Bet escrita por Kamime


Capítulo 1
Video-game e uma ideia maluca




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 – Como você quer morrer?

É uma das coisas que tenho medo em Genevieve. Mas ao mesmo tempo, acho interessante. Não importa a situação, o lugar ou a hora, ela diz o que vem a cabeça.

– Não sei não – Respondi fazendo pouco caso. – Dormindo, talvez?

Não, não. Ela não está me perguntando como eu quero morrer só para realizá-lo. É pura curiosidade, tenho certeza.

– Pft. – Ela bufou. Sempre mantenho a paciência, pois não é a primeira vez que ela me pergunta isso... E sempre se decepciona com minha resposta.

Ela é umas das únicas pessoas que me lembro do primeiro diálogo que tive. Não foi exatamente uma conversa interessante ou um esbarro por acaso.

Eu tinha dez anos. Ela, treze. Estudávamos na mesma escola e, no final da aula, fiquei brincando com uma arminha d’água no lugar onde ela estava lendo um livro do Stephen King.

– Se você jogar água em mim mais uma vez, eu te castro.

Foi aí que percebi que eu, junto com meus amigos, espirrei água nela.

Claro que de começo eu fiquei com medo, apavorado. Mas o que uma menina bonitinha assim pode fazer, hein?

Tomamos distância dela e fomos brincar em outro lugar. Uma pena ela ter passado lá minutos depois.

Resumindo, fui embora para casa com um olho roxo.

Anos se passaram. Depois daquele dia, ela começou a me tratar como se eu fosse um velho amigo. De começo eu não quis contrariá-la e dizer que tinha medo e raiva dela, vai que ela me dava outro soco. Mas com o passar do tempo, de medonha, ela passou a ser interessante.

Estava sendo um dia quente, seco. E como muitos outros dias, iríamos passar a tarde como bons vagais jogando vídeo-game e... Assistir TV, só.

Enquanto eu desligava o vídeo game, Genevieve parou frente à janela com as mãos na cintura, olhando curiosamente o extenso pano azul turquesa.

– Hoje vai chover, quer apostar?

– O quê? – Guardei os consoles e ainda sentado no chão, espiei pela janela. – Não chove há dias. Não sei como você ainda faz apostas comigo, eu sempre ganho.

– Só porque tem sorte.

– Só porque você aposta coisas absurdas... – Me levantei e mudei para um canal qualquer que preenchesse a sala com algum barulho. – Qual foi a última?

Ela fez um esforço para se lembrar.

– Que um alce aparecesse aqui.

– Então...

Nos sentamos no sofá e sem muita opção para outros canais, começamos a ver uma reportagem meio bizarra. Falava sobre um cara que tentou estuprar uma mulher que estava cheia de visitas em casa e logo depois fugiu pela janela, deixando quase todas suas roupas para trás. Mas o que nos fez rir foi a maneira que o irmão da vítima falou no jornal... Ele falava meio cantando, como um rapper raivoso.

Depois que ela deu uma de suas gargalhadas estranhas, falou:

– Ei, Fred, vamos encher aqueles balões de gás e amarrar nas caixas de correio das outras pessoas?

Nós não tínhamos mais nada para fazer, mesmo.

Ficamos quinze minutos enchendo os balões. Depois amarramos cada um com uma fita e saímos pela rua.

Claro que não chamamos atenção. Nããão... Uma garota com aparência de vinte e outro com uma aparência mais velha do que a dela andando pela rua com um monte de balões coloridos enquanto conversavam. Bom, ela conversava, berrava... Eu só ouvia e concordava com a cabeça.

Amarrar balões nas caixas de correio era uma das coisas estranhamente relaxantes que Genevieve me obrigava a fazer. Eu sempre relutava um pouquinho, mas aprendi a calar a boca. É.

Era engraçado como minhas tardes passavam rápido quando ela ia para minha casa. Pareciam que duravam apenas uma hora. Não sei se era porque ela falava demais ou inventava mil e uma coisas para não morrermos de tédio... E confesso que eu morreria se não fosse por causa de suas idéias.

Só sobrou um balão vermelho. Enquanto andávamos para a próxima caixa de correio, percebi que o céu estava adquirindo um tom cinza, com nuvens escuras e o vento ficou gelado.

Ela não demorou muito para perceber também.

– Ah, cu. Eu devia ter apostado com você mesmo.

Dei uma risada e encarei o céu.

– Pela primeira vez você ganharia de mim.

– Então vamos apostar que o Roberto Carlos não vai cantar no programa de Ano Novo da Globo.

– Genevieve... – Suspirei e voltei a andar rumo à caixa de correio. Peguei o balão de sua mão e dei um nó apertado no objeto. – Você nunca vai ganhar de mim.

– Olha que eu te castro... – Ela falou num tom mal. Senti um arrepio na espinha, como toda vez que ela fala dessa maneira.

– Vamos voltar – Segurei meu sorriso e andei em direção à minha casa, com ela resmungando atrás de mim.

Estávamos com roupas leves devido ao calor que fazia antes, agora o frio só nos fazia arrepiar.

– E você? Como quer morrer? – Perguntei.

– Oi?

– Você sempre me pergunta como eu quero morrer. Já desconsiderei a possibilidade que você só quer arranjar uma maneira de me matar, então só resta a opção que você é uma curiosa estranha.

– Hm – Ela acelerou os passos para me alcançar. – Você achou mesmo que eu quero ter opções para te matar?

Gargalhei.

– Claro. Você é muito estranha.

– Você me conhece muito bem, Fred... – Deu uma piscadela.

– E então?

– E então o que?

Girei os olhos e respondi:

– Como você quer morrer, caramba?

– Ah – Ela deu uma risada fraca. – Escolher a maneira que quer morrer é uma coisa muito banal. Idiotas são aqueles que ficam pensando nisso... Você devia aproveitar a vida, nanico. – Era um apelido que ela adotou para mim, mas continuou com ele mesmo quando passei de sua altura.

Suspirei e desisti de tentar entendê-la.

– Maaaas se eu pudesse escolher, seria no meio de uma orgia.

Engasguei enquanto tentava ficar um pouco distante dela.

– N-Não... Eu não te conheço mesmo.

Ela fez uma careta e segurou meu pulso fazendo minha mão bater contra meu rosto.

– Para de se socar! Para de se socar!

Me livrei da sua mão gelada e antes que eu pudesse dar o troco, um som estridente invadiu meus tímpanos:

– Corre! – E eu não entendi nada. Só quando me virei para o lado e vi um senhor com cara amarrada que me toquei.

– Então são vocês que ficam amarrando essas porcarias aqui?!

Não pensei em mais nada, disparei pela rua tentando alcançar Genevieve que já virava a esquina dando uma de suas gargalhadas do capeta. 

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