A maré alta e o forte vento frio que soprava faziam as ondas baterem com mais violência contra os rochedos. E assim como a fúria da água contra os rochedos, as lembranças de meu passado faziam com que as velhas fendas de meus sentimentos se abrissem mais; eu sentia que estava a ponto de me quebrar por dentro, mas eu não sabia como consertar o que estava se quebrando.

Levantei-me e decidi ir para casa, pois já estava anoitecendo, e no dia seguinte eu teria que ir para o hospital.

Voltei a caminhar pelas ruas vazias da cidade. Achei que deveria pegar um taxi, mas só de pensar que isso me faria chegar mais cedo, eu desisti.

- O Naruto deve ter ido ver a Hinata.

Destrui dentro de mim a esperança de encontrá-lo em casa me esperando para jantar. A noiva dele estava de volta, e a rotina de nossa convivência diária mudaria.

Tentei me animar com a idéia de que seria melhor não encontrá-lo, eu precisava de um tempo para poder me recuperar das fendas reabertas em meus sentimentos. Porém pensar que eu não o veria não me fazia sentir-me mais animada, ao contrário eu, no fundo do meu coração, deseja vê-lo.

Depois de quase meia hora de caminhada, eu cheguei à frente de minha casa. Notei que na janela havia uma fraca luz alaranjada iluminando a cortina branca. Olhei para cima e vi uma fumaça branca saindo da chaminé.

- Naruto está em casa – eu sussurrei.

Perdi a vontade de entrar, e fiquei ali imóvel no driveway observando a luz alaranjada através da janela. Eu precisava tomar uma decisão sobre nós antes de encontrá-lo.

Flashback

A manhã seguinte ao baile era domingo e, portanto, não haveria aula. Não sei a que horas eu acordei, só sei que eu sentia minha cabeça doer e meu estômago revirar.

Levantei da cama e quase cai por causa da falta de coordenação motora. Eu estava me sentindo muito idiota por ter feito o Naruto largar a namorada para me trazer para casa, infelizmente dessa parte eu me lembrava muito bem, e sentia-me ainda pior porque estar com  ciúmes dele.

- Merda! – eu praguejei baixinho enquanto me apoiava na parede.

Como ainda era cedo achei que talvez o Naruto estivesse dormindo, ou na melhor das possibilidades, ele deveria estar trancafiado no quarto jogando vídeo-game.

O timbre do toque de meu celular fez minha cabeça doer ainda mais. Olhei de um lado a outro do quarto tentando encontrá-lo, e rapidamente vi a luz piscando na mesa perto do computador.

- Alô - eu atendi apressada.

- Sakura, você tá bem?

- Sim, Ino. Sinto decepcioná-la. Aposto que estava com o texto sobre a minha morte pronto para postar no seu blog.

- Aff! Não sou tão insensível assim.

- Desculpe. Estou com uma dor de cabeça horrível.

- Também depois do que você bebeu ontem no baile... Eu nunca tinha te visto daquele jeito: tão fora de controle!

- É, acho que eu perdi a linha ontem

- E o seu irmão? 

A pergunta dela me surpreendeu.

- O que tem o Naruto?

- Aposto que ele te passou um sermão?

- Até parece. Ele só queria me levar para o hospital.

Isso era uma das poucas coisas que eu lembrava claramente que havia acontecido.

- Você precisava ter visto a cara que ele fez quando ele viu no chão. Ele até  falou que você não precisava ficar assim por causa do Sasuke.

Eu não lembrava que ele havia dito tal coisa, mais uma vez eu via que o álcool havia me roubado parte das lembranças daquela noite.

-O que eu disse?

- Nada. Você tava tão mal que nem deve ter ouvido. O Naruto ficou ferrado por você ter ficado bêbada por causa do Sasuke – eu quis dizer que não era por causa do Sasuke que eu havia bebido, mas não disse nada porque achei que em partes era mesmo culpa dele eu ter me embebedado - Sabe, o seu irmão tava com ciúmes de você. O Shikamaru também se espantou com a cara do Naruto, ele disse que se vocês não fossem irmãos, o Naruto te catava.

- Ino! Que coisa a se dizer mais... Horrível, impertinente...

Verdadeira. Há algum tempo eu fingia não notar que o Naruto sempre me olhava de uma maneira diferente a que um irmão olha para uma irmã.

- Escuta, Sakura. O Shikamaru não queria que eu te contasse, mas é isso o que rola no vestiário do clube de hockey. Ninguém nunca achou normal o Naruto ter tantos ciúmes e cuidados com você.

- Talvez esses caras devessem saber que isso é porque nós somos órfãos.

- Eu sei, mas ainda assim é bem estranha essa atitude. Você já pensou se ele estiver apaixoando por você, Sakura?

- Ino, a minha cabeça está doendo demais para eu ficar aqui rebatendo as coisas estúpidas que um monte de garotos falam quando estão tomando banho!

Desliguei o telefone com raiva. Como eles podiam ficar analisando a minha vida e a do Naruto desse jeito.

Resolvi ir até a cozinha buscar algum remédio para amenizar a dor de cabeça. Agarrando-me ao corrimão, eu desci a escada contando degrau por degrau e senti-me vitoriosa quando cheguei ao último ainda de pé.

Antes de chegar a cozinha eu tinha que atravessar a sala. Eu dei alguns passos, mas assim que me aproximei do sofá não tive mais forças para continuar e deixei meu corpo cair sobre o móvel.

Escutei passos vindos da cozinha e numa reação de susto eu sentei-me no sofá. Naruto apareceu trazendo nas mãos um pacote de bolacha fechado.

- Oi Sakura – ele me disse sorrindo – Como você está?

- Bem. O que está fazendo?

- Vim pegar algo para comer.

Naruto se jogou no sofá e ficou sentado ao meu lado.

Eu o olhei de soslaio e o vi abrir o pacote de bolacha  cookie e colocar uma na boca. Mesmo com a minha cabeça latejando, eu pensei no que havia acontecido na noite passada e naquela hora eu não tive dúvidas daquilo que eu deveria fazer.

- Como você pode agir dessa maneira? – eu virei à cabeça para lado quase que no mesmo tempo que ele o fez também.

- Do que está falando? – perguntou ele colocando mais uma cookie na boca.

- Estou falando de nós!

Eu virei-me em sua direção. O efeito do álcool que ainda circulava no meu sangue me ajudou a falar sem receios.

- Ontem, você disse que gosta de mim.

Isso era a última coisa que eu me lembrava antes de acordar na minha cama.

- Nós somos irmãos... – a resposta imediata indicava que ele já havia pensando a respeito antes.

Eu conhecia bem demais o Naruto para acreditar que ele houvesse dito aquilo tão rapidamente sem que ao menos tivesse pensado sobre o que ele sentia por mim.

-Eu quero saber se você gosta de mim como mulher – eu fui direto ao ponto.

Ele desviou o olhar, e suas mãos amassaram o pacote de cookies.

- Isso não é certo, Sakura! – ele retrucou num tom baixo de voz.

- E se não fossemos irmãos? – ele voltou a virar o rosto para meu lado, e eu vi seu olhar assustado me encarando - Você me amaria, Naruto?

Sua íris foi de um lado a outro mostrando sua indecisão. E sem esperar que ele respondesse, eu inclinei meu corpo e deixei que meus lábios tocassem os lábios dele.

Naruto levantou-se do sofá deixando o pacote de cookies cair no chão. As bolachas se espalharam pelo chão. Seus olhos vidrados e sua expressão surpresa eram divertidos.

Eu não o amava e não o havia beijado porque queria roubá-lo da Hinata, eu apenas queria que ele ficasse comigo para sempre e achei que isso só aconteceria se ele me amasse e soubesse que eu sentia o mesmo por ele. Egoísmo de minha parte? Não. Eu tinha medo que se ele descobrisse que nós não éramos irmãos, ele iria para longe de mim e se zangaria por eu nunca ter contado a verdade.

- Sakura, por que...?

O som do telefone tocando ecoou pela sala.

- Naruto, você não percebeu que nós estamos apaixonados um pelo outro?

Eu não queria enganá-lo usando seus sentimentos por mim.

Levantei e fui atender o telefone que não parava de tocar.

- Alô.

- Sakura, aqui é o Kakashi. Eu preciso conversar com você e o Naruto. A audiência será na terça e é importante que vocês saibam o que terão que dizer.

- Se quiser pode vir aqui em casa agora.

- OK. Chego aí em 10 minutos.

Levaria pelo menos uma meia hora até o Kakashi chegar, pois ele sempre se atrasava.

Desliguei o telefone e ao virar para trás vi que o Naruto seguia me olhando de maneira séria.

- O que foi? – eu o questionei.

- Você ama o Sasuke.

Confesso que eu realmente ainda amava muito o Sasuke, tanto que só de ouvir o nome dele, eu sentia meu coração doer.

- Os sentimentos mudam...

Eu dei quatro passos para frente e novamente me aproximei dele. Toquei em sua face e ele jogou a cabeça para trás.

Agarrei a camiseta dele e o olhei fundo nos olhos.

- Não importa o que as pessoas digam, eu só quero ficar com você.

Minha declaração fez Naruto ceder, e antes que nos déssemos conta nos estávamos nos beijando mais uma vez. Só dessa vez era algo mais além de um selinho, era um beijo de verdade, e confesso que foi estranho beijar o garoto que eu considerava meu irmão.

Fim do flashback

Olhei para o anel com uma solitária de diamante em minha mão direita. Aquele era o símbolo de meu compromisso com o homem que eu tanto amei e que terminou por me abandonar para seguir seu sonho; e agora eu parecia viver a mesma situação com o Naruto. Talvez a única diferença entre ambas as situações, era que dessa vez estava doendo mais.

Arranquei o anel de meu dedo e coloquei-o no bolso de meu casaco. Reunindo o pouco de coragem que havia restado em mim, eu peguei a chave que estava no bolso do casaco e entrei em casa.

O ambiente estava agradavelmente quente. Olhei para o lado e vi a lareira acesa.

- Olá Sakura - ele me saudou sem desviar o olhar, e pelo tom calmo de sua voz percebi que ele não estava bravo comigo.

Virei-me para o outro lado e vi que o Naruto estava no sofá. Ele estava sentado no sofá vestindo uma calça laranja e uma camiseta branca.

- Oi.

Eu tirei meu casaco e pendurei-o no gancho que havia atrás da porta. Procurando não olhar para ele, eu perguntei.

- Você já jantou?

- Sim.

Aproximei-me da lareira e sentei-me sobre o tapete branco que lembrava uma pele de urso.

- Por que eu nunca escolho ficar com você? – eu lhe perguntei sem desviar meu olhar da lareira.

Naruto veio sentar-se próximo de mim no tapete. 

- O nosso segredo é mais importante para você – ele me respondeu enquanto desviava seu olhar da lareira para a minha direção.

Ajoelhei-me e fui até ele.

- Dessa vez, pela primeira vez, eu escolho você.

Segurei sua cabeça com minhas mãos, e quando me inclinei para beijá-lo, Naruto colocou suas mãos sobre as minhas, e isso fez com que eu me detivesse.

- Eu te amo – eu confessei.

A mão dele apertou mais forte a minha mão direita, era certo que ele havia notado que eu havia tirado o anel de noivado de Sasuke.

- Sakura...

Ele agarrou minha cintura e me puxou para junto de seu corpo. Finalmente nosso beijo aconteceu.

Ele tombou para trás e eu fiquei sobre o corpo dele, o movimento não fez nossos lábios se separarem. Nós nos beijamos por muito tempo, até que eu precisei de um pouco de ar, nessa hora Naruto me confessou:

- Eu te amo há tanto tempo. Desde que éramos crianças...

Acabamos nos entregando aos nossos sentimentos, e fizemos amor ali em cima do macio tapete. O calor da lareira aquecia nossos corpos nus.

Cada toque da mão dele sobre minha pele fazia meu corpo estremecer, e seus lábios em meu pescoço me beijando faziam o prazer aumentar. Tracei um caminho de beijos de sua boca por seu tórax até chegar seu abdômen e parei ao chegar a uma antiga cicatriz que ele tinha acima do umbigo, aquela era uma antiga marca de um tiro que ele havia levado quando era criança, mas ele não sabia que um dia o destino o havia salvado para que pudéssemos nos conhecer.

- O que foi, Sakura?

Quando me dei conta, Naruto estava sentado olhando-me com preocupação.

- Eu deveria ter morrido no acidente de carro que matou meus pais – meu tom de voz baixo mais lembrava um sussurro - Eu estava lá...

- Por que está dizendo essas coisas, Sakura?

- Eu sobrevivi por você – senti que meus olhos estavam úmidos.

Naruto agarrou-me pelos braços e me puxou contra seu corpo. Seu abraço forte me sufocava.

- Só agora eu percebi – eu sussurrei.

- Você é importante para mim...

Eu ergui meus braços por baixo dos dele, e passei-os envolta de seu pescoço. Puxei-o para frente, e o corpo dele caiu gentilmente sobre o meu. Naruto deitou-se sobre mim, e afastando minhas pernas deixei que continuasse aquilo que havíamos interrompido.

Realmente os sentimentos podem mudar, mas eu acreditava que era impossíevel que eu o deixasse de querer um dia. O meu amor por Naruto era algo inexplicavelmente maravilhoso, quando nós estávamos assim juntos, era como se o mundo fora daquelas paredes que escondiam o nosso segredo deixasse de existir.

Sentiu-o dentro de mim e num movimento seu para se levantar, eu pedi.

- Fica assim mais um pouco.

Eu queria sentir que estava completa e que as fendas dentro de mim poderiam ser consertadas daquela maneira. No entanto, eu não imaginava que as fendas já estivessem abertas demais para poderem ser reparadas com singelos momentos de felicidade como aquele que eu vivia. Cometendo, intencionalmente, o mesmo erro de meu passado, eu terminei por quebrar o que ainda estava inteiro dentro de mim.