Era manhã novamente, Kyle acabara de chegar de sua visita. Ele estava dando risinhos, de ironia. Já era uma surpresa ver que ele estava vivo.

- Não foi morto Kyle? – Perguntei.

- Não, nem Jared. Amanhã eu volto para ver se ele ainda está vivo.

- Eles avisaram. – Foi si isso que eu disse.

Kyle era teimoso, não desistia fácil. Nem deu um dia e ele voltou na caverna para ver Jared. Estávamos no meio do almoço e ele se sacudia na cadeira para ir.

Mais uma vez ele foi enxotado, mais uma vez ele voltou bravo reclamando no nariz. Cada vez que lembrava daquele bendito nariz, ele soltava um monte de palavrão.

Na terceira vez ele queria que eu fosse. Eu, é claro neguei, não era burro de enfrentar. Quando não estava falando de visitá-los, falava sobre a Buscadora de preto, ele ainda estava implicado com ela.

Pela terceira vez consecutiva, Kyle foi jogado para fora da caverna. Claro que Jared não ia deixar Kyle ficar indo e vindo de lá. Eu não me conformava como ele poderia ainda estar com raiva de tudo aquilo, era só um nariz quebrado.

Dessa vez ele insistiu para que eu fosse lá. Na cabeça dele ele não achava justo só ele ir e vir para ver Jared, ele queria que eu fosse conferir. Pra me livrar da insistência eu acabei cedendo.

Eu fui não apenas para conferir, como Kyle queria e ia todas às vezes, eu fui para avisar que a Buscadora estava rondando aqui perto. Bem ou mal, Jared tinha umas idéias boas, quem sabe eu lhe contasse sobre a Buscadora de preto e ele entendesse melhor.

Quando cheguei ao corredor, Jared estava dormindo, pelo menos parecia. Quando ele escutou que alguém estava vindo, correu levantar. Ele me olhava com cara feia, sem largar a arma nenhum segundo. Imagino sua expressão nas vezes que Kyle veio lhe fazer visitinhas.

- Calma. – Murmurei. – Venho em paz.

- Seja lá o que você estiver vendendo, não estou interessado. – Jared rosnou.

- Só quero conversar. – Me aproximei. – Você esta enterrado aqui, perdendo discussões importantes... A gente está sentindo falta de sua visão das coisas.

- Com certeza. – A voz tinha um tom de sarcasmo.

- Ah! Abaixe essa arma. Se eu estivesse querendo brigar com você, teria vindo com quatro caras dessa vez.

Jared emudeceu por um momento. Ele era tonto? Será que ele tava achando que eu ia tentar fazer alguma coisa contra ele? Eu era um, bem ou mal, eles eram dois! Eu quase nem podia com o Jared, imagine com ele e com a coisa protetora?

- Como vai seu irmão ultimamente? – Jared perguntou com humor negro.

Tinha um tom de provocação, isso o deixava bem mais relaxado, dava para ver isso. Ele amoleceu sua posição de antes, agora sentava bem mais solto, sempre com a arma pronta para atirar.

- Ele continua irritado por causa do nariz. – Eu disse. – Bem... Não é a primeira vez que o quebram. Vou dizer a ele que você falou que sente muito.

- Não sinto.

- Eu sei. Ninguém jamais lamenta bater em Kyle.

Nós dois rimos, no fundo, éramos mais do que camaradas. Eu gostava de Jared, não tinha como negar isso. Por mais que ele tenha se tornado um chato nos últimos tempos, jamais eu posso esquecer dos velhos tempos.

Agora que Jared pareceu estar mais calmo, até riu comigo, me sentei do seu lado no colchonete.

- Então, o que você quer, Ian? Não é só um pedido de desculpas para Kyle, eu suponho.

- Jeb lhe contou? – Perguntei antes de qualquer coisa.

- Não sei sobre o que esta falando.

- Eles desistiram das buscas. Até mesmo os Buscadores.

Jared não disse nada, ele estava tenso, dava para ver.

- Mantivemos vigilância estreita atrás de alguma mudança de atitude, mas eles nunca pareceram muito ansiosos. A busca nunca se afastou da área onde abandonamos o carro, e nos últimos dias ficou claro que estavam procurando um corpo em vez de um sobrevivente. Duas noites atrás, então, a gente deu sorte... O grupo de busca deixou lixo ao ar livre e um bando de coiotes atacou o acampamento-base. Um deles estava voltando tarde e surpreendeu os animais. Os coiotes atacaram e arrastaram o Buscador uma boa centena de metros deserto adentro antes de o restante do grupo ouvir seus gritos e chegar para salvar. Os outros Buscadores estavam armados, é claro. Eles espantaram os coiotes facilmente, e a vítima não estava seriamente ferida, mas o incidente parece ter respondido a todas as perguntas  sobre o que pode ter acontecido com a nossa hóspede aqui.

Dei uma pausa no monólogo para tomar ar, não era fácil apenas eu estar falando tudo.

- Então, eles fizeram as malas e foram embora. Os Buscadores desistiram de procurar. Todos os voluntários foram para casa. Ninguém mais procura por ela. – Eu virei para a boca da caverna para ver o rosto dela, não vi nada, estava escuro demais. – Imagino que ela tenha sido declarada oficialmente morta, se é que eles registram essas coisas  do modo como fazemos. Jeb está dizendo “eu não falei” para qualquer um que fique tempo suficiente para ouvi-lo.

- Jeb me irrita às vezes e... – Jared resmungou bem baixinho, mal consegui ouvir, ele estava falando sozinho.

- Tudo bem, então. Acho que acabou. – Jared voltou a falar comigo.

- É o que parece. – Hesitei por um momento antes de continuar. – A não ser... Bem, provavelmente não é nada.

Eu estava editando, Jared não gostava disso, ele estava tenso. Mas eu não sabia como dizer sobre a Buscadora, sei lá, poderia ser apenas da cabeça de Kyle.

- Continue. – Jared pediu.

- Ninguém, a não ser Kyle, pensa muito nisso, e você sabe como ele é.

Jared fez sinal de aprovação, eu continuei.

- Você tem o melhor instinto para esse tipo de coisa, eu queria a sua opinião. É por isso que estou aqui, arriscando a minha vida para entrar em área restrita. – Disse com um humor na voz. – Sabe, há uma outra... uma Buscadora, não há nenhuma dúvida, ela usa uma Glock.

E que Glock era aquela, como eu queria uma dessa só para mim... Acho que todos nós íamos querer uma daquelas, nem que não fosse para usar. Apenas para ostentar.

- Kyle foi o primeiro a notar como essa que estou falando se destacava. Ela não parecia importante para os outros... Certamente não participava do processo de tomada de decisão. Ah, ela tinha muitas sugestões, pelo o que podemos ver, mas ninguém parecia dar bola. Quisera pudéssemos ouvir o que estava dizendo. – Continuei.

Dei uma pausa para que Jared absorvesse toda a minha história.

- De qualquer maneira, quando cancelaram as buscas, ela não ficou feliz com a decisão. Você sabe como os parasitas são sempre... Tão amáveis, não sabe? Pois foi estranho... Foi o mais perto que já vimos eles chegarem de uma discussão. Não uma discussão de verdade, por que nenhum dos outros contra-argumentou, mas a que ficou frustrada certamente parecia estar brigando com eles. O grupo principal dos Buscadores desconsiderou... todos foram embora.

- E quanto à tal que ficou frustrada? – Perguntou Jared.

- Ela pegou um carro e foi até a metade do caminho de Phoenix. Então voltou para Tucson. Aí dirigiu para o oeste outra vez. – Respondi.

- Ainda procurando.

- Ou muito confusa. Ela parou naquela loja de conveniências perto do pico. Falou com o parasita que trabalhava lá, apesar de ele já ter sido interrogado.

- Hum. – Jared estava concentrado em decifrar o quebra cabeças.

- Aí ela fez uma caminhada subindo a montanha... ô coisinha idiota. Devia estar queimando viva, vestida de preto dos pés à cabeça.

Escutei um espasmo estranho vindo de sei lá onde, depois um grito surgiu da fenda que a parasita estava morando.

- O que foi isso? – Perguntei abalado.

Eu e Jared inclinamos para o buraco ver o que estava acontecendo com ela, ela parecia tremer.

Jared levantou e foi buscar uma lâmpada para vermos o que tinha acontecido com ela. Quando ele colocou a lâmpada no buraco, pudemos ver que ela estava muito assustada. Estava com os olhos arregalados, senti pena dela.

- Veja os olhos dela. – Murmurei. – Estão assustados.

O corpo dela não parava de tremer, era alguma coisa que eu tinha dito, eu sabia. Jared permanecia calado, deveria estar pensando no que eu tinha dito, para descobrir o porquê ela estava tão assustada.

- Quem é a Buscadora de preto? – Gritou Jared.

Os lábios dela tremeram, parecia que ela queria responder mas não conseguia, continuou em silêncio.

- Eu sei que você pode falar. – Rosnou Jared. – Você falou com Jeb e com Jamie. E agora vai falar comigo.

Ele entrou na caverna, mal tinha espaço para se mexer. Não teria como ela fugir, ele ocupava todo o espaço de saída.

- Diga-me o que sabe. – Ordenou ele.