Capítulo 216 - O Baile de Gala do Fim de Ano

Era coisa rara, mas finalmente estávamos tendo alguns momentos de paz. É bem verdade que estávamos nos aproximando do final do ano e havia um monte de matérias para estudar. Apesar disso, escolhemos o intervalo daquela manhã para relaxarmos um pouco com uma partida descontraída de Banco Imobiliário Improvisado. Para quem não conhece, é igual ao Banco Imobiliário comum, mas com cartas e tabuleiro feitos em folhas de caderno comuns, o que nos permitia colocar nossas próprias regras à vontade. Cortesia de Wilson, que criou o jogo afirmando que o Banco Imobiliário comum não tinha tanta graça.

– Hehe! Sinto muito, Daniel, mas todo o seu dinheiro foi roubado por uma seita alienígena - afirmou ele.

– Seita alienígena? E por que diabos eles precisariam de dinheiro da Terra? - indaguei.

– Podem usar seu dinheiro para comprar minerais terrestres que não existem no planeta deles - explicou Wilson.

– Mas por que eles não pegariam os minerais direto? - insisti.

– Ora, Daniel. Roubar o dinheiro de um empresário é bem mais fácil - falou.

– Agora é a minha vez - disse Jorjão, rolando os dados - Oh, droga. Caí na cadeia de novo.

– Segurança máxima - comentou Demi - Vai ficar cinco rodadas sem jogar.

– Mas eu tenho uma carta de celular na cadeia - falou Jorjão - Isso me permitirá fazer transações mesmo quando não poder jogar.

Enquanto aproveitávamos nosso intervalo, um certo grupo se aproximou de nós. Sim, vocês conhecem bem aquele grupo pelo perfume gostoso que vem delas. Pena que o perfume não vem separado da pessoa.

– Bom dia, queridos - disse Patrícia, acompanhada de suas duas inseparáveis cúmplices.

Ela parecia de bom humor. E quase sempre isso era um mau sinal.

– Patrícia? - perguntou Demi - O que aconteceu?

– Quer jogar com a gente? - indagou Wilson - Banco Imobiliário Improvisado. Acho que dá para encaixar mais três jogadores. Nós que fizemos as regras mesmo.

– Err...desculpa, fofo - disse Patrícia, com uma expressão clara de desprezo por nosso passatempo - Não sou muito fã desses jogos complicados que vocês gostam.

– Mas é bem simples - insistiu Wilson.

– Vim distribuir um convite para a próxima atração do grupo de eventos - disse ela, fazendo questão de esfregar o panfleto bem na cara de Demi. Era um papel rosa (aposto que foi ideia dela usar esse tipo de papel. Ela não aprendeu nada desde aquela horrível experiência no jornal da escola?) exibindo uma festividade peculiar. Nosso colégio encerraria as atividades do ano com um baile de gala. Em suma, isso queria dizer que eu precisaria usar terno e gravata. Nunca pensei que precisasse usar essas coisas antes de começar a trabalhar (e mesmo assim gostaria de evitar trabalhar em um lugar que exija uso de terno).

– Um baile de gala? Sério mesmo? - Demi pareceu animada.

– É a primeira vez que vejo algo do tipo - comentou Wilson.

– Todos da escola estão convidados para nosso baile daqui a três semanas. Até a ralé como vocês...digo, até mesmo alunos não muito entrosados como vocês - explicou Patrícia - Espero que vocês venham. Usarei meu melhor vestido na festa.

– E essa coisa de "rainha do baile" aqui? - perguntei.

– Oh, sim. A convidada que tiver o melhor vestido e dançar melhor poderá receber a coroa de rainha do baile - explicou ela.

– E claro que você está concorrendo a isso, não é? - disse Demi.

– Sim. Exatamente - falou ela - Essa competição já tem uma vencedora...eu, não poderia ser diferente. Mas, ainda assim, será uma honra para todos vocês ver como ganharei de modo triunfante essa coroa.

Ela era uma convencida, egocêntrica e metida. Mas a pior parte não era isso. A pior parte era saber que aquela criatura tinha mesmo chances de ganhar. Patrícia podia ser tudo de ruim, menos feia. Era linda e isso ninguém podia negar. Apesar de que, na minha opinião, tinha alguém mais linda bem do meu lado.

– Bom, não estou ligando para coroa do baile ou o que for - disse Demi - Mas acredito que um baile seja divertido. Então era isso que você tanto conversava na aula de hoje, heim?

Demi era da mesma sala de Patrícia, então ela já devia ter alguma ideia do que aquela loira malvada estava tramando.

– Pois é. Tinha que organizar os preparativos. Minha vida de promotora de eventos não é nada fácil.

As cúmplices apenas concordavam com a cabeça com tudo que Patrícia dizia. A propósito ainda não disse o nome delas, não é? Bom, se não disse é porque não é importante para a história. Elas não faziam nada mesmo a não ser concordar com aquela garota.

– Espero que todos vocês estejam lá - disse Patricia - Coloquem em seus celulares esse compromisso. Principalmente você, Demi. Quero ver você com seu melhor vestido.

– Eu?

– Sim. Quero mostrar que mesmo com o seu melhor, não conseguirá me vencer.

– Empatamos o concurso da Miss Megatec, lembra? - disse Demi.

– NÃO ME LEMBRE! - Patrícia perdeu a compostura por alguns instantes, mas depois voltou ao jeito cínico e polido de antes - Err...é nossa chance de desempatar. Se não vier com o seu melhor, a vitória não terá o mesmo sabor.

– Olha, Paty. Não sei porque você pega tanto no meu pé. Pode ficar com essa coroa toda pra você, tá legal? Eu só quero vir ao baile para me divertir. Todos viremos, não é?

– Err...um baile não é um lugar onde você...dança? - perguntei.

– Exatamente. É a sua chance de mostrar que aprendeu a dançar, querido - falou Patrícia, se aproximando de mim com uma voz suave - Por que todos lembramos que sua performance na minha festa de aniversário ano passado foi uma lástima.

– Foi culpa sua - retruquei.

– De qualquer forma, é a chance de vocês mostrarem que melhoraram. Aproveitem. Não é sempre que temos um baile nesse colégio mequetrefe.

Todo dia me pergunto porque Patrícia não estava em um colégio mais caro e melhor. Ela tem dinheiro para isso. Meu palpite é que ela não poderia se sentir tão superior em outro colégio. Ah, o ego.

Depois que Patrícia deu suas últimas alfinetadas e caiu fora, pensei que poderíamos voltar à nossa partida. Mas aquele convite parece ter balançado as estruturas de todo mundo.

– Um baile, heim? - Wilson coçava o queixo pensativo.

– Ah, não. O que você tá pensando? - tratei logo de perguntar, afinal, ele diria de qualquer jeito.

– Um baile é um evento onde todos da escola estarão presentes. É nossa chance de fecharmos o ano com chave de ouro.

– Como assim? - perguntou Demi.

– Vamos fazer uma performance surpresa. Só preciso ter acesso ao telão do baile. Sempre tem um telão nesses bailes. Mostraremos à escola toda quem é que manda!

Incrível como ele sempre consegue levar tudo para o lado da megalomania dele. Olhei para o lado e vi Jorjão também olhando atento para o folheto.

– Está pensando na comida que vai ter lá, não é? - perguntei.

– Sim. Bailes sempre tem boa comida.

Em uma escola normal, cada família levaria um pratinho de doce ou salgado e, pronto, já temos uma festa de confraternização. Mas estávamos falando de uma festa que Patrícia estava organizando, então teríamos o melhor que o dinheiro pode comprar. Mortos de fome como nós estavam feitos. Karina era indiferente ao baile e provavelmente iria se todos fossem. Depois olhei para Demi que sorriu de volta. E foi aí que prestei atenção a um dos itens da lista de atrações do baile. "Dança romântica"

"Dança romântica?", li pensativo. "Talvez...essa seja a minha chance....se eu conseguir formar par com a Demi."

Sim, caro leitor. Não gosto de dançar, mas se é uma oportunidade de dançar coladinho com a Demi, talvez...talvez...talvez eu devesse arriscar. O problema é: como falar isso para ela? Acho que, enfim, chegou a hora de encarar um dos meus maiores desafios: o coração apaixonado.