Fui para o refeitório comer alguma coisa, eu sabia que era questão de tempo para termos problemas, eu não sabia se Jared seria capaz de lidar com várias pessoas. Ainda tinha que pensar um bom lugar para Peg ficar.

Enquanto comia, o beijo que dei nela passava por minha cabeça. O que era aquilo? Mas não, foi apenas um beijo na testa, nada demais... Nada que mude nossa relação de amizade certo? Era melhor esquecer esse assunto por enquanto.

Era claro que uma pessoa não iria agüentar segurar Kyle sozinho, no mínimo quatro para levá-lo quase morrendo de canseira. Eu ainda não conseguia acreditar no que ele tinha feito, ele devia ter morrido, eu deveria ter matado.

Terminei minha refeição o mais rápido que pude, voltei correndo para não correr o risco de ninguém fazer mal a ela. As cavernas do sul pareciam mais longas quando se estava ansioso.

Cheguei e encontrei uma cena triste, Walter estava largado de um lado, deveria estar anestesiado. Peg estava do seu lado, também deitada, deveria estar dormindo. Senti uma coisa ruim, como se eu jamais fosse ver Walt.

- Doc, Peg dormiu? – Perguntei e notei que Brandt, Andy e Jared estavam lá.

- Eu dei morfina a ela, para tirar a dor. – Ele disse de cabeça baixa.

- Peg estava precisando mesmo, fazia tempo que ela não dormia bem assim, e desde que ela chegou aqui, ela apenas sofreu... Não gosto de ver ela sim, não...

- Seria mais fácil examiná-la assim. – Doc me interrompeu ainda cabisbaixo.

Ele parecia estar triste e acabado, seus olhos estavam inchados e marejados. Notei que em suas bochechas tinha um pouco de água... Doc estava chorando?

- Doc? Tudo bem? – Perguntei notando que algo estava errado.

- Walt morreu. – Ele apenas disse isso.

Sentei-me do lado de Peg, eu estava bem triste com o que tinha acontecido, não queria que fosse assim, por mais que eu sabia que tinha sido melhor. Uma lágrima desceu no meu rosto, isso desencadeou meu choro de desespero.

- Foi melhor para ele. – Jared falou me consolando.

Eu precisava de um carinho, de apoio, peguei as mãos de Peg, sem que a acordasse.

- Eu sei... – Concordei ainda aos prantos.

- Jeb foi avisar os outros. – Doc falou ao fundo.

Depois de alguns momentos de tristeza, vi Jeb voltar com todas as pessoas da caverna. Ninguém parecia ter expressões diferentes da tristeza e agonia. Cada rosto era uma cópia de tudo o que tinha acontecido.

O inútil e mau caráter do Kyle estava na sala, do meu lado, mas eu meio que fingi não ver seu rosto. Ele estava inchado, bem o que merecia, olhava com cara de bobalhão para mim. Ignorei-o.

- Vamos enterrá-lo. – Jeb anunciou.

Suspirei, depois peguei Peg no colo, para que ela pudesse falar tchau para ele. Quando fiz isso, algumas pessoas protestaram, inclusive Kyle. Eu apenas respondi, sem olhar para o rosto de nenhum deles.

- Ela merece ver Walt sendo enterrado, não vai ter problema, ela não vai ver nada. Eu me responsabilizo por ela.

- Está louco Ian? – Kyle protestou. – Louco sei que você está, mas não tanto!

- Cale a boca Kyle. – Jeb falou imponente. – Ela vai.

- Depois queremos que ela seja dopada, ela saberá de onde está vindo, se apenas colocarmos nela uma venda. – Brandt impôs essa condição, todos meio que concordaram.

- Ela conhece bem demais esses túneis! – Kyle murmurou baixo, mas eu ignorei.

- Certo, certo. – Jeb concordou.

Suspirei mais uma vez, a aninhei de uma forma segura e fomos saindo para o enterro. Peg era confortável, poderia levá-la assim para todos os lugares.

No meio do caminho escutei Kyle zombando de mim.

- Hum... Parece que o Ian está apaixonado.

Não entendi bem o que ele disse, e essa não era a melhor hora para pensar nas tolices que saiam da boca de Kyle.

Logo chegamos na longa caverna de depósitos, onde tinha a saída principal.

A noite estava bonita lá fora, tinha muitas estrelas, estava um tanto iluminada. No meio do deserto e longe de toda a poluição luminosa, o céu era até azul claro.

Ninguém, inclusive eu, se sentia a vontade com o teto descoberto. Era muita exposição, todos aqui tinham medo de que alguém nos visse e tudo acabasse.

Era estranho ver as posturas que, as pessoas aqui, ficavam. Todos tinham os ombros baixos, o mais próximo do chão possível.

A cerimônia iniciou, Aaron e Andy começaram a cavar uma cova. Eu me sentei no chão com Peg ainda no meu colo, Jamie deve ter notado que ela não estava bem.

Ele trazia um colchão na mão, para colocá-la até que acordasse, se isso fosse possível a tempo de ver o funeral.

- Jeb me contou sobre Walt, e sobre Peg. Trouxe esse colchão para colocá-la. – Jamie foi dando explicações sem mesmo necessitar.

- Tudo bem. – Respondi colocando ela ajeitadamente no chão. – Obrigado.

Jamie sorriu para mim e foi para perto de Jared, ele era a sua segunda companhia preferida, depois de Peg. Eu estava ao seu lado, esperando ela acordar.

Estava com medo que não desse tempo, os caras pareciam não parar um segundo de cavar, logo a fenda estaria aberta. Quando isso ocorresse, eles pegariam o corpo de Walt, que alguém deveria tê-lo arrastado para cima, e o jogariam dentro.

Depois que eles concluíram o trabalho, alguns homens que estavam próximos pegaram o corpo de Walt e o jogaram cuidadosamente na cova aberta.

Sabia que logo as pessoas iriam lá para pronunciar frases para ele, era uma coisa que Jeb costumava fazer antes de eu vir para cá, ele um dia me contou. E foi isso mesmo que aconteceu.

Cada pessoa pegava um punhado de terra e ia para a cova aberta falar algumas palavras, algumas pessoas até choravam de tristeza. Walt era um cara querido mesmo. Eu temia que Peg não fosse acordar.

- Será que Peg acorda a tempo? – Sussurrei para Doc.

- Tomara que sim.

Demorou um tempo depois que falamos aquilo, estava quase acabando a cerimônia. Enfim Peg abriu os olhos, eu queria que ela tivesse a oportunidade de ver isso. Seria muito triste ela acordar e ver que Walt havia partido, e que ela nem pode enterrá-lo. Pobre Walt.

- Peg? – Toquei sua bochecha boa.

Ficar para fora da caverna mudava um pouco nosso metabolismo. Foi incrível, mas quando toquei a bochecha dela, senti uma cócegas saindo de minhas mãos até ela.

Ela olhou para o meu rosto, mas parecia ainda não entender o que estava acontecendo, parecia estar dormindo.

- Peg? Você está acordada? Eles não vão esperar mais.

- O que? – Peg perguntou.

- Eles já começaram. Eu sabia que você gostaria de estar aqui.

- Ela está voltando? - Jeb perguntou.

- O que está começando? – Peg perguntou.

- O funeral de Walter.