Continuamos agarrados a Peg, ela era o nosso passaporte, para que não ficássemos fora dessa. Jeb não estava gostando de Jamie estar ali, e eu também não, o garoto era muito novo.

- Você não tem escola garoto? – Jeb perguntou, dando toquinhos com sua arma.

- Ahh, Tio Jeb, por favor. Por favor? Eu não quero perder...

- Leva sua bunda pra sala.

Jamie se virou para a sua ultima esperança, o coração mole de Peg, mas ela não cedeu, falou não com a expressão de sua cabeça.

- E chama Trudy no seu caminho. – Peg disse. - Doc precisa dela.

- Eu perco tudo. - Jamie resmungou.

Saiu com passos ligeiros ainda emburrado. Escutávamos alguns protestos, mas ninguém estava se importando muito.

- Obrigada, Jeb. – Peg murmurou.

- De nada.

- Tá tudo bem. – Kyle sussurrava para Sunny. - Não há nada aqui que vá te machucar, e eu estou aqui.

Eu estava começando a desconfiar que Kyle era Kyle, será que ele não tinha mesmo sido pego? Ele estava muito bonzinho pro meu gosto, tão amoroso, coisa que ele não fazia há anos... Bom... aquela era Jodi, mas ele não se importava com Sunny... Ou sim?

- Como está a Curandeira? – Jared perguntou.

- Ela acordou, bem antes de eu vir procurar vocês. – Peg respondeu. - Mas ela está desorientada, e muito assustada. – Avisou. - Ela não consegue lembrar seu nome. Doc está trabalhando com ela. Ela vai ficar ainda mais assustada quando ver todos vocês. Tentem ficar quietos e se mover lentamente, okay?

- Sim, ok. – Concordamos.

- E, Jeb, será que dava para deixar a arma para trás? Ela ainda está com um pouco de medo dos humanos.

- Hmm, okay. - Jeb assentiu.

- Medo de humanos? – Kyle murmurou.

- Nós somos os caras maus. – Eu o lembrei, apertando a mão de Peg para garantir que eu não era assim.

Ela apertou de volta, fiquei feliz dela ter sentido, apertei mais uma vez. Caminhamos mais um pouco em silêncio.

- Kyle? – Sunny chamou baixinho.

- Sim?

- Eu não quero voltar para os Ursos.

- Você não tem que voltar. Você pode ir para algum outro lugar.

- Mas não posso ficar aqui?

- Não. Desculpe Sunny.

Seria uma pena Sunny não ficar aqui, eu gostava dela, não como Peg é claro, mas ela me fazia lembrar. Jodi também era legal, então eu não tinha o que reclamar, qualquer uma seria uma boa cunhada.

Sunny não gostou, escutamos seu pequeno choro que Kyle deve ter amparado. Deve ter amparado como tantas vezes que eu amparei Peg...

Por que estou usando palavras de uma forma que parece despedida?

Chegamos ao hospital, Doc falava com a Curandeira.

- Isso é ótimo. - Ele estava dizendo. - Continue pensando nos detalhes. Você sabe seu velho endereço, o nome não deve estar longe, certo?

- Cuidado. – Peg sussurrou.

Kyle parou antes de entrar, segurando Sunny do seu lado, ele gesticulou para que Peg fosse na frente. Era melhor ela fazer isso mesmo.

- Olá. – Peg cumprimentou. - Só eu novamente. – Ela disse porcausa de alguma atitude dela.

- É Peg. – Doc falou.

- Essa é a alma. – A Curandeira falou com a voz tremula.

- Sim, mas ela é uma amiga.

- Doc? Você tem mais algumas visitas. Tudo bem? – Peg perguntou se referindo a nós.

- Eles são todos amigos, ta bom? Mais humanos que vivem aqui comigo. Nenhum deles sonharia em te machucar. Eles podem entrar? – Doc perguntou a ela.

- Okay. – Ela sussurrou.

Respirei fundo, Kyle ficou ainda meio inseguro de ir na frente, eu tive que fazer. Caminhei para a luz, procurando Peg.

- Esse é Ian. – Ela disse me colocando na frente. - E Jared, e Jeb. – Eles foram entrando um por um. - E esse é Kyle e... é...Sunny.

Doc ficou surpreso ao ver Kyle agarrado com Sunny. Ele não era o único, já que o anti-alma aqui era o Kyle.

- Há mais? – A Curandeira murmurou.

Doc limpou a garganta alto.

- Sim. Há várias pessoas morando aqui. Todos... – Hesitou. - Bem, a maioria humana. – Acrescentou encarando Sunny.

- Trudy está vindo. – Peg disse a Doc. - Talvez Trudy pudesse... – Peg hesitou por um momento. - ...encontrar um quarto para ela descansar?

- Essa é uma boa idéia. – Doc concordou.

Percebi o que estava para acontecer, parecia ser obvio, mas meu cérebro apagou. Kyle tinha trazido Sunny para isso, e não tinha como adiar.

Eles iam tirar Sunny de Jodi, trazê-la de volta. Por isso que Peg pensou em tirar a Curandeira de lá, para que ela não visse nada perturbador.

- Quem é Trudy? – Ela perguntou.

- Ela é muito boa. Ela vai cuidar de você. – Doc garantiu.

- Ela é humana, ou é como aquela ali? – Apontou para Peg.

- Ela é humana.

Ela se acalmou um pouco, mas não havia motivo, quem mais seria boa o bastante para cuidar dela? Peg era a melhor pessoa dessa caverna, não tinha ninguém assim, se eu fosse a Curandeira, preferiria Peg ao invés de Trudy.

- Uhh. – Sunny gemeu por algum motivo que eu não compreendi.

Olhei para ver o que Sunny tinha achado ruim, e ela estava encarando os criotanques na mesa de Doc. Ela começou a chorar desesperadamente, enterrando a cabeça no peito de Kyle.

Sunny deveria amar Kyle, como Peg ama Jared... esse amor tinha passado, junto com o corpo, deveria acontecer com todas as pessoas.

- Eu não quero ir! Eu quero ficar com você. – Ela lamentava.

Eu fiquei com dó dela, ela não parava nenhum pouco de chorar... realmente ela amava Kyle, mais do que tudo. Esse amor de corpo e alma era bem estranho, talvez seja por isso que eu ainda persistia tanto no amor de Peg.

- Eu sei Sunny, Desculpe. – Kyle acariciou suas costas.

Peg percebeu o estado dela e foi para perto afagar seus cabelos.

- Eu preciso falar com ela por um momento Kyle. – Peg murmurou.

- Não, não. – Ela negou.

- Tá tudo bem. – Peg prometeu. - Ele não vai a lugar nenhum. Eu só quero te fazer algumas perguntas.

Peg arrastou Sunny pela mão, Kyle foi seguindo Sunny como se fossem dois imãs. Kyle também gostava dela, eu podia ver isso, tanto como eu gostava de Peg. Eles não se desgrudavam nenhum centímetro. Eu fiquei escutando a conversa deles.

- Nossa. - Kyle murmurou. - Eu não achei que fosse ser assim. Isso é uma droga.

- Como você a encontrou? E a pegou? – Peg perguntou, Sunny continuava a chorar. - O que aconteceu? Por que ela está assim?

- Bem, eu achei que ela podia estar em Vegas. Eu fui lá primeiro, antes de ir a Portland. Veja bem, Jodi era muito próxima a mãe e era lá que Doris vivia. Eu pensei, vendo você com Jamie e Jared, que ela iria para lá, mesmo não sendo a Jodi. E eu estava certo. Eles estavam todos lá na mesma casa, a casa de Doris. Doris e seu marido, Warren, eles tinham outros nomes, mas eu não ouvi direito, e Sunny. Eu os observei o dia todo até a noite. Sunny estava no quarto da Jodi, sozinha. Eu invadi depois que todos estavam dormindo. Eu peguei Sunny, a coloquei nos ombros e pulei a janela. Eu achei que ela fosse gritar, então eu fui correndo para o jipe. Depois eu fiquei com medo por que ela não estava gritando. Ela estava tão quieta! Eu fiquei com medo dela... você sabe. Como o cara que nós pegamos uma vez. Então eu a desci, e ela estava viva, só me encarando, com os olhos arregalados. Ainda sem gritar. Eu a carreguei para o jipe. Eu tinha planejado a amarrar, mas… ela não parecia chateada. Pelo menos ela não tentava fugir. Então eu só fechei o cinto de segurança e dirigi. Ela só me encarou durante um tempão então finalmente disse, ‘Você é o Kyle’ e eu disse. ‘É, e quem é você?’ ela me disse o nome dela. Como é mesmo?

- Luz do Sol Através do Gelo. – Sunny respondeu. - Mas eu gosto de Sunny. É  bonitinho.

- Enfim. – Kyle continuou, limpando a garganta. - Ela não se importou em conversar comigo. Ela não estava com medo como eu achei que ela fosse ficar. Então nós conversamos. – Ele ficou em silêncio, eu juro que vi seus olhos brilharem. - Ela ficou feliz de me ver.

- Eu sonhava com ele o tempo todo. – Sunny falou tímida. - Toda noite. Eu ficava esperando os Buscadores acharem ele, eu sentia tanta saudade dele… quando eu o vi, eu achei que fosse o sonho de novo.

Kyle fez carinho em sua bochecha, estava sendo muito carinhoso e romântico com ela... podia dizer que seu coração estava apaixonado... Será que ele estava afim de verme? Era tão invejoso de mim assim?

- Ela é boazinha Peg. Não dá para gente mandar ela para um lugar bom? – Kyle pediu.

- É isso que eu queria perguntar a ela. Onde você viveu Sunny?

Nisso Trudy chegou, e veio falar oi para todos que estavam aqui, eu a cumprimentei. Ela foi rapidamente ajudar a Curandeira sem nome. Perdi um pouco da conversa, mas já voltei a atenção.

- Eu estou cansada do frio. E eu gosto de cores. – Sunny reclamou.

- Eu sei. – Peg continuou. - Eu não fui um Golfinho, mas eu ouvi dizer que é bom lá. Tem cores, mobilidade, famílias...

- Eles são tão longes. Quando eu chegar lá, Kyle vai ter... ele vai... – Kyle estará morto, era isso que ela queria dizer, mas foi interrompida pelo choro.

- Não tem outras opções? – Kyle perguntou ansioso. - Não tem mais lugares lá fora?

- Não lugares onde as naves estão levando. – Peg respondeu frustrada. - Há muitos mundos, mas somente alguns, a maioria os mais novos, ainda estão abertos para receber moradores. E eu lamento Sunny, mas eu tenho que te mandar para longe. Os Buscadores querem encontrar meus amigos aqui, e eles a trarão de volta se puderem, para você mostrar o caminho.

- Eu nem vi o caminho. – Ela chorou mais ainda. - Ele cobriu meus olhos.

- É só os Ursos, as Flores e os Golfinhos. – Ela disse chateada. - Eu não vou enviar ela para o Planeta do Fogo. – Peg continuou olhando para Sunny. - Não se preocupe Sunny. Você vai gostar dos Golfinhos. Eles vão ser legais. É claro que serão.

Ela chorou mais um pouco, já estava agoniado por tudo isso, ver uma garota chorando não era fácil.

- Sunny, eu preciso te perguntar sobre a Jodi. – Peg continuou depois que ela se acalmou.

Kyle ficou tenso, não era fácil falar dela... ainda mais por que ela estava na sua frente.

- O que tem ela? – Sunny resmungou.

- Ela... ela está aí com você? Você consegue a ouvir?

- Eu não entendo o que você quer dizer. – Sunny respondeu confusa.

- Ela fala com você? Você tem consciência de seus pensamentos?

- Do meu... corpo? Os pensamentos dela? Ela não tem nenhum. Eu estou aqui agora.

Peg assentiu lentamente, como se aquilo fosse algo bem ruim.

- Isso é ruim? - Kyle perguntou.

- Eu não sei o bastante para dizer. Provavelmente não é bom.

Kyle estreitou os olhos, pelo o que percebi, havia uma grande chance de Jodi jamais voltar.

- Há quanto tempo você está aí Sunny? – Peg perguntou.

- Faz quanto tempo Kyle? Cinco anos? Seis? Você sumiu antes de eu ir para casa. – Sunny confirmou, eram seis anos...

- Seis. - Ele disse.

- E quantos anos você tem? – Peg perguntou.

- Vinte e sete.

- Por que isso importa? - Kyle perguntou irritado.

- Eu não tenho certeza. Só parece que quanto mais tempo a pessoa vive como humano antes de virar uma alma, melhores as chances de ... recuperação. Quanto mais tempo de vida, mais memórias, conexões, mais anos sendo chamado pelo nome certo... eu não sei.

- Vinte e um anos é o suficiente? – Kyle perguntou desesperado.

- Nós vamos descobrir.

- Não é justo! Por que você pode ficar? Por que eu não posso ficar, se você pode? – Sunny continuava a chorar.

- Isso não seria justo Sunny. Mas eu não vou ficar. Eu tenho que ir também. E breve. Talvez nós duas iremos juntas. – Peg disse, mas eu fiquei na dúvida se era realmente isso que eu estava escutando. - Eu tenho que ir também Sunny, como você. Eu tenho que devolver o meu corpo também.

Eu não escutei errado, ela iria embora... Minha Peg ia me deixar, ela ia me deixar... Isso não era possível, ela não podia fazer isso, era injusto comigo... Tudo isso por causa do idiota de Jared? Tudo isso por que Melanie simplesmente não sumiu na sua cabeça?

Eu não me conformava com isso, que ódio! Isso não podia acontecer! Ela não podia novamente se machucar por causa de todos nós...

Minha voz estava dura quando eu rompi o silêncio, minha boca se moveu antes que eu pudesse pensar melhor...

- O quê?