Capítulo 187 - Pesadelo Familiar

Meus braços doíam, minhas pernas doíam, meu corpo doía. Como podem existir pessoas que gostam de fazer exercícios físicos? Ou eu era molenga demais ou minha irmã estudante de Educação Física era malvada demais. Talvez as duas coisas. Como convivo com a Marcela desde que nasci, creio que a segunda opção seja ainda mais forte. E como foi que eu tive o azar dela vir fazer estágio justo na minha escola? É o tipo de coisa que só acontece comigo!

– Ai, como isso foi acontecer? - reclamava Jorjão durante o intervalo - Daniel! Como você foi deixar a sua irmã vir trabalhar aqui? Ela é uma tirana!

– E você acha que eu não sei? - retruquei - Ela deve ter feito isso só para me irritar!

– Vocês só podem estar brincando! - disse Wilson - Essa é a melhor coisa que podia acontecer nessa escola! Vou falar com a administração do colégio para que a Marcela seja efetivada!

– Faça isso e todos os alunos da escola te lincharão, inclusive eu! - respondi.

– Sério que a Marcela é a nova estagiária de Educação Física? - comentou Demi (lembre-se de que as meninas não estudavam na nossa sala) - Ah, ela parece ser bem legal. Ajudou bastante a gente, lembra?

Como poderia esquecer? Treinar com a minha irmã é um pesadelo!

– Mas você disse que ela só ficará aqui por duas semanas, não? - disse Karina - Só precisa aguentar esse tempo. Além disso, não temos aula com ela todo dia.

Pelo menos isso. Nem tudo estava perdido. E se conheço bem a ambiciosa da Marcela, ela não iria se sujeitar a dar aula para uma escola. Ela é do tipo que só se contentaria sendo personal trainer de famosos. De qualquer modo, Jorjão me fez jurar que tentaria convencer Marcela a pegar mais leve em nossas aulas. E foi o que tentei fazer...eu disse, tentei.

Em casa, na hora do jantar, meu pai estava mais do que orgulhoso de minha irmã.

– Então a Marcela está fazendo estágio na mesma escola do Daniel, heim? - disse ele - Legal, filha! Quem sabe assim o Daniel se envolve mais com os esportes, não é?

– Quem? O Daniel? Ele só faz corpo mole! - disse Marcela - Não sei como consegue passar em Educação Física. Eu reprovaria ele com certeza!

– O que é isso, filho? - reclamou minha mãe - Precisa se esforçar mais!

Das minhas notas nas outras matérias (que são muito mais importantes para a minha carreira futura, diga-se de passagem) ninguém lembra, né? (Tá certo que elas também não são lá muito altas, mas...)

– Mas não se preocupem - disse Marcela, enquanto terminava de devorar mais uma folha de alface de seu prato super saudável - Aproveitarei essas duas semanas para deixar Daniel em forma o máximo que puder!

Minha intenção de fazer minha irmã mudar de ideia estava ficando cada vez mais difícil. Precisava agir rápido. Então, depois do jantar, quando ela subiu para o quarto, resolvi bater no quarto dela para conversar. Ela assistia um filme sobre algum personagem que tentava se superar em algum esporte. Perceba que o universo está me ajudando muito, né? Como sempre.

– Err..Marcela? - disse, batendo timidamente na porta dela.

– Diga maninho lindo. No que posso te ajudar? - disse ela, com um tom de voz mais falso que nota de 1,99.

– Precisamos conversar...não acha que está exagerando nas aulas? - perguntei.

– Seu professor me deu carta branca para educá-los do jeito que quiser.

– Mas somos apenas crianças! Vai acabar nos matando com tantos exercícios físicos!

– Matando? Vocês são todos de uma geração sedentária que só gosta de jogar video-game e ficar no computador! Estou fazendo um bem para a saúde de vocês, ouviu?

Tá certo que eu realmente era um sedentário que só gostava de jogar games e ficar no PC, mas a verdade não precisa ser dita de forma tão crua, né?

– Mas, será que não dá pra pegar um pouquinho mais leve?

– Só vejo você duas vezes por semana, Daniel - falou ela - E como meu estágio só vai durar até semana que vem, estará livre de mim logo, logo. O que custa se esforçar um pouco nesses dias? Para você ver como sou boazinha, até preparei uma camiseta de ginástica própria para você.

Ela me joga uma camiseta regata com o símbolo "Eu esportes". Se usasse uma camiseta dessas, estaria fazendo propaganda enganosa.

– Mentira é pecado. Não posso usar essa camiseta - disse a ela.

– Então arranje uma camiseta que goste. E esteja pronto para suar muito na próxima aula.

– Custa ter um pouco de piedade? - reclamei.

– Qual é? Você treinou bem mais quando estava jogando basquete! Use essa garra para se superar nesses próximos dias! Uma aula já passou. Tente pensar positivo.

– Mas, mas..

– Nada de mas! Aliás, você não precisa fazer seu dever de casa?

– Bem, sim, mas..

– Então saia do meu quarto e vá fazer sua lição, vai? - disse ela, praticamente me expulsando do quarto a pontapés - Afinal, eu pude entrar na sala dos professores e pude conversar com alguns deles. É sempre bom ter contatos.

– Você é um monstro

– Vai me agradecer quando estiver em uma melhor forma física e atrair as garotas quando for mais velho. Aliás, aquela garota de óculos e com jeito estranho adorou saber que sou irmã.

– Está falando da Emília? - falei, sentindo arrepios.

– Exato. Ela te mandou vários bilhetinhos. Disse que achava estranho o fato de você não responder as mensagens dela.

Bem, eu bloqueei o número dela, mas ela não desiste fácil.

– Aqui está - disse Marcela me entregando centenas de bilhetinhos - Nada mal para quem nunca recebia correio elegante, não é?

– Eu não quero bilhetes! Só quero que você pegue mais leve com a gente! - disse, em uma última tentativa desesperada.

– Não, não vou pegar mais leve - disse ela - E avise ao Jorjão que é melhor ele se preparar para suar muito na próxima aula, ouviu?

Depois disso, tudo que restou foi uma porta batida na minha cara. Bom, eu tentei. Vocês viram que eu tentei. Mas eu tenho uma irmã impiedosa. O que posso fazer? A sorte estava lançada.

– Bem, o jeito é aproveitar todos esses bilhetinhos para treinar origami - falei, lamentando meu trágico destino nas próximas semanas. O que iria me aguardar? Dor e cansaço, é claro!