A Protagonista Feminina escrita por Star


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Entrando em uma fase mais dramática da história, hm...
Os trechos aqui do início são do livro Sombras da Noite, do Stephen King.



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“...Burt saltou do púlpito e correu pela alameda central da nave. Escancarou a porta do vestíbulo, saindo para o sol quente e ofuscante...”

Ele está demorando demais.

“...Vicky estava empertigada ao volante, ambas as mãos apertando ao aro da buzina, a cabeça girando desvai-...”

Está ficando escuro lá fora...

“...-radamente de um lado para outro...”

Já deve estar muito tarde. A escola certamente está fechada então de nada adiantaria ligar, hm...

“...As crianças chegavam de todos os lados. Algumas riam alegremente...”

Por Deus, e se realmente aconteceu alguma coisa dessa vez? Não confio nenhum pouco naquele motorista infeliz. Provavelmente deve ter largado meu irmão à própria sorte para ir tomar uma cerveja com o salário absurdo que lhe pagamos.

“...Empunhavam facas, machadinhas...”

E aquela maldita garota... Ela estava somente esperando essa chance. Deve tê-lo apunhalado, e o amarrado ao mastro da escola, gritando histericamente para que lhe jurasse lealdade eterna...

“...martelos, canos, pedras...”

Eu o avisei. Eu sabia que algo ruim aconteceria. Podia sentir. Mas ele nunca me dá ouvidos. Aquele maldito teimoso. Se acha prepotente mas ainda é tão ingênuo que...

“...empunhavam facas...”

que...

“ ...machadinhas, martelos...”

agora estaria...

“...facas, pedras, martelos...”

Kaoru fechou o livro, irritado. Toda aquela baboseira não estava ajudando seus pensamentos. E era óbvio que o Burt e Vickie iriam morrer no final.

Precisava manter a calma, e ser racional. Quais as reais chances de haver um psicopata dentre os alunos de sua escola? Bem, muitas, se formos analisar as estatísticas do jornal. Mas isso não quer dizer que seja necessariamente verdade. Hikaru somente perdeu a noção do tempo, assim como da última vez. Porque ele é um babaca sem consideração para com a preocupação do irmão. Não, porque ele está se divertindo com sua nova amiguinha. Isso provavelmente aconteceria bastante daqui em diante, então teria de aprender a se acostumar.

Kaoru suspirou pesarosamente. Teria de arranjar muito mais livros se quisesse tentar suprir a falta do irmão.

Uma luz incomum brilhou ao longe, logo seguida pelo som familiar da buzina. O enorme carro preto da família estava parado em frente aos portões do jardim, esperando que se abrissem para poder entrar. Kaoru nunca desejou tanto na vida ter um binóculo por perto para poder ter certeza de que seu irmão estava ali dentro. Era um pensamento idiota, claro que era, mas todos têm o direito de ser idiotas uma vez ou outra.

O carro parou a uma curta distância das escadas que dividiam a entrada do chão, e a figura ruiva conhecida apareceu correndo em direção à casa. Kaoru sentiu como se seu coração fosse parar de bater com tamanho alívio. Levantou-se rapidamente da poltrona onde estava, e se jogou sobre a cama que ficava mais distante da janela, levando o livro consigo. Não queria que o irmão soubesse que desde que chegara em casa havia plantado os pés ali para poder ter uma visão melhor da rua e vê-lo quando chegasse, mesmo sabendo que ele não era tão observador assim. Já podia ouvir seus passos pesados e apressados saltando a escada, então abriu o livro em uma página qualquer e respirou fundo esperando conseguir se livrar de qualquer traço de ansiedade que ainda pudesse estar pelo seu rosto.

– Kaoru! – Hikaru gritou ao entrar no quarto, praticamente arrombando a porta. Mantinha um sorriso enorme, maior e mais alegre que o do dia anterior. Kaoru não conseguiu evitar pensar que aquele sorriso mais parecia um parasita alienígena que engolia aos poucos o rosto do irmão.

Hikaru sentou-se sobre a cama em que estava, com uma impaciência visível.

– Eu estava certo.

Kaoru endireitou-se sobre a cama e pôs o livro de lado, esperando que o irmão continuasse.

– Yuno não é uma vadia megera. – Falou, e repetiu, como se isso lhe causasse um enorme prazer. – Eu estava certo!

Não poderia sequer pensar em duvidar do julgamento do irmão, isso seria falta de respeito, de confiança, e ele ficaria muito aborrecido. Mas Kaoru não conseguia encarar aquela menina mirrada como algo de bom. Como algo que seu irmão fosse merecer. Mesmo assim abriu um sorriso, pronto para parabenizá-lo pela coragem, perguntar sobre o seu dia e fazer algum comentário maldoso e engraçado; embora no fundo não tivesse vontade de fazer nenhuma dessas coisas. Queria apenas esquecer Yuno, pelo menos por hora. Mas nenhuma boa vontade no mundo poderia lhe preparar para o que veio a seguir.

– Acho que a amo.

– ...O que?

– Não, eu não acho. Já tenho certeza. Eu a amo, Kaoru.

Seus olhos brilhavam enquanto falava. Um brilho que o cegava a ponto de não ver que toda a cor do rosto de seu gêmeo fora sugada, e por alguns segundos era audível o som de seu coração sendo congelado e começando a rachar.

Ele a amava. Hikaru a amava. Nunca imaginara que seu irmão fosse capaz de usar essa palavra um dia. Não para outra pessoa. Yuno não merecia. Aquilo não podia ser amor. Yuno não o merecia. Hikaru não poderia pertencer à ela, assim como o seu coração também não. Quando a coisa começou a se tornar tão séria? Não era apenas uma brincadeira o que estavam fazendo? Hikaru era seu irmão. Ele era somente seu, não era? Assim como ele era dele. Pertenciam um ao outro. Então como agora ele decidira deixar seu coração ser alcançado por outra pessoa, sem sequer lhe pedir permissão?

– A coisa deve ser séria, você já está parecendo um daqueles protagonistas babacas de filmes melosos. – Riu, sem ter vontade alguma.

Pense com clareza, Kaoru. Pessoas não são propriedades. Você não pode ser dono de seu irmão. Até quando achou que as coisas continuariam a ser assim, só vocês dois? Era óbvio que um dia tudo mudaria. Você sabia disso. Você estava preparado para isso... Não estava?

– Vou pedi-la em namoro amanhã. – Hikaru falou, com ar de sonhador. E olhou para o irmão, com um certo receio. – Ou acha que estou indo rápido demais com isso? Não quero correr o risco de assustá-la.

– Considerando o quão estranha você diz que ela é, provavelmente não terá problemas.

Toda a frustração que guardava começou a se manifestar como um embrulho no estômago, e Kaoru passou a mão pela garganta, levantando-se.

– Vou na cozinha assaltar algo do bar secreto da mamãe para comemorarmos o seu progresso sentimental, pequeno gafanhoto. Alguma preferência?

– Hm, muito tentador. Nada muito forte, tenho que conseguir levantar cedo amanhã.

– Como quiser.

Kaoru fechou a porta do quarto, e encostou-se nela.

Não é como se ele estivesse indo embora para sempre. Yuno não pode rouba-lo completamente. Isso só significa que haverão muitos outros dias como os de hoje.

Talvez ela venha aqui de vez em quando. Só terei de fingir que aprecio sua companhia também, ou Hikaru pode ficar com raiva. Isso significa que terei de começar a esconder certos pensamentos dele, pensamentos que tenham a ver com ela.

Talvez as conversas entre nós fiquem estranhas, mas continuaremos a ser irmãos.

É, é apenas isso o que eu preciso ser, um irmão. Um bom irmão.

XxX

Os minutos se arrastavam como se fossem prisioneiros condenados indo à forca. E já fazia algum tempo que Hikaru percebera que encarar o seu relógio de pulso não o intimidaria para que funcionasse mais rápido.

Os bancos de couro do assento traseiro onde estava nunca pareceram tão desconfortáveis, tinha vontade de pular para fora do maldito carro e andar de um lado pro outro. Mas não poderia fazer isso. Ah, não. Já cometera o terrível erro de chegar no lugar onde marcara de se encontrar com Yuno vinte minutos adiantado. E mesmo depois de tanto tempo ali dentro, se pulasse para fora agora isso ainda significaria que havia chegado quase dez minutos antes do que o combinado. O que o tornaria o babaca, ingênuo, ansioso e nervoso adolescente que nunca antes teve um encontro verdadeiro e não tinha mais idéias sobre como agir. E por Deus, aquela poderia ser a maior verdade do mundo, mas nunca iria admiti-la.

Estava suando. O ar condicionado do carro parecia querer drenar sua alma ao invés de soprar algum vento gelado. Suas mãos suavam, até tornar-se incômodo o contato com o que estava carregando.

Olhou para o pequeno pacote, envolto em um papel de presente vermelho vivo completamente amassado e quase duro de tantos pedaços de fita adesiva. Era óbvio que ele mesmo havia o embrulhado. Desejou não ter feito isso. Ao ver o presente, talvez Yuno percebesse imediatamente que além de tê-lo embrulhado com as próprias mãos, havia passado toda a noite em claro procurando pela pontinha invisível do durex e tentando desgrudar os pedaços já cortados do cabelo sem arrancá-lo completamente.

O poder de uma relação está com quem se importa menos, o que obviamente não é o seu caso. A garota já o fizera passar por tantas emoções nos últimos dias, que poderia facilmente ser considerado a donzela da relação. Hikaru, uma donzela.

Hikaru balançou a cabeça, antes que começasse a imaginar a si mesmo usando vestidos. Ao contrário, imaginou Yuno. Ela certamente ficaria bem usando algo sem alças. E talvez cor-de-rosa. Ou vermelho. Precisaria dopa-la para conseguir que a fizesse usar algo do tipo, mas a idéia valia a pena. Talvez devesse ter trago algum clorofórmio para faze-la desmaiar e prende-la à algemas no porão de casa. E fazê-la usar vestidos pomposos, e também cosplays de coelhos, gatos e raposas, um para cada dia da semana. Yuno presa à algemas e usando vestidos. Esse sim é o tipo de pensamento que vale a pena.

Faltavam três minutos para às três, um horário satisfatório para se chegar. Hikaru saiu do carro sentindo-se ser acomodado pelo ar quente de setembro, agradeceu e despediu-se do motorista assegurando-lhe de que não havia necessidade alguma de lhe esperar, pegaria um táxi para voltar mais tarde, e saiu andando levando consigo o embrulho que rangia a cada aperto de sua mão.

O ponto de encontro era uma sorveteria um pouco famosa que tinha mesas ao ar livre. Hikaru sentou-se em uma delas, bem ao lado da cerca de ferro que dividia o espaço livre da lanchonete do resto da rua, junto de um muro baixinho feito de arbustos bem cuidados. Logo uma moça de cabelos claros usando avental branco com desenhos azuis veio lhe trazer um cardápio com um sorriso bem educado no rosto.

– Ainda não, obrigado. Estou esperando uma pessoa – falou, com um sorriso no rosto. Deveria ter apenas a mandado de volta com um gesto, mas algo dentro de si sentia necessidade de compartilhar sua felicidade com o resto do mundo. A garçonete loira deu um sorriso compreensivo e ao mesmo tempo maroto, e foi atender outra mesa.

Hikaru endireitou-se na cadeira, e colocou o presente sobre a mesa. Olhou seu trabalho não muito bem feito mas ainda assim satisfatório, tentando imaginar o que Yuno acharia dele. A pelúcia guardada dentro era algo que comprara com o maior cuidado no dia anterior, com a ajuda de Kazuki e outra das empregadas que usa marias-chiquinhas como se tentasse parecer mais nova. Um ursinho branco de pelúcia, feito com o material mais macio que suas mãos já tocaram, usando uma máscara vermelha presa por elástico como as que as pessoas costumam usar durante o carnaval, com a frase “I told my therapist about you*”. Era fofo ao mesmo tempo em que era estranho, delicado, e também engraçado. Como Yuno.

Só agora começou a pensar que ela poderia não gostar do presente. Poderia achar ofensivo demais. Ou esquisito demais. Poderia levar a sério, e achar que Hikaru era um esquizofrênico. Poderia ainda detestar ursinhos de pelúcia, ou ter alergia a eles, fingir um agradecimento e enfia-lo dentro do guarda-roupa para nunca mais ver a luz do sol. Droga, Hikaru deveria ter perguntado antes se não ela não tinha problemas com pelúcias.

Não perguntara muitas coisas, também.

Mas agora tudo o que lhe restava era esperar.

Não foi uma surpresa quando se passaram quinze minutos e ela ainda não havia chegado.

Na verdade, Hikaru já esperava por isso.

Depois de meia hora, ele ainda mantinha o bom humor e a paciência.

Depois de quarenta e cinco minutos, decidiu que realmente iria obriga-la a assistir o filme com Harrison Ford nem que precisasse amarra-la à cadeira.

Depois de uma hora, já estava seriamente preocupado. Era tempo demais para um simples atraso, para um engarrafamento, para uma greve feita pelo sindicato do metrô. Teria acontecido alguma coisa com sua família? Com sua mãe? Não, se tivesse acontecido, ela teria lhe ligado. Quer dizer, ela tinha seu número, não tinha?

Passaram-se duas horas, haviam acabado de perder a sessão do cinema. Mas isso já não tinha mais importância, algo havia acontecido. Mas Hikaru sequer sabia se ela gostava de pelúcias, muito menos então seu número de casa. Poderia ligar para a escola e tentar descobrir. Oh, não, não poderia, porque não sabia o seu nome verdadeiro.

Depois de duas horas e meia, Hikaru já estava cansado de dispensar a garçonete que vinha lhe importunar a todo momento. As coisas começavam a fazer sentido. É claro, foi tudo um maldito plano. Ela não lhe disse seu nome verdadeiro para não ter chances de conseguir seu telefone. Ela planejara deixar-lhe torrando debaixo do sol, cheio de expectativas. Aquela putinha megera. Hikaru fervia de raiva, mas mesmo assim permaneceu na mesa por mais algum tempo.

Tempo o suficiente para sentir-se mal por pensar coisas ruins sobre ela, para ter ódio de si mesmo por além de ter caído na armadilha ainda estar sentindo-se mal pela infeliz, para ficar confuso, com uma enorme fúria e desolação lutando por mais espaço em seu peito.

Depois de quatro horas, ficou óbvio que Yuno realmente não iria parecer.

Não havia mais o que fazer senão levantar-se e ir embora, sendo acompanhado pelos olhares de pena de todos os funcionários da sorveteria, e até mesmo de alguns casais. É claro que a garçonete não havia guardado a história somente para si. Mas isso não o aborrecia, pelo menos não mais. Não se importava com o que os outros pensassem. Porque agora um terrível sentimento de abandono tomara o lugar de seu orgulho.

Quando chegou em casa, já havia convencido a si mesmo de que alguma coisa ruim acontecera. Yuno, a garota pela qual ele se apaixonara, ela não era uma farsa, não podia ser. Provara isso para ele de tantas formas que não tinha como acreditar em seus próprios pensamentos cruéis. Algo grave acontecera com ela, e ela não tivera como lhe avisar. Talvez ela estivesse realmente morrendo e não quisesse lhe contar. Ela parecia ser orgulhosa e teimosa o suficiente para esconder esse tipo de coisa.

Pediria ajuda ao irmão para que conseguissem o telefone e talvez o endereço dela. Não seria difícil invadir o sistema de computadores usado pela escola, já fizeram isso uma vez para mudar suas notas do boletim. Então seguiu apressado para as escadas, sem perguntar nada às empregadas, já sabia onde ele deveria estar.

A porta do quarto estava fechada, como sempre. Dentro, todas as cortinas estavam fechadas e todas as luzes apagadas. Mas aquela escuridão não fora suficiente para esconder a movimentação que se passava em uma das camas.

Kaoru, seu irmão, estava deitado em uma das camas, com uma garota em seus quadris.

Os dois pararam ao perceber a presença de outro no quarto, mas a entrada repentina ainda lhe permitira assistir alguns segundos a mais de contato de peles e gemidos ofegantes.

Hikaru podia jurar ter ouvido o som de vidros sendo quebrados, vasos de cerâmica sendo jogados contra paredes e pedaços enormes de gelo rachando. Era como se todo o mundo estivesse se despedaçando.

Era ela.

A garota em cima de Kaoru.

Yuno.


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Notas finais do capítulo

HAAAAAAAAAA, POR ESSA NINGUEM ESPERAVA, HAM? HAM? HAM?
Na verdade, foi até bem previsível, hm.

* "I told my therapist about you" = Eu contei pro meu terapeuta sobre você.
Não sei se perceberam, mas esses gêmeos acabaram saindo extremamente paranóicos. Mania de achar que só porque a pessoa se atrasou ela foi sequestrada por nazistas e está sobre tortura, oxe. Tenho que colocar menos de mim nas coisas que escrevo. q

Bom, primeiro, quero agradecer à todos que mandaram reviews *-* Sério, eu vivi um verdadeiro paraíso aqui. Não sabem como fiquei feliz quando vi todos os leitores novos que me apareceram, verdade, verdade, chamei até a mamãe pra vir ver! /wTf
Ela perguntou o que era review, fingiu que entendeu, me deu parabéns e voltou a ver novela QQQ
E sabiam que A Protagonista Feminina (God, eu amo esse nome) tem até recomendação? OHOHOHOHOHO!! Muito obrigada por isso, Litinha! *O*/
Estou rumo à dominação mundial!



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