Escutei bem de longe uma certa comoção e ansiedade percorrendo os corredores. Meu coração acelerou com aquilo, eu já sabia o que estava para acontecer, ou melhor, quem iria chegar.

Minha teoria estava certa, Jared, Jamie e Mel chegavam com algo diferente nas mãos. Eles sorriam para mim, e percebi que ali aninhada no colo de Jared estava a nova Peg. Bom, o novo corpo dela, por que para mim ela seria a mesma.

- Vocês chegaram! – Exclamei.

- Sim Ian! – Mel respondeu com satisfação. – Agora temos que trazê-la de volta!

- Foi tão legal escolhê-la Ian! – Jamie pulava de excitação.

- Agora não Jamie, depois você conta a grande história. – Jared o repreendeu. – Acho que Ian quer ver como Peg será.

Por mais que eu a amasse como era, amasse a alma prateada dentro do criotanque que segurava, fiquei curioso para saber como ela se aparentaria. Caminhei lentamente onde Jared tinha colocado o corpo, sem deixar nenhum segundo Peg desprotegida na minhas mãos.

Olhei para quem estava ali, ela era linda! Mas eu não conseguia vê-la como Peg, ainda não, para mim era apenas um corpo. Um corpo de cabelos loiros, pele branquinha, lábios grossos e traços angelicais. Mas ainda era apenas um corpo.

- Gostou? – Jared perguntou indeciso.

- Ainda não... – Olhei para ver as caras de espanto. – Falta algo em seu interior...

- Precisamos fazer a inserção logo. – Mel sorriu. – Uma por que ela está preste a acordar... E outra por que ninguém aqui agüenta mais ficar sem a nossa Peregrina.

Sorri, Doc que estava ausente na conversa também sorriu, ele já trazia todos os equipamentos para preparar a operação. Ajeitamos o corpo de bruços, e eu ajudei afastando os cabelos de seu pescoço.

Doc respirou fundo e começou o corte na nuca, bem lentamente, ainda receoso se ela estaria sentindo dor. Abriu toda a extensão do pescoço e começou a retirar a outra alma prateada.

Nesse momento eu abria o criotanque em minhas mãos, pegava com zelo e amor a alma que estava guardada. Não apenas a alma, e sim a minha alma, minha Peg. Acariciei novamente seu corpinho enquanto Doc despejava a alma no criotanque e se preparava para por Peg.

Olhei para a alma linda que estava em minhas mãos, eu a amava, não tinha como duvidar mais disso. Ela era macia, era linda, parecia um tecido de cetim, delicada e maravilhosa.

A sensação que eu estava sentindo era única, coisa que nunca senti na minha vida.

Ele a pegou de minhas mãos, também com muito zelo. Colocou cuidadosamente dentro do corpo esticado na cama, fechando em seguida o machucado que sangrava intensamente.

Naquele exato momento comecei a sentir outra coisa pelo corpo que estava ali. Eu e Doc a viramos de barriga para cima, e eu pude olhar o seu rosto maravilhoso pela primeira vez...

Digo pela primeira vez por que até agora ali tinha uma estranha, mas nesse momento eu via com outros olhos. Agora meu amor estava ali, e eu amava mais do que tudo aquele corpo.

A emoção percorreu meu coração, logo ela iria acordar, e eu poderia olhar novamente para a minha Peg. Ela estava aqui, ela não ia embora mais... Nunca mais, eu não deixaria isso... Agora seriamos um do outro!

Coloquei minhas mãos no seu rosto e fiquei acariciando a extensão dele. Agora minhas mãos cobriam completamente a face, seu rosto era muito pequeno e delicado. Ficamos naquele estado um bom tempo, até sentir uma pequena variação de sua respiração.

- Ela vai acordar. – Doc murmurou.

Uma onda de ansiedade percorreu meu corpo, não agüentei e comecei a chamá-la.

- Peg? Você consegue me ouvir Peg? – Disse bem baixinho acariciando seu rosto novo.

- Peg. Volte. Nós não vamos deixar você ir. – Melanie suplicava.

- Use o Acordar. – Doc murmurou de longe.

Eu peguei o pequeno tubo de spray, e com delicadeza, espirrei no seu rosto. Tinha um cheiro forte de cereja. Eu continuei segurando suas mãos, ansioso para que ela acordasse, para que eu pudesse ver seus olhos... Seus lindos olhos...

Eu fui para perto de seus ouvidos, sussurrar neles, assim como Kyle fazia com Sunny. Como eu amava a minha Peregrina, queria que ela acordasse logo, queria ficar com ela logo...

- Peregrina? Nós estamos todos esperando por você querida. Abra os olhos.

Seus dedos tremeram um pouco, eu sabia que logo ela iria abrir os olhos. Logo suas pálpebras se fecharam mais e em seguida seus olhos abriram... ela me olhava, de uma forma diferente do que sempre olhou, e não era por causa dos novos olhos.

Eu toquei seu rosto com as mãos, acariciando. Depois dei um beijo em seus lábios, o mesmo beijo de antes, como era bom beijá-la. Em seguida caminhei com minha boca até seus olhos, que estavam abertos procurando algum foco.

- Ela está acordando! – Jamie gritou comemorando.

- Peregrina?

Ela olhou para os lados me procurando, seu rosto continuava perdido, ela estava se ajustando ao novo corpo.

- Ian? Ian, onde eu estou? – A nova voz de Peg chamou meu nome, cheia de emoção. - Quem sou eu?

- Você é você. – Eu disse. - E você está exatamente aonde pertence.

Ela puxou a mão da minha, indo em direção ao seu rosto para tocá-lo. Ela não estava habituada a tantas coisas novas, se surpreendeu com as suas novas mãos. Ela as mexia, como se não fossem dela.

- Cadê ela? – Ela exigiu. - Cadê a Pet?

- Ela está bem aqui. – Doc a assegurou. - No tanque e pronto para ir. Nós achamos que você podia nos dizer para onde mandá-la.

Ela o olhou, estava bem surpresa que ele não realizou o que ela tanto queria.

- Doc! – Exclamou. - Doc, você prometeu! Você me deu sua palavra Eustace! Por quê?

- Mesmo um homem honesto cede à força. Peg.

- Força. – Jared zombou.

- Eu diria que uma faca na garganta conta como força, Jared.

- Você sabia que eu não usaria de verdade.

- Sabia nada. Você foi bem persuasivo.

- Uma faca? – Peg tremeu.

- Shh. Tá tudo bem. – Eu a confortei, soprando delicadamente seu rosto. - Você realmente achou que nós íamos deixar você ir assim? Peg! – Suspirei de alegria.

- Eu te disse que não queria ser um parasita. – Sussurrou.

- Deixa eu passar. – Mel gritava e empurrava quem poderia estar perto. - Ouça Peg. Eu sei exatamente o que você não quer ser. Mas nós somos humanos, e nós somos egoístas e nós não fazemos sempre a coisa certa. Nós não vamos deixar você ir. Acostume-se.

- Mel? Mel, você está bem. – Peg perguntava acelerando sua respiração.

Mel a abraçou, as duas pareciam irmãs, nas atitudes, não na aparência. Gostei de ver elas assim, amigas, melhores amigas...

- Claro que eu estou. Não foi esse o motivo do drama todo? E você vai ficar bem também. Nós não fomos idiotas com isso. Não pegamos o primeiro corpo que vimos.

- Deixa! Deixa eu contar! – Jamie correu e foi para o lado de Mel.

Ela pegou a mão dele a apertou, ela deveria estar muito feliz em vê-lo.

- Jamie!

- Oi Peg! Isso é legal não é: Você é menor do que eu agora! – Ele sorriu triunfante.

- Mas ainda mais velha. Eu tenho quase... – Ela parou um pouco para contar. - Meu aniversário será em duas semanas.

Eu sorri, quantos anos será que minha Peg faria? Uns dezesseis? Menos?

- Eu vou fazer dezoito.

Eu me surpreendi, ela parecia ter bem menos nesse corpo. Vi que Mel também se assustou. Jamie acariciou seu rosto, para que ela o olhasse.

- Eles me deixaram ir à incursão para te pegar.

- Eu sei. – Murmurou. - Eu lembro… Bem, Pet lembra de ter ver lá.

- Nós tentamos não assustar ela. – Jamie a assegurou. - Ela é tão... aparentemente frágil, sabe. E boazinha também. Nós a escolhemos juntos, mas eu decidi! Veja bem, Mel disse que tinha que ser alguém jovem, alguém que teve maior porcentagem de vida como alma... ou algo assim. Mas não muito jovem, por que ela sabia que você não ia querer ser criança. E então Jared gostou desse rosto, por que ele disse que ninguém nunca não ia confiar em você. Você não aprece perigosa de forma alguma. Você parece o oposto de perigosa. Jared disse que qualquer pessoa que te visse naturalmente iria querer te proteger, né Jared? Mas aí eu é que dei a palavra final, por que eu estava procurando alguém que parecia com você. E eu achei que isso era você. Por que ela meio que parece um anjo e você é boa assim. E muito bonita. Eu sabia que você seria bonita. – Jamie sorriu, depois continuou. - Ian não foi. Ele só ficou aqui sentando com você, ele disse que não ligava para como você ia parecer. Ele não deixou ninguém colocar o dedo no seu tanque, nem eu ou mel. Mas Doc me deixou ver dessa vez. Foi muito legal. Eu não sei por que você não queria deixar eu ver. Mas, eles não me deixaram ajudar. Ian não deixou ninguém pegar em você além dele.

Eu apertei sua mão, e me inclinei para sussurrar em seu ouvido.

- Eu segurei você na minha mão. Peregrina. E você é tão linda.

- Você gostou né? – Jamie perguntou preocupado. - Você não está com raiva? Não tem ninguém aí com você, tem?

- Eu não estou exatamente com raiva. E eu... eu não achei ninguém aqui dentro. Só as memórias de Pet. Ela tem estado aqui dentro desde... eu não consigo lembrar quando ela não estava. Eu não consigo lembrar de nenhum outro nome. – Peg disse e eu fiquei feliz.

- Você não é um parasita. – Mel disse firme, para que Peg não duvidasse mais. - Esse corpo não pertencia a Pet, mas não havia mais ninguém para o exigir. Nós esperamos para ter certeza. Nós tentamos a acordar tanto quanto Jodi.

- Jodi? O que aconteceu com a Jodi? – Peg disse alto, desesperada.

Ela tentou se sentar e eu a ajudei, era bem mais leve agora com esse corpo. Olhou para cada rosto a sua frente, cada um que deveria estar diferente para seus olhos.

- Jodi não respondeu. Nós continuamos tentando o máximo que pudemos. – Doc respondeu chateado. - Nós a mantivemos hidratada, mas não tinha como a alimentar aqui. Nós nos preocupamos com atrofia, seus músculos, o cérebro...

- Sunny! – Peg gritou quando reconheceu.

- Eu vou ficar! – Ela disse, feliz em ter Kyle. - Igual a você. Mas eu estou tentando, eu estou procurando ela. Eu vou continuar procurando.

- Kyle nos fez colocar Sunny de volta quando pareceu que íamos perder Jodi. – Doc continuou.

Meu coração bateu forte por um momento, será que Peg ainda ia me amar? Será que ela me amaria como sempre, ou mudaria algo? Será que ela ainda amava Jared, ou ele já era passado para ela? Isso estava me deixando muito inseguro, nervoso.

- Você está bem aí? – Perguntei.

- Eu... eu não sei. Isso é muito... estranho. Tão esquisito quanto mudar de espécie. Tão mais estranho do que eu pensei. Eu... eu não sei.

- Você não se importa muito de ficar aqui não é, Peg? Você acha que pode tolerar? – Murmurei.

Jamie estava com as mãos na dela, Mel colocou depois, em cima da dele, depois Jared acrescentou em cima da de Mel. Outras pessoas atrás de mim se seguraram com força em alguma parte de seu corpo, tudo isso para forçá-la a ficar, para que ela ficasse conosco, comigo!

Eu peguei um pedacinho de uma mecha dourada de seu lindo novo cabelo, tirando de seu lindo rosto e colocando atrás da orelha. Depois coloquei minha mão na sua bochecha, minha mão que era grande demais para aquele rostinho delicado.

- Eu imagino que posso fazer isso. – Falou baixo. - Se te faz feliz.

- Não é bom o suficiente. – Discordei. - Tem que te fazer feliz também.

Ela olhava meus olhos poucas vezes, logo abaixava a cabeça para encarar o colo. Isso era bem estranho, por que ela estava assim, tão diferente comigo, por que ela não conversava comigo, me olhava? Como sempre ela fez...

- Eu... acho que pode. – Concordou. - Eu acho que pode me fazer muito, muito feliz.

Eu ergui cuidadosamente seu rosto para que ela encontrasse meus olhos, não queria vê-la abaixada, olhando para o chão. Suas bochechas ficaram rosadas, eu ia beijá-la, não estava mais agüentando, meu coração estava explodindo.

- Então você fica.

Eu a beijei, como sempre fazia. Nossos lábios formavam uma completa união, como nunca tinha se feito. Ela me beijava na mesma intensidade, era tudo perfeito e extraordinário, eu não conseguia mais pensar em perdê-la...

Eu amava Peg mais do que tudo, mais do que qualquer pessoa que um dia eu amei... Era um amor verdadeiro, amor com o coração! O amor que eu procurei sempre, e que tive que esperar a minha Peregrina chegar, chegar e decidir ficar comigo...

Não foi ruim esperar, foi difícil, eu sofri... Como sofri, mas agora valia a pena, agora que a tinha nos meus braços, sabia que ela era a única... a razão da minha vida, a única razão que me deixava respirar ainda...

Peg... Meu amor eterno...

- Eu fico. – Peg concordou.

E tudo estava completo...