A Protagonista Feminina escrita por Star


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Capítulo gigante pra compensar a demora, ae!Peço antecipadamente desculpas por todos os erros que possam ser achados pelo capítulo, e pelos que não forem achados também. Deu a louca no meu word e ele não está mais me corrigindo, juro que não sei o que diabos aconteceu com ele.



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– Kaoru?!

O ruivo chamou, animado, logo que abriu a porta de casa. Atravessou a sala de estar, largando a mochila e tirando o uniforme enquanto corria, sem se preocupar em recolhê-los; algum empregado faria isso.

– Kaoru! Kaoru!

Percorreu as três salas do térreo e até metade do jardim mas não encontrou o irmão. Voltou todo o caminho em direção à cozinha, onde ele também não estava.

– Kazuki, sabe aonde está meu irmão? – Perguntou, quase eufórico, à empregada idosa de bochechas caídas que varria o chão.

– Ele está no quarto, senhor Hitachiin.

– Obrigado, Kazuki! – E saiu correndo novamente.

A empregada ficou alguns segundos travada, vendo o menino ruivo que praticamente ajudara a criar subir as escadas. Ele nunca havia lhe agradecido por nada. Mal sabia que tinha conhecimento sobre seu nome.

Kazuki deu um sorriso consigo mesma, vendo-o pular de dois em dois degraus enquanto gritava o nome do irmão. Esses meninos estão crescendo. Assentiu com seu pensamento, e voltou à sua tarefa de varrer.

Hikaru finalmente encontrou o irmão sentado sem postura sobre uma poltrona de frente para a janela, com um livro levantado sobre o rosto que imediatamente foi abaixado para dar-lhe atenção.

– Kaoru! – Atirou-se euforico na poltrona da frente. Toda a sua felicidade quase explodia dentro do sorriso que mantinha esperando que fosse notado para poder compartilhá-la com o irmão.

– Parece que as coisas foram bem. – Kaoru sorriu, achando muita graça no estado eufório do irmão. Não o via assim desde as épocas natalinas passadas, o brilho nos olhos dele hoje eram o mesmo de quando rasgava um papel de embrulho pomposo e encontrava dentro seu precioso brinquedo.

– Foram, sim! Passamos a tarde inteira no vestiário femino, enquanto ela tentava se lavar. A propósito, dei uma olhada no armário de Sachiko e é verdade os boatos de que ela anda costurando seu rosto em bonecos de palha e cutucando-o com alfinetes. Estavam todos colocados sobre uma almofada de rendas com várias velas vermelhas em volta, coisa bastante assustadora. Não se esqueça de falar com o diretor sobre isso depois.

– Pare de devaneios, Hikaru!

– Certo, desculpe, desculpe. Ela... ela não quer me dizer seu nome, isso é estranho, e ela é realmente bonita, sabia? Quer dizer, mesmo com toda aquela gosma fedorenta ela... Bem... e ela é tão diferente dessas outras garotas que temos pelo colégio, ela realmente pensa por si própria E.... Fizemos umas coisas, posso te mostrar depois. E... Meu deus, ela é tão... eu não... eu não sei mais o que pensar sobre ela. É tão diferente e tão... esquisita, mas tão atraente e divertida que... – Sua empolgação o fazia atropelar as frases, sem nem mesmo respirar entre uma palvra e outra. Seus pensamentos evoluíram para um ritmo ainda mais frenético que as palavras não conseguiam acompanhar, e ele suspirou, dando-se por vencido e recostando-se na poltrona. - Ah, Kaoru, não sei mais o que pensar!

Kaoru riu novamente. Acomodou-se melhor na poltrona e colocou o livro fechado sobre o criado-mudo ao seu lado.

– Tudo bem, vamos tentar ir com calma. Ela não se enfureceu pela brincadeira?

– Não.

– Não mesmo ou ela estava disfarçando sua raiva? Você sabe que, se ela quiser, pode nos meter um processo. Não que isso seja problema, mas mamãe certamente não iria gostar de receber uma notícia dessas.

– Não acho que estava fingindo. – Respondeu, passando a mão pelos cabelos enquanto um filme acelerado sobre a tarde passava em sua mente tentava detectar algum traço de falsidade naquele sorriso. - Passamos muito tempo juntos e se estivesse, uma hora ou outra ela iria acabar explodindo.

– Ela chorou?

Hikaru recordou-se de seu olhar melancólico sobre ele, e isso fez com que sentisse um mal-estar discreto por dentro.

– Quase. Mas não foi por culpa da gosma.

– O quê ela fez, então?

– Ela me chamou de babaca.

– E?

– E disse que me ama.

Secretamente Hikaru esperava que o irmão reagisse da mesma forma que ele ao ouvir a confissão amorosa. Esperava ver seus olhos castanhos arregalados encarando-o, completamente incrédulos, e sua boca emudecida pelo choque. Mas Kaoru manteve sua posição de interesse quase indiferente enquanto limitava-se a fazer uma única pergunta.

– E você acreditou?

Hikaru sentiu o desconforto em seu peito aumentar só com a cogitação de que a garota divertida e esquisita com quem passara a tarde fosse falsa, mas não conseguiu deixar de pensar na idéia. E se ela estivesse mentindo? Sua aparência franca e independente poderia ser fruto de uma boa atuação. Qualquer pessoa pode ser um ótimo mentiroso se quiser. Yuno poderia estar mentindo, claro que poderia. Ela poderia estar tramando algo para machucá-lo, para destruir os gêmeos. Duvidava que qualquer um fosse capaz de criar algo forte o suficiente para lhe causar um prejuizo, mas se ele acreditasse poderia, no máximo, acabar realmente magoado. Essa era uma dor que já havia experimentado e tinha medo de sofrer novamente. Mas mesmo que ela pudesse fazer tudo isso... Não conseguia acreditar. Havia algo que lhe incomodava sempre que tentava ver Yuno como uma figura maldosa, e ainda mais quando tentava encarar tudo o que ela lhe disse como apenas palavras vazias.

– Acreditei, sim. Você pode não entender, mas eu realmente acho que ela está sendo verdadeira.

– Eu não acho. – Kaoru fez uma pausa, tentava não deixar transparecer a preocupação, ou seria decepção?, que sentia pelo irmão no momento. - Mas você é meu irmão e seria desrespeitoso não confiar no seu julgamento, até porque isso significaria que não respeito você. Então não vou tentar plantar idéias ruins na sua cabeça. E também não vou fazer nada que possa interferir nessa relação, enquanto isso não estiver lhe causando dor. Vou tentar acreditar naquela garota, por você. Mas caso aconteça de você estar errado... Eu a destruirei.

Hikaru sorriu, estranhando a pose de legítimo irmão mais velho de seu gêmeo, do qual começava a descobrir que era realmente diferente de si.

– Acho que isso quer dizer que tenho sua benção. Não precisa se preocupar, eu vou manter minha guarda alta. Não sou idiota, você sabe.

– É claro, mas lembre-se do meu discurso, não quero ter que repeti-lo e nem conseguiria se quisesse. Você pelo menos conseguiu descobrir o nome da garota?

– Bem... não. Mas ela me pediu para chamá-la de Yuno. – E acrescentou, vendo o irmão arquear as sobrancelhas. – Não precisa dizer o quanto isso é estranho, eu já sei. Vou encontrá-la novamente amanhã.

– Vão sair? Mas amanhã tem aula.

– Eu sei, iremos depois que as aulas acabarem. E não vamos sair, ela pediu que a encontrasse no vestiário novamente.

Hikaru sentiu o irmão reprimir um risada.

– O que foi?

– Nada, só que sempre imaginei como seria o dia em que você seria controlado por uma mulher.

– Não estou sendo controlado!

– Se você diz.

– Não estou! Eu só-.... você sabe, ela-... mas eu-... Argh! – Levantou-se irritado e saiu do quarto carregando seu orgulho masculino machucado.

Kaoru permaneceu rindo para as costas do irmão até vê-lo sumir pelo corredor. Estava se sentindo bem provavelmente da mesma forma que Hikaru sentia-se quando entrou naquele quarto. Não era algo que as pessoas possam chamar de transferências de sentimentos entre gêmeos, ele apenas gostava de ver o irmão feliz daquela forma. Mesmo que fosse por uma garota incrivelmente suspeita.

XxX

Doze minutos.

Yuno estava atrasada doze minutos.

Hikaru andava impaciente de um lado para o outro, e já estava ficando tonto de tantas voltas que dera. Há mais ou menos quinze minutos atrás, ninguém na escola poderia estar mais ansioso pelo sinal de fim de aulas do que ele, nem mesmo as garotas que ansiavam pelas noites de sexta para poder se reunir em um parque pouco frequentado e virar garrafas de vodka garganta abaixo escondidas de seus pais. Logo que ouvira o sinal estrindete que hoje mais parecia o glorioso som da liberdade, saíra correndo da sala, gritando um “até logo” para o irmão e vindo da forma mais apressada e discreta que pôde para o vestiário feminino.

Agora treze minutos. Ela está atrasada treze minutos.

Não era surpresa que acabasse chegando primeiro, principalmente levando em conta que praticamente voara de corredor para corredor, mas a espera estava matando-o. Cada segundo parecia uma dolorosa eternidade.

Quinze minutos. É isso, ela não vem. Hikaru pensou consigo mesmo. Quinze minutos já é uma falta de cortesia. Kaoru estava certo, ela só estava me enganando. Que estupidez, perder tanto tempo e dignidade por somente isso. Pft, amadores. Não é como se eu me sentisse magoado ou decepcionado, ou como se realmente quisesse vê-la novamente, ou acreditasse em toda aquela ladainha tirada de filmes clichês de romance, ou que realmente acreditasse que poderia gostar dela ou...

– Nossa, você já chegou?

Hikaru foi resgatado do mais profundo eco de seus pensamentos e olhou para a figura que tanto esperara – mesmo que negasse isso – parada na porta. Usava um uniforme impecavelmente limpo e sem amassados, seus cabelos negros que antes chegavam até a cintura encolheram para antes de encostarem nos ombros, e a franja havia sido posta de lado, deixando visível seus olhos cor de chocolate que sorriam surpresos. Na cabeça tinha uma touca vermelha com o formato da cabeça de uma raposa e em uma das mãos segurava uma sacola. Estava diferente, mas era ela.

– Desculpa se te fiz esperar, parece que depois de levar dois baldes na cabeça virei meio que uma celebridade. Eles ficam à minha volta o dia inteiro, e fazem todo o tipo de pergunta bizarra. A maioria acha que estou planejando matar você. O resto pensa que sou algum tipo de cyborg criado pelos Hitachiin, ou um alienígena. Foi dificil conseguir chegar aqui sem ninguem me seguir. Dá pra acreditar nesse pessoal?

Ela se aproximou até ficar de frente com o gêmeo que a olhava espantado, e sorriu.

– O que houve com seu cabelo? – Não pôde evitar de alisar uma das mechas negras que agora eram tão curtas que não alcançavam os ombros da garota ao perguntar.

– Caiu.

Ele arqueou as sobrancelhas e recolheu a mão, pego de forma inesperada pelo sarcasmo.

– Não, é sério. – Ela riu. - Eu sei que todo mundo fala isso quando corta o cabelo pra dar uma de espertinho, mas é verdade. Ontem quando consegui me livrar daquela gosma ela levou quase todo o meu cabelo junto. Quase fiquei sem as sobrancelhas, vê? Tive que desenhá-las de volta pra não ficar muito estranho.

Yuno apontou para seu próprio rosto, e Hikaru finalmente percebeu a sobrancelha torta riscada quase no meio de sua testa. Sentiu um impulso enorme de rir, algo que nunca havia sentido de forma tão forte antes em sua vida, mas mordeu os lábios para contê-lo, sabendo que certamente não seria um gesto respeitoso.

– Tudo bem, pode rir.

– Sinto muito por isso.

– É, claro que sente. Sabia que é proibido usar chapéus dentro da escola? Me levaram pra diretoria. Mas eu contei o que houve e o diretor me deixou usar. Relaxa, não mencionei você. Falei sobre um acidente com uma motosserra. Ele ficou realmente comovido.

– Por que tanto trabalho pelo chapéu? Por acaso você está careca aí embaixo? – Brincou, puxando um pouco a touca dela como se para verificar.

– Não, eu só gosto dele. – Ajeitou a touca na cabeça, puxando-a até quase lhe cobrir os olhos. - Não é bonitinho?

– Eu acho você mais bonitinha.

Hikaru pensara alto demais e sentiu suas bochechas esquentarem ao perceber que ela o ouvira. Mas que estupidez, já havia falado coisas bem piores à outras garotas antes, por que começar a se sentir assim agora?

Antes de poder pensar melhor sobre o assunto e sentir-se frustrado consigo mesmo, Yuno o beijou. De forma menos provocativa e mais carinhosa do que antes. Era algo único que fazia todo o seu corpo estremecer de tal forma que precisou abraçar-se a ela ou iria perder por completo a força das pernas e cair. Pôde ouvir o que quer que fosse que ela havia trago sendo esquecido no chão e logo suas mãos vieram para enlaçar seu pescoço.

Ela parava, e o beijava de volta. Como se precisasse se distanciar, mas não tivesse coragem o suficiente para isso.

– Você... você veio somente pelo o que fizemos ontem? – Perguntou com uma voz trêmula quando finalmente conseguiu manter-se quieta.

– Não. Vim pelo o que você disse ontem.

Hikaru podia jurar que ela lhe pareceu aliviada, e todo o seu corpo relaxou debaixo de seu abraço. Logo ela sorriu novamente, fitando-o com um olhar travesso.

– Mas tem algum problema se fizermos de novo?

– Oh, por favor. – Sorriu, e a beijou novamente.

– Hm... Eu gostei de como isso soa. - Sussurrou, e afastou o rosto para poder mostrar seu olhar impróprio. - Pode dizer novamente?

– Por favor?

Yuno fez uma careta de desaprovação, e Hikaru riu. O ruivo afundou o rosto em seu pescoço, alternando beijos com leves chupões subindo em direção à sua orelha enquanto falava com voz de súplica.

– Por favor, por favor, por favor...

Beijou-lhe com delicadeza na parte de trás do ouvido e praticamente gemeu em uma voz rouca que não sabia que conseguia produzir.

– Por favor, Yuno. Por favor, faça.

Podia senti-la completamente arrepiada, e beijou seus lábios novamente.

– Você é realmente bom nisso – ela riu, e suas mãos já se direcionavam à calça do ruivo. – Muito, muito bom.

– Sou bom em outras coisas também – Mentiu, de uma forma tão sedutora que até ele mesmo quase acreditou. Se há algo que os Hitacchin não fazem é admitir uma fraqueza.

Não conseguiria mais fingir quando sentisse a mão dela tocando-lhe, então escondeu seu rosto ruborizado e constrangido em outro beijo.

XxX

– Boa tarde, senhor Hika-... Kaoru. – A empregada cumprimentou o ruivo enquanto recebia a sua mochila e uma extra para serem guardadas. Não tinha muita certeza em sua voz, mas Kaoru já estava acostumado a ser confundido. – O senhor Hikaru vai chegar tarde de novo?

– Você não está vendo-o aqui, está?

A empregada encolheu-se com a grosseria, da mesma forma que um animal pequeno faria ao ser atacado por um predador. Kaoru retirou a blusa do uniforme e a jogou sobre os braços da mulher, e falou enquanto andava em direção às escadas, com total ar de indiferença.

– Quando ele chegar, avise que estou no quarto. Tente fazer isso logo dessa vez ao invés de deixar meu irmão correndo feito um retardado perdido dentro da própria casa.

A empregada apanhou o uniforme do ruivo que havia caído no chão quando ele jogara, e foi caminhando com suas perninhas grossas para a cozinha, rindo consigo mesma.

– Heh, parece que alguém não está gostando muito de ser deixado para trás.

XxX

– Estive pesquisando algumas coisas.

– Sobre o que?

– Você.

Yuno levantou o rosto, apoiando o queixo sobre o peito nu do ruivo para que ele pudesse ver seu olhar de indignação. Estavam os dois deitados no chão do vestiário feminino. Hikaru usava apenas a calça desabotoada e Yuno estava deitada ao seu lado, com metade do seu corpo sobre o do ruivo.

– Buu, que sem graça. Se queria saber meu verdadeiro nome era só perguntar.

– Não, não foi esse tipo de pesquisa.

– Que tipo foi então?

– Do tipo... Bem... Você por acaso está morrendo?

Yuno sentou-se no chão para olhá-lo melhor e ter certeza de que o que ouvira não foi uma deformação sonora causada pelo eco dos armários de metal.

– O quê?

Era algo que andava perturbando sua cabeça, mas somente agora que falara Hikaru percebeu o quanto aquilo parecia idiota.

– É que... Andei pesquisando sobre o assunto, e geralmente garotas que agem de forma tão despreocupada como você estão morrendo.

Yuno sentiu vontade de rir, mas achou que seria crueldade demais. Ele já parecia frustrado o suficiente.

– Hikaru, seu... bobo. Não é assistindo filmes sobre romances adolescentes que você vai conseguir me entender.

– Então...

– Então não, não estou morrendo. Nem tenho qualquer tipo de cancêr. Meu cabelo caiu só por culpa da gosma, eu juro.

– Você foi humilhada por alguém que gostava, então?

– Tirou essa teoria de um filme também?

– Não, de um mangá. Se não foi isso, então o que?

– Precisa mesmo ter um “o que”?

– Precisa. Nenhuma garota pode ser tão... você. Não sem que algo tenha acontecido.

Yuno deitou-se no chão ao lado dele, fitando o teto. Deu um longo suspiro e fechou os olhos para falar.

– Tudo bem, eu admito. Houve um “o que”. Minha mãe.

– Ela morreu?

– Não, e você deveria parar de ver filmes desse tipo, sério. Acontece que a minha mãe... Ela é uma mulher linda, entende? Mas sempre teve um nariz meio tortinho. Chamavam-na de porquinha quando era pequena. Ela ficou complexada com isso, e quando conseguiu dinheiro o suficiente, foi fazer uma plástica. Mas o cirurgião não era tão bom assim, estava tenso por ter acabado de perder a guarda dos filhos na justiça, uma completa falta de sorte. A cirurgia não deu nenhum pouco certo.

Era doloroso lembrar-se disso. Não que em algum momento chegasse a se esquecer. Já faziam mais de dois anos que sua mãe se confinara no próprio quarto, e nas únicas raras vezes que precisava sair, se esgueirava pelas sombras como um rato, usando uma sacola de papel na cabeça. Seria patético se não fosse tão sério.

Faziam mais de dois anos que Yuno não via o rosto da própria mãe.

– E foi isso. Eu percebi o quanto minha mãe sofreu, o quanto ela ainda sofre com toda essa situação, e decidi que nunca iria deixar as opiniões de outros me afetarem. Será que agora deu pra entender que não estou morrendo? – Brincou, dando um sorriso meio desmotivado, olhando para o ruivo que agora se mantinha em silêncio.

Não poderia deixar aquele silêncio durar, ou se tornaria uma coisa desconfortável. Da mesma forma que sempre é quando você recebe uma resposta séria demais que não estava esperando. Antes que Hikaru pudesse abrir a boca para, ela sabia, pedir desculpas por tocar no assunto, Yuno deitou-se por cima dele novamente.

– E você? Tem algum “o que” na sua vida para ser tão mal com as garotas e tão fechado para todo o resto do mundo? – Perguntou, enquanto seus dedos começavam a brincar com as finas mechas de cabelo que caíam sobre a testa do ruivo.

Hikaru hesitou. Somente ele e o irmão sabiam sobre isso. Haveria algum problema se contasse? Não é como se os dois tivessem jurado segredo. Eles apenas concordaram em se fechar para o resto do mundo. Pensando bem, talvez fosse uma espécie de promessa silenciosa. Então não poderia contar? Estaria violando a privacidade do irmão, além da sua própria? Mas ela compartilhara algo profundo de sua vida com ele, então, pelas leis de filmes de romance, teria de compartilhar algo em troca. Se não o fizesse talvez ela ficasse brava. Yuno não se parecia com as garotas que conhecera, nem com as do filme que vira, mas não seria boa coisa arriscar a possibilidade de deixá-la com raiva.

– Se não quiser contar, não precisa. Sério, só perguntei porque você ficou com essa cara de quem está na fila de espera do dentista quando eu terminei de falar. E não daria muito certo tentar aliviar uma história desagradável com outra, não é mesmo?

Hikaru sentiu-se aliviado. Yuno realmente não era nenhum pouco como aquelas mulheres forçadamente espontâneas que o cercavam.

– Não, tudo bem. É que... Desde pequenos, eu e Kaoru sempre tivemos somente um ao outro. Não podiamos contar com ninguém além de nós mesmos, e nos acostumamos com isso. Foi cedo quando percebemos que ninguém era capaz de nos diferenciar, então decidimos nos tornar apenas um. E as outras pessoas, elas são apenas o resto. O resto que se nunca conseguisse nos diferenciar, então nunca conseguiria nos entender, e não merecia nossa atenção, ou nosso respeito.

– Se querem tanto assim que as pessoas os diferencie, por que agem de forma tão igual?

– Porque queremos, e não queremos. Porque sabemos que ninguém pode ser melhor do que o nosso outro. Queremos que alguém possa nos identificar, mesmo que sejamos apenas um. Porque se ela não conseguir vencer esse desafio, então ela não vale a pena.

– Hm... Acho que finalmente consigo entender você.

– Isso é ótimo, porque pra mim você ainda é uma espécie de mistério da ciência.

– Ei, quer experimentar uma coisa? – Ela perguntou, e Hikaru pôde ver seus olhos brilharem.

– Claro.

– Feche os olhos.

Mesmo estranhando a brincadeira, ele obedeceu.

– Agora respire fundo e me diga tudo o que você consegue sentir.

– Eu sinto... hm... fome.

– Não esse tipo de sentir. Esse tipo de sentir – e beliscou a barriga do ruivo.

Hikaru murmurou um “ai” e a olhou de forma mal-humorada, não conseguiu manter a raiva vendo o ar de riso estampado no rosto da garota, e acabou rindo também. Fechou novamente os olhos, e dessa vez respirou fundo.

– E então?

– Sinto dor no lugar aonde acabei de ser beliscado.

– E?

– Sinto... hm.... frio. O chão está frio. Meus dedos também estão. E você acabou de levantar. Espero que não pra pisar em cima de mim.

– Eee?

– Barulho... cheiro de tinta, e... você por acaso está desenhando na minha cara?

Pff, claro que não – Yuno quase não conseguia mais conter sua vontade de rir, e Hikaru abriu os olhos.

Ela estava sentada ao seu lado, com uma canetinha, e parecendo incrivelmente entretida.

– Wow, o que está fazendo? – Passou os dedos pela bochecha, mas a tinta não saiu.

– Criando arte em você, oras – seu tom era o mesmo que poderia ser usado por uma pessoa que explica que dois e dois são quatro. Fez uma falsa careta de irritação - Ssh, não mexe ainda.

– E por que você está desenhando em mim?

– É o meu jeito de conseguir diferenciar você do seu irmão.

Yuno se encolheu ao final da frase, recolhendo a mão do rosto dele. Sentia-se meio patética e bastante cretina por ter dito aquilo.

– Desculpe. A tinta não é permanente, eu juro. É só que eu... Eu queria ser alguém que valesse a pena.

Hikaru sorriu e sentou-se no chão, segurou a mão da garota e beijou-lhe de forma delicada nos lábios.

– Eu acho que você é. Não tem problema que não consiga nos diferenciar, fico feliz que apenas tente. E não é justo que eu seja o único a sair rabiscado.

Pegou a canetinha preta dela e escreveu “Hikaru” em um de seus braços, de uma forma tão desajeitada que mal parecia ser sua caligrafia.

– Pronto. O mundo volta a ser justo agora.

Os dois riram juntos.

Hikaru avistou em cima de um dos bancos uma sacola de papel que lembrava-se de ter visto antes. Onde mesmo? Ah, sim, Yuno a trouxera.

– O que é aquilo? Mais instrumentos de tortura? – Perguntou, apontando com a cabeça.

– Oh, bem... Sorvete. Você disse que as pessoas costumam fazer isso, então eu trouxe. – Sorriu, fazendo uma careta sem graça. – Não pensei que iria me sentir tão boba quando explicasse isso.

Yuno apanhou a sacola e sentou-se novamente com ela no colo. Tirou de dentro um pote azul ainda com a embalagem que pingava tanto quanto um gordinho depois de correr em volta da quadra de esportes.

– Do que é?

– Morango semi-derretido - retirou a tampa sem muito cuidado, deixando à mostra um mar cremoso e cor-de-rosa, com um iceberg resistente mais avermelhado flutuando no meio.

– Parece ótimo.

Hikaru afundou um dos dedos na substância quase completamente derretida e levou-o à boca.

Nham.

– Nham?

– Nham!

Riram novamente, e Yuno apanhou duas colheres que estavam junto do sorvete. Passaram juntos o fim da tarde, a metade da noite, e se despediram sentindo que se pudessem, passariam a madrugada inteira juntos.

– Então, o que vamos fazer amanhã?

Hikaru perguntou, quando ainda caminhavam juntos pela escola já fechada. Aquele poderia ser considerado um ambiente assustador por muitos alunos, mas não naquele momento, ou pelo menos não para aqueles dois.

– Imagino que isso seja um convite.

– Só é se você aceitar.

Yuno riu.

– Claro que aceito. E vou até mesmo lhe conceder a honra de escolher o lugar dessa vez. Mas não se acostume com isso.

– Tudo bem, não irei. Hm... Que tal assistirmos um filme?

– Oh, então já está tentando me arrastar para sua casa na primeira oportunidade que tem? – Yuno fingiu indignação, e os dois riram.

– Pode ser no cinema. Não me importo que tenhamos platéia.

– Podemos ver aquele filme de zumbis? Parece ótimo!

– Então você é uma das que gosta de filmes de zumbis, ham? Deveria ter imaginado isso.

Chegaram até o portão de entrada que, obviamente, estava fechado. Não que houvesse algum problema nisso. Yuno pulou o muro com toda a habilidade de um gato, seguida por Hikaru que se movia quase como um ladrão graças a muita experiência anterior em suas artimanhas junto do irmão para infernizar a vida de vizinhos.

– Quer que eu a acompanhe até em casa?

– Não precisa, pego um táxi. E quanto a você?

Sincronizado com o final da frase da garota, um enorme carro preto estacionado há alguns metros piscou os faróis para os dois.

– Eu já tenho minha carona. Provavelmente foi meu irmão quem mandou que ele ficasse esperando aqui.

– Tem certeza disso? Pode ser um estuprador traficante de órgãos.

– Eu vou ficar bem. Encontro você amanhã, às trés?

– Claro. Prometo que vou tentar não me atrasar.

– Se você o fizer vou ter que obrigá-la a assistir Coração de Boneca, o drama romântico do século.

– Urgh! Tudo menos isso!

Riram, e despediram-se com um beijo carinhoso.

Hikaru correu para o carro e de lá acenou mais uma vez. Viu Yuno acenar de volta e virar-se para andar na direção oposta.

Entrou no carro, sentindo-se mais eufórico do que no dia anterior.

– Para casa, senhor Hikaru? – Perguntou o motorista em uma voz programada, olhando pelo retrovisor.

– Sim, pode ir. E desculpe por fazê-lo esperar tanto tempo.

O motorista encarou pelo espelho o ruivo durante mais alguns segundos, perguntando-se se ele não estaria drogado. Olhou para a garota com o qual ele estava antes, ela acenava desajeitadamente para um táxi. O ruivo no banco de trás também olhava para ela, com um sorriso nos olhos. Oh, claro. O garoto estava realmente drogado. A droga do amor.

– Sem problemas, senhor Hikaru – Falou o motorista, e deu partida.

Hikaru sentia-se inquieto, eufórico. Provavelmente não era certo sentir-se assim, mas era bom. Uma ótima sensação.

Estava incrivelmente ansioso para chegar em casa e falar com o irmão de que ele estava certo, ela não era uma vadia megera tentando enganá-lo. E mais ansioso ainda pelo encontro do dia seguinte. Talvez a pedisse em namoro. Deveria comprar algo? O que? Nesses caso o presente ideal seriam jóias, ou flores, mas aquilo simplesmente não cabia na imagem de Yuno. Talvez um ursinho de pelúcia. Oh, sim, ela iria adorar. Poderia pedir ajuda para alguma de suas empregadas para escolher. Nenhuma delas teria a mesma personalidade de Yuno, mas o ajudariam a não comrpar algo exagerado ou medíocre demais.

Mal podia esperar pelo dia seguinte. Pelo seu encontro!

Uma pena que Yuno nunca iria aparecer....


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Notas finais do capítulo

E dedico essa capítulo à litaa-chan. É a primeira vez que alguém me manda uma DM a respeito de alguma fic abandonada, e isso me deixou realmente comovida e culpada. ç__çEntão estou aqui escrevendo, ao invés de terminar o maldito resumo de história. Pff, quem precisa saber quem morreu na Revolução Francesa? Argh!Um beijo pra todos os que acompanham a fic, isso se tiver mais alguém, of course. E reviews não farão mal. °w°