Capítulo 25 - Recomeçando de baixo

Dia seguinte, mais um dia de aula. Cheguei na escola do mesmo jeito de sempre e procurei algum lugar no pátio para ficar. Todos estavam me olhando de um jeito estranho, sei lá...pelo que parecia, eu e o resto dos membros da NERD ainda éramos o assunto da semana. Para quem não se lembra, fomos expulsos de nosso cargo de jornalistas da escola pelo poder abusivo da presidente Patrícia..tudo porque Wilson resolveu "trollar" um "pouquinho" o mandato dela. Cochichos e murmurinhos por todos os lados, mas não parece que Wilson estava se importando muito com isso. Logo eu vejo a criatura chegando com um sorriso no rosto. Estava acompanhado de Jorjão.

- Fala, Daniel! E aí? Como passou de ontem? - ele cumprimenta.

- B-Bem - respondi.

- Mesmo? Espero que não tenha ficado muito chateado com o que aconteceu! Bola pra frente, essas coisas acontecem

- Relaxa...não fiquei - disse, pensando em porque deveria ficar chateado com aquele tipo de coisa. Eu só queria ficar sossegado no meu canto, mas isso parecia pedir demais.

- É isso aí...é assim que se fala - comenta Jorjão, comendo um lanche logo cedo - Sabe o que eu faço quando essas coisas acontecem? Abro um pote de sorvete de chocolate e mando ver

- Sei...é que em casa não tem muito sorvete

- Como consegue sobreviver sem sorvete? - Jorjão se impressiona.

- Minha família é metida a essas coisas de hábitos saudáveis...raramente compramos essas coisas

- Ugh! Meus pêsames - reclama Jorjão

- Sorvete...é...sempre levanta os ânimos - comenta Wilson

- Verdade...sorvete pode ser um bom consolador - diz uma voz que chega do nada atrás da gente

- Caramba, de onde você surgiu?

- Estranho vocês nunca me verem chegar - ela diz

- Você tem cara de que gosta de...sorvete de limão - comenta Jorjão

- Na verdade, prefiro mais o de creme

- Creme? Sempre achei meio sem graça - comentei

- Dos três sabores básicos...creme, morango e chocolate...creme é meu preferido

- Sempre preferi chocolate

- Eu também. Chocolate é o melhor - acrescenta Jorjão.

- A maioria das pessoas escolhe chocolate...do mesmo jeito que a maioria das pessoas escolhe Charmander como primeiro Pokémon, mesmo sabendo que vão levar uma surra logo no primeiro ginásio

De alguma forma, não gostei muito do comentário dela (talvez porque eu escolhia o Charmander), mas nossa conversa sobre sorvetes e Pokémons logo é interrompida por nossa outra integrante. Demi chega ofegante até nós com uma folha na mão. Mesmo cansada e arfando, ela ainda era uma gracinha.

- Gente, gente, vocês viram?

- Vimos o que? - perguntei

- O jornal da escola. Foi reimpresso

- Mas já? - pergunta Wilson - A gente não imprimiu ontem?

- Quem você acha que tá por trás disso? É a Patrícia, lógico! Ela fez a professora Joseane imprimir uma nova edição ontem mesmo e a gente tá na primeira página!

Pegamos a página e vimos nosso nome jogado na lama. Dizia que abusamos do nosso poder como forma de acabar com o grêmio atual, afirmando que realmente queríamos implantar uma ditadura na escola. Embora colocasse isso de um jeito tão sutil quanto o nosso. 

- Foi a professora Joseane que escreveu? - pergunta Wilson

- Sim - responde Demi, enquanto respirava um pouco e abria a garrafa de água - Vim correndo avisar vocês

- Como pode? - Wilson reclama - Ninguém lembra que ela trapaceou a gente, mentindo sobre o caso do estaigiário fantasma?

- O jornal de hoje embrulha a banana da feira de amanhã - comenta Karina, enquanto limpava os óculos - Relaxem, daqui a alguns dias todo mundo já vai ter esquecido isso

- E até lá o que a gente faz? - pergunta Demi

Nisso o sinal toca. Hora de ir pra aula. Apesar de tudo, ainda éramos estudantes.

- Na hora do intervalo a gente vê isso. Nos encontramos no jornal e..

- Não somos mais do jornal, Wilson - fiz questão de lembrar

- Tá. Que seja. Então nos encontramos da sala de limpeza - e ele já ia virando as costas de novo.

- Mas também não somos mais do voluntariado de limpeza. Saímos de lá assim que conseguimos o jornal, lembra?

- Tá bom...nos encontramos no canto antigo então. Os caras já terminaram a jardinagem por lá, não é?

- Tá - todos concordam. Fomos para a aula e, no intervalo, nos encontramos coincidentemente no corredor. Descemos e procuramos o chamado canto dos nerds...mas qual não foi nossa surpresa ao vê-lo ocupado por outras pessoas. Outras pessoas muito mal encaradas, diga-se de passagem. Eram três caras: um baixinho de cabelo comprido e com uma camiseta de banda heavy metal por baixo da blusa, um outro mais alto de cabelo raspado e outro ainda mais alto, também de cabelo comprido.

- Err....já tá ocupado? - Wilson comenta, um pouco antes de chegar perto.

- Quem são eles? - pergunta Demi, com medo

- Ah! Acho que já vi esses caras - comenta Karina

- Já? - estranheie.

- São os três caras mais delinquentes dessa escola. Acho que o mais baixo se chama Abelardo - ela explica.

- É um nome diferente - diz Wilson. Mas parece que eles não gostaram de ver a gente por ali.

- Ei, o que foi? Perderam alguma coisa aqui? - fala o tal Abelardo, se levantando e tirando satisfação.

- Hã? Não, não...só achamos que esse lugar estava desocupado e...

- Pois não está - se levanta o segundo mais alto, se aproximando e cruzando os braços com uma cara não muito amigável.

- Ah, tá - diz Wilson, ainda tentando levar na conversa - É que...costumávamos ficar por aqui no intervalo há um tempo atrás e..

- Disse bem...costumavam - o tal Abelardo eleva o tom - Esse canto agora é nosso!

- E vocês são? - ele pergunta, num momento onde já deveríamos estar longe daquele lugar. Pelo menos eu já teria saído de cena assim que vi os caras sentados ali.

- Nunca ouviu falar da gente? - diz o baixinho cabeludo - Eu sou Abelardo Fontes, suspenso seis vezes por brigar na frente da escola...mas em compensação nunca perdi nenhuma delas!

Todos ficam de olhos arregalados. Menos a Karina, que ouvia aquilo sem a menor preocupação.

- Murilo Tacio - ele aponta para o segundo mais alto - Quase reprovando em todas as matérias, mas campeão de jiujitsu

Engoli seco. E ainda tinha o último cara.

- Solano Silva - ele aponta para o maior - Fazendo o segundo ano pela terceira vez...e, bem, ele é alto e isso já é o bastante. E aí? Ainda querem ficar aqui?

- Não precisamos resolver isso com violência...vocês sabem quem a gente é, não sabem?

Abelardo olha para a gente. Dez segundos de silêncio depois, ele parece se lembrar.

- Ah, claro...vocês são os otários que saíram no jornal hoje, não são?

- Saímos no jornal e do jornal, né? - comenta Karina, sem mostrar um pingo de medo (o que ela era?)

- Ora, ora...como o mundo dá voltas, heim? - comenta o baixinho - Ontem, os maiorais do jornal...hoje, só uns manés. A escola é assim mesmo. Bem-vindos de volta ao núcleo dos marginalizados

- Bem-vindos? Então podemos ficar aqui? - Wilson pergunta com um sorriso. Acho que ele tem alguns problemas com ironia

- Claro que não! - bronqueia Abelardo - Essa área é só da nossa gangue!

- Sério? Então vocês também são uma gangue? Qual o nome de vocês? - pergunta Wilson, ignorando totalmente o perigo da situação.

- Nome? - repete Abelardo - Putz...podicrê, nunca pensamos nisso...

- Hã? - estranha Wilson - Como assim? Como podem se achar uma gangue sem ao menos ter um nome que impressiona! Vocês também não querem dominar essa escola e...

- Dominar essa escola? Que viagem - diz Abelardo - Tudo o que a gente quer é ficar por aí, matando aula sem fazer nada e ouvindo nosso metal. 

- O que?! - Wilson pasma

- A gente tá de boa aqui...a menos que alguém queira brigar. Aí a gente se diverte com umas boas porradas

- Então vocês não tem nenhuma causa em especial?

- É isso aí

Wilson parecia decepcionado. O que ele estava esperando? Rivais à altura da nossa gangue. Depois daquela resposta, comecei a achar mesmo que tinhamos alguma chance de ser a gangue mais popular daquela escola. 

- Aff...não esperava por isso - suspira Wilson

- Se não tem mais nada para dizer, caiam fora daqui. Uns pirralhos do fundamental não tem nada a ver com a gente! - ao que parecia, eram todos do Ensino Médio. Apesar de Abelardo estar nos expulsando e realmente estarmos prontos para sair do local, eis que chega o inspetor do lugar, que vocês já conhecem como Montanha.

- Algum problema aqui? - diz ele, com toda aquela...altura?

- Esses caras estão enchendo o saco - diz Abelardo

- Vocês...sempre arrumando encrenca. Caiam fora! - diz ele, cruzando os braços e só olhando para a gente

- Mas - Wilson ainda tenta argumentar, mas o olhar daquele Montanha tinha muito mais força.

- Tá bom...a gente vai

Saímos os cinco dali. Montanha comenta com os caras.

- Esses delinquentes...sempre aprontando. Passar bem

Abelardo e os cumplices se entreolham. 

- Aqueles otários eram delinquentes? - pergunta o baixinho - Não parecia

- Sei lá, né, véio? Vai que eles estavam guardando o ouro? - comenta o mais alto

- Que se dane...desde que a gente continue ouvindo nosso metal em paz. Demorou pra achar um canto sossergado no meio de toda aquela gente

Não tivemos muita escolha a não ser passar o intervalo na biblioteca. Embora não pudéssemos falar muito por lá.

- Que ótimo...os maiores delinquentes dessa escola são só traidores do movimento punk - Wilson se lamentava - Gente! Precisamos voltar das cinzas!

- Voltar das cinzas você diz. O problema...é como vamos fazer isso? Perdemos o jornal, a sala de limpeza e até o canto dos nerds. Voltamos a ser um grupo marginalizado!

- Tudo bem...começamos do zero. Mas ainda somos um grupo de cinco pessoas! E ainda temos o professor Denis! Podemos criar um novo grupo de atividades

- Que dessa vez não envolva o jornal da escola e nem o grêmio - lembra Demi

- Claro! Vamos pensar em uma coisa legal!

- Tipo o que? - perguntei

- Na verdade...eu não sei. Mas se pensarmos juntos, a gente acha algo legal - ele ainda mantinha o otimismo de sempre. O que ele poderia estar pensando? Logo, o sinal toca.

- Tá bom, gente. Vamos descansar por hoje. Pensem em alguma coisa legal e amanhã a gente se reúne para decidir nosso contra-ataque! 

Todos concordam e voltam para suas salas. Contra ataque? Não sei que tipo de grupo poderíamos fazer...prevejo uma nova reunião na casa do Wilson, nossa base fora da escola, de novo. Apesar de estarmos em baixo de novo, uma nova esperança estava nascendo sem sabermos. Parecia algo bom, pelo menos a princípio.

- Ai, não! - lamenta o diretor ao ler um e-mail

- O que houve, diretor? Parece que viu um fantasma? - pergunta a secretária que estava organizando uns papeis ali.

- É que...a superintendente da Megatec vem fazer uma visita amanhã

- E daí?

- Como e daí? A superintendente é como uma fiscal da escola! Ela avalia como as coisas andam...e eu não estou preparado para essa visita

- Qual o problema? Nossa escola está ótima!

- Não sei, não...mas é que com essa mulher...não dá pra facilitar..