Among Other Kingdoms - Quinta Temporada escrita por Lady Lupin Valdez, Break


Capítulo 2
Capítulo II




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Lincan sorriu para a esposa de seu sobrinho, mesmo que achasse que um casamento entre Estela e William seria cômico.

 

— Auterpe, este é meu tio, Lincan — William apresentou com um sorriso. — Tio, esta é minha esposa, rainha Auterpe, irmã do rei Perseu.

 

— É um prazer conhecê-la, majestade — Lincan cumprimentou, inclinando a cabeça.

 

— O que tem lençóis brancos? — Lincan engoliu a risada, ponderando se deveria corrigir para “lenço branco”. Julgou que não era auspicioso.

 

— Nas terras que eu estava, os lençóis eram absolutamente brancos — o homem mentiu, sorrindo. — Vamos, quero ver com meus próprios olhos o garoto usando a coroa.

 

O grupo seguiu para dentro. Artemisa bufou, ressentida pelo fato de Lincan sequer olhar para ela ou lembrar da morte de Eveline.

 

— Tio! — Ethan, que descia as escadas, largou a mão de Elora e correu na direção do homem, que o recebeu de braços abertos. Perseu, que estava atrás das crianças, observou a cena com estranheza, pois não o conhecia. Eilon surgiu da sala, com Elisa ao lado, de mãos dadas.

 

— Olha só se não é o novo rei — Lincan virou-se para o garoto, sorrindo largamente. — O futuro de um reinado de aço, fogo e...

 

— Uma coroa de chamas — Estela completou, enquanto descia os degraus para se juntar a Perseu.

 

— Vejo que perdeu a sua — Lincan deu um sorriso sarcástico para Estela.

 

— Jamais — Estela continuou a descer, puxando Perseu para fazer o mesmo. — A coroa de chamas sempre será minha.

 

Perseu sentiu um aperto no estômago; Estela falava do reino com tanto orgulho que o ciúme começou a surgir em seu corpo.

 

— Lincan, este é meu marido, Perseu, rei de Saphiral — ela abraçou o braço de Perseu, o que fez Eilon fechar o punho. — Perseu, este é Lincan, irmão de Connor.

 

— Um rei por um rei — Lincan deu uma olhada rápida para William e voltou-se para Estela. — Justo — deu de ombros e então virou-se para Eilon, que se lembrou de sorrir. — Meu rei, prometo ser leal ao reino e servi-lo até o fim dos meus dias.

 

— Você não é leal nem a você mesmo! — Mandrik o cortou, e Navi, que estava perto, observou com estranheza o tom divertido de Mandrik com o homem.

 

— Meu tio sempre fez um bom trabalho servindo meu pai — o garoto sorriu. — Obrigado, Lincan, você é o melhor dos emissários de Calasir.

 

Mandrik bufou.

 

— Mamãe, soube por Perseu que é de seu interesse fazer uma festa de despedida — Estela observou Auterpe revirar os olhos, em claro desgosto. Estela prensou os lábios e franziu o cenho.

 

— Não precisa, meu amor — ela se aproximou do menino e acariciou o rosto dele.

 

— Mas, querida, você disse... — Perseu começou.

 

— Sim, eu sei — ela o cortou antes que ele completasse a frase. — Sísifo está agitado, uma festa não seria confortável e sei que sua irmã, assim como Artemisa e Orion, querem retornar para Saphiral — ela sorriu, um sorriso dócil e gentil.

 

— Sísifo? Quem? — Lincan franziu o cenho, listando os príncipes que ele lembrava, mas não havia nenhum Sísifo na lista.

 

— Nosso filho — Perseu respondeu, tocando as costas da mulher com ternura.

 

— Bom, este com certeza terá cabelos brancos — Lincan deu de ombros, seguindo para uma das salas da frente, sendo seguido por todos.

 

Auterpe observava a cena, sentindo um crescente ciúme de Estela. Por que todos a amavam tanto? Será que William estava com ela por amor ou porque ela lembrava Estela? A dúvida a corroía por dentro.

Por um certo tempo eles ouviram Lincan falando sobre suas viagens, até ele dizer que gostaria de descansar. Rapidamente se dispersaram. Estela e Perseu foram ao covil, montando seus dragões e subindo para os céus. Auterpe trancou-se no quarto com William, querendo usar o corpo do homem para escapar da realidade.

Artemisa estava acompanhada de Ben e Orion, caminhando pelos corredores enquanto faziam planos sobre o que fariam quando chegassem em Ruphira e depois em Saphiral. Ao passar por uma porta, Artemisa parou por um segundo, observando Eilon, Ethan, Max e as meninas dentro da sala. Os garotos estavam jogando algo em uma mesa grande, um jogo de estratégia que Estevão havia mandado construir para ensiná-los sobre batalhas de maneira mais divertida. As meninas estavam ocupadas em poltronas, empoleiradas nos assentos. Um cesto no meio delas estava cheio de lãs coloridas, que usavam para crochetar.

— O que estão fazendo? — perguntou Artemisa ao adentrar a sala. As meninas olharam para ela, e Elisa sorriu, um sorriso doce, mas que irritava Artemisa por ser escarnioso.

— Estou fazendo uma roupa para Sísifo — Elisa mostrou com alegria a pala de crochê feita em lã verde.

— Meu pai não gosta de verde — Artemisa avisou, com um tom desdenhoso. — E meu irmão não precisa de roupas feitas por mortais.

— Devo lembrá-la que Sísifo também é meu irmão? Eu o presenteio com o que quiser — Elisa deu de ombros, voltando para sua tarefa. Annie sorriu com a fala da rainha, assim como Elora, que devolveu sua atenção à manta que crochetava.

 

— Você sempre é assim, não é, Elisa? — a voz de Artemisa engrossou de raiva. — Sempre acha que pode fazer o que quiser.

 

— E eu posso — Elisa respondeu simplesmente —, sou a rainha — deu de ombros.

 

— Que se dane a merda da sua coroa ou a porcaria do seu título, você é uma egoísta mimada! — Artemisa explodiu. A raiva fervia em seu peito ao ver a felicidade de Elisa, que tinha tudo o que queria, inclusive o amor verdadeiro de um garoto que a adorava, enquanto Artemisa havia sido forçada a se separar de seu próprio amor. — Sempre foi! Estevão te criou muito mal!

 

— Admita, você sempre teve ciúmes de como papai me tratava — Elisa deu um sorriso de canto, os olhos brilhando ao notar que despertava a raiva de Artemisa.

 

— Ele sempre quis fazer de você uma duplicata de nossa mãe! — Artemisa falou mais alto, caminhando em direção à irmã mais nova. Annie franziu o cenho, confusa com a referência de Artemisa à rainha como mãe, e Max também estranhou. — E assim como nossa mãe, você vai passar seus dias prenha!

 

— Você é ridícula — Elisa deu uma risadinha, balançando a cabeça.

 

— Ridícula é você que acha grande coisa ser rainha consorte do seu próprio irmão! — Artemisa estava mais perto, a irritação evidente em seu rosto.

 

— E você… — Elisa começou.

 

— Deixe ela, Elisa, não vale a pena — Eilon falou num dialeto diferente, um idioma que engrossou sua voz. — Ela é como o pai: orgulhosa, mesquinha e invejosa.

 

— E chata pra caramba — Ethan completou no mesmo idioma, arrancando uma risada de Elora e Elisa.

 

— Falem em calasiriano, idiotas! — Artemisa gritou, batendo o pé no chão. Ela se sentia humilhada por não ter acompanhado seus irmãos na aula de deragoniano. Eles sempre usavam da ignorância dela no idioma para falarem entre si, excluindo-a.

 

— Ela está ficando igual ao pai dela: maluca — Elora falou rindo, enquanto Artemisa ficava vermelha de raiva.

 

— O que eles estão falando? — Orion perguntou para a prima.

 

— Eu não sei, nunca quis aprender deragoniano — ela deu de ombros, indignada.

 

— Traduza, Ben — Orion virou para o soldado, que arregalou os olhos e deu de ombros.

 

— Deragoniano é o idioma da família real, ninguém além da rainha e dos príncipes sabe falar — ele explicou. Eilon mantinha um sorriso no rosto, mas não era de alegria, era de desdém. Sua mãe havia feito uma filha com um maluco e, como se não bastasse, estava esperando outro.

 

— Desisti da ideia de fazer roupa para aquela... coisa que nossa mãe gesta — Elisa encarou a roupinha, jogando-a no cesto com nojo. — Tantos homens em Calasir e mamãe busca em outra dimensão — bufou.

 

— Junte a roupa do meu irmão — Artemisa ordenou.

 

— Você disse que ele não precisava de roupas feitas por mortais, não tem por que eu fazer algo para um… — a última palavra ficou no ar, mas o sorriso permaneceu no rosto de Elisa.

 

— Um o quê? — Artemisa estreitou os olhos. — Diga! Um o quê?

 

— Um como você — a resposta também era vaga, mas a raiva de Artemisa era densa. Ela voou em direção à rainha, derrubando-a da poltrona direto para o chão. Elora e Annie foram pegas de surpresa, seus olhos arregalados em choque.

 

Elisa tentou se defender, mas Artemisa a segurou pelos pulsos, sua respiração pesada de fúria.

 

— Você acha que pode me insultar e sair impune? — Artemisa rosnou, suas palavras carregadas de dor e frustração. — Eu não sou sua criada, Elisa!

 

— E eu não sou sua inimiga! — Elisa respondeu, lutando para se soltar. — Mas você me trata como se fosse!

 

O som da luta atraiu a atenção de todos na sala, e a tensão era palpável. Ethan e Eilon se entreolharam, incertos sobre o que fazer, enquanto Orion sorria largamente por sua prima não baixar a cabeça para aquela garota chata.

 

— Parem com isso! — Elora gritou — Somos família, independente de tudo!

 

— Família? — Artemisa soltou uma risada amarga, ainda segurando Elisa. — Isso aqui não é uma família, nunca foi. É uma farsa!

 

As palavras de Artemisa ecoaram na sala, deixando um silêncio desconfortável. Finalmente, ela soltou Elisa, que ficou ofegante no chão, olhando para a meia-irmã com uma mistura de raiva e tristeza.

 

— Eu só queria que você me visse como sua irmã, não como uma inimiga — Elisa sussurrou, suas palavras carregadas de emoção. — Mas você sempre preferiu se afastar, nos insultar…e matar nosso próprio sangue — a menção do acidente com Eamon fez a raiva de Artemisa se reacender. —, mas agora você está feliz. Fala tanto de nossa mãe ter filhos, desdenhando dela por isso, porém agora que é filho do seu pai é legal, porque vai ser igual você… 

 

— Sua desgraçada nojenta! — Artemisa agarrou-se aos cabelos da irmã, puxando-os com raiva. — Lave sua boca para falar qualquer coisa do meu irmão! — gritou, puxando Elisa com mais força. Ben e Max foram em direção às duas, mas se encararam friamente. Max sentia ciúmes de Ben, que tinha a possibilidade de ficar com a princesa que ele amou primeiro.

 

— Chega disso — Eilon passou no meio dos dois, irritado. Puxou Artemisa pelos cabelos, separando-a de Elisa.

 

— Ela está ficando insustentável de tão louca! — Elisa gritou, levantando-se.

 

— Chega! — Eilon virou-se para ela, sua expressão firme. — Ela e a família irão embora em breve — o rei se voltou para Artemisa. — Você precisa tratar seus problemas de raiva!

 

— Por que você e Elisa não voam até o sol e explodem?! — Artemisa bufou, girando nos calcanhares e partindo com a mesma fúria com que entrou.

Artemisa sempre fingiu não ter interesse nas atividades de sua família quando Estevão estava vivo. Ela observava de longe, aparentando indiferença, mas no fundo desejava ardentemente ser amada e pertencer a algum lugar. Ver Elisa e Eilon juntos, casados e felizes, aumentava ainda mais sua frustração. Eles tinham o amor verdadeiro, algo que Artemisa nunca pôde ter. Ela precisou abdicar de seu amor por Max, um sacrifício que ainda corroía sua alma, mesmo que Ben fosse um bom menino, ela amou Max primeiro.

 

A raiva de Artemisa não era apenas pela rivalidade entre irmãs. Era pela inveja, pelo desejo reprimido de ser aceita e amada, e pela dor de ver o que ela jamais poderia ter. Cada sorriso de Elisa, cada gesto de carinho entre ela e Eilon, era um lembrete cruel daquilo que Artemisa nunca viveu. Elisa era amada pelo falecido pai, pela mãe, por todos os criados e súditos, era ela que acompanhava as filhas dos visitantes influentes, algo que Artemisa sempre se recusou a fazer porque queria ser pessoalmente designada para isso.

 

Ela desejava poder gritar essas emoções, mas em vez disso, elas se manifestavam como raiva e ódio. A fúria a consumia, porque a verdade era insuportável: ela queria ser como Elisa, ser amada como Elisa, mas estava presa em uma vida sufocante e vazia ao mesmo tempo. O confronto com Elisa não era apenas uma briga entre irmãs; era uma batalha interna de Artemisa contra suas próprias emoções, uma luta desesperada para encontrar seu lugar em um mundo que parecia rejeitá-la a cada passo.

 

No horário do almoço, todos se reuniram na longa mesa de carvalho. Eilon ocupou a cabeceira, uma dor de cabeça latejando pela discussão de mais cedo. Ele viu a família se reunir, todos sorridentes e alegres, o que o incomodou profundamente.

 

— Estou ansiosa para voltarmos para Saphiral — comentou Artemisa no meio da refeição, tentando se integrar. — A mesa lá é tão grande e ocupada por tantas pessoas! Todos como iguais.

 

— Deve ser incrível, querida — disse Connor com um sorriso acolhedor.

 

— E você? Quem é? — Lincan encarou a garota com atenção, notando traços familiares em seu rosto. — Parece aquela rebelde da Evie — Estela engoliu em seco, sentindo um calafrio.

 

— Sou Artemisa, princesa herdeira de Saphiral — Artemisa respondeu, tentando esconder a tensão em sua voz. Lincan sorriu, surpreso. 

— Fantástico! — pensou na estranheza de uma mulher no trono, mas então lembrou-se que William era agora rei honorário de um reino distante porque casou com uma rainha. — Está feliz pela chegada de seu irmãozinho? — Eilon franziu o cenho, sabendo que Lincan não era do tipo preocupado.

— Estou sim! — Artemisa falou animada, sentindo a conexão com Lincan se formar novamente. Quando ela era Eveline, Lincan sempre a incentivava a ser ela mesma. — Meu irmão será um príncipe forte e amado.

 

— Será um maldito bastardo — Eilon sussurrou em sua língua mãe. Ethan sorriu pelo comentário, mas William franziu o cenho. Pouco se ouvia deragoniano em público, normalmente apenas em reuniões particulares, e mesmo com a cunhada tentando ensinar, William nunca aprendeu. Estela encarou o filho, o incômodo surgindo em seu rosto.

 

— Será o que, Eilon? — perguntou para o menino, que sorriu desdenhoso.

 

— Um bastardo, mamãe — disse entrelaçando os dedos. — Esse homem ao seu lado quer apagar a memória do meu pai, quer enchê-la de filhotes para que esqueça de nós, seus verdadeiros filhos.

 

— Não fale assim dos seus irmãos, Eilon! — Estela falou mais alto, colocando a palma da mão aberta na mesa, pasma. — Todos são meus filhos, independente do pai.

 

— Foi isso que disse para si mesma, mamãe? — Ethan perguntou, a surpresa evidente no rosto da mãe. — Era isso que repetia quando lembrava que manchou nossa família com uma bastarda? — Elora encarou Ethan, as palavras dele reverberando em sua cabeça, sua mãe havia cometido um crime capital segundo a fé deles.

 

— A senhora trouxe uma praga para o seio de nossa família — Elisa disse, sua voz magoada. — Ela fez aquela brutalidade com Eamon, tentou matar Eilon e tentou me matar várias vezes! — Estela sentiu uma onda de dor e mágoa invadir seu coração. 

 

— O que aconteceu com vocês?! — questionou, sentindo o bebê em seu ventre responder ao estresse e à rejeição dos meio-irmãos.

 

— Perdemos nosso pai, ganhamos um substituto de meia tigela e descobrimos que nossa irmã não era só problemática, mas também bastarda — Eilon encarou a mãe com mágoa, pensando que ela havia traído seu pai e dado para aquele rei esquisito uma bastarda. — Peço desculpas, irei me retirar — Eilon ficou de pé, Elisa, Ethan e Elora repetiram o ato.

 

— Eilon — Estela chamou quando ele se afastou.

 

— Vá descansar, mamãe, ou essa coisa irá te matar — a voz do rei ecoou fria na sala de refeições. Elisa pegou a mão dele antes de seguirem para fora. O lábio de Estela tremeu e seus olhos arderam. Seu filho estava sendo grosseiro como nunca antes.

 

— Está tudo bem, meu amor? — Perseu perguntou, colocando a mão no ombro dela.

 

— Está — mentiu. — Com licença. 

 

Estela sentiu o peso das palavras dos filhos como uma lâmina afiada em seu coração. Sem dizer mais nada, ela se levantou da mesa e saiu do salão de refeições, sentindo um nó se formar em sua garganta. Perseu tentou segui-la, mas ela o parou com um gesto de mão e um balanço suave de cabeça, indicando que precisava de um tempo sozinha.

— Amo a coragem de Estela — Auterpe riu servindo mais vinho —, ela ama fugir e se esconder…é quase um rato — Mandrik franziu o cenho, rata era algo exclusivo dele, porque sua posição na época do casamento de Estela e Estevão permitia tamanha falta de respeito com sua majestade real, mas Auterpe estava abusando da necessidade de diplomacia.

Estela se dirigiu ao covil, sentindo seu corpo mais pesado do que o normal, nunca havia recebido aquele tratamento dos filhos que teve com Estevão, até porque, ironicamente, o rei sempre os lembrava que deveriam respeitar a mãe. No covil, Jaspe levantou a cabeça ao vê-la se aproximar. Ela acariciou as escamas reluzentes, buscando conforto no contato familiar. Sem perder tempo, montou no dragão sem a sela, sabia que era perigoso, mas confiava em Jaspe o suficiente para isso.

O vento frio no rosto e a visão panorâmica do reino abaixo a ajudaram a clarear a mente. Jaspe seguiu para Dragoi, onde o templo se erguia em meio à paisagem serena da ilha. Voar sempre a ajudava a espairecer, e ela sabia que no templo encontraria a paz que precisava naquele momento.

Estela pousou suavemente em Dragoi, sentindo a serenidade da ilha abraçá-la enquanto descia de Jaspe. Ela seguiu pelo caminho de pedras que levava ao templo, seu coração pesado com as palavras e acusações dos filhos. Ao chegar ao grande salão, foi recebida pela grandiosa estátua de mármore branco do Grande Dragão.

Antes de começar sua confissão, Estela seguiu o rito tradicional. Ela pegou um pequeno cálice de prata e o encheu com água sagrada de uma fonte próxima, situada no coração do templo. Depois, com uma adaga cerimonial, fez um pequeno corte em seu dedo e deixou cair algumas gotas de sangue na água.

Estela se ajoelhou diante da estátua, segurando o cálice com as duas mãos. Sentiu o peso das lágrimas começarem a se formar, mas manteve a voz firme enquanto começava sua confissão.

— Grande Dragão, guardião e guia dos nossos destinos, venho a ti em busca de compreensão e força. Meus filhos me acusaram de traição, de abandonar a memória do pai deles, e de envergonhar nossa família — sua voz falhou um pouco, e ela fechou os olhos, permitindo que as lágrimas escorressem. Ela tomou um gole da água misturada com sangue. — Eu sempre fiz o que achava ser o melhor para eles, mesmo que meus atos não fossem compreendidos. Casei-me novamente para garantir a estabilidade do reino, mas nunca deixei de amar e honrar a memória de seu pai. Eilon, Ethan, Elora... e até Elisa, todos eles estão feridos e confusos. Eu sei que cometi um pecado…eu trai meu marido, criei uma bastarda no meio da minha prole, ela quase matou meus filhos…Eu sempre fiz o melhor que pude para eles, talvez não foi o suficiente.

Estela tocou a base da estátua, sentindo a frieza do mármore sob seus dedos. As lágrimas desceram calmamente por seu rosto. Encostou sua testa no pé da estátua.

Ela ficou em silêncio por um momento, ouvindo apenas o som suave da água da fonte. Respirou fundo, sentindo a calma do lugar envolver seu ser. Colocou o cálice de volta no altar e se levantou, indo até as velas e escolhendo uma para acender. Sabia que o futuro não seria fácil, mas sua vida nunca foi sinônimo de facilidade.

Perseu ficou em silêncio, encarando a mesa e a acusação de Auterpe, que já havia se retirado e arrastado William para o quarto. Aos poucos, um por um foram deixando o local, sumindo pelos corredores do castelo, ficou apenas Lincan, Orion e Artemisa.

— Ainda não me acostumei com deragoniano — Lincan comentou rindo e bebendo seu vinho. — É quase impossível aprender sem ter o sangue de Deragona em suas veias.

— Sabe o que eles falaram que deixou a mãe deles daquele jeito? — Perseu o encarou.

— Não, eu sou cria de Interlok — Lincan largou a taça vazia na mesa. — Estevão falava um pouco, devia ser por fuder tanto com ela. É sério, era sinistro estar perto deles — ele riu, mas Perseu não o acompanhou, franzindo o cenho e cerrando o punho. — Desculpe, esqueci do seu casamento com ela — levantou, ajustando a túnica. — Ela ainda geme bastante? — olhou curioso para o rei.

— Creio que minhas intimidades com minha esposa não seja do seu respeito — Perseu respondeu friamente.

— Você é engraçado — ele encheu a taça com mais vinho antes de sair do recinto.

— Ele é nojento — Orion comentou, franzindo o nariz.

— Ele é legal, só não tem muito decoro — Artemisa sorriu.

— Percebi — Perseu ficou de pé, os ombros tensos. — Eu preciso me consultar com os deuses. Nos encontramos depois.

Perseu buscou por uma sala vazia, fechou as cortinas, acendeu algumas velas e fez um círculo, invocando seus deuses. Um por um surgiram ao seu redor, por último chegou Atenas, com uma expressão fria no rosto.

— O que faz você nos chamar aqui, no outro lado? — Zeus perguntou, sua voz como um trovão.

— Quero explicações e auxílio — Perseu encarou Atenas. — Minha esposa, Estela, mãe dos meus filhos, foi atormentada por um pesadelo um tanto realista, pesadelo esse causado por um deus e tenho sérias suspeitas que ele foi enviado por alguém mais poderoso.

— Ah, ele funcionou então? — Atenas riu. — Acreditei que o medo durante o pesadelo faria o coração medíocre da humana parar. 

— Ela é minha esposa! —- Perseu gritou, Atenas ergueu a sobrancelha.

— Atenas, o amor é uma coisa linda e deve ser celebrada — Afrodite disse, sorrindo e juntando as mãos no peito.

— O amor é uma fraqueza e não tenho um protegido fraco — a deusa da guerra encarou Perseu como se fosse o perfurar.

— Se eu não me casar, como poderei ter herdeiros? — Perseu franziu o cenho — Como ficará Saphiral sem um herdeiro.

— Poderia ter casado com alguém de lá, mas não, procurou neste lado alguma incubadora para seus filhotes! — Atenas deu um passo à frente, mas foi contida por Ares.

— Estela irá para Saphiral, será minha rainha consorte, e não quero mais incomodações com ela — Atenas bufou ao ouvir Perseu dando exigências. — Prometa, Atenas, prometa que deixará minha esposa em paz.

— Se é o que quer — a deusa deu de ombros. — Mas lembre-se que ela é odiosa — Atenas sumiu em uma coluna de penas de coruja.

— E vocês? — Perseu virou para os outros. 

— Prometemos pelo Estige que deixaremos sua esposa em paz —- Zeus prometeu, Perseu assentiu e um por um os deuses sumiram.

Perseu se viu sozinho e confuso, Atenas parecia disposta a fazer o que fosse para separá-lo de Estela, e não era o que ele queria, ele amava aquela mulher de tal maneira que doía seu coração.

O rei de Saphiral saiu da sala com o coração mais leve, olhou pela janela a tempo de ver Jaspe pousando no covil, as asas enormes batendo vagarosamente para se posicionar em seu lugar. Ele esperou Estela na porta que saía para o bosque e alegrou-se quando ela entrou no castelo.

— Você está bem? — ele perguntou, a beijando.

— Estou sim — ela acariciou o peito dele. — Vou falar com Eilon. Acha que conseguimos partir amanhã?

— Claro — Perseu sorriu pela urgência dela em partir.

— Obrigada — Estela o beijou novamente e sumiu pelo corredor enquanto Perseu buscava por Navi para organizar a partida. A rainha encontrou seus filhos na sala do pequeno conselho, mas era quase óbvio que eles estariam ali. — Meus queridos, — começou Estela, sua voz suave mas firme, — precisamos conversar sobre o futuro. 

Eilon cruzou os braços, seu olhar frio e distante. Elisa manteve o queixo erguido, uma expressão de desafio em seu rosto. Ethan e Elora estavam sentados próximos, ambos com expressões de dúvida e resistência.

— Já sabemos que está indo para Saphiral com Perseu, — disse Eilon, o tom cheio de ressentimento. — Não precisa nos lembrar — Estela respirou fundo, mantendo a calma.

— Quero que venham comigo. Quero que vejam como é minha nova casa — Elisa soltou uma risada amarga. 

— E por que faríamos isso? Para ver você viver uma vida feliz enquanto nós lidamos com as consequências das suas escolhas? — disse a rainha.

— Elisa, — Estela respondeu, sua voz marcada pela dor, — eu sei que vocês estão magoados. Sei que sentem que traí a memória de seu pai, mas nunca foi minha intenção. Sempre tentei fazer o melhor para proteger e cuidar de todos vocês.

— Proteger? — Ethan levantou a voz, incredulidade e mágoa misturando-se em suas palavras. — Você se casou com outro homem, pai da sua bastarda e se não bastasse, está gestando outro! — Elora se encolheu contra Ethan, que a abraçou de maneira protetora.

— Quer que finjamos que está tudo bem? Quer que acreditamos que vamos viver felizes para sempre com esse... estranho? — o rosto da menina estava sombrio e triste.

Estela olhou para cada um deles, sentindo o peso de suas emoções. 

— Não estou pedindo que finjam que está tudo bem, — disse ela suavemente. — Estou pedindo que deem uma chance para conhecerem Perseu e entenderem que, apesar de tudo, ainda somos uma família. Saphiral pode ser uma nova oportunidade para todos nós, se permitirem.

Eilon se levantou, seus olhos faiscando de raiva.

— Eu não preciso de uma nova oportunidade. O que preciso é de uma mãe que se importe mais conosco do que com seu novo marido e seu novo bebê. — Ele virou-se abruptamente, pronto para sair. Elisa olhou para Estela, seus olhos cheios de uma mistura de tristeza e raiva.

 — Nunca entendeu que o que queremos é você. Não sua culpa, não seu novo amor, apenas você — a voz da menina era amarga, mas o toque de Eilon em sua mão a fez se acalmar. Estela sentiu as lágrimas queimarem seus olhos, mas manteve a compostura.

— Vocês sempre tiveram e sempre terão a mim, assim como meu amor. — Ela deu um passo à frente, tentando alcançar seus filhos emocionalmente. — Sei que é difícil agora, mas espero que possam me dar uma chance de provar isso — Ethan e Elora trocaram um olhar, hesitando. Eilon parou na porta, sem se virar.

— Não conte com isso — disse Eilon friamente, antes de sair.

Elisa olhou para a mãe, sua expressão suavizando apenas um pouco.

— Talvez um dia — disse ela, antes de seguir Eilon.

Ethan e Elora ficaram sentados por um momento, observando a mãe. Elora finalmente se levantou, seguida por Ethan, e em silêncio partiram atrás dos irmãos mais velhos.

Enquanto os filhos saíam da sala, Estela ficou sozinha, refletindo sobre a difícil jornada que tinha pela frente. Mas, com a força que encontrara em Dragoi, estava determinada a lutar pela sua família, não importava quão difícil fosse o caminho.

Naquela noite, a corte foi reunida para um jantar, uma breve despedida de Estela, não era um baile pomposo, mas ela não sentia que estava em clima para isso. A mesa estava apinhada de condes e lordes, assim como estava repleta de alimentos. Eilon ocupava a cabeceira, sua coroa de rei brilhando com as velas, Elisa estava ao dele, segurando sua mão firmemente. Ethan e Elora também ocupavam seus lugares à mesa.

— Com vocês, Rainha Auterpe, de Ruphira e príncipe Orion — Kirk anunciou, esquecendo-se completamente de William. Artemisa parou no batente e sorriu, orgulhosa. — Princesa Artemisa, de Saphiral — ela entrou sorridente, sentando ao lado do primo — Rei Perseu, de Saphiral, e sua rainha consorte, Estela — Eilon ergueu os olhos, enojado com a cena.

— Corrija-se, — ordenou Eilon, sua voz firme e autoritária. — Estela é a Rainha-Mãe de Calasir. 

— Mas, majestade… — Kirk começou. — O casamento…

—Corrija-se! — a voz do garoto ecoou pela sala, Mandrik o olhou, como se pedisse calma, algo que muito fez no reinado de Estevão.

— Rei Perseu, de Saphiral e a Rainha-mãe Estela, de Calasir — Kirk corrigiu, sentindo um pequeno tremor em seu corpo.

O salão ficou em silêncio, os olhares se voltaram para Perseu, cujo rosto endureceu. Ele sabia que a resistência de Eilon era um reflexo das tensões familiares e da luta pelo poder e reconhecimento. Sentia-se desafiado, mas também compreendia a complexidade da situação.

Estela olhou para Eilon, seu olhar misturando tristeza e compreensão. Ela sabia que seu filho estava lutando para proteger a honra de sua família e seu reino, mesmo que isso significasse confrontar publicamente a nova realidade de sua mãe.

— Eilon… — Estela começou, Eilon manteve o olhar fixo na mãe, impassível e claramente sem dar brecha para mais. Ela assentiu, tomando seu lugar à mesa junto com Perseu, que apertou sua mão, transmitindo força.

Os convidados murmuraram entre si, a tensão no ar palpável. Elisa, Ethan e Elora observavam em silêncio, cientes da delicada dinâmica familiar que se desenrolava diante deles. Eilon respirou fundo, suas mãos fechando-se em punhos. Ele sabia que sua mãe estava certa em tentar conciliar as duas partes de sua vida, mas a resistência em seu coração era forte. 

A cerimônia prosseguiu, mas a tensão permaneceu latente. Estela sabia que a jornada para a reconciliação seria longa e difícil. Perseu, por sua vez, reconhecia que teria que ganhar, novamente, a confiança e o respeito dos filhos de Estela, no entanto ele não sabia se estava disposto a dar sua energia para fazer isso novamente.

A partida estava marcada para o início da manhã, quando a neblina ainda pairava sobre o porto e o ar fresco trazia uma sensação de renovação. O navio estava ancorado, pronto para zarpar, e Estela, acompanhada por Perseu e Artemisa, fazia seus últimos preparativos. Seus outros filhos, Eilon, Elisa, Ethan, e Elora, estavam mais afastados, visivelmente ressentidos.

— Eu voltarei assim que puder. Vocês sabem que sempre podem contar comigo, mesmo que eu esteja longe — Estela disse para os filhos, Evan e Elia estavam sendo levados por babás. Eilon apenas acenou com a cabeça, o rosto endurecido. Elisa apertou a mão do marido, buscando conforto. Ethan e Elora estavam lado a lado, segurando-se mutuamente, mas sem esboçar um sorriso. - Jaspe e Sinler ficarão com vocês, para protegerem o reino e cuidarem dos filhotes.

— Cuide-se, mãe. Espero que Saphiral lhe ofereça a paz que não encontrou aqui — as lágrimas surgiram nos olhos de Estela, mas ela manteve a dignidade.

 — Espero que um dia vocês entendam minhas escolhas. Eu amo cada um de vocês, nunca se esqueçam disso — Estela queria beijar eles, como sempre fez ao longo da vida.

Perseu, percebendo a dor de Estela, segurou sua mão com força, tentando oferecer algum consolo. Artemisa, sentindo a tristeza da mãe, tentou animá-la com um sorriso reconfortante, mesmo que quisesse socar a cara de cada um dos irmãos.

Ao entrar no navio, Estela não conseguiu segurar as lágrimas. Viu seus filhos darem as costas e se afastarem, sem sequer um último olhar. A sensação de abandono a esmagava, e ela se sentiu impotente e triste.

— Seus irmãos não são fáceis — Orion sussurrou pra Artemisa.

— São uns idiotas, mamãe fez tudo que pode durante a vida toda para eles e agora eles fazem isso! — Artemisa respondeu, indignada.

Eilon engoliu em seco ao ver que o navio realmente partiu, levando Connor, Lincan, seus irmãos mais novos e sua mãe, aquilo pesou em seu peito e por um minuto as lágrimas se formaram em seus olhos, no entanto ele engoliu.

— Precisamos ser fortes agora, mais do que nunca. Mãe fez sua escolha, e nós temos que respeitar isso, mesmo que seja difícil — Eilon falou para os irmãos, a voz mais firme.

— Ela nos abandonou, Eilon. Como podemos simplesmente aceitar isso? — Ethan murmurou irritado.

— Não é fácil, eu sei. Mas somos uma família, e temos que cuidar uns dos outros — Eilon apertou a mão de Elisa e a olhou com ternura.

— Eilon tem razão. Precisamos ser unidos, por mais que doa — Elisa disse, beijando o ombro do marido.

— Vamos superar isso juntos — Elora apertou a mão de Ethan, transmitindo o que tinha de coragem.

— Temos um reino para governar. Não podemos deixar que a ausência da mãe nos enfraqueça. Precisamos mostrar ao povo que somos fortes e capazes — Eilon beijou a testa de Elisa demoradamente, sentindo que precisava ser forte por ela, por Ethan e Elora, que eram mais novos, e claro, ele precisava ser forte pelo reino que seu pai deixou para ele.

Enquanto o navio se afastava, Estela olhava para o horizonte, sentindo o peso de sua decisão. A saudade e a dor eram intensas, mas ela sabia que precisava seguir em frente, na esperança de que, um dia, seus filhos entendessem suas escolhas e pudessem perdoá-la.

— Eu preciso ser forte por eles — Estela sussurrou, acariciando o ventre.

O navio começou sua jornada para Saphiral, enquanto em Calasir, Eilon e seus irmãos se preparavam para enfrentar os desafios que viriam, determinados a honrar a memória de seu pai e a proteger seu reino. Estela estava determinada a ser feliz novamente.

 


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