Capítulo 199 - Primeiro Contato

– Sério, Daniel? Você vai dar aula para crianças? - perguntou minha irmã, quando comentei sobre o próximo plano louco da NERD na mesa de jantar daquela noite. Só recapitulando: Wilson aceitou a proposta do grupo de ciências de dar aula para o jardim de infância da nossa escola, vendo isso como uma oportunidade de doutrinar, quer dizer, divulgar o estilo de vida da nossa gangue para os primeiros anos escolares.

– Que orgulho! - disse minha mãe - Sinal de que meu filhinho já está ficando responsável!

– Tem certeza, mãe? O que o Daniel pode ensinar de saudável para crianças? Ele só vai incentivá-las a adiar o dever de casa e ficar jogando videogame o dia inteiro! - apontou minha irmã. Como é bom ter uma família que te apoia!

– Dá pra parar? Eu não vou dar aula. É o Wilson e a Demi que vão. Eu só vou auxiliar - corrigi, enquanto pegava o mínimo de salada exigido pela minha mãe no meu prato.

– Auxiliar, heim? - comentou meu pai - Espero que ajude mais do que atrapalhe, Daniel.

– Poxa, pai. Até o senhor? Eu só vou ficar lá ajudando no que precisar. O que pode dar errado?

– Tem razão, querido - disse minha mãe - Dou todo o meu apoio.

– Obrigado, mãe.

– Mas se as crianças não gostarem de você, não fique triste. Você nunca se deu muito bem com elas. Lembra do filhinho da prima Julia?

– Eu lembro - Marcela entrou na conversa - Você fez o molequinho chorar o churrasco inteiro por não ter deixado ele jogar no seu videogame.

– Do jeito que o moleque era ele ia mexer em tudo e apagar meu jogo salvo que deu tanto trabalho!

– Vê se não vai fazer as crianças chorarem, heim? - disse meu pai.

Vocês viram que minha família realmente acredita em mim. Mas não posso dizer que estão errados. Eu não levo jeito para esse tipo de coisa mesmo. Por outro lado, acho que o Wilson deve levar mais jeito com crianças. A Demi também...aliás, a Demi tinha cara de que se sairia uma ótima mãe. Não que eu já estivesse pensando nela como esposa. Tá, tá bom, só um pouquinho. Mudando de assunto, finalmente chegou o dia de enfrentarmos a sala do jardim. Nos reunimos com a professora Simone, a orientadora do grupo de ciências, que nos levou para a ala do jardim de infância. Eles tinham aula à tarde e todos aqueles desenhos na parede me traziam uma certa sensação de nostalgia. Sensação ruim, diga-se de passagem, porque desde criança os meninos maiores já quebravam meus lápis de cor. O bullying começou cedo na minha vida.

– E então? Preparados? - perguntou a professora Simone - Se eu estivesse no lugar de vocês, estaria totalmente nervosa.

– Que nada - disse Wilson - Nunca estive tão tranquilo.

O pior que era verdade. Talvez Wilson fosse a pessoa mais cara-de-pau daquela escola toda. Por outro lado, Demi parecia mais ansiosa

– Eu tô meio nervosa. É diferente de apresentar uma peça.

– Relaxa. Você parece ser boa nisso - comentei.

– Espero.

– Eles vão servir merenda? - perguntou Jorjão.

– Já tá pensando nisso? Você não almoçou? - perguntou a professora, obviamente, com pouca familiaridade com aquele nosso amigo.

– Claro que já - respondeu ele - Repeti duas vezes aliás.

– Não ligue, professora - disse Wilson, diante da cara de espanto da professora - Podemos ir.

– Tá - disse ela, batendo na porta e cumprimentando a professora das crianças que estava na porta.

– Ah, boa tarde - disse ela, uma moça que não devia ter mais do que trinta anos, magrinha, bonita e de longos cabelos morenos lisos. Parecia bem boazinha, ao contrário das lembranças que eu tinha da minha professora do jardim (ela era uma tiazona não muito bem-humorada..e que sempre me dava bronca por não trazer meu material, por mais que eu argumentasse que eles eram roubados pelos meus colegas de sala, mas não tinha jeito....ela não ia com a minha cara. Tsc. Escola é mesmo um lugar barra pesada).

– Professora Adriana - disse a Simone - Estes são os meninos que vão ajudar no projeto que falei.

– Ah - ela olhou para o enorme sorriso de Wilson - Acho que já vi vocês. Não são os mesmos que fizeram aquele filme um tempinho atrás?

– Sim - falou Wilson.

– Puxa, achei o trabalho de vocês incrível - disse ela.

– Sério? - Wilson ficou animado - Nesse caso acho que podemos até pensar em uma continuação.

– Não é melhor irmos direto ao ponto? - me intrometi na conversa, antes que Wilson tivesse outra ideia louca.

– Ah, claro. Já avisei para as crianças que vocês viriam. Podem entrar.

A professora Adriana (ou Tia Dri, pelo que pude ouvir do meninos falando) liberou a entrada e logo estávamos diante de uns vinte pirralhinhos com cara de malvados. Parecia ser bem dividida, com umas dez meninas e uns dez meninos.

– Gente. A aula de hoje vai ser um pouco diferente - falou a tia Adriana - Vamos ouvir os meninos do oitavo ano do nosso colégio.

Oitavo ano ou sétima série...ah, você sabe, contando com aquele eram dois anos para entrar no Ensino Médio.

– Boa tarde, turma - falou Wilson.

– Você é gordo! - disse uma menininha, apontando para Jorjão.

– Prefiro dizer que tenho ossos largos.. - comentou nosso amigo.

Sim, crianças são sinceras. E é aí que mora o perigo. Como será que vamos nos virar com esses pirralhos?