse mais gente ali, com o Jorjão lá dentro, morreríamos esmagados.

 

- Olha, eu... - Demi parecia nervosa. Nisso, os caras olham para a gente ali dentro. Parecem ter desanimado na hora.

 

- O que está fazendo com esses manés? - diz um deles.

 

- Eles tão te enchendo o saco, Demi? - pergunta o outro.

 

- Não, eles - ela tenta falar, mas os caras pareciam mais interessados em tirar a gente dali.

 

- O que foi? Tão achando que podem ter alguma coisa com a Demi Gomez? Vão se olhar no espelho, ô!

 

- Hã? A gente só tava conversando - tentei argumentar. Naquelas horas, por mais que achasse Wilson estranho, ficava do lado dele!

 

- Conversando? Vocês querem tirar uma casquinha dela...até uns babacas como vocês querem ter uma chance com uma cantora como ela

 

- Cantora? Sério? - pergunta Wilson

 

- Vocês nunca ouviram falar de Demi Gomez?

 

- Agora que você falou...o nome e o sobrenome dela me lembram alguma coisa...talvez algo relacionado à cultura pop... - eu dizia, com a mão no queixo e tentando me lembrar.

 

- Vocês são uns manés mesmo! Deixa eles pra lá, Demi!

 

- Não! - ela diz - Parem de falar mal deles!

 

- Ah, qual é? Esses caras são os maiores nerds da escola!

 

- Parece que já somos famosos, heim, Daniel? - diz Wilson, sem o mínimo de sentimento de ofensa.

 

"Os maiores nerds da escola? E eu só estou aqui há três dias!", pensei, sentindo a gotinha escorrendo pela cabeça.

 

- E daí? Vocês não precisam falar assim deles! Eu...eu...acho que me sinto muito melhor com eles do que com vocês! - ela grita, para total estranhamento dos moleques.

 

- Ah, fala sério..você vai ser a mina mais zuada da escola se ficar andando com eles

 

Demi nos olha, com uma expressão de piedade ou de irmã mais velha, não sei explicar bem, mas ela se mantém na sua decisão.

 

- Não me importo! Eles...eles me passam muito mais segurança do que vocês! Caiam fora daqui!

 

- Eu, heim? Essas artistas são todas estranhas - diz um dos caras.

 

- Vambora, Vitão - diz o outro - Só porque é famosinha acha que pode fazer qualquer coisa, né? Vamos nessa

 

Os caras saem. Faz-se uma pequena pausa, mas logo Wilson retoma a conversa.

 

- Uau! Sério que você é famosa?

 

- Exagero - ela responde - Eu já apareci e cantei em alguns eventos da cidade e já fiz alguns ensaios para umas revistas adolescentes. Acabei ficando popular entre eles. Mas esses moleques acham que eu fico com qualquer um só por causa disso e...e várias meninas da escola estão me odiando!

 

- É a primeira vez que vejo alguém ser odiado por ser popular...difícil de acreditar

 

- Mas é sério...eu só queria ter um pouco de sossego

 

- Está no lugar certo, Demi! - diz Wilson, pegando nas mãos dela e olhando bem fundo em seus olhos - Nossa gangue existe exatamente para ajudar os excluídos da sociedade escolar!

 

- Hã? - ela estranha - Gangue?

 

- Era o que eu ia te contar antes de sermos interrompidos...

 

Wilson começa a contar sua ideia mirabolante. Já estava achando que Demi ia sair correndo dali depois de toda aquela loucura, mas, estava errado de novo.

 

- Hahaha...legal! Acho que pode dar certo

 

O que? Ela estava falando sério mesmo?

 

- Não é? Se encontrarmos mais alguém, podemos evoluir de voluntarios da limpeza para um grupo de atividades mais influente!

 

- Gostei..eu tenho aulas de teatro e canto à tarde, mas posso ficar por uma horinha depois da aula para ajudar vocês

 

Meu queixo tinha caído no chão. Como uma garota modelo popular acabou entrando nessa maluquice?

 

- Beleza! A gente se encontra depois da aula! Temos salas para limpar e precisamos discutir uma outra forma de atrair pessoas...como ninguém aceitou nosso café?

 

- Talvez suco seja melhor - Demi comenta.

 

- É..tô achando que vamos ter que mudar para suco - diz Wilson, já virando amigo de infância da garota.

 

"Não acredito...não acredito nisso", pensei, "Esse cara é inacreditável!"

 

- É...Wilson é um cara cativante, fala aí? - Jorjão comenta.

 

- Não quero nem saber o que vai vir daqui para a frente...ai,ai