Percy era um dos poucos com coragem para estar no clube àquela hora da manhã. O tempo continuava frio e nublado, e hoje caía uma garoa fina e Percy arrependeu-se de não ter vestido uma blusa mais grossa.

Finalmente deu-se conta de que não havia especificado um local para encontrar Nico. Já tinha alcançado o celular no bolso traseiro da jeans, mas alguém tocou seu ombro. Quando Percy se virou, deparou-se com um rapaz poucos centímetros menor que ele, cabelos e olhos tão negros quanto a jeans e a jaqueta que usava.

- Nicolas?

- Perseu?

Eles se olharam um instante, avaliando-se.

Percy perguntou-se como Annabeth podia confiar tanto em um cara que parecia um morcego.  Nem Thalia era tão translúcida quanto Nico. Percy sentiu um calafrio ao encarar os olhos negros que não demonstravam outra coisa a não ser frieza e talvez repulsa. Talvez pelo fato de que Nico perguntava-se que diabos aquele rato de academia tinha de tão interessante para conseguir fazer Annabeth delirar de febre.

- Ér... Quer sentar? – Percy perguntou, quebrando o silêncio que se tornava cada vez mais incômodo uma vez que nenhum dos dois queria aquela conversa.

- Não, aqui está bom. – Nico disse, sua voz tão fria quanto seus olhos.

- Então fale.

Nico hesitou enquanto remoia frases que há muito ele gostaria de dizer a Percy, mas nunca teve oportunidade. Resumiu tudo o que tinha a dizer em uma frase:

- Faça Annabeth e Leah feliz. Não importa o quando isso te custe.

Percy o encarou, o cenho franzido.

- Eu farei.

- Você vai mesmo ou...

- Ou o quê? – Percy desafiou.

Não suportaria que um cara, obviamente com ciúmes viesse lhe dizer o que fazer.

- Ou eu te mato. E não são apenas palavras. – Nico disse dando um passo na direção de Percy.

Da última vez que Percy estivera em uma situação como essa, acabou por levar um tiro. Então seus olhos caíram até as mãos de Nico, mas essas estavam fechadas em punho, prontas para atacar a qualquer momento.

- Não se meta na minha vida.

- Então porque você se meteu na minha?

- Eu nunca nem te vi!

- Você em uma noite, conseguiu tirar a minha razão de viver. – Nico disse elevando a voz.

- Eu não tenho culpa se a Annabeth não te ama!

- Pelo contrário, você é o grande culpado! Você sabe quantas vezes eu a vi chorar por sua causa? Você sabe quantas vezes ela fingiu estar bem e se trancou em banheiros pra chorar por você? – E antes que pudesse perceber, Nico já estava gritando. – Você faz idéia de quantas vezes eu tive que engolir meu orgulho porque ela estava sofrendo? Você sabe quantas vezes ela dormiu aqui – Nico indicou seus braços – chamando por você?

Percy apenas o olhava, suas palavras o entorpecendo... Nico não parecia se importar com as caretas de dor que Percy fazia ao saber a dor que havia causado a Annabeth e continuou voltando ao seu tom normal:

- Não foram poucas as vezes que ela teve febre alta e que delirou me chamando por seu nome. Ao contrário do que ela diz, você foi a pior coisa que já aconteceu na vida dela.

- Cala a boca! – Percy gritou de repente, sobrecarregado. Sua cabeça doía, absorvendo a dor na voz de Nico, imaginando a dor de Annabeth... Toda essa dor se misturando a sua própria dor.

- Não! – Gritou de volta. – Que foi Percy? Você não agüenta ouvir a verdade? Dói não é? Pois essa era a intenção, eu quero que você veja o tanto de dor que você causou pra pessoa que você julga amar!

Percy conteve as lágrimas que embaçaram sua visão, se Nico queria o ver sofrer, ele estava conseguindo.

- Você passou um verão com ela e se acha no direito de pedi-la em casamento, mas o que você sabe sobre ela? Me fala!

“Você sabe qual é o filme favorito dela? E a fruta? E...”

- Titanic e laranja. – Percy interrompeu com a voz embargada enquanto se lembrava de uma fatídica noite em Surfside.

- Bom muito bom. – Nico disse sarcástico. – E o livro favorito dela? O tempero favorito, você sabe? Sabe do que ela tem medo? Sabe o que ela gosta de fazer nos domingos de manhã? Sabe qual o par de meias que ela usa toda quarta-feira por causa de uma superstição da avó dela?

Percy encarava Nico, sua respiração descompassada, as lágrimas ainda contidas, as mãos nos cabelos enquanto era obrigado a engolir cada dolorosa indagação que ele não sabia a resposta.

- Pois é Percy. Eu sei cada mínimo detalhe sobre ela.

Percy o encarou, nos olhos uma súplica muda para que parasse. Percy já tinha muito pelo que se martirizar. Queria bater em Nico, arrancar cada um dos dentes que ele tinha na boca, mas como poderia atacá-lo sendo que ele tinha razão?

No fundo de sua mente ele começou a planejar um jeito de terminar o noivado com Annabeth...

Eles dizem que os olhos são o espelho da alma. Se fosse isso, Nico estava vendo a destruição da alma de Percy de camarote.

Os olhos tão verdes do rapaz já tinham perdido o brilho curioso de quando chegara, agora atingiam um tom de verde escuro , sem vida e triste.

Nico podia ter ido embora, mas não era o suficiente.

- E Leah hm? – Ele continuou.

- Não fala da minha filha! – Percy sussurrou buscando forças nos fundos de sua alma que se afogava em dor.

- Sua filha? – Nico disse e rui sem humor. – Confesse Percy, você sabe que ela é mais MINHA do que sua!

- Para! – Percy gritou erguendo a cabeça, Nico o olhou - Você acha que eu não sofri por ela também? Você acha que não foi difícil pra mim? Você não me conhece, você não sabe nada de mim e se acha no direito de vir me dar sermão? Eu não tenho culpa se a Annabeth não te ama! Não tenho culpa se você nunca foi homem o suficiente pra fazer ela me esquecer!

Percy foi interrompido por uma dor aguda na face esquerda e quando se recuperou, Nico já havia recuado o pulso, mas ainda o tinha fechado.

- Espero que você sofra toda vez que olhar a felicidade dela ao seu lado. – Nico disse e deu as costas, mas não se moveu.

Percy limpou o filete de sangue de sua boca quando Nico se virou para ele outra vez.

- Melhor ainda, seja feliz com ela e com a Leah. Elas merecem.

E dessa vez ele se foi sem olhar para trás.

Percy perguntou-se se tornaria a ver Nico, mas não pensou muito no assunto porque tinha coisas mais importantes a tratar.

De volta a seu carro, ele acelerou direto para seu apartamento e ao chegar em casa, encontrou Annabeth sentada no carpete com Leah, ajudando a pequena a construir um castelo com peças de encaixe, vestida com suas próprias roupas.

Engoliu o nó em sua garganta e bateu a porta atrás de si para chamar atenção de Annabeth.

- Percy, que susto! Porque você demorou, onde você estava?

- Você mentiu pra mim.

Annabeth o olhou obviamente assustada por não saber do que ele falava.

- Quê?

- Ontem. Você mentiu pra mim! Você me disse que tinha ficado bem, que o tempo sem mim foi bom pra você, mas não foi!

A boca de Annabeth abriu-se em choque e logo ela compreendeu.

- Você estava com o Nico. – ela afirmou.

Percy assentiu.

- Ele me contou tudo. Porque você mentiu pra mim? Eu precisava saber a verdade, eu merecia saber a verdade!

- Pra quê eu ia dizer? Pra te ver assim, pálido, mal? Percy essa era a última coisa que eu queria no mundo!

- Você...

Mas eles foram interrompidos pelo choro amedrontado de Leah que se assustara com os gritos.