Guardians escrita por Luciane


Capítulo 3
Capítulo 3 - Equipe




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Aos poucos, Hikari foi recuperando os sentidos. Sentiu-se deitada em uma cama, que reconheceu, pelo tato, como a sua. Notou que havia algo enrolado ao seu pescoço; com certeza curativos para o corte, que ainda doía... Aliás, o corpo inteiro estava doendo. Também percebeu que não estava sozinha. No silêncio da casa, conseguia ouvir a respiração de alguém. Se estava mesmo em casa, só poderia ser uma pessoa...

Quando, finalmente, teve forças para abrir os olhos, confirmou: encontrou sua mãe ao seu lado, ajoelhada no chão, apoiando os cotovelos sobre sua cama e o queixo nas mãos unidas. Os olhos, fixos na filha, estavam completamente vermelhos.

-Mãe... – Disse Hikari, com a voz fraca, quase que sussurrada – Estava chorando, sua bobona?

Sofie continuou séria.

-Está doendo alguma coisa?

-Tudo.

-Imaginei. Fique tranquila, não foi nada grave, mas vai ficar dolorido nos próximos dias. O corte foi superficial... Ainda bem. Poderia ter sido fatal.

Hikari desviou os olhos para o nada. Sofie a fitava, curiosa, pensando sobre o que poderia estar passando pela sua cabeça.

Não foi preciso perguntar, pois a garota logo tornou a olhá-la e disse:

-Quem é o cara que me salvou?

-Li Qiang, o Guardião de Capricórnio.

-Se ele e Toshihiko não tivessem chegado a tempo, tudo estaria perdido, graças a mim.

-O que chama de “tudo”?

-A barreira, os Guardiões...

-Hikari, você quase morreu! – A voz de Sofie saiu num sussurro angustiado.

-Eu sou muito fraca, mãe. Eu só me faço de forte, mas quando é uma luta pra valer, eu falho.

-Eram muitos, você foi pega de surpresa... Poderia ter ocorrido com qualquer um. Ainda mais que sua energia ainda não despertou.

-Essa é a pior parte, mãe. Como posso lutar, sem energia?

-Por enquanto, nada de lutas. Eu só quero que você saiba se defender caso seja atacada e, principalmente, tenha cuidados como não andar sozinha pelas ruas. Quando chegar o momento, sua energia vai despertar.

-Mas já deveria ter despertado.

-Hikari... Você só tem dezessete anos. Dos Guardiões atuais que apareceram, você é a mais nova... Não se cobre demais.

-Quando conheci o Toshihiko, ele era pouco mais velho que eu, e já tinha despertado sua energia.

-Mas isso é relativo, não é igual com todo mundo. A minha despertou depois dos vinte anos. Cada um tem o seu tempo, Hikari. Agora esqueça isso e descanse.

A garota fez que sim, mas não ficou calada, apenas mudou o assunto:

-Ainda tá com raiva por causa de hoje de manhã?

-Você me tira do sério.

-Eu não odeio você.

Sofie esboçou um leve sorriso.

-Eu sei que não, Kari-chan.

-Eu... Eu só queria... Eu preciso, muito, saber quem é o me...

-Hikari – Sofie a interrompeu – Não insista mais nisso, senão vamos acabar brigando de novo.

A garota não contestou. Virou o rosto para o lado, com lágrimas já começando a turvar suas vistas. Aos poucos, ela começou a soluçar levemente... Soluço este que foi se intensificando, até que ela pôs uma das mãos sobre o rosto e cerrou os olhos, num choro extremo. Tornou a abrir as pálpebras, surpresa, ao sentir a testa de sua mãe encostar-se à sua.

Com os olhos fechados e a voz baixa, Sofie pediu:

-Por favor, confie em mim. Tudo o que eu quero é proteger você.

Hikari não respondeu, apenas continuou a chorar.

************

Horas depois, no Aeroporto Narita – Japão.

Já do lado de fora do aeroporto, as duas garotas estavam lado a lado, na calçada, com as malas espalhadas pelo chão, aguardando enquanto Maurício tentava conseguir um táxi.

Shermmie deixou Anne sozinha por alguns minutos, enquanto comprava algo para beber. Retornou trazendo duas garrafas pequenas de refrigerante, e entregou uma delas à loira.

-Obrigada. – Agradeceu Anne. Tentou abrir a garrafa, mas não conseguiu.

Ao ver a cena, Shermmie bufou.

-Fraquinha, fraquinha. – Pegou a garrafa da mão de Anne, a abriu e devolveu.

A loira fez bico e pegou seu refrigerante de volta.

-Eu ainda não consigo acreditar que você seja uma Guardiã. – Desabafou Shermmie, entre um gole e outro do refrigerante.

-Isso também não me agrada, tá legal? – Ela se assustou quando uma pessoa passou e esbarrou nela.

Shermmie suspirou, desanimada.

-Fraquinha e medrosa. Você não pode ser uma Guardiã.

-Vai ver eu não sou mesmo. Vocês deduziram isso só por causa de um colar.

-Não é um colar qualquer.

-Minha mãe pode ter comprado isso numa joalheria.

-Em hipótese alguma! Os Guardiões cuidam de seus pingentes com a própria vida! Isso é passado de pai pra filho com o maior zelo desse mundo, nunca que alguém deixaria seu pingente se “extraviar” e ir parar numa joalheria. O problema é que sua mãe morreu sem ter tido tempo de te treinar, nem de passar essa missão para alguém.

-Pra mim, nada disso faz sentido.

-Vai fazer. – Shermmie ficou calada, pensativa. Após mais um gole, tornou a olhar para Anne – escuta, foi mal se ando pegando pesado com você. Só estou preocupada com a missão.

-Tudo bem. – Respondeu Anne, surpresa com o pedido de desculpas.

Shermmie sorriu de leve. Olhou para a garrafa da outra garota e viu que ainda estava cheia.

-Não vai beber?

-Não tem um copo?

-Copo? Bebe na garrafa mesmo.

-Eu não sei beber assim.

Shermmie franziu a testa.

-Você é estranha. Se quer ser uma Guardiã, tem que ser menos fresca.

-Mas eu não quero ser Guardiã.

-Então acho bom começar a querer. – Ela olhou para Maurício, vendo que ele havia acabado de conseguir um táxi – Mas já era hora! Preciso avisar a Gautier.

Anne piscou, curiosa.

-Quem?

-Sofie Gautier, a antiga Guardiã de Áries. É ela quem vai “cuidar” da gente. Sempre tem um Guardião antigo que assume o “controle” sob os atuais. No caso, Gautier é a única que vive no Japão, é a mais jovem da antiga geração e... Acredito que também tenha motivos pessoais pra se oferecer a esse trabalho.

Anne moveu a cabeça, para dizer que havia entendido. Shermmie tirou o celular do bolso e começou a escrever uma mensagem de texto.

************

"Já chegamos ao Japão e estamos a caminho do

local combinado. Shermmie"

Terminando de ler a mensagem, Sofie guardou o celular no bolso e continuou a tomar seu café da manhã. Nesse momento, Hikari chegou à cozinha, vestida com seu uniforme escolar. A francesa estranhou aquilo.

-Já está bem para isso?

-Bom dia, né? – Retrucou a garota, puxando uma cadeira ao lado da mãe e começando a se servir.

-Bom dia. Já está bem para ir ao colégio?

-Ah, isso daqui – Ela levou uma das mãos às bandagens que envolviam seu pescoço – não é nada. Estou no último colegial. Se quero me formar, é bom não abusar das faltas.

-Sei. ...Tenho uma coisa pra você.

Hikari a olhou, curiosa.

-O quê? Um presente? Ainda nem chegou o meu aniversário.

Sofie levantou-se e saiu da cozinha, indo para a garagem. Hikari a seguiu com os olhos, intrigada, e piscou, confusa, quando a viu voltar trazendo uma arma em mãos.

-Uma espada?

Sofie a corrigiu:

-Um sabre francês. – E o entregou para a filha.

Hikari levantou-se, pegou o sabre e começou a analisá-lo. Tratava-se de uma arma de lâmina larga e curva. Segurou-o firmemente pela haste do cabo e puxou a bainha. A lâmina, de um fio só, brilhava como nova.

-Uau... – Sussurrou a garota – Mãe... Eu nem sei como se usa isso.

-Vai aprender. Já passou da hora de eu te ensinar a se garantir em algo além dos próprios punhos.

-Mas por que um sabre francês? Não acha que uma katana combinaria melhor comigo? Eu sou japonesa, né?

-Está se preocupando com “estilo”?

-Tá, como se você não se importasse. Aposto que se sentia poderosa usando esse sabre, sentia seu “charme francês” ir às alturas. – Ela tornou a colocar a bainha e leu as iniciais escritas nela em vermelho – SG. ... “Sofie Gautier”?

-“Serge Gautier”. Isso foi do meu pai. É questão de família, não de estilo.

-Hm... – Esticou o braço, olhando melhor para a arma e sorriu – Acho que posso ficar estilosa usando ele. ...Escuta, por que não me deu isso antes?

Sofie respondeu tranquilamente, enquanto voltava a se sentar:

-Achei arriscado deixar uma arma de corte na sua mão.

-Como é? – Irritou-se Hikari – O que pensa que eu sou? Uma assassina em potencial?

-Vai que você se revolta, por exemplo, com uma professora que te deu uma nota baixa?

-Acha que sou tão estressada assim? – Furiosa, Hikari bateu com força a bainha do sabre sobre a mesa.

-Eu preciso responder?

Dando-se conta de sua reação, a japonesa disfarçou e tornou a se sentar.

-Er... Eu estava brincando.

-Sei.

Enquanto Sofie tornava a tomar seu café, Hikari continuou a analisar a arma; embora em poucos segundos sua mente desviasse para outros assuntos.

-Escuta, mãe... Sabe o Guardião de Capricórnio? Ele é chinês?

-Sim.

-Fiquei assustada quando o vi. Ele tem uma pinta de vilão.

-Por que achou isso?

-Sei lá... Ele me pareceu meio sério e... É bonitão. Mais bonito que o Toshihiko, não achou?

-Não reparei. Estava preocupada demais quando eles chegaram com você ferida.

-Ele é bonito... – Ela sorriu – Muito bonito!

Sofie olhou para a filha com o canto dos olhos.

-Você estava morrendo, mas não deixa de reparar num rapaz bonito?

Hikari riu ainda mais.

-Eu estava morrendo, mas ainda não estava morta.

Sofie não resistiu e riu levemente diante daquilo.

-Certo, tem razão. – Mas logo tornou a ficar séria – Hoje você não vai à escola.

-Eu já disse que estou bem, mãe.

-Não se trata disso. Quero que coloque algumas roupas e objetos pessoais em uma mala, apenas o indispensável. Vamos nos mudar, hoje.

-Mudar? Pra onde?

-Apenas faça o que eu pedi. Antes, tome seu café.

Sofie levantou-se e saiu da cozinha, em direção à sala. Hikari continuou a tomar seu café, pensativa.

************

O táxi parou numa avenida movimentada do centro de Tóquio. Enquanto Maurício ia pegar as malas e Shermmie pagava ao motorista, Anne parou na calçada, olhando assustada para todo aquele intenso movimento de pessoas e veículos, em meio a prédios gigantescos. Para ela, aquele era um cenário surreal, do tipo que ela só conhecia por filmes. Estava acostumada a ver o mundo através da televisão e da literatura, nos momentos em que não se encontrava ocupada entre uma aula particular e outra. Além das matérias básicas do currículo escolar, também estudara línguas, informática, além de piano, violino, canto, boas maneiras e uma série de outras coisinhas que acabavam sendo inúteis para uma pessoa que raramente saía de casa, e, quando o fazia, era apenas para acompanhar o pai em jantares com famílias de sócios. Ela simplesmente não sabia andar em ruas, o que ocasionava nela certa aflição em relação ao momento atual.

-Então, Shermmine, sabe o caminho? – A voz de Mau a arrancou de sua distração.

A mencionada colocou sua mochila nas costas e respondeu, depois de fazer uma correção:

-É Shermmie. E eu sei, sim. Tá tudo anotado, não tem erro. Sigam-me!

Maurício ajudou Anne, levando duas de suas malas, e seguiu Shermmie. A loira ia logo atrás dos dois, olhando, assustada, para tudo ao seu redor.

-Pai do céu... – Disse Maurício – Olha só pra isso tudo. E eu sempre achei que a Avenida Rio Branco fosse grande.

-O que esperava? – Retrucou Shermmie – Tóquio é apenas a maior cidade do mundo. – Ela parou, diante de um prédio antigo. Confirmou o número num papel que trazia em seu bolso e sorriu – Chegamos.

-Ué... – Maurício parou ao seu lado, analisando a fachada do local – Mas esse prédio tá abandonado.

-Ah, não está, não. Venham!

Shermmie empurrou o portão de ferro e entrou. Os outros dois se entreolharam, confusos, antes e segui-la.

Se por fora o local parecia totalmente abandonado, por dentro a situação era pior. No hall, muita poeira, teias de aranha e um ambiente iluminado somente pelos raios de sol que entravam pelos vidros quebrados de poucas janelas.

Eles seguiram até o final do hall, onde, atrás de uma porta, encontraram uma escada de emergência. Desceram para a garagem, um espaço grande e igualmente escuro e abandonado. Shermmie andava determinada; Maurício, curioso; já Anne...

-Estou com medo. Vamos voltar?

-Não começa, fraquinha. – Respondeu a morena.

-Ôw, Shermmine, pega leve. – Pediu Maurício – Ela tá com medo!

-Calem a boca e andem!

Anne tentou fazer o que a outra pedira/ordenara, mas se desesperou ao avistar uma barata.

-AAAAh! Eu quero ir embora. Estou com medo, têm baratas aqui!

Sem parar de andar, Shermmie caçoou:

-Ui, ui, ui, baratas! Que medo! Se liga, garotinha. Alguém que vai enfrentar youkais pode ter medo de barata?

-Enfrentar? – Apavorada, Anne foi para frente de Shermmie, começando a andar de costas – Espera, ninguém disse que eu teria que enfrentar nada. O combinado é que eu só vinha para ajudar a fechar uma barreira.

-E você acha que os youkais vão ficar sentadinhos, só assistindo a gente fazer isso? Se liga!

-Não, pelo amor de Deus! Eu quero voltar pra casa!

-Cuidado, tem um rato no seu pé.

-Rato? AAAAAAI!

Ainda mais assustada, Anne parou de andar e começou a sacudir o pé. Com isso, se desequilibrou e caiu sentada no chão. Shermmie seguiu em frente, mas Maurício parou, abaixando-se ao lado da loira para ajudá-la.

-Fica calma, loirinha. Era brincadeira dela, não tem rato nenhum aqui.

Mas Anne chorava, como uma criança assustada.

-Eu não quero lutar contra aquelas coisas.

-Fique tranquila porque vai dar tudo certo. Eu protejo você!

-Você me protege?

-Sim!

-Promete?

Maurício sorriu e passou a mão sobre a cabeça de Anne.

-Prometo, loirinha!

Shermmie parou de andar e voltou-se para a cena, fazendo careta.

-Arg, Mau! Quer parar de dar em cima da garota? Tá nos fazendo perder tempo!

-Eu não estou dando em cima dela, Shermmine. Só estou sendo cavalheiro.

-Guarde o cavalheirismo pra outra hora. Vamos logo! E faz essa fraquinha calar a boca.

Mau ajudou Anne a se levantar e continuou a andar ao lado dela, seguindo Shermmie. Caminharam até o final da garagem, deparando-se com uma parede. Antes que algum dos dois pudesse perguntar qualquer coisa, Shermmie juntou as palmas das mãos à parede. As mãos brilharam, emitindo uma luz dourada e, nesse momento, uma porta de ferro surgiu.

-Sinistro... – Exclamou Maurício.

Shermmie abriu a porta, dando de cara com escadas, que desciam. Os três seguiram por elas. Ao final, mais uma porta, que novamente foi aberta com a energia da leonina. O que surgiu a seguir causou surpresa aos três.

Tratava-se de um enorme salão. Ao centro dele, um grande círculo desenhado no chão, ao redor do qual havia doze círculos menores. Dentro de cada um, em ordem, estavam os símbolos de cada signo do zodíaco.

Ao final do salão, uma porta seguia para um corredor que, de onde estavam, os três não conseguiam ver para onde levava.

Porém, a surpresa maior deles foi notar que não eram os primeiros a chegar ali. Havia mais três pessoas: sentado no chão, num canto mais afastado, estava um chinês de cabelos negros e compridos; ao centro do círculo, de costas para eles, outro rapaz, de cabelos castanho-claros, lisos, presos por um rabo de cavalo; e, vindo em sua direção, uma moça ruiva, sorridente.

-Konnichiwa! – Ela cumprimentou.

-Konnichiwa. – Responderam Shermmie e Anne, em uníssono.

Percebendo isso, a morena olhou, perplexa, para a outra brasileira.

-Você fala japonês?

Anne piscou, sem entender o motivo do assombro.

-Sim, eu falo.

-Por que não me contou?

-Você não perguntou.

Maurício, no entanto, não se surpreendeu pelo fato de Anne, sem ter tido nenhum tipo de treinamento, falar japonês. Estava entretido demais analisando a ruiva que os cumprimentara. Ela tinha os cabelos compridos, ondulados e de um vermelho bem vivo, os olhos azuis e a pele bem branquinha, com algumas sardas no rosto. Preso em seu pescoço, um colar com o pingente do signo de Libra.

-Que gata... – Disse ele, em português, e alto o bastante para ser ouvido pelas três.

A ruiva, no entanto, não entendeu o que havia sido dito.

Mau se aproximou mais e tentou puxar assunto, dessa vez em japonês:

-Oi.

O que aparentemente deu certo, pois ela sorriu e devolveu o cumprimento:

-Oi, tudo bom?

Maurício ficou maravilhado. A garota não apenas era linda, como tinha um sorriso encantador.

-Tudo bom, e você?

-Também.

Ele olhou para o pingente dela.

-Libriana, né? Que coisa, acho que meu signo combina com o seu.

Ela riu, sem graça. Shermmie estapeou a própria testa. Maurício continuou:

-Escuta, vi que lá fora tem um café. Não quer ir lá, para conversarmos um pouco?

-Hm... Acho que Mic não iria gostar.

-Quem é Mic? Seu namorado?

-Er... Não exatamente.

-Então, ele não tem nada o que gostar ou não. Anda, vem comigo.

Ele a segurou pela mão e deu meia-volta para puxá-la para fora do local. No entanto, não havia dado nem o primeiro passo quando sentiu a mão da garota soltar-se da sua. Ao voltar-se para ela, foi surpreendido por um forte soco no rosto, que o jogou no chão.

A maior surpresa foi descobrir quem havia lhe batido. Abrindo os olhos, deparou-se com uma jovem loira, de olhos verdes por trás de óculos de grau, que, abraçada à ruiva, encarava-o com cara de poucos amigos.

-Maire, esse idiota estava te cantando?

-Mic... Não precisava ter feito isso. Ele só estava tentando ser gentil.

-Que vá ser gentil com a...

-Mic!

-Desculpe.

-Descobriu onde é o banheiro?

-No corredor, terceira porta à esquerda. Vem, eu te acompanho... O clima aqui tá péssimo.

E, ainda abraçadas, as duas seguiram para o corredor. Maurício continuou no chão, olhando, atônito, para a cena.

Não menos atônitas estavam Anne e Shermmie.

-Viu isso? - Indagou a morena.

-É, eu vi. - Anne respondeu - Devem ser muito amigas.

Shermmie não sabia se aquela garota era realmente muito ingênua ou se apenas fazia tipo. Era inacreditável que não entendesse o que acontecia ali!

-Amizade colorida, você quer dizer, né?

Anne a olhou, espantada.

-Acha mesmo?

-Você tem alguma dúvida?

-Nossa... – Anne tornou a olhar para as duas que se afastavam, ainda abraçadas. Sorriu levemente. – Que gracinha!

-Gracinha?

-É, ué. Se elas se gostam, que mal há nisso?

-Você é estranha! – Shermmie olhou para Maurício e riu – E você, foi cantar uma lésbica e se deu mal. Bem feito!

-Não... Aquela princesa não pode ser... Ai, não é possível!

-Por que não é possível?

-Porque eu estou completamente apaixonado!

Novamente, Shermmie estapeou a própria testa.

-Mas você acabou de conhecê-la. Nem sabe o nome dela!

-Mas já sei que é a mulher da minha vida!

-Você é outro estranho!

Nesse momento, o rapaz que estava de costas para eles se virou, começando a vir em sua direção. Finalmente podendo ver seu rosto, Shermmie fez uma nota mental de que ele era bonito. Tinha todo um tipo europeu: era alto, pele clara e olhos verdes. Porém, tão logo essa observação lhe veio, foi embora. Estava preocupada demais com a missão para pensar por muito tempo em qualquer outra coisa.

Ele parou diante dos três e só então eles puderam ver seu pingente, do signo de Escorpião. Olhou diretamente para Mau e perguntou:

-Também sentiu o peso do punho da loira lésbica?

-Como “também”? – Indagou Maurício – Você também tentou cantar a ruivinha?

-Não, foi a loira mesmo – Ele massageou a face esquerda – Ela não gostou muito e agora eu entendi o porquê. – Estendeu a mão para ajudar Maurício a se levantar – Me chamam de Sniper.

Maurício sorriu e aceitou a ajuda.

-Mau. Guardião de Touro – Assim que ficou de pé, ele apontou para as garotas – Essas são Shermmine, de Leão, e Anne, de Câncer.

-É “Shermmie”. – Corrigiu a mencionada.

Sniper olhou atentamente para as duas e moveu de leve a cabeça, cumprimentando-as. Depois tornou a olhar para Maurício e perguntou:

-Tem certeza de que as duas são Guardiãs?

-Por que a pergunta?

-Sou bom observador. E uma delas não me parece, nem de longe, uma guerreira.

-Até ele percebeu. – Resmungou Shermmie, ganhando um olhar triste de Anne.

-É que o lance é complicado. – Maurício começou a explicar – Ela não teve treinamento. Até poucos dias atrás, nem sabia da existência de youkais.

-Entendo. Bem, então acho que isso complica um pouco o nosso trabalho, concordam?

Ele olhou para Shermmie, que concordou:

-Eu também acho. Falo isso o tempo todo.

-Se você sabe disso, me desculpe, mas... Deveria começar a correr atrás do prejuízo, senão vai acabar prejudicando todos nós.

Shermmie olhou ao seu redor. Tornando a olhar para Sniper, apontou o dedo indicador para si mesma e questionou:

-Está falando comigo?

-E com quem mais seria?

-Como é? – A morena se revoltou – Escuta aqui, eu passei por um treinamento pesado desde os meus cinco anos de idade. Com que propriedade agora você chega e diz que acha que eu não estou preparada para a missão?

-Não me leve a mal. É que você me parece meio... Fraquinha.

-Fraquinha? Quem é “fraquinha” é ela!

Sniper olhou para Anne, que piscou, com a cara mais assustada e confusa do mundo. Ele a analisou de cima a baixo e, então, tornou a olhar para Shermmie e concluiu:

-Ela me parece mais forte que você.

O ódio da garota triplicou:

-Quer resolver isso? Tá a fim de tirar a prova?

-Não, eu não bato em mulheres. Ainda mais em mulheres fraquinhas.

Shermmie tomou fôlego para debater. Porém, nesse momento, a porta atrás deles se abriu e eles viraram para ver quem entrava. Tratava-se de Sofie, Hayato e Hikari, os dois primeiros carregando cada um uma mala, Hikari trazia uma mochila.

Os olhos de Sofie voltaram-se diretamente para Anne, analisando-a fixamente. A garota sentiu certo “baque” com aquilo... Notava uma aparente hostilidade naquele olhar.

Enquanto isso, Maire e ‘Mic’ retornavam, juntas. O chinês levantou-se de onde estava e também se uniu ao grupo.

Parecendo despertar de um transe, Sofie deixou de olhar para Anne, para analisar os demais Guardiões. Apesar de nunca ter estado antes com nenhum deles (com exceção de Qiang, que, no dia anterior, levara Hikari, ferida, em casa), ela facilmente os reconheceu. Não apenas por seus pingentes, como também por suas semelhanças com seus pais.

-Boa tarde. – Ela cumprimentou.

Todos responderam em silêncio, com um leve sorriso ou aceno de cabeça.

Menos Maurício que, espantado, indagou:

-A senhora é Sofie Gautier?

-Sim. Por que o assombro?

-Eu te imaginava... Sei lá... Mais velha.

-Entendo. – Ela olhou para a garota ao lado dele – Shermmie, não é?

-Sim, senhora.

-Me diga... Como encontrou a... – Ela olhou novamente para Anne – Guardiã de Câncer?

Anne sentiu o descaso na pergunta, mas permaneceu calada.

Shermmie olhou para o amigo brasileiro e pediu:

-Mostra pra ela, Mau.

-É pra já! – Respondeu Maurício, de imediato. Abriu a mochila e começou a tirar tudo o que tinha lá dentro, à procura de alguma coisa – Onde está? ...Cadê?

-Que idiota... – Murmurou Mic, fazendo Maurício explodir em raiva.

-Qual é o teu problema comigo, garotinha?

-Tem certeza que a “garotinha” aqui sou eu?

-Se é que dá pra te considerar assim, né?

-Quer resolver isso lá fora?

Sofie teve que entrar no meio dos dois para evitar que a briga fosse adiante.

-Deixem isso pra depois. Maurício, pode me mostrar o que estava procurando?

Ele tornou a revirar a mochila, até que encontrou o que procurava: um recorte de jornal, que prontamente entregou a Sofie. Sabendo que ela não entenderia a notícia em português, ele traduziu a manchete principal:

- “Anne Soares, filha do empresário César Soares, oferecerá uma festa para amigos mais próximos”.

Em silêncio, Sofie observou a fotografia impressa no jornal, em que a loira aparecia com um sorriso nada espontâneo, totalmente “técnico”. O pingente de Câncer estava por cima da blusa, parecendo ser exibido propositalmente.

-Uma foto dessas ser publicada bem na época em que o espaço da barreira se expande... – Pensou Sofie, sem tirar os olhos da foto – Que conveniente...

Devolveu o recorte para Maurício e, em silêncio, seguiu para o centro do círculo desenhado no chão. Os Guardiões, de pronto, se apressaram para se posicionarem dentro de cada um dos círculos menores. Observando aquilo, Anne se perguntou em que momento eles teriam “ensaiado” aquela formação, já que, pelo que sabia, essa era a primeira vez que aquele grupo se reunia.

Percebendo que também deveria se posicionar, correu para uma “vaga livre” entre Maire e Shermmie. Esta última, vendo isso, cochichou:

-Você agora é virginiana?

-Er... Não...

-Então passe pro lugar certo.

Sem graça, a loira mudou de lugar, passando para o outro lado de Shermmie, ficando dentro do círculo onde estava desenhado o símbolo de Câncer.

Fingindo não notar a confusão da canceriana, Sofie tomou a palavra:

-Fui amiga dos pais de vocês. Sendo assim, sinto-me à vontade para chamá-los pelos seus primeiros nomes. Apesar de tudo, foi uma boa época. Formávamos uma ótima equipe... Éramos muito unidos, e eu espero que isso se repita nessa nova geração. Faltam ainda os Guardiões de Virgem, Aquário e Peixes, mas sei que não demorarão em unir-se a nós. – Ela olhou para o Guardião de Touro – “Mau”, não é? Não entendo nada de português, mas procurei me informar sobre o significado desse seu codinome. Não acho que você pareça um garoto “mau”.

-Mas eu sou... Com youkais.

Alguns riram. Sofie permaneceu séria, mas olhando o rapaz com simpatia.

-E seu pai, como está?

-Bem. Curtindo uma vida pacata de interior.

-Creio que não tão pacata assim. A última vez que falei com ele ao telefone, descobri que, além de você, ele teve mais quatro filhos.

-Cinco. Filhas. Pois é, tenho cinco irmãs mais novas, algumas já adolescentes que, mesmo à distância, me dão muita dor de cabeça.

-Seis filhos? – Assombrou-se Hikari – Quanto amor!

-Amor mesmo. – Disse Sofie, sem deixar de olhar para Maurício – Conheci sua mãe. Ela e seu pai sempre fizeram um bonito casal, que dizíamos que duraria a vida inteira. Pelo visto, tínhamos razão. – Ela passou o olhar para a Guardiã de Gêmeos – Micaela... Sua mãe era o gênio da nossa equipe. Se também herdou essa característica do seu signo, deve ter puxado isso dela.

Micaela ajeitou os óculos e sorriu.

Sofie passou o olhar para Anne e esta, novamente, sentiu-se incomodada com a hostilidade evidente naqueles olhos azuis. No entanto, em menos de dez segundos, sem dizer absolutamente nada, Sofie virou-se para a próxima Guardiã.

-Shermmie... Seu pai continua sendo um tirano?

-Hunf... E será eternamente.

-Espero que você não torture seus amigos, como ele costumava fazer.

-Ele é muito exigente. Mas eu não sou como ele.

-Só quando está acordada. – Brincou Maurício, ganhando um olhar nada amigável como resposta.

Sofie olhou para a Guardiã de Libra:

-Maire... Você é a cara de sua mãe.

-Todos dizem isso. – Respondeu a ruiva, sorrindo docemente.

-Ela era a delicadeza em pessoa. ...Acho que você deve ter causado alguns sustos a ela.

Sofie olhou rapidamente para Micaela, fazendo Maire entender a que ela se referia. A ruiva, então, abaixou os olhos, tristemente. Mas Sofie completou:

-De qualquer maneira, estou certa de que ela se orgulha muito de você. Parece ser uma boa menina.

Maire tornou a sorrir.

-Obrigada.

A mais velha voltou-se para o Guardião de Escorpião.

-“Sniper”... Mais um que aderiu a um codinome. Igualzinho ao seu pai.

-É... Ele era o cara.

-Era, sim! Que bom que você sabe disso. Também é adepto às armas de fogo?

-É o melhor modo de exterminar youkais metidos a humanos.

-Cada um usa os métodos a que melhor se adaptar. – Sofie passou os olhos direto por Toshihiko, dessa vez fitando o Guardião de Capricórnio. – Qiang Li... Sua mãe era minha melhor amiga. Era uma pessoa maravilhosa, deve sentir falta dela.

O chinês, no entanto, respondeu com a mesma frieza que demonstrara desde que Sofie o vira pela primeira vez:

-Não. Não tenho como sentir falta de alguém que mal conheci.

Todos estranharam aquela resposta, mas Sofie não a contestou. Tornou a falar para todos os presentes:

-Temos cinco quartos aqui. Um será meu e os demais são para três pessoas cada. Deixo livre para que vocês se dividam como bem entenderem. Começaremos o treinamento amanhã. Hoje sintam-se livres para se acomodarem. ...Podem ir.

Todos pegaram suas malas e bolsas e começaram a se dispersar para os quartos. Anne ia fazer o mesmo, mas Sofie aproximou-se dela e pediu, com a voz baixa:

-Você, espere.

A brasileira não compreendeu, mas fez o que lhe era pedido. Reparou que, além dela e Sofie, o Guardião de Sagitário, Hayato Toshihiko, também permaneceu no salão.

Os dois a encaravam de uma forma que a assustava.


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Notas finais do capítulo

Capítulo postado e ilustrado em: http://livro-guardians.blogspot.com/2010/09/capitulo-tres-equipe.html



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