Capítulo 46 - Monitoria Disciplinar

 Por quê? Alguém me responda..por que eu ainda me submeto a essas coisas? Acho que parte de mim é tão sem noção quanto esses caras e inconscientemente eu quero pagar esses micos. Na hora do intervalo, lá estávamos nós, em frente à sala da diretora Sílvia, dispostos a tentar vagas para monitores disciplinares. Para quem não sabe, monitor disciplinar é um aluno responsável por manter a ordem nos corredores da escola, ou, traduzindo em palavras mais simples, o dedo-duro. Seria um tipo de segurança, mas cuja única arma é poder mandar alunos para a direção. Isso não é o tipo de coisa que só se vê em escolas americanas? Bom, digamos que a visão pedagógica da nossa diretora não era muito nacionalista...

- Será que ela está? - Wilson pergunta empolgado, enquanto bate na porta da sala dela. Nós quatro apenas acompanhávamos. Não acredito que já iríamos nos meter em encrenca logo no primeiro dia. Alguém me proteja. Torci para que ela não estivesse, mas por alguma razão minhas orações nunca são atendidas quando preciso. A diretora atende, e, também foi outra que não mudou nada em um mês de férias. Continuava loira, de cabelos lisos, extremamente bonita, com óculos e com uma postura rígida e séria. Parece que seu estilo workaholic não mudaria tão cedo.

- Hmm? Meninos? Aconteceu alguma coisa?

- Ah, diretora Sílvia! Bom dia! - cumprimenta Wilson. Nós quatro logo atrás cumprimentamos timidamente e Wilson continua a fazer o discurso. Realmente, nosso líder nato - Podemos falar com a senhora por um instante?

- Bom...acho que sim - ela responde, olhando para o relógio - Não vai atrapalhar o intervalo de vocês?

- Imagine. Separamos o intervalo justamente para falar disso! - ele continua, totalmente animado. E, claro, falando como se todos estivéssemos muito satisfeitos em perder nosso intervalo..mas não adiantaria muito discutir. Acho que esse é o meu problema...detesto discutir.

- Se é assim...podem entrar - diz a diretora - Vice-diretor Ruy...eu já volto. Continue preenchendo esses relatórios

- Sim, senhora - diz o vice-diretor que fora nosso diretor há um tempo atrás. Apesar de ter sido rebaixado, parece ter se acomodado à situação. Talvez a pressão para vice-diretor fosse menor, mesmo tendo mais trabalho, mas, sei lá. De volta ao nosso assunto.

- O que posso fazer por vocês, meninos? - diz a diretora, enquanto procurávamos cadeiras para sentar. Tinha um sofá ali do lado, onde Jorjão se ajeitou confortavelmente. Demi sentou-se ao lado dele e, bem, eu, assim como Karina e Wilson, acabo arranjando uma cadeira, mesmo querendo sentar do lado da Demi...afinal, bastante espaço já havia sido ocupado no sofá.

- Diretora! -Wilson assume a palavra, sentado na cadeira à frente dela - Vimos no blog da escola sobre o programa de monitoria disciplinar

- Nossa...vocês são rápidos mesmo. Ainda nem avisamos direito nas salas.

- Queríamos nos voluntariar para esse trabalho!

- Sério? - diz a diretora - Bom, acontece que temos poucas vagas e é um trabalho sacrificante...vocês teriam que assumir turnos no horário da tarde, além de assistir as aulas da manhã. Entendam, não é algo para prejudicar ninguém, mas precisaria de uma certa responsabilidade

- Estamos cientes disso, diretora. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades, certo? - responde Wilson, sem perder o bom humor nunca.

- Bem, sim, mas... - a diretora entrelaça as mãos e suspira - Vocês tem ideia do que é fazer um trabalho desses?

- Seríamos responsáveis por manter a ordem na escola, não?

- Bem, é um trabalho de vistoria. Essa escola tem muitos alunos e temos poucas inspetoras. Vocês seriam como monitores de inspeção, alertando problemas de indisciplina e passando para a coordenação. Vocês devem anotar todas as ocorrências e passar para os inspetores ou coordenadores responsáveis.

- É parecido com o que o grêmio fazia, não? - lembra Demi.

- Bem, de certo modo sim. Resolvi abolir o grêmio escolar dessa escola para evitar problemas com dinheiro e abuso de autoridade por parte dos alunos, mas nesse caso vocês estão diretamente ligados à coordenação, como se fizessem parte dela. Não é um serviço pago e nem tão livre como fazer parte de um grêmio.

- Já imaginávamos - diz Wilson - Mas estamos dispostos a encarar

- E...além disso, estamos implantando um sistema disciplinas mais rígido nessa escola - continua a diretora.

- Mais rígido? - repito - Como assim?

- A partir dessa semana...vamos fazer um teste para um modelo de detenção

- Detenção?! - todos nós estranhamos. Até o vice-diretor ouve isso.

- Eu disse que eles iriam achar estranho - fala ele, recebendo de volta uma olhada séria da diretora.

- Como assim detenção, diretora! - Demi parecia assustada - Vão prender a gente?

- Calma, calma, não é nada tão assustador - fala a diretora, tentando tranquilizar a mocinha (e todos nós também) - É apenas uma ideia baseada num padrão americano de disciplina. Caso os alunos se enquadrem num problema de indisciplina sério, além de uma suspensão, podemos aplicar um encaminhamento à detenção. Alunos em detenção devem permanecer em uma sala, supervisionados por um professor e realizando alguma atividade. Horas de detenção funcionariam como um sistema extra de punição.

 Bom, pelo menos pra mim, detenção remete a cadeia. Mas como escola e prisão são instituições bem parecidas, isso não me impressionou tanto.

- Caraca! Achei que isso só acontecesse em escolas americanas - fala Demi.

- Acho que a Megatec tem se aproximado bastante disso ultimamente, não? - comenta Karina - Hã...diretora? A senhora estudou fora, não estudou?

- Sim. Fiz pós-graduação nos Estados Unidos - responde a diretora com uma cara de satisfação - Por quê?

- Não, nada - é tudo que Karina se limita a falar. Parece mesmo que estávamos entrando num sistema mais rigoroso.

- Mas... - a diretora continua - ...assim como os grupos de atividade, esse é um projeto em fase de testes. Dependendo do caso de indisciplina podemos dar advertência, detenção, suspensão ou expulsão. Fiz um remanejamento das regras da escola. Acho que tenho uma cópia do manual aqui...

Ela tira da gaveta um livro realmente grosso. Talvez seja a versão resumida das regras da escola.

- Aqui. É uma cópia das regras atuais da escola numa versão mais simples

- Bem simples - comentei.

- De qualquer forma, um monitor disciplinar deve estar a par dessas regras se quiser exercer esse tipo de atividade.

- Não tem problema. Nós conseguimos estudar tudo isso de boa - fala Wilson, olhando para nós. Demi olha assustada para o volume do livro, enquanto eu tinha plena convicção de que não ia ler aquilo nem que me pagassem. Jorjão era indiferente e apenas mastiga mais um pouco da barra de chocolate que trouxe. Karina também, já que aquele livro não devia ser grande coisa para uma rata de biblioteca como ela.

- Como assim, Wilson? - pergunta a diretora - Eu não falei que vocês podiam ser monitores disciplinares

- Hã? - Wilson se espanta. Mas agora eu também tava curioso pra saber.

- Acontece que nossas vagas de monitoria disciplinar da turma da manhã já foram preenchidas.

- Como? - fala Wilson indignado.

- Sim. Eles vieram falar comigo um pouco antes das aulas começarem. E são um grupo bastante organizado...eles já até combinaram de se revezar nos intervalos de manhã e tarde para monitorar os alunos do sexto ano em diante.

- Como assim? Então tem um grupo mais organizado que o nosso?! - ele parecia espantado. Eu diria que qualquer grupo consegue ser mais organizado que nós.

- Bom, eles parecem bastante empolgados com o trabalho. São alunos bem desinibidos e esforçados do Ensino Médio

- Ensino Médio? - pergunta Wilson - Então...são mais velhos.

- Sim. Mesmo que vocês tivessem chegado primeiro, acho que alunos mais velhos tem mais condições de monitorar os mais novos. E eles parecem bastante responsáveis - continua a diretora. Ela parece ter sentido firmeza nos alunos que escolheu.

- Quem são esses alunos? - pergunta Wilson.

- Ah, vamos apresentá-los logo para todas as salas, mas acho que vocês já podem conhecer um deles antes. Olha só, ele está aqui - a diretora olha para a porta (havia deixado aberta).

- Com licença, diretora. Tenho alguns recados para dar - diz uma voz bastante conhecida. Realmente conhecida. Nós cinco sentimos um arrepio assim que vimos a figura que se apresentava na porta. De todas as pessoas, tinha que ser justo ELES?! Agora que a gente tá ferrado mesmo!