Capítulo 115 - Concursos, explosões e surpresas

Já falei o quanto odeio chegar na escola cedo demais? É ruim chegar atrasado, mas chegar cedo também não é uma das melhores coisas. Principalmente quando você encontra pessoas que você não gostaria de encontrar.

— Danielzinho! - exclamou Emília, me abraçando fortemente por trás assim que eu cheguei completamente indefeso na escola. Já falei que aquela garota é estranha? Se não falei, falo agora. Tudo bem. Não é ruim ter uma fã. O problema é quando essa fã é fã demais.

— E-Emília...é você? - falei, nada animado em me virar para trás. No entanto, eu fiz isso, assim que ela me soltou.

— E aí? Reparou algo de diferente em mim? - perguntou ela, toda sorridente. Infelizmente, não via nada além dos cabelos castanhos semi loiros e óculos gigantescos. Acho que não havia nada de diferente.

— Err...talvez eu seja muito distraído, mas não.

— Não mesmo? Eu cortei o cabelo!

— Cortou mesmo?

— Sim. Cortei algumas pontinhas - disse ela, claramente sorridente, esperando que eu percebesse isso de cara. Eu já não sou bom com detalhes, mais ainda quando esse detalhe envolve centímetros de fios de cabelo cortados.

— Espero que o cabeleireiro não tenha cobrado muito caro.

— Ah, que nada. Eu tenho uma prima cabeleireira e ela estava me devendo um favor.

— Sei - falei - Bom, a gente se vê então. Até mais.

— Mas já vai? A gente ainda nem colocou a conversa em dia? Por que você anda tão sumido?

— Mas eu venho pra escola todos os dias!

— Também não responde os meus e-mails!

— Err...não costumo entrar muito na internet - respondi (com os dedos cruzados atrás, é claro).

— Mesmo? Normalmente as pessoas acessam seus e-mails todos os dias.

— Ah, você sabe o quanto as pessoas de hoje são superficiais.

— Ai, esse seu jeito maduro me deixa louca! - disse ela, agarrando meu braço. Queria muito que alguém viesse em salvar. Droga. Por que minha mãe teve que chegar no serviço mais cedo justo hoje?

— E então? Você tem planos para o...

Nessa hora meu sistema de auto-defesa ligou no máximo. Ela queria marcar um encontro ou algo assim. Precisava escapar dessa e rápido. Sei lá. Qualquer coisa. Qualquer coisa que a distraísse, mudasse de assunto e não desse brechas para ela sugerir nada. Olhei para o mural de avisos mais próximo e apontei para qualquer cartaz aleatório.

— Olha, você viu? Vamos ter um...um...como é que é? - olhei mais atentamente para o cartaz que apontei. Era um folheto de fundo rosa, com um desenho estilizado de uma garota sorrindo e o título "Miss Megatec" em letras garrafais.

— "Miss Megatec"? - questionou Emília - Parece alguma coisa organizada pelo grupo de eventos. Seria algum concurso de beleza?

— Aqui nas letras miúdas diz beleza, talento, inteligência, blá, blá, blá e...oh, peraí.

— O que foi?

— Pela organizadora...não deve ser boa coisa entrar nesse concurso - falei, ao ler o nome Patrícia Bittencourt entre as pessoas da comissão.

— Ah, Patrícia Bittencourt não é aquela menina da sala B? - apenas lembrando que eu era do oitavo ano A, Patrícia do oitavo ano B e Emília do oitavo C.

— Ela mesma. Aposto que deve ter alguma coisa estranha nesse concurso.

— Você é bem desconfiado, né? - disse Emília - Hihi. Mas e se não for? O que será que a vencedora ganha? Uau! Uma coleção de livros, um ano inteiro de graça no salão de beleza mais chique da cidade e uma cesta de café da manhã super equipada! Parece que vale a pena.

— Mas conhecendo a Patrícia, aposto que ela vai manipular o concurso para favorecer quem ela quiser. Tsc - reclamei. Fazer o quê? Minhas experiências com aquela garota não eram das melhores.

— Hmmm. Parece um concurso interessante - disse Emília, ponderando sobre alguma coisa.

— Você está pensando em participar? - perguntei.

— Se eu participar...e ganhar. Você promete que sai comigo? - perguntou Emília com os olhinhos brilhando.

— Olha, não quero ser pessimista, mas não acho que esse concurso vai ser justo e..

— Mas se ele for justo e eu vencer, você sai num encontro comigo? Vai, diz que sim, já imaginou? Não é qualquer um que sairá com a Miss Megatec! - disse ela. Eu não queria ser cruel e dizer que ela não tem chance nenhuma de vencer, mas o fato era que ela não tinha nenhuma chance de vencer! Mesmo que eu aceitasse essa proposta, não teria como se realizar. O que eu poderia responder?

— Você quer mesmo participar desse concurso, Emília? - perguntei - As coisas não parecem ser tão simples assim.

— Eu participo se você prometer sair comigo se eu vencer. Ou melhor, você aceita se casar comigo se eu ganhar? - perguntou ela, com aquele olhar estranho que me dava medo.

— Booom - falei, tentando me esquivar do olhar maníaco da garota - Casar é muito precipitado.

— Namorar?

— O quê?

— Tá, tá. Você ainda não está certo dos seus sentimentos. Tudo bem. Eu espero o tempo que for até você me dar uma resposta. Mas pelo menos um encontro você topa, não topa?

Ela estava me olhando de forma tão assustadora que não demoraria muito para me estrangular caso eu dissesse não. Mas, como as chances de vitória seriam praticamente zero, dizer sim não me causaria tanto dano.

— Tá...podemos marcar alguma coisa...se você vencer.

— Mesmo? Que tudo! Agora tenho uma super-hiper-mega motivação para participar desse concurso! Bem que as cartas diziam que eu estaria com sorte hoje! - disse ela.

Sorte hoje? Mas o concurso só aconteceria dali a duas semanas. Emília praticamente saltitava só com a mera possibilidade de sair comigo em caso de vitória. Já eu, imaginava em que mundo ela vivia: com uma organizadora como a Patrícia, não havia nem um sopro de esperança daquela pobre e esquisita garota ter uma vitória. No mínimo, ela sairia humilhada e arrasada do concurso. Meu dever como boa pessoa que sou, seria avisá-la desse perigo. Seria...porque ela não dava nenhuma brecha para eu falar.

— Mas, Emília...pense bem. Se você participar desse concurso vai correr o risco de...

— Relaxe! Eu vou me dedicar de corpo e alma para garantir minha vitória! - falou ela, com tanta convicção que eu já estava começando a ficar com medo - Estarei me preparando para isso durante essas duas semanas, meu lindo. Depois da vitória, vamos ter o melhor encontro da sua vida! Uhuhuhuhu!

Ela disse aquilo e saiu saltitando. Na verdade, acho que até ela vi saltando e batendo os calcanhares no ar. Outros alunos olhavam aquilo como se ainda não estivesse acostumados com a loucura daquele colégio.

— Agora fiquei com pena dela - falei seguido de um suspiro. Depois disso, olhei para o programa do concurso com mais cuidado. Parece que as participantes seriam avaliadas por beleza, simpatia, talento, inteligência e gentileza. Mas com a Patrícia na comissão, tinha sérias dúvidas se essas qualidades seriam realmente bem avaliadas. Por outro lado, poderia ficar tranquilo. Estava a salvo do encontro com a Emília. Mas talvez ela quisesse consolo por ter perdido. Enfim...não queria pensar nisso. Na verdade, não queria nem comentar isso com os outros, mas por algum motivo eles acabaram descobrindo. E, naquele intervalo, nossa reunião no canto dos nerds não foi das mais tranquilas (pelo menos não para mim).

— Hmmm...fiquei sabendo que você está com planos amorosos futuros, heim, Daniel? - disse Demi, acompanhada de um risinho.

— Hã? Por que está dizendo isso? - perguntei, enquanto comia meu humilde lanche (bem humilde perto do enorme sanduíche que Jorjão devorava).

— Deu no mural da Emília...que ela terá um encontro fabuloso com seu príncipe encantado Daniel - confirmou Demi, mostrando seu iPhone com a mensagem. Maldita Web 2.0! Antigamente as notícias demoravam pelo menos um dia para se espalhar. Hoje as fofocas voam antes mesmo das aulas do período acabarem!

— Nossa, Daniel. Não imaginei que você estivesse tão sério em seu relacionamento - falou Wilson - Por que não contou logo, heim, conquistador?

— Não é nada disso! - retruquei. Depois disso, expliquei todos os detalhes, de ter chegado cedo e do concurso.

— Um concurso com a Patrícia como organizadora? - falou Wilson - Realmente...as chances dela vencer são muito baixas.

— E você deixou a pobrezinha com essa ideia na cabeça, Daniel! - reclamou Demi, de certa forma furiosa - Até parece que você não conhece a Paty! Ela vai humilhar a Emília sem dó! Por que não impediu?

— Eu tentei argumentar, mas ela sequer me ouvia - falei.

— É...costuma acontecer isso quando se deixa ser levado pelas emoções - comentou Karina, enquanto arrumava os olhos (se bem que ela é do tipo que nunca seria levada pelas emoções).

— Mas a Patrícia vai ser exatamente o quê nesse concurso? - perguntou Wilson - Juíza? Organizadora?

— Mais do que isso, querido! - disse a voz da própria Paty, que, por alguma razão, estava visitando o nosso canto acompanhada de suas fiéis escudeiras (cujos nomes não são importantes) - Eu vou ser uma das participantes!

— O QUÊ?! - exclamamos juntos.

— P-Peraí - gaguejou Jorjão - Eu que sou o mais burro sei que se você faz parte da organização do concurso seria muito injusto participar dele, não acha?

— Uhuhuhuhu! É verdade que eu faço parte do grupo de eventos. Só que a minha contribuição com o concurso está sendo insignificante - disse ela - Estou apenas ajudando financeiramente a organização. Assinei até um contrato provando isso e que me permite participar do meu próprio concurso!

— Mas se você ganhar, não estará ganhando o prêmio que você mesma pagou? - perguntei.

— Mas o meu interesse não é o prêmio, darling - disse ela - Meu interesse é mostrar para o colégio todo que não existe ninguém além de mim capaz de receber o título de Miss Megatec! Uhuhuhuhuhuhu!

Por que só existem megalomaníacos naquele colégio? Mas por mim ela podia ser o que quiser. Além disso, seria garantia de que a Emília não venceria nada mesmo.

— Veio aqui só para se vangloriar disso? - perguntou Demi.

— Você acha que eu, linda e maravilhosa, iria descer do meu patamar para chegar no canto fedorento de vocês sem um motivo realmente importante? Hellooo! Se liga!

— Então... - Demi iria continuar, mas Patrícia estala os dedos, fazendo com que, imediatamente, uma das escudeiras passasse um tipo de papel para a loirinha.

— É que agora no intervalo, a professor Vitória me entregou alguns cupons de inscrição para o concurso e gostaria de entregar pessoalmente para você, querida - disse ela, entregando um cupom de inscrição para a Demi.

— Ah, tá! Até parece que eu vou participar dessa babaquice. Só porque você quer!

— Ah, não? Então por que não diz isso para aquela agência ridícula de atrizes e modelos mirins que você participa?

— Hã? Como é que é?

— Isso mesmo. Essa agência também está investindo nesse evento. E do jeito que eles estão ruins das pernas, é um ótimo investimento para encontrar novos talentos! - falou Patrícia, com um sorriso maldoso no rosto, obviamente.

— Você tá é muito mal informada, ouviu? - retrucou Demi - Eu não participo mais daquela agência. Meu contrato com ela acabou no começo do ano passado e meu pai não renovou meu contrato para que eu me dedicasse aos estudos. E eu achei melhor assim. Eu gostava do teatro, mas odiava aquele ambiente cheio de frescuras das modelos.

— Mesmo? Acho que ele não leu as letras miúdas - disse Patrícia.

— Como assim?

Uma das cúmplices de Patrícia passou um papel para ela que, imediatamente, começou a ler em voz alta uma das últimas partes do contrato.

— Aqui diz que o uso da sua imagem ainda é autorizado pela empresa por mais dois anos após o término do contrato.

— E daí? - perguntou Demi - Não tem problema eles usarem as fotos que eu tirei de lá para publicar em outros trabalhos. O que isso tem a ver com o concurso?

— Bem...você é uma das garotas propagandas do site do nosso concurso. Que, por sinal, saiu horrível naquela foto!

Demi abriu imediatamente a página do concurso de Miss Megatec no site da escola e quase saltou para trás ao ver sua foto ali, toda sorridente e simpática.

— C-Como isso veio parar aí?

— Para vocês verem como essa agência está ruim de modelos, não é? Escolheram você como modelo do concurso. Eu queria me candidatar, mas foi essa agência que quis elaborar o site.

— Você sabia disso desde o começo, não é? - reclamou Demi - Mas isso não muda nada! Não vou participar do concurso, só porque tem uma foto minha estampada nele!

— Sério mesmo? - disse Paty em tom sarcástico - Se você não vai entrar, então posso dizer com todas as letras que Demétria Gomez, a própria garota propaganda do concurso, fugiu dessa com medo da minha beleza estonteante. Não que vá fazer alguma diferença você participar do concurso ou não, já que eu vou ganhar de qualquer maneira, mas se for para vencer, gostaria de ganhar provando o quanto sou melhor modelo que você em um concurso justo.

— Justo mesmo? - perguntou Wilson - Como vamos saber? Não é você a organizadora?

— Mas eu acabei de dizer que só estou contribuindo financeiramente com o evento, apesar da ideia ter sido minha. Bom, a sugestão da empresa foi da direção da escola, mas até que achei interessante ser justamente a agência que a Demi participava - respondeu Patrícia.

A essa altura, Demi já estava tremendo de raiva. Ela não costumava cair em provocações, mas por alguma razão agora ela estava irritada.

— Você não vai ganhar esse concurso - disse Demi - Não vai mesmo!

— Ah, é? Mudou de ideia? - Patrícia retribuiu o olhar com outro olhar fulminante. Uma guerra de olhares lampejantes, cheios de fagulha, estava ocorrendo naquele lugar.

— Ai, ai, tá meio fogo cruzado aqui - reclamou Wilson, saindo de perto das duas.

— Essa sua mania de humilhar os outros já tá me enchendo! - reclamou Demi - Não me importo de ganhar esse concurso e estou pouco me lixando para o título de Miss Megatec...

— Duvido - provocava Patrícia - Você esconde, mas é uma exibida de primeira! Admita logo que quer vencer e inflar seu ego! Todas nós queremos! Admita e...

— Eu não terminei de falar! - interrompeu Demi, realmente furiosa. Desnecessário dizer que eu já estava escondidinho atrás de Jorjão, junto com Wilson, esperando a tempestade feminina passar. Patrícia ficou mais admirada depois dessa fala.

— Olha aqui... - continuou Demi - Eu não ligo para o título de Miss Megatec ou o que for, mas se você ganhar, vai ficar mais insuportável do que já é! Por isso, vou fazer de tudo para vencer!

— Heh! Tente...se conseguir - disse Paty - Então está decidido. Boa sorte, gata. Que vença a melhor, ou seja, eu. Uhuhuhuhuh!

Em resumo, esse curso era simplesmente mais uma maneira cara e ridícula de inflar o ego da patricinha. Patrícia já estava dando as costas, quando mais uma vez seu nome é invocado.

— Espere, Patrícia - chamou Karina. Sim, foi ela, mesmo sem nenhuma expressão diferente no rosto.

— O que foi? Mais alguma pergunta? - disse a loirinha, virando-se sem muita vontade.

— Dê mais um cupom de inscrição - disse ela, sem mudar nem um pouco a expressão - Eu também vou participar do Miss Megatec.

— O QUÊ?! - gritaram todos pasmos (inclusive eu). Ela era a última pessoa que eu esperaria se inscrever num concurso deles. Quais seriam os motivos de Karina?