Assim como o médico havia prometido, eu recebi autorização para ir para casa dois dias depois que haver acordado. Era véspera de Natal, e Naruto foi me buscar. Eu pedi que não contassem a ninguém além dele que eu havia recebido alta hospitalar.

Ao sair do hospital, uma forte corrente de vento frio soprou e eu fechei os olhos para poder senti-la melhor, era muito bom estar viva. Virando a cabeça para o lado, eu vi a moto de Naruto estacionada.

- Veio me buscar de moto?

- Se você quiser, a gente pede um taxi.

Balancei a cabeça num sinal reprobatorio.

- Vamos de moto.

Atendendo ao meu pedido, Naruto me levou para a praia. Ainda que antes ele tenha protestado um pouco.

- Vamos para a praia.

- Mas tá frio!

- Eu gosto da vista do mar – eu disse toda animada - E eu quero passar o Natal com você.

Alugamos um pequeno chalé de madeira com varanda que fora construído sobre as areias da praia. O lugar era pequeno- tinha apenas um quarto, uma cozinha e um banheiro- mas bem confortável.

Ao chegarmos, fiquei admirando a paisagem coberta de neve da varanda do chalé. O vento frio que soprava agitava as ondas e fazia-as bater forte contra os rochedos. Mesmo tendo quase morrido afogada, eu não tinha medo do mar; olhar aquelas águas agitadas me traziam uma sensação de paz.

- Tá muito frio! – Naruto reclamou enquanto entrava no chalé.

Os dentes dele batiam e ele cruzou os braços na altura do umbigo. Eu ria de sua expressão facial que me parecia muito engraçada.

Rapidamente, Naruto tirou as botas e o casaco e se enfiou embaixo dos cobertores. Eu aproveitei para acender a lareira automática que nos forneceria um pouco de luz e calor.

Virando meu rosto para o lado, eu vi Naruto todo encolhido entre os cobertores e me diverti com a cena. Comecei a tirar meu casaco com delicadeza, pois qualquer movimento brusco fazia meu tórax doer. Depois de tirar o casaco, eu me sentei na cadeira e tentei tirar as botas, mas ao inclinar levemente meu tronco, senti uma dor pontiaguda que me fez gemer.

- Sakura, você está bem? – Naruto me perguntou enquanto se sentava na cama.

- Ainda está doendo um pouco.

Tirando as botas, eu fui ter com ele na cama. Naruto jogou o cobertor para o lado para que eu pudesse entrar, e num movimento suave sentei-me na cama entre suas pernas, ele me cobriu e puxou-me para trás para que eu recostasse em seu peito.

Fiquei olhando as sombras formadas na parede do quarto.

- Você está com frio?

- Não.

Naruto se mexeu na cama e em seguida colocou uma de suas mãos sobre minha coxa esquerda e a mão direita entrelaçou-a na minha. Senti algo entre meus dedos, e tirei o braço fora do cobertor para ver o que era; a mão de Naruto soltou a minha. Entre meus dedos, eu vi enroscado o cordão de prata com o pingente de floco de neve que ele havia me dado no passado e eu o havia devolvido.

- Um presente?!

Naruto encostou seu queixo em meus cabelos.

- Não. Eu só queria te devolver isso.

Meus olhos se encheram de lágrimas.

- Você guardou... Por todos esses anos, você guardou.

- Sakura, meus sentimentos por você nunca foram confusos. Eu apenas achei que você amava o Sasuke e eu não queria ficar no seu caminho.

No fundo, eu sabia que a responsável pela confusão dos sentimentos era eu e a minha vontade de manter o segredo que eu tanto protegia.

- Obrigado por me amar, Naruto.

Ele recostou seu queixo em meu ombro enquanto eu olhava com admiração o pingente de floco de neve que balançava de um lado para o outro.

- Eu também tenho algo para você.

Naruto levantou a cabeça e eu aproveitei o momento para me movimentar na cama. Joguei o cobertor para trás e virei-me de frente para ele. Nós ficamos sentado um olhando para o outro. Coloquei rapidamente a corrente em meu pescoço.

- Eu quero te contar a verdade, e dessa vez eu prometo que não vou esconder nada.

- Do que você está falando Sakura?

A seriedade em meus olhos e em meu tom de voz preocupou-o.

- Eu quero que você saiba a verdade sobre nós – eu respirei fundo – Eu não quero morrer levando comigo nenhum segredo.

Naruto segurou em minha mão e com um olhar confuso me disse:

- Não precisa me contar nada.

Fiquei olhando-o em silêncio, tentando juntar a coragem necessária para contar aquilo que eu por tantos anos havia escondido. O meu sacrifício para esconder dele a verdade por fim terminaria naquele momento, e isso me provocava certa ansiedade.

- Por todos esses anos, eu te disse tantas coisas, só não te disse toda a verdade – respirei fundo e decidi falar o que há tanto tempo eu escondia – Acho melhor começar pela história que meu pai contou quando voltávamos da minha apresentação de balé. Eu vou contar exatamente o que ele me contou antes do acidente... – Naruto exibia um olhar assustado - Eu não sou sua irmã. Nós não temos nenhum laço sanguineo – comecei pela parte que ele já sabia – E eu não te conhecia até o dia que meu te trouxe para morar na nossa casa quando tínhamos seis anos. 

- Nós nos conhecemos...

- Por favor, me deixe terminar – eu o cortei – Nós não nos conheciamos antes de você vir para a minha casa, as suas lembranças de quando tínhamos três anos...

Eu me ajoelhei sobre a cama e agarrei sua blusa levantando-a. Começava a parte mais difícil a ser contada.

- O que está fazendo, Sakura?

- Tire a blusa – eu lhe ordenei.

- Tá frio!

Eu continuei puxando a blusa até que seu abdômen ficasse desnudo.

- Veja a sua cicatriz.

- É da minha cirurgia de apendicite – ele retrucou olhando para a cicatriz que ficava poucos centímetros acima do umbigo.

- Você levou um tiro quando tinha seis anos, e isso aconteceu no mesmo dia que seus pais foram mortos.

Naruto soltou a blusa e a cicatriz foi coberta. Antes que ele me perguntasse alguma coisa, eu continuei contando.

- Eu não sei muito sobre seus pais. Sei apenas que seu pai trabalhou com meu pai na Scotland Yard antes que meu pai viesse aos Estados Unidos e se casasse com a minha mãe. Foi assim que eles se tornaram amigos. Seu pai e sua mãe foram assassinados na sua frente quando você tinha seis anos. Quando meu pai soube disso, ele viajou para Londres e trouxe você para os Estados Unidos para morar com a nossa família.

- Eu não me lembro dos meus pais.

- E não deveria se lembrar deles mesmo já que uma psicanalista implantou memórias falsas em seu cérebro. Ela te fez acreditar que nós nos conhecemos aos três anos de idade quando meu pai me levou a uma festa de aniversário sua e que depois que sua mãe morreu você foi para um orfanato e meu pai foi te buscar lá. Ela fez você acreditar que era um filho bastardo, quando na verdade era órfão!

- Eu não acredito... – o olhar de Naruto mostrava incredulidade e surpresa – Por que fizeram isso?! – ele gritou em pânico.

- Pelo mesmo motivo que eu escondi a verdade de você todos esses anos... Para te proteger. O assassino de seus pais jurou que te mataria como vingança pela morte do filho dele, mas seus pais te protegeram, e ainda assim você quase morreu.

- Por que nunca me contou nada, Sakura?

- Se soubesse de seu passado, você teria ido para a Inglaterra. Porém muitas pessoas haviam se sacrificado e feito coisas para te proteger, eu não podia desprezar os que elas haviam feito. Com esse pensamento, depois do acidente que matou os meus pais, eu jurei a mim mesma que protegeria o segredo que essas pessoas tanto protegeram.

- E você fez isso bem... Se sacrificando – senti uma ponta de ironia em suas palavras.

Naruto se levantou da cama e eu ajeitei minhas pernas para trás. Ele permaneceu de costas para mim

- Eu fiz o que eu tinha que fazer para proteger esse segredo – uma pequena pausa antes de continuar – Nosso primeiro beijo... – Naruto virou-se para mim – Eu não te beijei porque eu te amava, eu apenas queria mantê-lo ao meu lado.

Os olhos azuis dele se arregalaram.

- Você disse que...

- Que nós estávamos apaixonados? Eu menti. Eu sabia que o juiz havia pedido o exame de DNA e eu tive medo que se você descobrisse que não éramos irmãos, você iria para a Inglaterra atrás do seu passado. Eu precisava de algo que nos unisse, e o amor era o laço mais forte que poderia existir entre nós.

Naruto tampou os ouvidos.

- Eu não quero mais escutar nada!

Levantei-me da cama e agarrei seus antebraços puxando-os para baixo. Eu queria que ele me escutasse até o fim. Naruto destampou os ouvidos e me olhou surpreso.

- Eu falhei. Eu acabei te contando que não éramos irmãos, e por isso eu pedi que guardasse isso como “o nosso segredo”.  E eu sempre me questionei porque naquele dia eu contei uma parte importante do segredo que eu tanto quis esconder, e por muito tempo eu não entendi a razão do meu impulso, mas quando eu agora entendo – eu soltei os braços dele - Eu sempre quis que as pessoas acreditassem que éramos irmãos, mas o único que eu não queria que acreditasse nessa mentira era você; porque eu sentia que como irmão você não me amaria.

Uma lágrima escorreu por minha bochecha esquerda provocando cócegas.

- Eu sempre te amei, Sakura – a voz dele saiu estranhamente baixa.

Eu limpei uma segunda lágrima que começava a cair.

- Mas pensando que eu era sua irmã, você nunca me amaria como mulher.

A voz de Naruto se tornou colérica.

- Por que nunca quis que eu contasse que não éramos irmãos se a única coisa que importava era eu não ir para a Inglaterra?

- Se eu não contasse para as pessoas que não éramos irmãos, seria mais fácil continuar escondendo o resto do segredo, porém tudo mudou quando eu me apaixonei por você. Eu fiquei sem saber o que fazer, e pensei que me afastar de você era a coisa mais sensata. Você foi para o Canadá e eu fiquei aqui, o Sasuke voltou para a minha vida e nessa época eu pensei que isso era o melhor, mas quando eu fui para o Canadá e tivemos nossa primeira noite juntos... Ah, Naruto. Eu te fiz pensar que meus sentimentos eram confusos, mas eles nunca foram confusos, eu sempre soube o que eu sentia; eu só não sabia como podia amá-lo e continuar carregando esse segredo.

- Você não faz idéia do que eu sofri longe de você! – a voz dele continuava colérica e seus olhos agora estavam marejados.

- Eu sei, porque eu também sofri. Por isso eu quis terminar com tudo quando você voltou aos Estados Unidos. Naquela noite, quando pedi que dormisse comigo, eu pensei em te contar sobre o segredo; eu achava que você já estava maduro o suficiente para entender o que havia acontecido. Eu ia te contar, se você não tivesse dito que se casaria logo com a Hinata! E depois veio o seu alistamento... Eu nunca encontrava o momento certo para te contar sobre o segredo, e enquanto eu não estava certa do que fazer, eu segui mentindo e fazendo você me prometer que não romperia “o nosso segredo”.

Naruto caminhou em direção a porta e ao alcançá-la, colocou a mão na maçaneta.

- Não precisava ter se sacrificado, Sakura.

- Você está aqui. Essa é a minha recompensa.

Ele saiu da cabana deixando-me sozinha.

Eu não me arrependia do que havia se passado, porque foi graças ao segredo que eu o mantive vivo por todos aqueles anos.

Voltei a sentar-me na cama e cruzei os braços, meu corpo tremia de frio. Olhei pela janela e vi a neve caindo, o casaco dele estava pendurado atrás da porta e as botas estavam espalhadas no chão; toquei com a ponta dos dedos o pingente de floco de neve que estava em meu pescoço.

Pensei em ir atrás do Naruto, mas desisti ao pensar que ele me ignoraria.

A porta se abriu e Naruto entrou no chalé com os dentes batendo e o corpo tremendo.

- Tá muito frio lá fora!

Eu fiquei em pé e fui até ele.

- Naruto... Me perdoa...

Ele tocou em meu rosto com ternura e me beijou.

- Eu te amo, Sakura. E nada muda isso.

- Seu bobo!

Naruto me pegou no colo, mesmo eu tendo dor pelo movimento eu não gemi e nem reclamei, ele me levou até a cama. Deitando-me sobre o colchão macio ele me cobriu com o cobertor. Girei o corpo para o lado e fiquei de frente para ele que também posicionou o corpo de maneira que ele ficasse de frente para mim também.

- Sakura, eu não vou para a Inglaterra.

Eu abri um sorriso forçado. Eu sabia que ele não ia para a Inglaterra porque agora ele estava prestes a ir para um lugar ainda mais perigoso, o alistamento de Naruto no exercito americando era algo que eu tampouco havia esquecido.

Toquei seu rosto com minha mão direita.

- Então fica aqui comigo para sempre.

- Eu sempre vou ficar com você.

Senti um imenso alivio depois de contar sobre o segredo que eu escondia para o Naruto, parecia que eu estava deixando para trás as nuvens de tempestade.

Eu não sabia qual seria o nosso futuro e nem o que faríamos quando voltássemos para casa, porém no fundo do meu coração eu desejava que o Naruto pudesse cumprir o que me prometera: que ele sempre estaria comigo.