Meu Inimigo, a Batata Frita escrita por Janus


Capítulo 1
Capítulo 1




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Odeio batata frita! Odeio!

E não é uma questão de gosto. Não... ela é minha inimiga! Ela sempre conspirou contra mim. Desde minha mais tenra idade ela estava lá, aguardando eu me aproximar. De tocaia tal qual uma cascavel em um deserto.

Eu vi a prova. Fui testemunha disso. Anos atrás eu vi um vídeo em que eu, ainda um inocente e indefeso garotinho de fraldas, começava a engatinhar. Aquele sublime momento de satisfação em que podia desbravar o mundo sem depender ser carregado por um adulto para toda parte. Lá estava ela, em um canto do corredor meio coberta pelo tapete. Já naquela época ela ficava ali de tocaia. Eu, um pobre e inocente dos terríveis perigos do mundo passei ao seu lado, minha atenção foi chamada pela cor diferente, a cor que ela mimetiza similar a do ouro para atrair suas presas.

Fui até ela e a peguei com a mão. Logo minha avó apareceu e retirou a barra quadrada amarela de minhas mãos, me deixando confuso.

Minha avó era sábia. Muito sábia. Ela sabia que a batata frita me queria mal. Pena que ela não viveu o bastante para me dar detalhes a respeito.

Mas aquela foi cronologicamente apenas seu primeiro atentado contra mim. Ela tentou novamente quanto eu tinha cinco anos, e desta feita foi mais eficiente. Eu voltava correndo da rua após uma bela tarde jogando futebol e usufruindo as brincadeiras em grupo com os amigos da rua. Subi as escadas como sempre, em alta velocidade e abrindo a boca para sugar todo o ar possível. Eu sempre tinha que fazer isso naquelas escadas. Eram muito altas, meu fôlego acabava rápido. Duvido que era porque eu brincava com os amigos. Eu podia correr com eles por muito tempo, porque só quando chegava em casa eu estava sem fôlego?

Foi ali que ela mostrou o quanto estava me observando e planejando contra mim. Deve ter ficado ali pacientemente aguardando minha chegada, e ainda esperou um dia em que as escadas estavam ainda úmidas devido a uma pequena garoa. Eu não a notei ali, não notei aquela maldita com desejo de sangue, meu sangue!

Subi as escadas como sempre, com a boca aberta, quando meu pé escorregou em algo e na subseqüente queda meu dente acertou a ponta do degrau da escada. Era de leite, mas a dor foi terrível. E ali na sola de meu sapato estava meu algoz, a batata frita que se esgueirou sorrateiramente para ficar no exato local em que eu iria pisar.

Foi só um dos incidentes. Talvez o mais doloroso e eficiente – e isso por sem dúvida eu não saber que devia temer aquela criatura – mas não foi um caso isolado, há não...

Ela estava lá alguns meses depois quando eu comia depressa para poder sair correndo para brincar. Pegou minha garganta desprevenida e o pior foi que minha mãe culpou a mim por aquilo, não ela. Ainda sinto algo estranho no fundo da garganta desde então. Tenho certeza de que ela se agarrou nas minhas amídalas me fazendo sufocar quase até a morte.

Quando fui ao terrível lugar que é a escola ela estava lá me aguardando. Não bastava professores que me forçavam a aprender coisas que eu não queria, ela tinha que agir ali também, e foram varias vezes. Ela pulava no meu cabelo não sei como – nunca acreditei nas lorotas que colegas a atiravam. Ela também cuidava de me deixar com problemas em casa. De alguma forma insana ela conseguia deixar suas migalhas sempre nos meus bolsos, até dentro das calças! E para piorar, sempre, sempre, sempre, sempre meus dedos manchavam minha roupa depois que eu, com raiva, a esmagava com os dentes.

Não sou tolo, reconheço que possui um gosto até apreciado, mas é minha inimiga. Por algum motivo que desconheço decidiu me atacar quando menos espero. E está por toda parte! No meu prato de comida, junto com o hambúrguer, lado a lado com doces na padaria. Ela domina o mundo! E eu um mero mortal sou seu brinquedo.

Mas me enchi disto. Sim, eu queria dar um basta. Eu ia acabar com tudo.

Ainda me lembro bem de quanto tempo levei planejando... horas que normalmente eu investia em vídeos games ou nos desenhos da televisão... sagradas horas disponíveis que eu tinha foram sacrificadas para criar o dispositivo que iria erradicar do planeta esta vil leguminosa.

A caixa de sapato de meu pai foi a base de meu engenho. Peguei varias fitas coloridas para enrolar doces para a fiação interna. Algumas lâmpadas de velhos brinquedos forneciam a energia necessária, e a caneta da minha irmã chata que faz um ponto aparecer na parede e que uso para matar moscas quando ela não está olhando seria o detonador principal.

Dois papeis dobrados e presos com clipes na caixa eram o meu interruptor. Eu estava quase pronto, só precisava decifrar o porque das lâmpadas não acenderem. Prendi as pilhas com fita durex e coloquei dentro da caixa, mas ainda assim ficavam apagadas. Talvez eu devesse consultar algum engenheiro aeronáutico, pois aquelas luzes quando acesas deviam fazer minha caixa da morte voar para atravessar todo o planeta erradicando a terrível e odiada batata frita.

Eu estava quase pronto, quase! Até minha mãe me chamar para o jantar. Eu lá fui e sem surpresa nenhuma lá estava ela no meu prato.

Batata frita!

Mas eu sorri. Breve ela seria erradicada. Empurrei ela para um canto do prato não lhe dando uma última tentativa de me fazer engasgar novamente. Minha mãe contudo percebeu aquilo e perguntou-me o motivo. Sabendo que ela era uma escrava daquela criatura, apenas lhe disse que não queria comer. E ela então fez aquilo. Disse para comer com ketchup.

Eu não acreditei. Ela queria que eu maculasse o meu tão adorado ketchup com aquela ignóbil criatura? A amante adocicada do hambúrguer, minha companheira inseparável do cachorro quente misturada com aquele monstro?

Mas ela não parecia querer desculpas. Disse para eu experimentar antes de reclamar. E eu acabei capitulando.

Meu erro...

Encharquei uma daquelas barras de batata frita com ketchup suficiente e imaginei a mesma sangrando mortalmente. Impiedosamente a coloquei na boca e mastiguei imaginando ela sofrendo imensamente.

...

...

...

Cheguei ao meu reduto secreto que meus pais insistiam em batizar como quarto arrasado. Eu não podia imaginar o quanto a batata frita era esperta. Como ela pôde fazer isso? como pôde corromper meu querido ketchup daquela forma?

Olhei para meu aparelho incompleto escondido embaixo da cama. Eu realmente não esperava...

Como eu poderia destruir aquele ser vil agora que conhecia seu segredo? O doce segredo degustativo de sua combinação sublime? Como eu poderia condenar o mundo a nunca mais poder sentir o gosto combinado da batata frita e do ketchup?

Eram como yin e yang. Eu não podia fazer aquilo. Eu tinha que aceitar. Eu fui derrotado!

Mas... posso sobreviver. Ao menos a batata frita reconheceu meu valor e me ofereceu uma trégua. Doravante ela apenas irá se insinuar em minha boca devidamente mergulhada na divina pasta avermelhada. Apenas por isso eu a poupei.

Mas, isso não quer dizer que devo destruir meu aparelho mortal. Com alguns ajustes, talvez fazendo um furo aqui ou ali, até mesmo embrulhando com um papel preto....

A batata frita pode estar salva, mas não se engane berinjela! Antes dos meus oito anos eu irei destruí-la!

Mas agora devo tomar banho ou minha mãe me põe de castigo...

Acredite ou não, isto é uma história verídica! Apenas incrementei alguns detalhes...


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Notas finais do capítulo

Mais uma oneshot que eu sei que vai desaparecer no mar de fics do site. Fazer o que? Eu não aprendo

Minhas outras fics Originais
—Mágica para o Afeto - Oneshot
—Um Estranho Incidente - Oneshot
—O Último Ser Humano - Oneshot
—Declaração de um Alienado - Oneshot
—Por Que? - Oneshot
—Feitiços Modernos - Oneshot
—Ayesha, a Ladra
—A Caçadora