A estrada que conduzia ao centro ladeava o mar. Era o mesmo caminho que levava ao aeroporto. Eu estava acostumava a dirigir por aquelas curvas sinuosas já que as principais lojas e mercados ficavam no centro, bem como o hospital onde eu fazia meu último ano de residência médica.

 

Toda a minha vida eu havia morado em Konoha.

 

Konoha é uma cidade agradável de clima mediterrâneo, rodeada pelo mar e com uma paisagem de montanhas. Com uma população pouco numerosa e uma renda per capita altíssima, a cidade era a homestay dos donos do coração financeiro de Wall Street. Apesar disso, a cidade desaparecia no mapa.

 

Cheguei mais cedo do que o habitual ao hospital. Eu sentia meu corpo ainda agitado pela briga que eu tivera com Naruto pela manhã.

 

Ao entrar na sala de repouso encontrei Shizune, uma velha amiga e mestra, olhando fixamente para a tela do velho computador que ficava ao lado da porta. Ela era uma mulher que muito me ensinar sobre a vida, e apesar da aparência jovem por causa dos longos cabelos pretos sempre presos por um coque e os olhos pretos joviais, a minha mestra já contava com seus quarenta anos.

 

- Bom dia – eu a saudei.

 

- Olá Sakura – ela saudou-me de volta sem tirar os olhos da tela – Eu não encontro o protocolo de avaliação e classificação de pacientes.

 

- Eu tenho esse documento no meu pen drive – eu falei enquanto colocava minha bolsa sobre a enorme mesa redonda de fórmica que era usada para as reuniões do corpo médico.

 

Os olhos de Shizune se desviaram da tela para mim.

 

- Perfeito! Imprima quatro cópias e leve-as no ER, por favor – pediu levantando-se da cadeira.

 

- OK.

 

Shizune sorriu em retribuição e saiu da sala deixando-me sozinha.

 

Peguei o pen drive em minha bolsa e conectei-o ao drive de acesso. Sentei-me enquanto a pasta de documentos era aberta. Percorri com o olhar cada arquivo gravado no pen drive e uma página de internet salva chamou a atenção, involuntariamente a mão que segurava o mouse se moveu e clicou sobre o arquivo que em menos de um segundo se abriu.

 

A página de internet continha um artigo de um jornal britânico. Em destaque havia a seguinte reportagem: “Siblings in Love” (Irmãos Apaixonados).  O texto abaixo da foto do casal de irmãos incestuoso contava a história de dois meios-irmãos que haviam se apaixonado, porém a justiça os havia impedido de ficarem juntos; o homem, inclusive, havia sido preso por ter dormido com a irmã. Os irmãos apaixonados continuavam morando junto, uma vez que isso não era proibido, no entanto eles não podiam oficializar a união e nem tampouco deixar claro que havia algo mais do que uma relação fraternal entre eles.

 

Pensei em mim e no Naruto.

 

- Incesto...  

 

Incesto é uma palavra que vem do latim e significa “impuro”. E essa era a melhor definição para o amor entre irmãos ante aos olhos da sociedade. Amar alguém do mesmo sangue condenava a alma ao inferno.

 

No Egito durante o período Greco-Romano o incesto era comum: a famosa Cleopatra VII se casou com seu irmão mais novo, Ptolomeu XIII; e seus pais, Cleopatra V e Ptolomeu XII, também eram irmãos. Até mesmo o grande rei de Esparta Leônidas I havia se casado com sua sobrinha, filha de seu meio-irmão.

 

 

No entanto, essas histórias pareciam terem sido esquecidas nos livros de história, e a única que era a única história de incesto que ganhou notoriedade foi a de Édipo que se apaixonou por sua própria mãe, e quando ele descobriu que a mulher que ele tanto amava a ponto de matar seu pai era sua verdadeira mãe, ele cegou a si próprio. Inspirado na tragédia, Sigmond Freud classificou o amor entre pessoas que possuem laços sanguineos de “Complexo de Édipo”. Para não ser diagnosticada com essa “doença” eu larguei a terapia há 4 anos atrás. Ninguém poderia entender a maneira como eu me sentia.

 

Essa palavra, “incesto”, soava como uma condenação pela qual a sociedade me sentenciaria se soubessem do que eu sinto por Naruto. Entretanto, essa palavra de sete letras nem sempre esteve presente em meu vocabulário pessoal. Recordo-me da primeira vez que essa palavra foi dita, indiretamente e jocosamente, em referência a mim e ao Naruto. Era a primavera do meu último ano na escola e Ino, minha melhor amiga e maior rival, havia me convidado para irmos até a lanchonete depois das aulas.

 

A Ino é o típico clichê de garota americana popular: linda, loira, rica, fútil, de opinião forte, admirada por muitos e verdadeiramente amada por poucos.  Ela era a líder das team leaders, grupo do qual eu fazia parte, e também era dona do blog o *BLOND GIRL*; o nome escolhido por ela não podia ser mais sugestivo; esse era o blog que mais bombava entre os konohianos (estudantes da Konoha High School). Naquela época a escola era o campo de batalha adolescente e era preciso conhecer bem seus amigos e inimigos.

 

No caminho para a lanchonete encontramos uma garota que fazia parte da equipe de team leaders, a TenTen, uma chinesa que fazia intercambio na nossa escola. Ino a convidou para ir conosco.

 

Ficamos algum tempo batendo papo e quando estávamos quase para sair, vimos a porta da lanchonete se abrir, e dois conhecidos nossos entrarem.

 

- Olha, a Hinata veio com o primo – disse TenTen apontando para a entrada da lanchonete.

 

TenTen achava-se muito esperta, mas eu sacava tudo o que se passava a minha volta. Ninguém falava com a Hinata, e nós sabíamos da existência dela por causa do primo dela, o Neji, que estava no time de hockey da nossa escola. Muito bem, então por que a TenTen não falou: “olha, o Neji veio com a prima”? A resposta é fácil. Ela não disse dessa maneira, simplesmente porque a TenTen preferia morrer antes de dar qualquer bandeira sobre seu amor platônico pelo Neji. Parece louco dizer que eu deduzi tudo isso só porque a TenTen não falou o nome do Neji, mas quando se é adolescente você conhece todos os códigos e dissimulações dos colegas.

 

 Ino fixou seu olhar nos nossos colegas que se sentaram numa mesa ao fundo. Sem desviar o olhar, ela agarrou seu copo de suco de laranja com acerola e começou a tomar, depois de sugar um pouco do liquido fez uma pausa e olhou para mim e para TenTen.

 

- O Neji e a Hinata tão saindo juntos. Mas eles não são primos?

 

- E daí? – eu a questionei.

 

- Tipo, você não namora alguém da sua família – Ino fez uma careta - É nojento.

 

- A Hinata não tá com o Neji – TenTen estava tentando desfazer logo o possível casal – A Hinata tá gamada é no seu irmão, Sakura.

 

 Ino começou a rir.

 

- A muda e o palhaço?! Que belo casal!

 

- O Naruto não é tão palhaço – eu nem sei o porquê, mas o defendi. Devo ter feito isso porque ele era o meu irmão – Além disso, agora está mais popular

 

- Só porque entrou para o time de hockey no ano passado – comentou TenTen zombando.

 

O Naruto havia entrado para o time de hockey da escola no inicio do segundo ano, e por isso agora ele andava no mesmo meio social que eu. Ele, que já adorava o fato de vivermos na mesma casa e freqüentarmos a mesma escola, ficou mais feliz por finalmente termos amigos em comum e sermos convidados para os mesmos eventos sociais; quanto a mim, eu rezava para que o colégio terminasse logo e que todos se esquecessem do nosso parentesco.

 

- Pobre Hinata, se ela não falar, ele nunca vai saber... – eu disse num tom de malicia.

 

- Já que é seu irmão, você podia agitar esse namoro – Ino sugeriu.

 

- Isso seria ótimo – TenTen ficou empolgada com a idéia.

 

- Tão querendo que eu fique de vela? – eu desaprovei.

 

Ino desatou a gargalhar.

 

- Ménage à trois!

 

Acho que aquilo foi a única coisa que a Ino aprendeu das aulas de francês. Para aqueles que não conhecem o termo, ménage à trois significa “mistura a três”; essa expressão é usada para definir relações sexuais em que há três pessoas, do mesmo sexo ou sexos opostos, participando.

 

- Aff!! – eu bufei – O Naruto é meu irmão!

 

- Meio-irmão – Ino me corrigiu – Ele é filho do seu pai com outra mulher.

 

TenTen saiu em minha defesa, ainda que eu preferisse que ela tivesse ficado de boca fechada.

 

- Se fosse um “ménage à trois” seria um incesto.

 

- Tá, mas a Sakura pode ficar apenas de cupido do casal.

 

Eu me levantei da mesa.

 

- Tô fora, eu não dar uma de cupido. Ainda mais pro Naruto!

 

Eu fui embora da lanchonete sem nem ao menos olhar para trás. Que me eu recorde, essa foi a primeira vez que eu fiquei com ciúmes do Naruto, lógico que na época nem baixo tortura eu confessaria uma coisa dessas; acho que nem me daria conta de uma coisa dessas.

 

Ao chegar a casa, eu encontrei o Naruto no sofá jogando video-game.

 

- Hey Sakura! – ele me saudou ao escutar a porta da sala se fechando.

 

Eu olhei-o curiosa pensando no que as meninas haviam falado na lanchonete.

 

- Naruto... – acabei achando que não valia a pena ficar levando esse tipo de assunto a diante – Deixa pra lá.

 

- O que foi?

 

- Nada – eu respondi enquanto me movimentava em direção a escada – Você é idiota demais pra ver que o que está na sua cara. Então não vale a pena.

 

Pensando nessa cena agora, eu vejo que o que eu disse provável fez o Naruto pensar que eu estava falando aquilo por mim.

 

À noite, depois de comer o delicioso jantar preparado pela nossa empregada, eu fui para o meu quarto e liguei o computador. A Ino que estava de plantão no MSN, me enviou uma mensagem:

****

BlondGirl: dá uma olhada no meu blog.

 

 

PinkCat: OK

***

 

Abri a página num Explorer a parte. A notícia do dia trazia um titulo atrativo

 .................

INCESTO

O amor entre primos pode ser considerado um incesto? Se a resposta for afirmativa, então tem gente no KHS que vai ter que tomar muito cuidado para não ir parar na cadeia. Como todos devem saber, nos Estados Unidos relacionamentos incestuosos são crimes!

 

Não queremos ver nenhum de nossos colegas na cadeia, especialmente um dos nossos melhores jogadores de hockey.

 

XOXO

...................

 

Não havia citações de nomes, mas bastava ser um pouco atento para saber de quem a Ino estava falando. Eu comecei a imaginar os tipos de comentários que fariam.

 

“ Pô Neji, tá catando a sua prima!”

 

Achei desagradável a Ino ter feito uma coisa dessas.

 

Na barra de tarefas, a janela do MSN piscava.

 

***

 

BlondGirl: o k achou?

 

PinkCat: vc ñ sabe c é vdd!

 

BlondGirl: o neji paga o maior pau pra hinata

 

PinkCat: e daí?

 

BlondGirl: ????

 

PinkCat: vc tá protegendo a tenten.

 

PinkCat: ñ interessa c eles são parentes

 

PinkCat: o k importa é k gostam 1 do outro

 

BlondGirl: já pensou c vc c apaixona por alguém da sua família?

 

PinkCat: eu ñ tenho primos

 

BlondGirl: e c fosse seu irmão?

 

PinkCat: sai dessa

 

PinkCat: tá repetindo o k a tenten falou.

 

PinkCat: eu ñ tenho nd a ver c/ essa historia

 

PinkCat sai.

 

****

 

Fiquei tão furiosa que acabei desligando até mesmo o computador.

 

- Por que a Ino tá se metendo? – questionei a mim mesma – Ela nem é amiga da TenTen... – fui até a cama e me sentei na beirada – E daí se o Neji tá afim da prima, isso não é incesto. Ah! – gritei irritada – E a Ino ainda fica me perguntando se eu gostasse do Naruto! Que irritante!

 

Vesti minha camisola branca que tinha uma flor estampada no centro e decidi ir dormir. Deitei na cama, mas eu não conseguia pregar o olho. Fiquei pensando no Neji e na Hinata, e nos comentários maldosos que eles teriam que escutar no dia seguinte na escola.

 

- Maldita Ino. Não vou dormir por culpa dela.

 

Levantei-me e fui até o quarto do Naruto. Sem bater na porta eu entrei e acendi a luz.

 

- Naruto, acorda! – eu o chamei.

 

Ele seguia dormindo e roncado espalhado pelo colchão. Puxei com força, e ele caiu no chão.

 

- Acorda!

 

- Sakura, o que está acontecendo? – ele me perguntou sonolento.

 

Sentei-me no chão ao seu lado.

 

- Presta atenção. A Ino colocou no blog dela uma noticia sobre o Neji e a Hinata.

 

- E o que eu tenho a ver com isso?

 

- Você tem que falar com o Neji amanhã.

 

O Neji estava na mesma equipe de hockey do Naruto.

 

- O Neji nem olha na minha cara, às vezes é pior que o Sasuke. Você deveria falar com a Ino.

 

- Eu tentei... A Ino postou que eles a relação deles era incestuosa.

 

- Quê é incesto?

 

- Incesto, seu idiota. Quando uma pessoa se apaixona por alguém da mesma família.

 

- Mas o Neji não tá saindo com a Hinata.

 

- Como você sabe? – eu o questionei e nessa hora ele se calou - Ah, entendi.

 

- O que?

 

- Deixa pra lá. Talvez depois de amanhã a notícia seja outra.

 

Eu me levantei e Naruto seguiu o meu movimento.

 

- Sakura?

 

- Ela te contou, não é mesmo?

 

Naruto cruzou os braços mostrando-se nervoso. Achei que a Hinata já tinha contado para ele que o amava.

 

- Eu não estou entendendo nada.

 

- Eu vou dormir!

 

Girei os calcanhares, mas nessa hora o Naruto segurou no meu braço.

 

- O que está acontecendo, Sakura?

 

Eu puxei meu braço para que ele me soltasse.

 

- Me larga, Naruto!

 

- Por que você tá brava comigo?

 

- Por você ser um idiota!

 

Eu saí do quarto dele batendo a porta. Ao entrar no meu quarto tranquei a porta com chave e me enfiei embaixo dos cobertores novamente, meu coração batia acelerado e eu sentia meu corpo muito agitado.

 

Tive pesadelos a noite inteira. Sonhei que o Naruto estava se casava e eu ia para a cadeia. Quando acordei eu só pensava na matéria que a Ino havia colocado no blog sobre incesto e também na frase dela no MSN:    “e se fosse seu irmão?”

 

Entre tantas incertezas sobre o futuro, eis que meus sentimentos em relação ao Naruto mudaram de uma forma tão suave que foi quase imperceptível, e quando eu me dei conta, eu fui arrastada por um furacão de emoções que me levaram até ele.

 

Uma coisa que eu descobrira era que a Ino tinha o dom de prever o futuro. Eu jamais imaginei naquele momento que eu poderia mesmo amar o Naruto, um menino que chegou a minha casa para desestruturar minha família e mexer com meus sentimentos.

 

Se vocês querem saber o que aconteceu com a falsa noticia sobre o Neji e a Hinata, eu conto. A matéria que a Ino publicou em seu blog foi esquecida após um mês. Outros assuntos tomaram o lugar da falsa noticia, e ninguém estranhou que o caso denunciado no Blond Girl não tenha tido maior repercursão; afinal aquela não foi a primeira e nem a última vez que o blog detonava com a vida de alguém e após um tempo, tudo caia no esquecimento.

 

Era preciso ter muito cuidado com o que se falava perto da owner do blog. Lembro-me que no segundo ano, no mês de fevereiro, eu comentei algo bobo com a Ino.

 

“- Tem uma novata que está gostando do Lee – eu falava com ela enquanto andávamos pelos corredores – Ela deixou um cartão de Valentine’s Day no armário dele.

 

Ela me lançou um olhar lascivo.

 

- As novatas estão cada vez mais atrevidas

 

- Ela deve gostar dele de verdade – eu a defendi.

 

- Olha Sakura, as pessoas riem do palhaço e não se casam com ele. Essa garota tá querendo é dizer que tá saindo com um cara do time de hockey. Eu vou dar um jeito nessa garota.

 

- O que vai fazer? – perguntei antes de nos separarmos para irmos as nossas classes.

 

Ino não me respondeu.

 

A noite no Blond Girl a noticia era:

 

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Primeiranista piriguete dá em cima de jogador do time de Hockey.

 

Buscando sua ascensão social na KHS, uma primeiranista entregou para o jogador Rock Lee um cartão de Valentine’s Day com uma linda declaração. Será que em breve poderemos ver um novo casal se formando? Ah, Lee eu sei que a solidão é dura, mas cuidado com os gaviões que te cercam.

 

XOXO

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A Ino não perdia a oportunidade de atacar as ascendentes ao posto de garotas populares, e para isso usava da ironia e da maldade nos comentários que fazia em seu blog.

 

Eu não sei bem o que aconteceu com a garota e o Lee, só sei que nunca ninguém soube que eles estavam juntos. Acho que acabou não rolando nada mesmo.

 

Será que ainda hoje a Ino poderia escrever uma noticia minha e do Naruto em seu moribundo blog? Não...

 

Fechei a página de internet e tentei me concentrar no arquivo a ser impresso.