- Gladys era a esposa dele. - Jamie sussurrou. - Ela não escapou.

 

- Gladys. - Walter disse para ela. - Você acredita que eu arrumei um câncer? Quais as chances hein? Nunca fiquei doente a minha vida toda...

 

Ele continuou, mas não dava mais para ouvir, estava fraco demais para conseguir completar a frase. A mão dele se esticou para alcançar Peg, cutuquei suas costas para que ela fosse em frente.

 

- O que eu devo fazer? – Peg perguntava nervosa.

 

- ...vovô viveu até cento e um anos. - Walter continuou. - Ninguém nunca teve câncer na minha família, nem mesmo primos. A sua tia Regan teve câncer de pele não foi?

 

Ele olhou para Peg confiante, dei mais um cutucão nas costas dela para encorajá-la.

 

- Um... – Peg murmurou.

 

- Talvez tenha sido a tia do Bill. - Walter falou.

 

Ela lançou um olhar de pânico para mim, eu dei de ombros.

 

- Ajuda! – Pediu-me com os lábios.

 

Eu gesticulei com a mão para que ela pegasse. Ela pegou a mão de Walt, com cuidado para que não a quebrasse.

 

- Ah, Gladdie, tem sido difícil sem você. Aqui é um bom lugar, você vai gostar, mesmo quando eu me for. Muitas pessoas para falar, eu sei como você gosta de ter as suas conversas... – Walter não conseguia falar.

 

Ele tombou sua cabeça e fechou os olhos, encontrei um pano úmido e comecei a limpar o rosto dele. Pobre coitado, por mais que não tivesse meio de ajudá-lo, eu queria dar meu melhor.

 

- Eu não sou boa com enganação. – Ela suspirou. - Eu não quero chatear ele.

 

- Você não tem que dizer nada. – Garanti. - Ele não está lúcido o bastante para se importar.

 

- Eu pareço com ela?

 

- Nem um pouco, Eu vi uma foto dela. Ruiva brilhante.

 

- Aqui, deixe-me fazer isso.

 

Ela gesticulou para o pano que eu limpava, eu dei o trapinho e ela começou a limpar seu pescoço. Walt continuava a murmurar.

 

- Obrigado, Gladdie, isso é bom.

 

Doc havia acordado, ele chegou para ajudar.

 

- Como ele está? – Perguntou.

 

- Delirante. – Respondi. - Será o conhaque ou a dor?

 

- Mais a dor, eu acho. Eu trocaria meu braço direito por morfina.

 

- Talvez Jared produza outro milagre. – Eu disse.

 

- Talvez.

 

- Tomara que ele o faça, não agüento mais ver ele sofrer.

 

- Nem eu!

 

Ele abaixou a cabeça um pouco, Doc estava muito chateado.

 

- Como anda as coisas pela caverna? – Doc perguntou.

 

- Estão boas, agora que temos comida, tudo fica mais fácil.

 

- O que aconteceu com o rosto de Peg? 

 

- Um pouco mais do mesmo de sempre. – Falei chateado.

 

- E as aulas de Peg?

 

- Voltaram ao normal. – Respondi.

 

- Teve hoje? O que falaram?

 

- Geoffrey fez as mesmas perguntas que você já fez, ele queria um jeito de ajudar Walt.

 

- Teria sido conveniente se Melanie tivesse sido possuída por um Curandeiro. - Doc brincou.

 

Eu não gostei disso, não seria bom se dentro de Mel tivesse outra pessoa. Não consigo imaginar minha vida sem Peg, Curandeira ou não.

 

- Nós temos sorte que foi a Peg. – Eu disse na sua defesa. - Ninguém mais...

 

- Eu sei. – Doc interrompeu. - Eu devia dizer que pena que Peg não se interessou mais por medicina.

 

- Desculpe. – Peg murmurou.

 

Toquei seu ombro para confortá-la.

 

- Você não tem nada do que se desculpar.

 

- Está tarde. - Doc comentou. - Walter não vai a lugar nenhum. Vocês deviam dormir um pouco.

 

- Nós voltaremos. – Prometi. - Nos avise se quiser alguma coisa, para qualquer um dos dois.

 

Ela colocou a mão de Walter no colchão, ele abriu os olhos bem na hora, seus olhos focados nela.

 

- Você está indo? - Ele disse fracamente - Você precisa ir tão cedo?

 

Ela pegou sua mão novamente.

 

- Não, eu não tenho que ir.

 

Ele sorriu ao toque, e fechou os olhos, seus dedos tentavam apertar os dela. Eu suspirei de cansado.

 

- Você pode ir. – Ela me disse. - Eu não me importo. Leve Jamie para a cama.

 

Olhei pelo quarto para ver se achava alguma coisa para que ela se acomodasse melhor.

 

- Só um minuto. – Eu disse.

 

Peguei a maca mais perto de mim, a ergui facilmente e a coloquei perto de Walt. Depois peguei Peg com carinho e a coloquei em cima da maca, Walter continuava com os olhos fechados.

 

 Apontei com o queixo para a mão de Walter e a dela.

 

- Você acha que consegue dormir assim? – Perguntei.

 

- Sim, tenho certeza que sim.

 

- Durma bem então.

 

Sorri para ela, depois virei para Jamie, pegando ele.

 

- Vamos garoto.

 

Murmurei e o peguei como se fosse um bebezinho, ele era leve, como a Peg. Sai da sala de Doc.

Fui para a sala de Doc, de novo, para buscar Peg, eu sabia que hoje eu teria que limpar as espigas de milho antigas. Ela ainda estava deitada, só que com os olhos abertos. Cumprimentei todos com acenos.

 

- Doc, eu volto com café da manhã antes do trabalho. – Peg prometeu a Doc.

 

Walter acordou e abriu os olhos, chamando Peg.

 

- Peg!

 

- Walter? – Ela perguntou incerta se ela a reconhecesse.

 

Sua mão mais uma vez tentou levantar para pegar a dela, ela deu a outra.

 

- Você veio me ver. Que bom. Eu sei... com os outros de volta... Deve ser difícil… para você... seu rosto....

 

Ele tentava falar coisas com sentido, seus olhos ainda estavam sem foco.

 

- Está tudo bem Walter. Como você está se sentindo? – Ela falava com ele como se não tivesse acontecido nada.

 

- Ah. – Ele gemeu. - Não muito... Doc?

 

- Bem aqui. – Doc disse para que ele se localizasse.

 

- Tem mais conhaque?

 

- Claro.

 

Doc pegou a garrafa e colocou nos lábios de Walter cuidadosamente, depois derramou o líquido marrom em sua boca. Ele se arrepiava com cada gole que descia por sua garganta, o cheiro já era forte.

 

- Melhor? - Doc perguntou quando ele acabou.

 

Walter fez um som com a boca, não pareceu confirmação, ele parecia estar com dor.

 

- Mais? - Doc perguntou.

 

Walt sorriu, pedindo mais, depois gemeu. Doc xingou baixo Jared e resmungou.

 

- Cadê Jared?

 

Walt relaxou, depois jogou a cabeça para trás.

 

- Walter? – Peg murmurou.

 

- A dor é muita para ele ficar consciente. Deixe-o assim. - Doc disse.

 

- O que eu posso fazer? – Peg sempre queria ajudar mais.

 

- Tanto quanto eu. Ou seja, nada. Eu sou inútil. – Doc dizia chateado.

 

- Não seja assim Doc. – Murmurei. - Isso não é culpa sua. O mundo não funciona mais do jeito que funcionava. Ninguém espera mais do que isso de você.

 

Encostei o dedo no braço de Peg para chamá-la.

 

- Vamos.

 

Ela assentiu, depois começou a soltar a mão. Walt abriu os olhos novamente, sem ver nada a sua frente.

 

- Gladdie? Você está aí? – Ele implorava.

 

- Um... estou aqui. – Peg disse incerta, com duvida se ele ia acreditar.

 

Dei de ombros, isso não ia acabar cedo, resolvi pegar comida para todos eles.

 

- Eu vou trazer comida para vocês.

 

Sai, não demorou muito e eu estava na ala central. Avistei Kyle de longe, ele estava com cara assustado, correndo em minha direção. Eu fiquei esperto, caso ele fosse atrás de Peg, mas ele realmente queria falar comigo.

 

- Ian, a Buscadora quer a coisa!

 

- Ela não é coisa! – Falei bravo.

 

- A Buscadora está de helicóptero! – Ele me ignorou e continuou falando. – Vamos recolher as coisas, se precisar, teremos que ir.

 

Escutei o barulho do helicóptero por perto, bem perto, perigosamente. Kyle estava mais alerta, e quando viu Brandt, correu para falar com ele.

 

Eu corri para o meu quarto, precisava recolher todas as minhas coisas, não que eu achasse que precisaríamos sair agora. Abri as portas, entrei ligeiro e recolhi tudo numa pilha, acabei me sujando com essa correria toda.

 

Voltei para a sala principal, todos estavam super alertas. Logo o barulho se foi, Jeb estava nos tranqüilizando, dizendo que a sua casa era segura. Ele tinha razão, a Buscadora partiu.

 

Lembrei-me de Peg, Doc e Walter, não que eu acreditasse que ele fosse comer. Fui para o refeitório pegar o café da manhã, na verdade agora era o almoço.

 

Corri voltar para a sala de Doc, eles deviam ter ficado me esperando por muito tempo. Quando cheguei lá tive uma surpresa, Brandt estava lá, quieto, sem fazer nada, mas estava.

 

Ele estava sentado numa cadeira, encarando Peg que estava um pouco a frente dele. Olhei para ele como se eu não entendesse, e ele se manifestou dando explicações.

 

- Estou aqui para garantir que a coisa não vai chamar a atenção para a Buscadora.

 

Olhei para ele com fúria, não era possível que eles ainda desconfiassem dela. Peguei uma maca e coloquei do lado da de Peg, ficando na frente da visão de Brandt.

 

Comemos o almoço, Brandt não comeu, eu não deixei. Se ele quisesse se alimentar hoje, teria que pegar com os seus próprios pés. Ele queria desconfiar de Peg e ter comida grátis? Não, não, de mim não!

 

Lá pelo meio dia, Doc deu a última gota de conhaque para Walt, depois, bem pouco depois,  ele voltou a gemer e se contorcer de dor. Ele buscava Peg todo o minuto, e se não achava, gritava bem mais.

 

Teve uma hora que Peg estava muito apertada para ir ao banheiro, ela teve que deixar Walt. Brandt queria ir com ela, e fomos nós três, eu não ia deixar os dois sozinhos naquela sala.

 

Voltamos correndo, os gritos de Walt eram tão altos que podíamos escutar bem de longe. Doc estava agoniado, ele só se acalmava com Peg perto. Brandt não gostava, ele estava irritado, e eu mais ainda com a sua atitude.

 

Depois de um tempo, Jamie veio procurar Peg, e trouxe comida para quatro. Peg não estava satisfeita em ver o menino naquela situação de sofrimento, e me fez levá-lo de volta, não deixando que ele voltasse mais.

 

- Vamos garoto. – Falei enquanto caminhava para o quarto. – Acho que vou dormir com você de novo.

 

- Tudo bem Ian, eu gosto da sua companhia.

 

- Mesmo que eu ocupe a cama inteira?

 

- Mesmo. – Jamie sorriu.