Incursão no inferno (livro 2) escrita por Natália Alonso


Capítulo 7
Capítulo 6 – Revelações


Notas iniciais do capítulo

O excesso de álcool e outras drogas pode trazer diversos prejuízos emocionais e físicos às pessoas que consomem, acarretando problemas como acidentes, traumas, violência com os próximos e para si mesmos.

Aos sobreviventes de traumas físicos e psicológicos saiba que você não está só, busque auxílio médico e psicológico.



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“Não há segredos que o tempo não revele.” - Jean Racine

 

 

 

New Orleans

 

O rabo de pelos felpudos amarelos, pretos e brancos balança suavemente enquanto a gata filósofa caminha pela casa, agora muito mais movimentada. A felina estranhou bastante a presença de tantos outros seres, principalmente no porão onde costumava ser seu local de tranquilidade. Agora, ela se escondia mais vezes nos cantos do quarto em busca de alguma paz. As patinhas passam suavemente no chão de madeira do corredor, entram no quarto e sobem na cama onde o corpo negro dorme profundamente em um ronco leve. Ela lambe a pata branca duas vezes antes de andar sobre o abdômen com músculos e um pouco de gordura abdominal em sua circunferência que dava uma saliência protuberante. Os pequenos pontos de peso são sentidos por Manson que murmura algo movendo o braço para tirar a peluda de cima, ela pula seu braço com facilidade, vai até seu peito e senta sobre sua pele levemente suada.

Ele continua sentindo o peso de Hipátia, tosse com a gata que parece não se importar em dificultar sua respiração forçada. Ela então olha atentamente o rosto dele e sua barba por fazer com um ou outro pelo branco que ele inutilmente tentava esconder da vampira, como se ela não soubesse da existência deles. A pata branca bate nos lábios de Manson, tentando acordá-lo, ele vira o rosto e então se incomoda com um pelo que ficou perdido na ponta de seu nariz e passa a mão para tirá-lo. A gata olha, mia baixo, insistente. O homem responde com um fungar. A outra pata dianteira, agora amarela e preta bate no seu nariz e ele tenta inutilmente desviar.

— Não... depile suas mãos!

Ela responde com um miado baixo e longo. Ele move o braço na lateral da cama buscando encontrar o corpo da vampira, porém só sente o lençol. Manson finalmente abre os olhos com certa dificuldade e percebe que está só, na verdade a lateral parece intocada pois o lençol ainda estava preso embaixo do colchão e o travesseiro esticado e alinhado na cabeceira. Ele engole seco, olha para a gata que ainda pesa em seu peito e começou a ronronar, baixando a cabeça no peito oscilante.

— É, eu também preocupado, gata. Você viu onde ela dormiu?

A gata pisca devagar mantendo o motorzinho constante.

— Tá bom, vamos descobrir.

Ele suspira, acaricia as orelhas pontudas amarelas e depois se levanta devagar, apoiando bem as plantas dos pés no chão com tapete. Ele coça o rosto e a cabeça de cabelos curtos soltando um bocejo longo e repara na cômoda, no prato de sushis que tinha trazido na noite anterior. Aparentemente só o peixe tinha servido de alimento, haviam algumas pegadas no shoyo e marcas de minúsculos caninos afiados nos bolinhos de arroz que ficaram sem as coberturas de peixe, o restante do prato estava intocado.

— Você gostou do sushi?

A gata responde com um miado. Ele observa mais atentamente, todas as peças de atum sumiram, mas o San Peter ainda estava lá, começando a cheirar mal. Ele joga o guardanapo encima para cobrir o cheiro ruim e pega o prato na mão para levar a cozinha.

— Aparentemente você é tão exigente quanto sua mãe no paladar. Só atum de primeira, anotado.

A gata solta um grunhido ao acompanhar as pernas cambaleantes do homem que anda apenas de shorts soltos pela casa. Ele vai na cozinha, repara no pote vazio da gata e em como ela senta à frente dele quase como se o mandasse servi-la.

— Credo, você também é mandona.

Ele se abaixa, pega o pote e tenta se lembrar onde a vampira guardava o pacote de ração quando repara em duas garrafas vazias de vinho encima da pia, uma taça está faltando na cristaleira. Ele encontra a ração e alimenta a general peluda. Ao descartar o prato fedorento encontra mais uma garrafa vazia próxima do lixo.

— Pelo jeito a noite foi longa.

Ele volta para a cozinha, lava o prato depois vira-se para a sala, alguns objetos estão caídas no chão, livros em um canto, uma estátua de bailarina estava inclinada encostada no sofá. Ele arruma os vestígios de alguma bêbada sonolenta, só não encontra a própria bêbada sonolenta. Então olha pela sacada, lá fora, no quintal a mulher estava em uma espreguiçadeira no meio da grama, próximo do móvel de palha uma taça estava quebrada com os cacos no meio da grama. Apesar do sol já estar brilhando ela parecia estar deitada, devia estar finalmente dormindo. Então o braço da mulher se move levando a garrafa acima e bebendo longos goles.

— Merda. — Ele resmunga.

A campainha toca, ele vai até a porta rapidamente e verifica no visor que é um entregador que aguarda no portão da casa. Ele xinga um pouco internamente antes de abrir a porta e descer as escadas da frente da casa até o portão para receber a encomenda, precisa assinar, um pacote leve, o entregador está uniformizado, confere o nome. Aparentemente está tudo certo. Ele traz o pacote que é quase do tamanho de uma garrafa de vinho, mas é muito leve para ser um. Quase fica aliviado por imaginar isso, afinal, não quer descobrir se a vampira consegue ter um coma alcoólico. Ele entra na casa, fecha a porta e vai direto até a sacada, a espreguiçadeira está vazia, ele olha pelo vidro, não a vê no quintal.

— O que é isso? — A mulher o questiona atrás dele, na sala.

— Porr... quer me matar de susto... — Ele se vira meio pálido e nota que ela ainda está com a mesma roupa do dia anterior que lutaram, estava rasgada e suja. Uma das mãos carregava a garrafa ainda com algum conteúdo rubro.  — como eu vou saber? A encomenda é sua.

Ele estende o pacote a ela, ela pega com a mão que estava livre. Ele nota que os dedos estavam sujos de sangue e um caco de vidro aparentemente da taça ainda está fincado em sua palma. Ela lê a etiqueta, acaba manchando o papel de escarlate enquanto confere os dados antes de colocar o pacote na mesa da sala.

— É um presente, comprei para o Hidekki. Estou preocupada com ele.

— Hum, é, eu estou preocupado também.

A fala do homem é interrompida pelos sonoros goles da mulher que mata o restante do líquido da garrafa.

— Vou fazer o café, você já comeu?

— Já.

Ele olha para a mesa vazia.

— Sua refeição incluiu ovos e pão? Ou apenas uvas?

Ela o olha devagar, vai até a estante e observa as outras garrafas, a grande maioria são itens de colecionador, normalmente ela abria em uma ocasião especial. Essa parecia ser uma ocasião especial.

— Hum, uvas está bom para mim. Mais tarde talvez eu pegue trigo ou batatas.

— Sei. Parece apropriado. Eu posso acompanhar sua dieta nova?

Ela escolhe uma garrafa escura, bate a garrafa vazia na mesa causando uma leve rachadura no mogno grosso.

— Não precisa. Eu sei me virar.

— Pude notar.

Ela sorri falsamente, dá um passo em falso se desequilibrando para trás, ele avança para segurá-la, mas ela o afasta com os olhos arregalados. Então se apoia na mesa, com o rosto franzido, incomodada com a própria reação.

— Desculpe por isso. — Ela diz com um pouco de raiva na voz.

— Eu entendo.

— Não, não entende.

— Eu estudei na academia, Lucy, eu sei que quem sofre tortura não quer ser toc...

Ela se aproxima com o dedo em riste no rosto dele e os olhos fendidos.

— Não ouse! Não sou seu objeto de estudo! Cento e vinte anos, Manson! E não foram pessoas que estavam lá! Não venha me dizer que entende!

Ele suspira.

— Tem razão. Eu... não estudei torturas infernais na academia. Mas eu sei primeiros socorros.

— Tá... — Ela dá um sorriso agressivo. — e o que quer fazer com isso?

— Posso tirar esse caco da sua mão?

Ela percebeu que enquanto apontava para ele acabou apertando o vidro na palma, sangrando ainda mais. Ela abre a mão, a respiração fica oscilante quando nota que a peça tinha se quebrado dentro da carne. As mãos grandes e negras envolvem a dela, os dedos puxam o pedaço maior e em seguida o pedaço menor com delicadeza. Ela não teve qualquer reação de dor, talvez estivesse anestesiada pelo álcool, ou por agora esse nível de dor seja tão irrelevante que sequer seja necessário registro. A cicatrização finalmente atua fechando o corte rapidamente e desaparecendo a existência do ferimento, a mulher está com os olhos vazios.

— Obrigada.

Ainda segurando a mão dela e olhando para baixo ele fala quase sussurrando.

— Eu vou fazer café. Você quer?

— Não. Ainda não.

A fina mão branca desliza escapando das mãos negras, ela se afasta devagar indo para o quarto.

 

 

 

Reino Satana, Nono Círculo do Inferno

 

No Reino Satana ficava o maior de todos os castelos, onde o Rei infernal podia conduzir seus trabalhos e gestão de todos os círculos. Lá, onde que Moloch viveu por muito tempo e agora era prisioneiro em algum lugar das tortuosas galerias de calabouços. Era no suntuoso forte em que agora Astaroth, com uma expressão pouco feliz, fazia uma reunião com Abigor, Belzebu, Vlad e Abadon.

— Baphomet sempre foi excelente guerreira, perder para ela não é exatamente prova de fraqueza, meu senhor. — diz Abigor em sua postura sóbria. Seus olhos são verdes e fendidos como de uma serpente, seus curtos e grossos chifres vermelhos saem da longa cabeleira castanha e se curvam para frente acima dos olhos. Sua vestimenta de marechal era adornada com as medalhas e honrarias acobreadas. Ele observa que Belzebu treme e olha com gratidão pelas palavras de possível defesa.

— Eu sei que ela é uma ótima guerreira. — responde Astaroth com seu único olho vermelho em ira. — A questão é que eu estava junto de Belzebu e quase conseguimos vencê-la. — Ele passa a mão no chifre quebrado. — A muito custo, inclusive. Porém, quando ele teve um exército, além de tudo, eu sei que você deixou mais soldados a ele, mesmo assim quase foi capturado.

— É uma guerra. Soldados podem ser capturados. — Abadon fala com certo desdém enquanto balança sua cabeça de seis chifres negros. Seus olhos completamente em breu parecem buracos em sua pele muito branca e sinuosa, dando-lhe quase uma aparência de caveira com dentes afiados. O manto negro parecia absorver totalmente a luz ao redor, a mão composta apenas de ossos cálidos sai do meio do tecido e captura a taça na mesa. Ao beber, parte do vinho tinto escorre entre seus dentes pontudos, ele não parece se importar. Mesmo que defendendo Belzebu, seus ausentes olhos transmitiam frieza ao irmão de pouca competência em batalha.

Astaroth bate na mesa olhando para Belzebu que pouco falta para ganir em pavor.

— Sim, soldados podem ser capturados. Não comandantes, não generais. Isso é muito grave.

— Talvez seja esse o erro, nossa estratégia de guerra. — fala Vlad, pouco depois de sorver um gole da taça, o conteúdo não é vinho tinto. — Esse confronto foi bom para vermos a dinâmica do grupo, eles se dispersam, acabam querendo proteger os humanos e é isso que os coloca em risco.

— Sim, enquanto os soldados atacavam o grupo eles se uniam facilmente. Quando iam contra famílias aleatórias na rua eles quase morreram algumas vezes. Quase que meus soldados mataram o homem negro que os acompanhava. — Belzebu diz seguro da informação.

— Aquele era um mortal, e foi salvo por Mefistófeles. — diz Astaroth em irritação. — Ele usava um maldito revólver.

Belzebu contrai um músculo na lateral do rosto.

— Eu posso mostrar que sou bom, deixe-me fazer isso.

Astaroth apenas olha com desdém.

— Acho que devemos focar no que Vlad está observando. A vampira é um dos pesos fortes, concordemos que conseguir matá-la foi um feito. — Abadon aponta para Vlad e Abigor.

— Sim, e posso garantir que terá consequências. — Vlad sorri.

— Diz isso por que a assustou? — Abigor questiona com certa descrença.

— Não, digo, pois fiz de um jeito que eu duvido muito que eles continuem lutando juntos. — Vlad gira a taça para inalar o perfume que o líquido vermelho exala.

Astaroth sorri satisfeito.

— Concordo, é importante focar que precisamos usar os preciosos humanos a nosso favor. Os ataques precisam ser mais dispersos, assim eles não conseguirão conter todos e acabarão perecendo mais facilmente.

— E quanto ao contato celestial? — Abigor questiona. — Haverá mais armas abençoadas para matarmos irmãos ou somente Drácula terá espadas abençoadas? Isso seria muito útil contra Baphomet ou Belial, se é que ele sobreviveu.

Astaroth rosna antes de responder.

— Infelizmente aquele idiota não me respondeu mais sobre armas abençoadas, só deu aquelas duas, sendo que uma acabou sendo levada no dorso de Belial quando ele fugiu. O anjo me garantiu que demônio algum conseguiria tirá-la se ficasse fincada, então eu acho pouco provável que Belial esteja vivo. Você disse que Baphomet estava lá na superfície, se ele estivesse vivo, estaria lá também.

— Sim, é provável então, uma pedra a menos no caminho. — conclui Abigor. — Porém ainda me preocupo com nossa falta de armas, você ainda tem a Cimitarra de Luz, Vlad tem uma abençoada, nós temos apenas amaldiçoadas, nós precisamos decapitar para garantir a morte de nossos irmãos.

— Então que cortem as cabeças, Abigor! Viva la revolución francesa! Quer uma guilhotina? Nem parece que você é o regente da violência!

— Só lembrando que tive que lutar com Metatron, qualquer golpe dela é abençoado. E ela não estava sozinha, estava com um monstro deformado e a vampira.

— É. E mesmo assim, você deu conta. — Astaroth debocha olhando para Belzebu. — Relaxa, na próxima, Abadon sobe junto de vocês e vai ser mais divertido. Por hora, só Vlad não dá pra mandar para cima!

— Me parece bom.

— Ótimo. Agora se me dão licença eu gostaria de descansar. Toda essa guerra tem me deixado tenso demais, um rei precisa relaxar.

Os comandantes de despedem e saem do salão, Belzebu ainda fala com Abigor no corredor enquanto vão para fora.

— Obrigado pelo apoio, por um momento, pensei que ele fosse comer meu fígado.

— Você não deveria lutar, Belzebu. Seu círculo é a ganância, não violência, nem a ira, não são soldados, são apenas enganadores.

— Eu consegui ganhar muitas lutas.

— Não de forma justa.

— Não importa se foi justa ou não, o que importa é que estou vivo e apoiei Astaroth desde o início, até quando...

— Faz o que quiser. Isso é problema seu, não meu. — Abigor continua andando enquanto Belzebu parou e o encarava as costas.

— Eu vou provar meu valor, em luta se precisar.

— É claro que vai, Belze...

Abigor vai embora, deixando Belzebu sozinho.

 

 

 

Vale do rio Flegetonte

 

Abigor, o comandante e senhor da violência caminha com tranquilidade entre os reinos, vai até seu castelo, que mais parece um forte com densas muralhas, está repleto de soldados. Antes haviam muitos orobas, agora, muitos soldados são vampiros, a maioria eram penitentes do círculo da ira, da violência, da heresia e é claro, da gula. Por um instante ele olha ao longe, verificando que todos os soldados estão em treinamento, prontos para a próxima batalha. Ele levanta o longo pescoço e sua língua azul bifurcada fareja o ar, verificando a segurança do forte. Satisfeito ele fecha os portões e caminha pelo castelo, se embrenha na escuridão, vai até um corredor escuro onde uma porta pesada necessita de uma chave.

Ele pega a tocha, ouve o silêncio do corredor por alguns instantes, sua língua anil volta a verificar o ar, seu corpo torna-se novamente em naga, a ponta da cauda segura a tocha no alto. Ele então vira-se para a porta, calmamente move a mão no colarinho puxando uma corrente com uma chave, abre a porta, o som do trinco ressoa. Ele novamente olha no corredor, verifica como se desconfiasse de sua própria sombra. Então em um rápido movimento ele passa pela porta e a tranca em poucos segundos.

Do outro lado da porta, o ar parece estar mais pesado, as escadarias conduzem para uma extensa galeria, seu corpo serpentino desliza nos degraus rapidamente até a parte mais baixa encontrando rapidamente a grande silhueta no breu. Abigor espanta-se por estar tão escuro e frio, ele dá um tremor que reverbera ao longo de sua cauda escamosa e acaba jogando a tocha na lareira para aquecer o local.

— Você pode não se importar muito, mas meu sangue é frio, prefiro um ambiente mais caloroso.

A lareira é alimentada e rapidamente as chamas crescem e acendem um conjunto de lanternas esculpidas nas paredes, aos poucos o local vai ficando cada vez mais iluminado e aquecido. O dorso grandioso do ser que estava sentado, calmamente abre os olhos no seu rosto de búfalo, sua bela e larga cabeça exibe chifres largos laterais, ele funga e levanta o focinho exibindo um anel dourado pendente no nariz. A figura sacode o corpo ao se levantar como se espantasse o pó que se acumulara no longo período sentado, ele dá pesados passos nos cascos fendidos se aproximando da luz.

— Finalmente, está na hora? — diz Baal em sua voz cavernosa.

— Ainda não. Mas breve. Tenho novidades.

— Fale. — A voz sai quase como um mugido.

— Eu tive que defender Belzebu, tinha que ser coerente, eu não podia simplesmente deixar ele ser executado.

— Irritante.

— Eu sei, a ideia era que Mefisto o levasse embora, mas a morte da vampira atrapalhou todo o planejamento, eu não posso arriscar de Astaroth desconfiar de mim. Fora que agora...

— Agora o que?

— Eu não sei, Vlad insinuou que a torturou de uma maneira que ela não lutaria mais ao lado de Mefisto. Você sabe do que ele estaria falando?

— Vlad sempre foi um nojento. Mefisto fez questão que ele sofresse muito na penitência do nono círculo. Você sabe que era o primeiro marido dela, não sabe?

— Ele falou algo sobre contrato... deve ser algo com Mefisto. Enfim, a boa notícia é que não tem mais armas abençoadas, a fonte aparentemente secou. O anjo não respondeu mais ao Astaroth e Vlad ficou só com uma das espadas abençoadas. — Abigor fala enquanto tremula sua larga cauda, próximo da lareira.

— E Bel?

Abigor se aproxima devagar do oroba, pode-se ouvir as escamas se esfregando nas pedras do chão.

— Disseram que ao estar fincada, por ser abençoada um demônio não pode retirar, eu acho que não conseguimos empunhar... e-eu... eu não tenho mais informações, Baal, sinto muito.

O búfalo funga profundamente entre as narinas e balança a grande cabeça lateralmente antes de Abigor continuar.

— Eu acredito que Baphomet tenha conseguido alguma forma, ela é mística, ela poderia talvez com alguma magia prolongar até conseguir retirar a espada e a contaminação e talvez...

— Talvez... — A palavra sai cuspida da larga boca de Baal. — se ele estivesse bem, você o teria visto na superfície, na luta.

— Ele deve estar se recuperando!

— Enquanto isso estou aqui, escondido como um animal que Astaroth enxotou para fora da casa grande!

Abigor pressiona os lábios, apreensivo.

— Astaroth acha que eu executei todos vocês, nossa sorte é que não verificaram os corpos, minhas habilidades místicas não aguentariam se eles tivessem ido ver de perto os “corpos dos orobas”, não foi fácil fazer aquela miragem de seu corpo mutilado, amigo.

— Eu devo minha vida e de meus irmãos a você. Mas não aguento mais ficar aqui. Eu preciso subir, eu preciso lutar.

— No momento certo, faremos isso. Tentarei falar com Mefistófeles ou Baphomet.

O búfalo funga, ficou muito tempo escondido esperando o momento em que possa lutar por sua dignidade. Ficou muito tempo longe de seu amor, Belial, agora seu machado estava com muita sede e seus irmãos orobas muito irritados, sedentos por violência para praticar.

 

 

 

New Orleans, oito dias após a luta

 

Mefisto vê Azazel golpeando o ar com sua clava no jardim da vampira, o anjo caído se alonga e faz os movimentos usando sua asa inteira que gera vento o suficiente para a cerca de madeira bater na parede junto das folhagens.

— Você acha que Astaroth pretende ainda demorar muito para o próximo ataque? — fala Azazel enquanto gira a maça entorno do próprio corpo.

— Não. Mas acho que ele deve estar planejando algo para ter demorado tantos dias.

— Então é bom ficarmos atentos, provavelmente haverá alguma armadilha. Bel está pronto para lutar novamente?

— Tão bem e ansioso quanto você, passarinho. — Mefisto fala com uma das sobrancelhas arqueadas.

— Ótimo.

Então os dois passam pela sacada entrando pela sala da casa em direção ao porão. No corredor, Mefistófeles para na frente do quarto escuro vendo que a vampira ainda está bebendo alguma coisa enquanto se aninha na poltrona. O demônio torce o rosto e decide apenas continuar a andar, o anjo para na frente da porta e declara.

— Eu desço daqui a pouco.

Mefisto olha, acaba deixando escapar um olhar de agradecimento e segue para o porão. Azazel entra no quarto, sua larga asa bate na porta e empurra a cômoda, ele segura uma garrafa abandonada que quase caíra com o tremor. A vampira apenas vira o rosto com os ruídos, permanece ainda de costas, encolhida no assento, abraçada a outro frasco de vidro. Apesar da baixa iluminação, ele nota que ela parece mais pálida, as maçãs do rosto estavam levemente angulosas, talvez por não se alimentar adequadamente. Sua mão de dedos longos tinham os nós raspados e vermelhos, teria socado alguma coisa talvez, por qual motivo a regeneração não teria já sumido com isso, o que quer que fosse. Ele analisa a mulher que parecia ser a sombra o que ele conhecia.

— Sua casa é meio estreita.

— Perdão, farei uma reforma para ajustar a suas asas.

— Hum... é... eu queria falar contigo, estou vendo que você não está lidando muito bem com o período da penitência que teve.

— Deu pra notar?

Azazel acaba chutando acidentalmente outra garrafa que jazia no chão.

— Deu sim. Já faz tempo que você não desce no porão, Manson disse que você ainda não está dormindo muito.

— Estou evitando dormir, Az. Eu sempre tive problemas de sonhos vívidos.

— Imagino que isso seja um problema.

A mulher permanece em silêncio, a mão move a garrafa permitindo um gole de algo de cheiro mais forte. Desde o segundo dia, todo seu preciso vinho acabara e agora ela recebe compras de bebidas mais entorpecentes e baratas. Porém, outro cheiro incomoda as narinas dele.

— Ainda não trocou de roupa?

Ela olha para si mesma como se conferisse, não tinha certeza.

— Devo estar fedendo, não é.

— Sim.

Ela meneia a cabeça em desgosto, ele completa.

— Lucy, você já passou por tanto, foram tantas coisas que viveu aqui na superfície mesmo. Não foram nem uma, nem duas vezes que você desceu e Baal, Mefisto e eu estávamos lá para ouvir sua dor. Eu não conheço nenhuma alma mortal que poderia suportar isso sem enlouquecer, a não ser você.

— Eu tenho minhas dúvidas se já não enlouqueci. Vocês sempre foram meus queridos amigos, mas...

— Mas?

— Mas o que aconteceu... bom, imagino que Mefisto tenha te contado.

Azazel confirma com os olhos, se aproxima dela, senta-se no banquinho em frente a ela e pega sua mão.

— Você sabe que não foi ele.

Uma lágrima trava em seus olhos inchados quando a mão do anjo caído pega a garrafa dela e pousa o item no chão.

— Az, todos estavam juntos do Mefisto, não é?

— Sim. Ele não desceu, nem poderia. Porém você já sabia, ele não faria algo assim contigo.

— Foi o que eu vi, e senti...

— Eu sei. É por isso que dói. Vlad fez isso pensando exatamente nessa consequência. Eu mesmo tive que falar com ele sobre seu novo contrato, logo quando o fizemos. Ele deixou muito claro o quanto queria se vingar de você e Mefisto.

— Acha que um dia vou tirar essa imagem horrível da minha cabeça? — Ela finalmente fala olhando para Azazel como se implorasse por uma amnésia milagrosa se existisse.

— Se você conseguir lembrar que na verdade era Vlad, sim. Eu acho que você precisa vê-lo nas suas memórias. Para isso, talvez você tenha que dormir e usar seus próprios sonhos.

Ela suspira, não muito satisfeita com a resposta.

— Foi Mefisto, quem pediu pra você vir aqui falar comigo?

— Não, ele não precisou. Você é minha amiga e também me apoiou quando eu precisei.

— Ainda não acredito no que aconteceu com Lilith, eu sinto tanto, Az...

— Eu sei. Eu irei vingá-la. Minha vida com ela foi maravilhosa, Lucy, foi plena. É por isso que sei que vocês ainda podem consertar isso, se quiserem.

Ela levanta os olhos para o anjo, ele acaricia o rosto sem tocá-la.

— Não deixe Vlad vencer, ele não merece estragar o que vocês viveram.

Ela fica pensativa, ele decide se afastar. Na porta do quarto ele nota que ela não pegara de volta a garrafa do chão, na verdade ela parece que ela está finalmente tirando as pesadas botas de combate que ainda estavam amarradas em seus pés a dias. Satisfeito, ele desce as escadas do porão.

 

 

 

Céu

 

Os salões celestiais são sempre muito amplos e iluminados, alguns sequer parecem ter paredes, uma tênue linha divide os ambientes que por vezes parecem espelhados. Caminhar em tais labirintos é algumas vezes tortuoso e exige certa concentração dos seres angélicos. Claro que isso é somente na área do alto escalão celestial onde anjos comuns que eram apenas soldados não tinham acesso a tais locais. Foi por isso que Jehudiel estranhou a movimentação de passos em sequência, como se vários anjos tivessem passado pelo corredor. Ela para pensativa sobre o que poderia ser, se estavam perdidos ou se tinha algo a ver com a guerra que Metatron alertara.

Ela não resiste a sua própria curiosidade e percepção e decide seguir o som entre os largos corredores com paredes de nuvens distorcidas. Ela nota que finalmente eram oito soldados que escoltavam um que empurrava um carrinho com uma caixa branca perolada, eles se alinharam os oito em fileira dupla antes de saírem de um salão. Claramente seguiam ordens muito específicas de entrega de tal material protegido por tantos signos dourados que estavam nas laterais da caixa. Ela se aproxima, removendo seu capuz de palha dourada deixando sua redonda cabeça negra sentir o ambiente, aquele salão sequer existia a minutos atrás, construtos assim somente arcanjos ou a própria Metatron poderiam realizar. Ela abre a caixa e vê que são espadas brilhantes e novas, mas porque as armas celestiais estariam ali? Ao ouvir um som se aproximando ela rapidamente constrói uma parede espelhada se posicionando atrás dela para se esconder.

Os passos confiantes entram no salão e fecham as portas, o ser caminha de um lado a outro abrindo a caixa e conferindo os objetos. Jehudiel faz um espelho pequeno em sua mão e inclina suavemente de seu esconderijo, assim ela consegue ver Miguel avaliando a curvatura da espada e todo o seu comprimento. A arcanja desfaz o espelho e se abaixa quando ouve que ele abriu um portal de comunicação.

— Salve, rei Astaroth!

— Achei que não iria mais me responder, já estava replanejando minhas tropas.

— Eu tive que despistar Gabriel, ele e Rafael quase descobriram a produção de armas, tive que dizer que estava renovando as armas de tropas nossas em defesa caso vocês nos atacassem. — responde Miguel enquanto exibe a espada antes de recoloca-la na caixa.

— Um anjo mentiroso, deveria se envergonhar.

— Eles ficarão satisfeitos depois que você nos mandar tantas almas, essa guerra trará benefícios para ambos os lados.

— E se eles não aceitarem, vão cair?

— Não. Chega de lhe dar mais demônios, eu mesmo os destruirei se necessário.

— Justo. A propósito, antes de você as abençoar, seria possível fazer com o cabo neutro?

O arcanjo volta seus olhos claros para o demônio.

— Isso as tornariam mais frágeis.

— Sim, mas da forma que fez somente as almas condenadas podem empunhar, eu descobri isso depois de doze demônios morrerem tentando segurar. No momento aquelas duas tive que dar para um competente amaldiçoado, mas seria muito bom que meus comandantes também tivessem armas adequadas.

— Sabe que só mandarei essas seis para seus comandantes? Aço celestial não cresce em árvore, Astaroth.

— Seis bastam. Você é um amor, Miguel. — O elogio desdenhoso se derrama da boca do demônio, soando uma intimidade lasciva.

O arcanjo sorri falsamente separando as espadas da caixa deixando-as de lado. Ao erguer a peça, pressiona a palma no fio cortante espalhando o próprio icor dourado ao longo da lâmina curva. O metal brilha absorvendo o sangue divino que alimenta os signos nas laterais. Logo em seguida, ele recoloca as peças no invólucro.

— Mais alguma coisa?

— Não, creio que seja somente isso, és um anjinho tão bom para mim.

Miguel solta um sorriso torto.

— Irei fazer a entrega em breve, aguarde minhas instruções de recebimento.

O portal de comunicação é fechado, Miguel confere se lacrou a caixa quando nota a estranha simetria da sala, e sutil parede que Jehudiel criara formou um ângulo estranho que faz o arcanjo se aproximar. Ele caminha até lá, circunda o local e nada vê, estranho, aparentemente ele mesmo acabou criando aquela parede assimétrica sem perceber. Ele então vai embora deixando o salão. Jehudiel que estava agora escondida atrás do carrinho engatinhava devagar desviando da visão dele, ela nunca se sentira tão exposta, sem poder usar suas habilidades naquele momento já que era preciso avisar Metatron. Ela olha para o invólucro atentamente, horrorizada com o conteúdo e com a intenção de seu irmão.

 

 

 

New Orleans

 

Lucy finalmente saiu de casa, ela decidiu que depois do banho já era hora de comer algo sólido, conseguiu até mesmo andar por alguns quarteirões sem resmungar muito. Apesar de dificilmente ela ter algum tipo de ressaca, depois de dias sem comer nada e dormindo pouco fez com que as dores no corpo a lembrasse como é ter uma. Ela costumava ficar assim em Moscou, foram vinte anos assim, na época que conhecera Yuri. Eram parceiros de ringue, de copo e de choro, ambos competindo qual tinha a pior história, ambos vitoriosos. Dessa vez ela não quis compartilhar com ele a dor, Manson disse que ele parecia estar aparentemente encantado por Baphomet, ela não quis atrapalhar. Pelo menos alguém parecia estar se divertindo nisso tudo.

Os óculos escuros ajudaram a diminuir o incômodo da luz, ela só queria andar, precisava queimar mais do álcool que ainda sentia em seu sangue. Que violência indigna ela faria para beber sangue humano e fresco agora, ela desejava, mas não poderia, não agora, tinha medo de perder o controle novamente.

Ela finalmente engole seus pensamentos quando chega na cafeteria, lá ela pede um mocachino, um pão de queijo e senta-se esperando o filho do dono sair. Era um daqueles dias que Hidekki não estava na faculdade e estava auxiliando os pais na cafeteria. Foram vários dias assim, ela lembra de quando ele vinha correndo roubando um doce ou pão na boca, bochechudo falando sobre bandas novas, ansioso e cheio de siglas do mundo novo. Agora ele anda devagar, sisudo com o rosto que ficara anguloso por ter emagrecido rapidamente. Ele pegou o hábito de bater o gancho da prótese na mesa como se fossem dedos ansiosos, ela reflete se faz isso substituindo os dedos que antes desenhavam ou se é apenas para atormentar pelo ruído.

Ele rapidamente coloca o próprio celular na mesa, o maço de cigarros e encaixa um filete do tabaco na ponta do gancho metálico pronto para iniciar a fumegar quando ela coloca a encomenda na mesa.

— Antes de você acender, isso é pra você.

Os olhos dele se estreitam por um instante e depois abrem naquela linda fenda asiática fitando os dela.

— Por que?

— Abre.

Ele tira o cigarro do gancho posicionando-o na mesa, pega a caixa, os dedos hesitam rapidamente quando percebem a mancha de sangue no papel.

— Desculpe por isso, eu estava com a mão machucada quando recebi.

— Não tem problema. — Ele fala quase sussurrando.

Os dedos abrem puxando as fitas adesivas e usa o gancho para segurar cada aba já aberta com habilidade. É impressionante o quanto ele ficou ágil com a peça em tão pouco tempo de uso. Quando finalmente abre o conteúdo e tira o tecido de proteção seus olhos paralisam diante do produto.

— É daquelas que sente o menor movimento do músculo do braço, é como se... bom, pelo que o pesquisador disse você poderá desenhar novamente.

Ele não responde, olha a mão robótica e seu dedo passa suavemente sobre a pele artificial notando sua textura, é um emborrachado sutil que lembra quando a pele está com muito hidratante. Ele alinha seu próprio braço conferindo que o subtom é pouca coisa mais róseo do que a sua pele mais neutra.

— Se você quiser, eu posso pedir para trocar o tom da pele.

— Não tem problema. É muito próximo.

Insegura, ela não sabe como poderia dizer a ele o quanto sente muito por ser culpada dele ele ter sido vítima de Clinton.

— Eu só queria te...

— Eu sei.

A fala dele é rápida interrompendo a autoindulgência dela que ainda demonstra interesse na satisfação dele.

— Você gostou?

— Sim. Claro. — Ele rotaciona os ombros como se tentasse relaxar. — Obrigado, eu gostei, muito.

— Você quer testar?

— Não agora. Em casa eu coloco.

Ele fecha a caixa rapidamente como se não quisesse mais olhar para a peça. Lucy estranha o gesto e fica avaliando o rosto dele.

— Mais algumas coisa? Alguma novidade dos demônios? Ainda estão na sua casa?

— Sim.

— Hum. Se precisar que eu vigie as câmeras de novo me avise.

— Claro. Você foi útil da última vez. Eu te agradeço, muito Hidekki.

Ela toca na mão dele, ele olha o gesto e sorri afetuosamente.

— Sim, é bom ser útil pra você, Lucy.

O sorriso dele é genuíno. Ela percebe que a muito tempo não o via assim. Porém a feição leve se desmancha ao sentir seu celular vibrar com uma mensagem, ele olha a mensagem na tela por um instante e acaba avisando a mulher.

— Olha, desculpa, mas eu tenho que ir, prometi a um amigo que hoje iria na casa dele ajudar com um trabalho da faculdade. Amanhã nos falamos?

— Claro.

Ele pega a caixa e o cigarro da mesa deixando o papel manchado de sangue e a vampira abandonados no local. Ela se sente desconfortável, pega o papel, engole o mochachino, enfia o pão de queijo na boca e vai embora. O asiático olha ela partir e enfia a caixa na mochila, olhando o celular novamente conferindo as mensagens. Ele se despede dos pais que estão concentrados nos afazeres da cafeteria e sai, andando rapidamente e se afastando pelo lado oposto que a vampira fora. Anda mais alguns quarteirões até um carro longo e de vidros escuros parar ao lado dele bruscamente e uma porta se abrir. Ele olha ao redor antes de entrar e sentar nos elegantes bancos de couro.

No que ele se assenta, um homem enorme toma a sua mochila das mãos enquanto o outro tateia seu corpo em busca de qualquer item possivelmente perigoso. O terceiro, sentado com as pernas cruzadas usa sua camisa entreaberta e um terno alinhado claro enquanto fala em russo no celular, ele olha para o asiático na frente, ri e continua a proza preguiçosa. Quando os seguranças terminam de conferir o jovem eles acenam para o louro que toca o celular ativando o modo de câmera facial e aponta a tela para a frente de Hidekki.

— Fale! — avisa o homem russo com seu forte sotaque.

— Eu sou o Hidekki. — fala para a tela que não tem a imagem do receptor.

— Eu sei que é você, otário. Eu quero saber da vampira, a que matou meus capangas e do nigga! Ele tá atrapalhando o envio das encomendas, você disse que ia me passar a localização deles!

— Eles estão acompanhados agora, são que nem a vampira, acredite em mim, se você tentar na casa dela agora não vai dar certo. Tem que ser um dia que eles estejam fora, separados do resto.

— São todos vampiros que nem ela?

— Não, mas são até mais fortes. Isso não importa agora. Eu fico sempre de olho, assim que eu souber de uma oportunidade que eles estiverem fora, aviso vocês.

— Pelo mesmo sistema? É sério, japa, se você invadir meu computador de novo eu te...

— Se me der um número de telefone eu posso mandar uma mensagem.

O aparelho fica em silêncio um momento, uma risada sai logo em seguida de uma fala em russo que faz um dos homens se movimentarem. O segurança que pegou a mochila de Hidekki fala também, ambos conversam com ele segurando a caixa da mão mecânica balançando. Hidekki arregala os olhos tenso.

— Que treco é esse que o meu homem tá falando, você tem uma mão eletrônica? Foi ela que te deu agora pouco?

— Você ficou me vigiando? Não era esse o combinado!

— Acha mesmo que pode só combinar as coisas comigo e me esconder qualquer coisa? ANDA MOLEQUE, ME EXPLICA PORQUE ELA TE DEU ISSO!

Hidekki fica vermelho, os seguranças são enormes e parecem se divertir com a situação.

— Foi culpa dela que eu perdi a mão.

— Você disse que foi um maluco que a cortou fora.

— Um maluco que ela não quis parar quando ameaçou minha mão, mas ela o parou quando ele ameaçou o policial.

O som de tossidas se mistura com risadas vindo do telefone, os dois seguranças parecem rir junto enquanto um deles acaba balançando o celular na frente do rosto do jovem.

— Tá me zoando que você tem ciúme dela! Aposto que bate uma com sua minhoca japa pensando nela, e porra, ela tá com um puta negão!

— O que? Eu não a vejo assim, não é... eu não tenho que te falar disso, seu idiota. E outra, minha família é coreana.

— Foda-se, eu realmente não tô nem aí... Ah! Isso foi a melhor, é sério, você tá vendo esse moleque, esse aqui é apaixonado por uma mulher mais velha que deve ter idade para ser tataravó dele e... — O traficante mudou o tom de voz, claramente falando com alguém que estivesse em sua companhia. Nada disso era visível pela tela ainda preta no celular.

— Eu não tô apaixonado por ela e... enfim, a mão mecânica é minha, eu tenho que ir.

— Você tem só uma mão, mas tem muitas bolas de me interromper.

— E muitas bolas de te invadir seu computador e achar imagens de pedofilia.

Silêncio.

— Escrotinho...

— Eu ainda não estou vendo um número grande na minha conta bancária.

O celular responde com algo em russo que faz o segurança devolver a mochila enquanto o outro abre um compartimento no piso do carro e pega um gordo envelope amarelo e um celular simples entregando para o asiático.

— Tá na mão, qualquer que seja a que você está usando agora! Só ligar no número salvo nesse aparelho aí, só ligue quando for a hora certa, se ligar antes disso eu explodo você, sua família e a maldita Coréia inteira se precisar. A outra metade eu te pago depois que eu tiver as cabeças deles na minha estante.

O carro para, Hidekki fica olhando para a porta com certa indiferença antes de falar.

— Tá meio tarde, se importam de me darem uma carona pra faculdade?

 

 

*******

 

Lucy está deitada no chão frio de pedra, o som de pingar de goteiras ecoam ao fundo silencioso.

De tempos em tempos alguma explosão e gritos são audíveis ao longe, assim como estalos difusos dos corredores contínuos. Passos se aproximam e a pesada porta se abre, o vento quente entra rapidamente na cela úmida, ela não se move, respira com dificuldade com o rosto quase colado ao chão. Os cabelos negros ondulados e desgrenhados cobrem parte do rosto, na parte alta exibe a casca ferida de um tufo arrancado violentamente a dias atrás.

O som das goteiras ecoa.

Ela vê a silhueta do homem de longos cabelos negros em trajes finos medievais se aproximar com os pesados passos de botas pretas, os saltos raspam nas pedras desdenhosamente até parar frente à mulher em farrapos. Ela volta a descansar, ele usa a ponta da bota para acordá-la chutando em seu ombro, ela finalmente reage com um rumurejo.

  Ao notar que ela acordou, ele balbucia algo e se afasta, vai até a lateral onde é possível ouvir frascos de vidro sendo retirados de uma bolsa de couro e colocados em uma mesa próxima. A mulher ainda está deitada, seu olho esquerdo está ausente, as torturas infernais fizeram com que a antiga cicatriz ressurgisse. Somente o olho direito persiste em se abrir, a íris verde tenta se ajustar no escuro e na dor da pálpebra inchada. Fraca ela quer apenas voltar a dormir, é só mais um demônio que a veio torturar, é a guerra, ela morreu de forma estúpida, seu corpo foi estrangulado por demônios no meio da rua com um fio de poste, ela lembra quando seu pescoço estalou, quase não doeu, quase. Normalmente ela é muito tolerante a dor, mas agora as coisas estavam nitidamente diferentes. Agora ela nem sabe mais a quanto tempo está ali, meses, talvez anos. O tempo sempre foi diferente no inferno, mas ela nunca tinha estado na penitência antes, nunca havia durado tanto. Agora ser apresentada para a pior versão de seus entes queridos era pavorosa.

É só mais algum demônio.

Vai começar mais alguma coisa horrível, vai durar dias, ele vai se cansar, ela vai poder dormir, é só mais um.

A água escorre enraizada na fenda das pedras, pouco depois ela acumula e pinga no chão, o som se propaga pela cela pouco iluminada.

— Acorde, Lucy, meu bem.

— Hum? — ela murmura tentando entender. Um frasco se quebra e o vidro cai no chão rolando para próximo do seu rosto, o cheiro  de almíscar é intenso, doce e enjoativo engolfando seu rosto. Sua visão fica turva, toda a sala parece pulsar, o chão se movia como um mar tranquilo, mas ainda fria e úmida.

— Sou eu, Mefistófeles. — A voz afirma de maneira pausada, o som dos saltos passa pela sua lateral, as roupas negras se fundem nos longos cabelos ondulados escuros. A calça escura de veludo tinha finos bordados em flores douradas, ele resmunga conferindo suas correntes — Hum, essa é do braço direito, então essa... —, aparentava estar impaciente.

As goteiras. O pingo solitário ecoa.

— Quem é você? — Não está certo, o cheiro ocre, terroso emana do nobre europeu, algo férreo se espalha no ar. Mefisto sempre foi o puro alecrim selvagem e algo defumado, é claro.

Um segundo frasco é quebrado e jogado próximo a ela, o cheiro doce se espalha, ela enjoa, iria vomitar se tivesse algum alimento em seu estômago.

— Eu disse, meu bem. Mefistófeles. — Sua visão turva se ajusta quando ele vai até sua frente com os pés descalços, ela observa suas calças de bainha rasgada em linho creme, ele se abaixa de cócoras. A camisa meio aberta verde escura deixa sua pele amendoada à mostra, seus cabelos cacheados e curtos deixam escapar os pequenos cornos para trás e seus lindos olhos amarelos brilham exibindo um doce sorriso quando completa. — Sou eu, seu amado demônio.

— Mefisto! — Ela mal consegue estender a mão direita para alcançar seu rosto.

Ele pega a mão em um largo sorriso afirmativo. O som das goteiras está forte, o eco parece longo, cada gota é ouvida.

— Pronto, vamos ver como você está!

Em um único movimento ele puxa a mulher tirando-a do chão enquanto carrega com suas mãos por debaixo de suas axilas, como se fosse um filhote sendo examinado. Ela geme de dor quando a pele raspa na pedra e as costelas quebradas são pressionadas. Ele olha para cada ângulo em franca curiosidade, parecendo querer conferir quantas marcas haviam ali.

— Você já teve dias melhores, meu bem, não anda comendo?

— O que? Mefisto, está doendo...

— Oh... claro. — Em uma pouca gentileza ele passa os braços da mulher por dois arcos que estavam em correntes penduradas, agora, além de estar suspensa, apoiada em suas axilas, seus braços estão levemente esticados pelas algemas e correntes. Ela olha chocada com o gesto, ele finge demência como se tivesse sido meigo sua atitude. — Viu, pronto, está melhor do que no chão, não é?

— S-sim... se você veio me buscar é porque a guerra acabou, não é?

— Sim, claro. Nós vencemos.

Ele sorri amplamente, então desce os olhos para os quadris feridos da vampira, notando como eles balançam no movimento das correntes. O tilintar metálico se funde ao das goteiras ao fundo.

— Ah que bom. Estou aliviada. Então eu posso ir embora?

— Em breve, tudo ao seu tempo, primeiro, apenas uma pausa para descanso. — Ele sorri antes de juntar as mãos no rosto dela em um beijo invasivo.

O lábio está mais possessivo do que costuma ser, mas estranhamente familiar. O gosto é quase de Mefisto. Quase. Há algo ácido e metálico neles.

— O que você está fazendo? — Ela afasta o rosto, sem entender como ele pode querer pensar nisso agora.

— O que? Eu sou um demônio, o que esperava?

— Não... não assim. — Ela olha em volta para a cela, ele acompanha o olhar no chão sujo, nos ferimentos abertos de seus braços.

— Ah, eu consigo pensar em muita coisa para fazermos com você assim, meu bem.

— Não está falando sério. — Ela sorria enquanto dizia a ele, mas a felicidade se desfaz ao notar que ele acariciava sua barriga exposta. — Mefisto eu estou machucada, estavam me tort... me tira daqui, agora!

— Eu posso ver, inclusive gosto do que estou vendo.

Uma gota escorria do teto com infiltrações, o som ecoou marcando a desconsideração que ele tinha por sua agonia.

— Não, Mefisto, estou falando sério!

Ela consegue estender uma das mãos para empurrá-lo, ele a afasta torcendo o pulso gentilmente.

— Eu também.

— Vermelho! Ameixa! — Ela fala frustrada, mas ele iria compreender.

— O que tem ameixa? — respondeu em um tom confuso o demônio.

Ele não quer parar? Ele não vai parar?

— Nós não... Mefisto, eu disse a você, estou com Manson, você sabe que...

— Manson? Aquele humano?

Ela estranha a fala.

— Sim, o que foi, você não lembra dele?

— Ah, claro que lembro, ele está morto.

Ela para em choque.

— O que?

— Sim, nós o matamos, Lucy. Assim como matamos também o Jekyll e aquele anjo traidor da asa quebrada... — Os olhos brilham vermelho por um instante antes de retornar ao amarelo.

— Azazel? Mas ele era nosso amigo, seu amigo de milênios...

— E aquele cara que virava lobo, ou cachorro, ah... esse correu, tivemos que ir atrás, pois deu muito trabalho...

— O que? Você mudou de lado? Isso é traição!

— Ora, o que você esperava, eu sou um demônio, é o que eu faço. — O cheiro dele torna-se cada vez mais forte, sanguíneo, os cabelos parecem se tornar mais escuros e longos por um instante antes de retornar aos curtos cachos.

— Por que está fazendo isso, Mefis... não... quem é você?

Ela tenta afastar o demônio do próprio corpo e acaba usando as garras da mão esquerda para atingir o rosto dele. Ele sente o corte e responde com uma bofetada com as costas da mão tão forte que sua cabeça gira fazendo sua visão ficar negra por um instante. Ele segura a garra dela que ousou atingi-lo e quebra seus dedos com facilidade, ela mal geme de dor, então puxa as correntes esticando-as e imobilizando a vampira completamente em seus braços em forma de cruz.

— Maldita! Vou arrancar suas garras por isso!

Lucy! — Um grito abafado vem ao longe, como se ecoando do corredor, ela não identifica de onde, nem quem. Mas ela ouve pingos ao longe, parecem baixos agora.

Ele se afasta com um olhar decepcionado, vai até a mesa lateral e pega dois frascos e os quebra na mão. O cheiro almiscarado volta a inebriar a sala e ele esfrega as ampolas no rosto cortado da vampira deixando o líquido oleoso escorrer em seu único olho que mal enxerga enquanto grita muito próximo.

— Eu sou o demônio que você abre as pernas aqui toda vez que você encontra a doce morte! Eu sou aquele que você se aliou para trair todo o inferno e enganar seu marido, aquele que por direito era o Drácula. Aquele que por direito deveria comandar as hordas de vampiros na terra. — Ele segura seu rosto, ela pode sentir seu hálito ferroso bufando irado. — OLHA PRA MIM!

Ela olha e vê Mefistófeles, agora em sua forma verdadeira, com a pele esverdeada de camurça, porém ao longo de seu rosto e peito diversos espinhos surgem enfileirados. Ela grita, sua forma natural sempre foi uma bela gárgula cheia de gentileza, mas dessa vez, é algo aterrorizante e cruel que ela não conhecia. Presas saem de sua boca, pontas estão saindo de seu pescoço, ombro e costas dando um aspecto cada vez mais dracônico. No que ele a abraça tocando seu corpo as pontas ósseas perfuram sua pele rasgando seu dorso. Algo está errado, não era assim que ele se parecia.

As goteiras agora ficam um som contínuo, elevado.

— Para, Mefisto! — Ela se debate chutando o ventre dele que se afasta apesar do golpe com pouca força. — Você enlouqueceu! Para com isso, me solta!

Ele retorna dando um soco no rosto fazendo seu nariz sangrar e logo em seguida no estômago tão forte que expulsa o ar de seus pulmões. Assim que consegue respirar novamente, se move usando toda sua força restante para tentar soltar os braços, ele pega uma adaga e finca três vezes em seu ventre. Chocada, ela passa a tremer com a dor, sente seu abdômen se esvaindo no chão grotesco.

Uma gota cai, o som ecoa assim como de seu sangue pingando junto.

— Não você... — Ele sorri com sua súplica, ela olha e não consegue entender o que vê. — Para, por favor!

— Você está me devendo isso a séculos.

Ele tira a adaga do ventre dela e lambe o sangue antes de limpar a lâmina no pouco tecido das roupas em frangalhos da prisioneira. Então sobe as garras nas costas dela rasgando sua pele. Ela tenta encontrar algum apoio, sua mão direita encontra uma coluna de madeira de consegue apertar com firmeza para se manter no lugar.

Para, Lucy! — O grito volta, agora um pouco abafado, estranho, parece próximo, ela sente uma dor em sua cabeça do lado esquerdo, foi a bofetada? Não, ela tinha sido do outro lado.

O demônio grunhe enquanto lambia seu colo e abre mais ferrões pelo corpo, sua forma está horrenda.

— Mefisto... não você, por favor...

— Isso mesmo. Sou o Mefisto. Implore.

Ele afasta as pernas dela para a invasão, ela grita afônica, não tem forças ou consciência para conseguir emitir qualquer som. Um lampejo dolorido deixa tudo branco, surdo, mal consegue respirar, não pela intensidade da dor, mas pela humilhação, a decepção. Paralisada, dominada, ela se sentia um inútil pedaço de qualquer coisa sendo usada, infecunda e supérflua. Ele sorri puxando o rosto dela para o seu, forçando-a olhar. Ele sorria amplamente com seus olhos completamente vermelhos e finca suas prezas rasgando o pescoço da vampira.

Ela sente uma batida no seu rosto do lado esquerdo seguido de um murmuro abafado. A cela está em silêncio completo, ela vê um fio d’água escorrer pelo teto de pedra, se acumula na ponta rochosa e se lançar no ar. A gorda esfera cai no chão sem provocar som algum.

 

A vampira abre os olhos e está de pé, em casa, no seu quarto, sua camisola está colada ao corpo molhada de suor, sua mão direita está no pescoço de Manson, ela o segura no alto contra a parede. Ele murmura em agonia enquanto balança um abajur quebrado na mão direita, uma perna apoiada na parede tentando se manter enquanto a outra atinge levemente o quadril da vampira. Ela o solta em um lampejo de lucidez e horror do que acabara de fazer, sente os pedaços de vidro da lâmpada quebrada em seu rosto, leva as mãos à face e vê as garras afiadas cheias de sangue e pequenos nacos de carne de seu amante caído no chão.

— Manson!

Ela chama se abaixando, tenta olhar o que fez, ele tosse várias vezes antes de puxar o ar de forma sonora pela traqueia parcialmente estrangulada. Mas ele levanta os olhos negros para ela, ainda com duas veias estouradas pelo esganamento e levanta uma das mãos em um gesto pacificador.

— Tá tudo bem. — diz ele com a voz rouca.

Ela olha para a mão suja em sangue, com asco. Se levanta e vai direto ao banheiro abrindo a torneira na água quente para tirar as evidências de seu delírio. Ela procura de forma tola uma escova para limpar as garras e tirar aqueles nacos de carne que estão de dando tamanha culpa, quando rapidamente se olha no espelho e vê sua boca e rosto coberto de sangue.

— Ah não... não, eu te mordi... eu...

Manson já estava atrás dela, na porta, segura suas mãos tentando acalmá-la.

— É seu!

— Eu te mordi, Manson! Me desculpa, eu não sabia, eu não queria, eu... juro...

— Para! Olha, vê, sem marcas... — ele tira a camisa que já estava parcialmente rasgada e ensanguentada exibindo o peito e pescoço — viu, calma, foi só um sonho. — Ele diz enquanto abraça a vampira, ela chora enquanto fecha as mãos escondendo as garras dentro das próprias palmas com medo de machucá-lo novamente.

Eles ficaram alguns minutos embaixo do chuveiro abraçados, ainda vestida, ela não conseguia mais se sentir exposta. A água levou qualquer vestígio de suor, carne e sangue do pesadelo infernal de Lucy. De tudo, só não haviam lágrimas, ela não conseguia mais chorar, sentia-se seca. Ela terminava de limpar os cacos de vidro do canto do quarto quando vê o amado pegar um travesseiro e um lençol no armário.

— O que está fazendo?

— Eu vou pra sala — fala um pouco constrangido. — tenho que acordar logo para ir para o fórum fazer um depoimento.

— Sim, eu entendo.

Ela observa a pequena mancha de sangue que emergia na camiseta nova dele, naquele momento, ele parece mais frágil do que normalmente, afinal, ela se regenera rapidamente, ele não. Isso nunca tinha sido um problema antes, ela sempre controlou seus impulsos bem, foi um monstro apenas quando quis ser um.

— Me desculpe, eu não queria que isso acontecesse.

— Eu sei — afirma de maneira certeira, se aproxima jogando o lençol e travesseiro na cama —, quando te conheci você já tinha esses sonhos intensos, mas antes, você só me arranhou ou no máximo empurrava. Agora, só está um pouco mais... intenso.

— Está com medo de dormir comigo e eu acabar te matando, Manson? — Ele arregala os olhos, a resposta é o silêncio. — É, eu também tenho esse medo.

— Isso não vai acontecer. — Ele tenta apaziguar, sendo gentil, ou tolo. Ou talvez os dois. — Você já passou por muita coisa, já superou muito, vai superar isso também. Só precisamos de um tempo. É isso.

Ela sorri posado. Ele dá um beijo sonolento em sua têmpora, pega o lençol e o travesseiro e sai cambaleante exausto do quarto, ele só terá mais três horas de sono antes de levantar para um longo dia. Ela o observa sair, de alguma forma fica aliviada em ver o quarto vazio, ao mesmo tempo isso lembra a ampla masmorra fria e úmida. Ela pega uma coberta, apesar do calor, ela quer sentir algo diferente, algo que não a deixe ser transportada novamente para aquele lugar. Se enrola como um casulo antes de se jogar na cama e percebe que não apagou a luz, ela decide deixar acesa, pode ser bom, é diferente. Tenta respirar devagar.

Inspira.

Expira.

Ela repete isso mais algumas vezes e pensa no que acabara de sonhar. Ela o viu. Foi só por alguns segundos, ou será que não. Mefisto mentiria para ela? Não, ele não faria isso, todos disseram que ele estava na superfície o tempo todo.

Inspira. Mesmo que não tivessem dito, ele não faria isso com ela, ele nunca a machucaria. Nem quando eles brigaram ele fez algo contra ela.

Expira. Naquele momento, ele não conhecia a palavra, ela poderia jurar que ele não conhecia a palavra íntima deles. Ameixas. Se fosse Mefisto ele teria parado. Não teria? Ela tenta se concentrar, quase esquece de inspirar novamente, o ar entra entalando nos pulmões. Não era ele. Ela o viu, não? A dúvida paira em sua mente. Ela pensa olhando as próprias mãos, as garras teimam em ficar aparentes, os dedos tremem. Ela não consegue retraí-las, então fecha a mão novamente enrolando as garras contra a própria palma e fecha os olhos devagar.


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