A primeira vez que houve uma noite tempestade após o acidente eu já estava morando no orfanato, e confesso que fiquei muito assustada. Eu corri para o sótão e fiquei lá entre as velhas caixas empoeiradas.

 

Não demorou a que Naruto viesse ter comigo.

 

- Sakura, você está bem?

 

- Sim – eu respondi entre os dentes.

 

O som dos trovões fazia meu corpo tremer e eu mantinha minhas pernas encolhidas junto ao corpo. Imagens do dia do acidente vinham a minha mente todo momento.

 

- Será que vai demorar a passar? – eu perguntei em meio ao meu desespero.

 

Naruto sentou ao meu lado.

 

- Eu fico com você até a tempestade passar.

 

Um forte estrondo de trovão fez o vidro da pequena janela do sótão chacoalhar, e numa reação impensada eu virei meu corpo para o lado e coloquei minha cabeça no ombro de Naruto. Enrubesci ao dar-me conta do que fizera, mas antes que eu pudesse voltar a posição inicial, ele rapidamente passou o braço por trás de meu corpo e me puxou para mais junto dele.

 

Nenhum de nós falou nada, e eu acabei aceitando seu abraço por causa da sensação de proteção que ele me fazia ter. E daquele dia em diante, as noites de tempestade eu passava desse jeito: ao lado de Naruto abraçada a ele; pelo menos foi assim até o dia em que ele foi embora.

 

À noite me trouxe pesadelos, e acabei acordando no meio da madrugada ofegante. Sentei-me na cama e fiquei olhando a chuva cair através do vidro da janela, mais uma vez imagens do dia do acidente vieram a minha mente; lembrei do vidro do carro embaçado pelas gotas de chuva e do brilho dos relâmpagos que iluminavam o mar que ficava no fundo da encosta.

 

Os relâmpagos iluminavam o quarto escuro e o barulho dos trovões fazia meu corpo tremer. O forte estrondo do trovão me assustou e eu não consegui reprimir um grito baixinho.

 

Senti a mão de Naruto tocando meu braço e em seguida eu fui envolvida por seus braços fortes.

 

Comecei a chorar como uma criança.

 

- Sakura, eu estou aqui... – Naruto me disse baixinho – Você está segura...

 

Naruto conhecia melhor do ninguém o porquê eu ficava daquele jeito quando havia uma tempestade. Para mim, as noites de tempestade me faziam lembrar do acidente em que meus pais morreram; aquele era um trauma que eu carregaria para sempre em minha vida. Além disso, as noites de tempestade eram, para mim, um mau presságio. Depois de outras noites como aquela, coisas ruins haviam acontecido; eu sentia algo ruim estava se aproximando.

 

As mãos de Naruto subiam e desciam por minhas costas e seu queixo estava apoiado no alto de minha cabeça. Eu não conseguia falar e comecei a ter falta de ar, senti meu peito sufocar. Forcei meu corpo para trás e me levantei. Aquele não era um bom sinal.

 

- Sakura, Sakura...

 

Saí do quarto e andei no corredor até chegar perto da escada. Eu não queria que Naruto me visse daquele jeito, mas era algo mais forte do que eu; era algo que eu não conseguia controlar.  Encostei minhas costas na parede e deixei meu corpo cair até o chão. Fechei os olhos e tentei me concentrar.

 

- Sakura, o que está acontecendo? – a voz de Naruto estava próxima a mim.

 

O forte som da chuva impulsionada pelo vento batendo contra os vidros das janelas da casa, os galhos das árvores balançando, o brilho dos relâmpagos iluminando a casa escura e o forte estrondo dos trovões fazia a ansiedade em meu âmago aumentar. Tampei meus ouvidos numa tentativa inútil de bloquear os sons, forcei minhas pálpebras para que elas se mantivessem fechadas, porém essas ações não tinham efeito.

 

- Sakura! – a voz de Naruto ficou mais alta e próxima.

 

Eu abri os olhos e vi que ele estava a minha frente de joelhos, suas mãos estavam firmes em meus ombros.

 

Meu ritmo cardíaco estava anormalmente elevado e meu corpo tremia; minha respiração estava ofegante, e eu pensava que acabaria sufocando. Em meus pensamentos, eu procurava me acalmar sabendo que o que estava acontecendo era algo passageiro, que logo tudo ficaria bem.

 

Naruto se levantou e foi até o seu quarto, quando saiu de lá, me pegou no colo e me levou de volta para a cama. Agarrei-me com força no pescoço dele e voltei a fechar os olhos. Ele me colocou em minha cama, abri os olhos e o vi sentar-se ao meu lado.

 

- Coloque isso nos ouvidos – ele me entregou um par de fones de ouvido.

 

Coloquei o primeiro no ouvido direito e escutei o som de uma balada romântica que eu conhecia muito bem, a música vinha do pequeno aparelho de mp3 que eu lhe dera num de seus aniversários. Ele continuou falando.

 

- Assim você não escuta os trovões – ouvi-o dizer antes de colocar o segundo fone no ouvido esquerdo.

 

Não ouvi mais o som da tempestade. Naruto me puxou para junto dele e nos cobriu com o cobertor. Aninhei-me entre suas pernas e fiquei com a cabeça apoiada em seu peito. Aos poucos, meu coração voltou ao seu ritmo normal e a minha respiração não ficou mais ofegante. Acabei adormecendo sem perceber.

 

Pela manhã, os raios de sol que atravessavam a janela me despertaram. Percebi que eu continuava na mesma posição em que eu adormecera. Ergui minha cabeça e vi que Naruto dormia tranquilamente.

 

- Você é incrível – eu sussurrei sorrindo bobamente – Você pode até mesmo fazer uma tempestade sumir.

 

Não foi preciso fazer muita força para que ele me soltasse. Levantei disposta a ir preparar o café da manhã.

 

Parei a soleira da porta e me virei para vê-lo dormindo. Naruto era realmente um anjo que viera para a minha vida me proteger das tempestades do destino, e doía ver que dia a dia eu estava perdendo-o.

 

Enquanto eu preparava o café da manhã, o habitual: ovos com bacon, eu fiquei pensando no que Naruto dissera sobre contar a verdade a todos. Se de alguma maneira eu soubesse que isso faria com que nós dois pudéssemos ficar juntos, eu não hesitaria em fazê-lo, porém eu sabia exatamente por qual caminho a verdade levava.

 

- Sakura! – me virei surpresa para porta ao escutá-lo me chamar.

 

Eu sorri ao vê-lo sonolento parado na entrada da porta.

 

- Bom dia, Naruto.

 

- Como você está se sentido?  - notei um tom de preocupação em sua voz.

 

- Eu estou ótima – respondi sorrindo - A tempestade já passou.

 

- O que aconteceu com você? Por que você ficou daquele jeito?

 

Ele tentava entender o que havia acontecido comigo naquela madrugada. Eu fingi sorrir ainda mais e enquanto colocava os ovos com bacon na mesa respondi.

 

- Sei lá. Acho que eu surtei... – tentei rir.

 

O telefone da sala tocou e eu corri para atender.

 

- Oi Sasuke.

 

- Como passou a noite? – ele me perguntou.

 

- Bem. Dessa vez não foi to ruim. Obrigado por se preocupar.

 

- OK. Te espero depois do treino hoje.

 

- Certo. Eu estarei lá.

 

Coloquei o telefone de novo no gancho e ao girar o corpo vi Naruto parado atrás de mim.

 

- Por que disse que dessa vez não foi tão ruim? Isso já tinha acontecido antes?

 

- Isso sempre acontece... Desde o orfanato.

 

- Não – a voz de Naruto subiu um tom – Antes você apenas tinha medo... – ele se aproximou de mim – Sakura, o que está acontecendo?

 

- Não há nada para se preocupar.

 

Ele agarrou meu braço.

 

- Eu fiquei assustado quando te vi daquele jeito na noite passada. Por que você ficou assim?

 

- O que quer que eu responda? Que eu tenho fobia de tempestade? – havia contrariedade em minha voz.

 

A mão dele soltou o meu braço. Eu não queria contar a respeito da minha fobia, mas eu sabia que se não contasse ele ficaria ainda mais preocupado.

 

- Fobia?!

 

- É. Meu corpo reage de uma maneira exagerada ao medo. Eu normalmente tenho aceleração do ritmo cardíaco o que me provoca falta de ar... Só que tudo volta ao normal quando a tempestade passa.

 

- Desde quando você tem essa coisa?

 

Eu voltei para a cozinha sem responder.

 

- Hey, Sakura...

 

- Me deixa em paz, Naruto! – comecei a me irritar- Eu já disse que não há nada com o que se preocupar.

 

- Você poderia ter morrido! Como eu não vou me preocupar?

 

- Eu continuo viva desde que você foi embora, então não ia ser ontem que eu ia morrer... – mordi meu lábio inferior ao me dar conta do que eu havia falado.

 

Vi os olhos azuis de Naruto arregalados olhando em minha direção.

 

- Foi por que eu te deixei sozinha?

 

- Isso não tem nada a ver com a sua partida – eu tentei consertar – Eu apenas fui ficando desse jeito... Deve ter sido por causa do stress da faculdade...  

 

Ele me tomou em seus braços e colou seus lábios nos meus. Aos poucos me rendi ao beijo e ao contato de nossos corpos, agarrei em sua camiseta e correspondi ao beijo da mesma forma apaixonada que ele me beijava.

 

- Vamos fugir, Sakura – disse Naruto baixinho interrompendo nosso beijo - Eu quero ficar com você.

 

Toquei sua face com a ponta de meus dedos.

 

- Um dia Naruto, essa tempestade vai passar... – desviei meu olhar para a lateral - Eu só tenho medo do que ela vai deixar destruído depois que ela se for.

 

O rosto dele ficou mais próximo do meu.

 

- Por que eu não posso ficar com você?

 

Voltei a olhá-lo nos olhos.

 

- Porque nesse mundo Naruto, ninguém aceita o amor de dois irmãos. Então não importa para onde formos, enfrentaremos o mesmo problema sempre.

 

Os olhos azuis dele estavam rasos de água.

 

- Sakura, e se nós...

 

Eu coloquei a ponta de meus dedos sobre seus lábios.

 

- É o nosso segredo, você se lembra?

 

Naruto balançou a cabeça num sinal positivo. Por mais que nos doesse a nossa separação, ele entendia tão bem quanto eu o quão importante era que as pessoas não soubessem que nós estávamos perdidamente apaixonados.

 

Amar alguém deveria ser a coisa mais simples do mundo, mas não era desde que o homem decidira viver em uma sociedade.  Por que amar alguém que tem laços consaguíneos é um pecado? Porque talvez os filhos frutos dessa união possam nascer com alguma deficiência ou porque isso feriria a estrutura da hipócrita sociedade em que vivemos?