Incursão no inferno (livro 2) escrita por Natália Alonso
Notas iniciais do capítulo
Artes em breve!!!
Olá pessoal, espero que estejam gostando dessa história tanto quanto eu. Confesso que é uma das mais complexas e elaboradas que já fiz. Em breve trarei aqui algumas artes que solicitei a amigos, afinal, alguns personagens novos merecem destaque.
“Na vida não há prêmios nem castigos. Somente consequências.” - Robert Ingersoll
New Orleans
Quando demônios e mortais estão todos reunidos no porão de Lucy, o conjunto torna-se uma visão no mínimo bizarra. Hidekki e Manson fumam enquanto olham para aquela mistura de seres que discutem entre si por questões familiares que claramente faltou terapia a ser trabalhada entre os membros. A vampira se aproxima do jovem asiático.
— Hidekki, podemos falar?
— Hum, claro.
— Queria saber se você vai voltar para a terapeuta que te indiquei. Quando liguei e ela disse que você não voltou.
— Ah, Lucy, eu não acho que isso seja realmente necessário. — diz enquanto coça a cabeça usando o gancho de metal que substitui a mão esquerda. — Até porque eu não podia falar muita coisa, que você é vampira, nem vou poder falar que agora tem demônios no seu porão que estão lutando contigo contra o fim do mundo. Então, não acho que seja muito produtivo.
— Hidekki, o que mais me preocupa não é o agora, mas o que aconteceu no passado, você ficou dias com Clinton e...
— Sim, ele me torturou e disse você não iria me salvar, que ele iria te convencer a beber meu sangue e me devorar.
A mulher arregala os olhos.
— Você... não tinha me contado isso.
— Não? — Ele dá uma tragada profunda no cigarro. — Quer que eu te conte detalhes? Você viu que eu estava nu naquela cadeira. — Ele solta uma bufada formando uma neblina nicótica enquanto balança a cabeça. — Ele não me abusou... assim. Só ameaçou cortar meu pau fora algumas vezes... não chegou a... me tocar. Não desse jeito que você está pensando.
Ela fica consternada por ele descrever casualmente tal agressão.
— Isso é horrível. O psicológico pode ser tão ou pior do que o físico. Eu realmente sinto mui...
— É esse o ponto. — Ele responde usando o gancho para apontar a ela. — O que você acha que ele me ofereceu para comer, Lucy? Acha mesmo que ele cozinhou só no dia que você chegou?
— E-ele te ofereceu partes das outras vítimas?
— Não, era meu mesmo, ele começou a rir quando soube que eu era vegano, ele só me fez “doar sangue”, não sei se conta como uma agressão física propriamente dito. Sabe o que é morcilla? — Ele cospe a palavra com um sorriso rancoroso. — Ele sabe preparar, com tomilho e pimenta rosa bem suave. — Ele descreve com ojeriza.
Ela vê que o asiático dá uma profunda tragada depois de engolir à seco, seus olhos estavam fixos na parede atrás dela.
— Bem, acho que isso não importa mais, meio que foi verdade, não é?
— Do que está falando? Eu não sabia que você tinha sido sequestrado e quando eu vi que estava lá...
— Ele ofereceu pra você o transformar em vampiro, ou ele me cortaria em pedaços! E a gente sabe qual foi a sua escolha. — Ele diz enquanto levanta o gancho protético.
— Hidekki! Não pode estar sugerindo que eu deveria ter cedido.
— Não sei, Lucy. Eu gostava da minha mão.
— Eu sinto muito. Eu realmente... fiz o que pude naquele momento, ele tinha me drogado, estava ferida.
— Eu sei, Lucy, eu tava lá! Eu vi que você mal conseguia se mexer direito. — Hidekki olha para o policial que conversa com Jekyll ao lado. — Mas também vi que quando o namoradinho ficou em perigo você se recuperou rapidinho.
— Você está comparando o que aconteceu com você ao que ele poderia...
— Poderia. Eu te conheço a anos, ele te conhecia a semanas, mas claramente não éramos a mesma prioridade.
— Hidekki, está querendo arrumar um culpado disso tudo, sendo que o louco foi o Clinton. E ele está morto. Não pode dizer que eu não o impedi...
— Sim, você o matou quando achou necessário.
As palavras de Hidekki soaram decepcionadas, seu torturador estava morto, mas isso não aconteceu em sua defesa. Lucy olha para o jovem e reflete que ele perdera muito mais do que apenas a mão naquele dia.
Desenhos surgem no chão do ambiente com signos diversos onde um pentagrama se forma e logo em seguida Baphomet, Belial e Metatron surgem no local. Os três param assim que veem Lúcifer que os encara com repulsa.
— Lúcifer, a quanto tempo. Passou bem seu período sabático? — Baphomet provoca.
O ex-prisioneiro ainda enfraquecido bufa desdenhoso.
— Bem, mas não que isso seja graças a sua confortável cela, sobrinha. Eu deveria ter imaginado que você estaria aqui.
— Por mim, você continuava na jaula.
Baphomet sorri. Metatron suspira para Mefisto.
— Bom saber que já conseguiu resgatar Lúcifer, mas agora temos outros problemas.
— Por que demoraram tanto? — Mefisto indaga.
— Sim, nós estávamos se curan... — Belial falava quando foi interrompido pela voz de Azazel.
— Onde está Lilith?
Os três do círculo se viram para o anjo caído que estava do outro lado da sala. Ele se aproxima devagar notando os ferimentos recentemente cicatrizados de Baphomet e nota que Belial mal se mantém em pé.
— Azazel, conversaremos a sós. — Baphomet ergue a mão para que ele se junte a ela em algum outro lugar.
— Não. O que está acontecendo?
— Az, por favor, seria melhor. — Belial insiste.
Mefisto move a cabeça em negação, ele pressente a notícia então se aproxima do amigo que inquere.
— Vocês estão um lixo, teve luta! Eles atacaram, foi isso?!
— Eu fiz o que pude, eu juro que tentei. — Belial toca no ombro de Azazel tentando o consolar. — Quando nos atacaram estavam em maior número, eu fiz uma cópia, mas não foi o suficiente pois ele me envenenou...
— Astaroth a matou! Aquele desprezível a profanou e depois ainda assim a matou!
O anjo brama com as mãos puxando os próprios cabelos em horror, sua dor é sentida por todos. Mefistófeles o segura e tenta abraçar o amigo para que não se machuque mais.
— Não foi Astaroth que a matou. — avisa Metatron.
— O que? — Mefisto fica confuso. — Como você...
— Eu toquei o sangue e vi.
— Não faça isso! — Baphomet avisa.
— Eles precisam saber. — Metatron fala com sua frieza criando a reprodução da cena no local.
— Não desse jeito, não assim! — Belial tenta conter a mão de Metatron, mas ela já recriara o local.
Em segundos o porão se transformara na sala da geometria onde ouve a luta. Baphomet pragueja, Azazel saber da morte de seu amor já era terrível o suficiente, fazê-lo assistir era sadismo. Ela também se preocupa com a reação de Mefistófeles, ele mudou completamente a feição quando Vlad Tepes aparece no holograma e luta com Belial. O demônio olha para Lucy que também está horrorizada em saber que seu trauma antigo agora não só não está mais preso, mas está com grande poder.
O momento em que Belial é quase morto e depois Lilith é atacada é grotesco e inteiramente mostrado, Azazel berra no choro estendendo o braço para alcançar a reprodução ilusória da mulher sendo brutalizada. Mefisto tenta inutilmente acalmá-lo enquanto seu rosto fica torcido em dor profunda com seu amigo.
A ilusão se desfaz, Azazel está no chão, afagado por Mefisto. Metatron parece absorta, em transe, ela observa os próprios dedos recentemente enegrecidos, a tonalidade negra e branca parecem estar se movendo em sua pele como tinta na água. Ela vê encantada com sensorial quando a voz de Baphomet a reprime.
— Você não precisava fazer isso.
— Eles mereciam saber tudo o que ocorreu.
— Eles saberiam, mas não precisava mostrar, não desse jeito.
— São apenas fatos, não muda o que aconteceu.
Lúcifer interrompe o transe da serafim.
— Os fatos não mudam, mas a forma que podemos lidar com eles é alterada. Isso é algo que você e o Senhor Majestade lá encima nunca entenderam, que para quem sofre, cada detalhe importa.
— Ainda ousa querer julgar a divindade, Lúcifer.
— Claro, que mal me pode fazer? Me queimariam as asas? Me transformariam em uma serpente e me baniria do céu? O que me deixou intrigado é como a senhorita branca poderosa aí está com os dedos escuros pela primeira vez.
— Isso é... quando eu fui salvar seu filho, Belial, acabei absorvendo um pouco dele também junto com o veneno divino da espada.
— Interessante. O veneno era divino. E você agora tem um pouquinho de demônio dentro de si. Será que para você fará diferença agora algumas das coisas que falamos aqui?
Metatron não responde. Do outro lado do salão, Manson assiste a tudo junto de Hidekki, Jekyll e Yuri. O policial vê quando Jekyll vai em direção a Lucy que tinha se isolado.
— Você está bem? — Jekyll questiona a mulher.
— Eu pareço bem? Merda, eu não estava contando com isso...
— É, eu imaginei...
— Do que estão falando? — Manson os questiona.
— Vlad Tepes, o Drácula. Foi ele quem matou Lilith. — O idoso responde.
— Esse não era seu ex-marido?
— Era, mas pelo que eu soubesse ele estava preso e não sairia mais do buraco... — Lucy fala levantando o tom de voz para Mefistófeles que estava passando por lá, depois de deixar Azazel em outro cômodo.
— Lucy, eu não sabia.
A vampira o avalia por um instante.
— Por que eu estou sentindo algo estranho em sua voz. Não sabia mesmo, Mefisto?
O demônio se aproxima antes de falar.
— Não, mas não me surpreendi. Astaroth era comandante do nono círculo, onde eu coloquei Vlad. E ele sempre me questionou sobre o quanto interessante ele seria como comandante de um exército de vampiros.
— Ótimo, então eu fui chamada para lutar contra ele?
— Não, isso não vai acontecer.
— Por que não? O Vlad não vai perder a oportunidade de ir atrás dela no meio da guerra. — Jekyll interveem.
— Ele está desencarnado, está sem um corpo. Ele não poderá subir aqui sem um, se o fizesse seria como um zumbi o que eu acho que seria pouco provável uma luta realmente perigosa. Ele terá que ficar lá no inferno.
— Mefisto, é sério isso.
— Calma, Lucy. Eu te prometo. Ele não vai chegar perto de você. Astaroth o usará no inferno, aqui na superfície ele usará os demônios. Ele não vai arriscar colocar um comandante que possa cair facilmente.
— Então é melhor que seja isso mesmo, pois o que quer que seja já começou! — Manson avisa enquanto olhava para a televisão.
Hidekki aumenta o volume no canal que transmite as imagens de um carro alegórico que está sendo atacado por demônios no desfile de New Orleans.
*******
Os carros alegóricos desfilavam no tradicional carnaval quando uma fenda se abriu no chão. Dela, diversos demônios de antigos guerreiros persas, mongóis, britânicos e espanhóis saem em tropas coloniais. Cerca de algumas centenas de soldados de ideologias cruéis com armas medievais prontos para a batalha se alinharam junto de Abigor e Belzebu que comandavam os grupos.
— Eu irei com a tropa mongol pela direita, essa é uma faixa muito estreita, é melhor alguém mais experiente próximo ao rio. Enquanto isso, você vai pelo parque com a tropa maior. — Abigor avisa Belzebu.
— Acha que eles vão aparecer logo?
— É possível. Fique atento, me avise se precisar de apoio.
— Por que acha que eu precisaria de apoio, e não você?
Abigor para e olha ao redor antes de responder.
— Eu não acho, Belzebu. Tenho certeza disso.
Abigor segue com sua pequena tropa de mongóis pela estreita faixa de desfile onde os soldados atacam as pessoas fantasiadas que tinha apenas a intenção de festejar. Enquanto o demônio da violência caminha, suas pernas se fundem e passam a deslizar em um corpo de serpente da cintura para baixo. O longo corpo negro era composto de escamas brilhantes, sendo que a parte de baixo exibia um amarelo vivo com pontos avermelhados. Sua cauda alongada tem uma ponta firme e rígida metálica tal como de uma lança da qual ele balança e usa para levantar uma das viaturas que se aproximava lançando-a no ar.
*******
Lucy sai do quarto dimensional onde estava Azazel e encontra Mefistófeles logo no corredor.
— E então?
— O que você acha? Ele não está em condições de lutar, consegui o acalmar agora.
— Estamos desfalcados, Belial também não poderá, Baph está ferida e Lúcifer...
— Daremos um jeito, ainda bem que Jekyll trouxe vários frascos de tônico.
O demônio se afasta para ir até o porão onde prepara o portal, Manson termina de mexer no celular e avisa.
— Os policiais estão todos sendo acionados.
— Por favor, fique aqui. Não confio em Lúcifer, mesmo ferido. Se acontecer algo, não tente nada, apenas pegue Hidekki e saiam, deixe que os sobrenaturais cuidem disso.
— Uau, adoro quando você é protetora comigo.
Ela mal sorri enquanto veste um peitoral metálico e couro escuro. Assim que pega a cimitarra Manson solta um suspiro.
— Já disse que é muito quente quando está brava e concentrada?
Ela agora não contém o sorriso.
— Segure essa ideia para quando eu voltar, vou querer relaxar essa noite.
Ela puxa o cabelo dele para trás expondo o pescoço e pousa um beijo onde sua barba mal aparada termina. Ele ainda disfarçava o arrepio quando viu a mulher se afastar indo em direção ao portal demoníaco para o campo de batalha. Quando o grupo chega no local, Lucy e Mefisto se comunicam com Hidekki que ficara observando o sistema de segurança e vídeos no porão da vampira.
— Certo, Hidekki, você vai nos avisando do que você consegue ver nas câmeras o quanto estão se espalhando. — Lucy fala pelo comunicador. — Aqui fica comigo Jekyll e a Metatron.
— Sim, Lucy, segue por essa avenida que logo vocês vão encontrar esse demônio-cobra, não vai ser difícil de encontrar. — Hidekki fala enquanto bebe energético e vê na tela catorze câmeras de segurança ao mesmo tempo, em outra tela o mapa da área o auxilia a se localizar e dar as instruções. — Mefisto, segue com o seu batalhão mais para dentro do parque, esse grupo é maior, tem mais demônios menores e tem um bem irritado desbocado.
— Certeza que esse é o Belzebu. — Mefisto resmunga antes de seguir na área.
Enquanto isso, no porão de Lucy, Manson se aproxima dos computadores após terminar de conferir sua pistola e colocar mais carregamento preso junto ao corpo.
— Deixa eu olhar mais uma vez o lado que tenho que descer.
— Pensei que disseram que você ia ficar aqui. — murmura Hidekki enquanto seus olhos não saem das telas, atento aos movimentos de cada um dos membros.
— Eu não vou ser babá de ninguém. — Ele fala enquanto coloca um comunicador no ouvido. — Me escuta?
— Alto e claro.
— Ótimo, quando eu chegar lá você me guia.
— Certo.
Mefisto segue junto de Yuri, o louro se contorce rapidamente com os ossos estalando e os músculos se reposicionando. A transformação é sempre dolorosa e já na forma de licano ele corre de quatro no meio do bosque atingindo os pequenos demônios que atacavam as pessoas ao redor. Baphomet corre com facilidade em seus cascos, a visão dela é bastante assustadora para os populares que acabam fugindo dela igualmente como os demônios que de fato atacam. Não que ela se importe com isso, na verdade até abre caminho para que ela encontre facilmente Belzebu.
— Belze! Querido, venha aqui!
O comandante infernal se vira e vê Baphomet chegando em trote com uma nova lança em mãos.
— Ah, fodeu! — Belzebu xinga pouco antes de conseguir levantar a espada para defender o golpe
Mefisto alça voo, seus olhos amarelos passam a brilhar enquanto invoca uma parede que surge em volta de um grupo de fantasiados protegendo-os dos demônios de armadura espanhola colonial. Ele se aproxima atingindo-os com espadas esverdeadas e agarra pelo pé um que tentava subir o muro verde e o lança longe.
Do outro lado do parque, Lucy usa sua antiga cimitarra para decepar os membros de guerreiros mongóis que a atacavam. Jekyll, já transformado em sua forma de Mr. Hyde atropelava com facilidade um grande número deles que se amontoaram em um carro alegórico. Metatron pairava no ar lançando feixes de luz diretamente contra o gigantesco demônio naga que Abigor tinha se tornado.
— Eu não sabia que Abigor podia ficar nessa forma! — fala Lucy, chocada com o tamanho e a agilidade com que ele desvia dos golpes da serafim.
— Isso por que não viu quando ele levar a sério a briga. — responde Mefisto.
— Pera, ele não tá nem levando a sério? — A vampira comenta um pouco apreensiva.
A naga lança sua cauda pontuda diretamente para a serafim que só não é atingida por se tornar intangível. Porém, quando a cauda retorna acaba a atingindo nas costas lançando-a de lado. Quando a serafim vai ao chão, Lucy se preocupa indo até ela para despertá-la antes do próximo ataque de Abigor. Mas a celestial segura a ponta metálica da cauda com as mãos pouco antes de ser atingida, e puxa a cauda com força o demônio que acaba lançado com força contra um muro.
Manson chegara quase ao mesmo tempo em que o muro foi atingido no quarteirão ao lado, ele percebe que está no meio da fuga de pessoas e demônios, mas não encontra o grupo em si.
— Hidekki, eu tô no centro do parque, para qual lado agora?
Ele fala enquanto atira na cabeça de alguns demônios que se aproximavam defendendo pessoas e ajudando-as a escaparem. O jovem observa na tela o policial que foi em busca de ficar ao lado de Lucy, é claro. Ele nota que o bando de Mefisto se concentrou do lado oeste, junto das árvores mais altas. Ele observa que Lucy e outro grupo está junto do rio, no lado leste. Parece ótimo, muitos demônios ao norte, atacando pessoas, essa aglomeração é numerosa e ainda estão bem armados. Ele responde maliciosamente no comunicador.
— Lucy subiu agora pouco ao norte de onde você está Manson, é só você pegar esse caminho de pedras atrás.
O policial se vira, corre na direção indicada e vai diretamente ao grupo que estava isolado e sendo atacado. Hidekki observa as câmeras satisfeito, ele nota que a gata Hipátia acabou subindo na mesa e se aproximando de sua mão em busca de carinho. Ele traga o cigarro e bafora encima do animal que mia curto antes de pular magoada da mesa.
Enquanto Baphomet batia com a lança nas pernas de Belzebu, o demônio vociferava contra a prima mais velha.
— Para com isso, sua puta!
Nesse momento, em um salto, as garras longas de Yuri atingem seu rosto rasgando sua face.
— Tenha modos com a dama!
O russo em forma de fera ainda rosna abocanhando o braço do demônio que grita de dor antes de ser atingido pela lança na cabeça em um golpe lateral. Belzebu cai desmaiado aos pés de cabra de Baphomet e Yuri cospe o braço com certo asco.
— Que nojo! Ele não é muito limpo.
— De fato, ele não tem essa qualidade, nem outras também.
Yuri sorri cheio de presas e estende a mão peluda.
— Eu acabei nem falando contigo antes... sou o Yuri.
Baphomet olha em volta e estranha o comportamento.
— Baphomet.
— É... caramba, você é linda. — Yuri murmura em russo enquanto olha os braços torneados e os pelos sujos de sangue balançando entre os seios livres da demônia. Ela é muito mais alta do que ele e seu sorriso bobo só é interrompido quando a luz verde aparece entre os dois para prender Belzebu em um construto de Mefistófeles.
É nessa hora que os tiros de Manson são ouvidos e Mefisto torna-se uma neblina esverdeada para se mover rapidamente entre as árvores em sua direção, quando chega e retorna a forma ele percebe que o homem negro já estava cercado de demônios que atacava o grupo de civis do policial. O demônio manifesta um construto verde em volta protegendo-os enquanto Baphomet ataca os demônios menores.
— Pensei ter dito para você ficar.
— Toda a polícia da cidade foi acionada, é apenas trabalho.
Mefisto rosna em reprovação enquanto tem que atacar outra ofensiva de uma massa de condenados ao lado. Ao mesmo tempo, do outro lado do parque, Metatron parece finalmente estar cansada, o demônio serpentino a ataca, mas é segurada por Jekyll e Lucy que impedem que cause grandes danos a serafim. Porém, nesse momento os dois veem que um bando de guerreiros se separou e foi em direção a uma família de civis que estavam isolados. Ambos se olham:
— Vai, eu seguro a cobra! — Jekyll avisa, agarrando as escamas com mais força.
A vampira solta e corre em direção aos demônios, ela os agarra impedindo que tocassem na criança que já estava em eminente perigo. Porém, outra turba ainda maior de condenados se aproxima dela que passou a empurrar os familiares para a lateral tirando-os da linha de frente. Quando eles atacam, todos rolam pela margem do rio em direção ao afluente. Três conseguem empurrá-la para a água e mais dois pulam em seguida mordendo os braços dela que agarra um quebrando seu pescoço. Eles flutuam com dificuldade na torrente ainda em combate, um deles a segura por trás tentando afogá-la enquanto os outros três usam facas em uma bagunça úmida tingindo de vermelho o rio. Nesse momento, três demônios que estavam na ponte a veem e saltam para a correnteza em sua direção segurando um cabo de fiação grosso que fora arrancado de um poste.
No que eles se juntam, os mordedores continuam a arrancar pedaços de Lucy que chutava para se livrar, mas sua expressão muda radicalmente quando sente o grosso fio enrolado em seu pescoço. Um dos braços foi preso com o cabo, ela se balança e sente que está sendo levantada através das águas, a correnteza intensifica ainda o estrangulamento. Ela pode ouvir os gritos de horror da população que estava ao redor, está acontecendo, é real. Ela usa sua garra para atingir o rosto de um dos demônios que grita antes de soltar sua mão, mas outro maldito bate muitas vezes em seu rosto. Ela sente o peso de seu corpo começando a ser demais, a pele de sua face parece queimar, seus olhos parecem querer saltar das órbitas, algumas veias estouraram. Ela tenta girar o corpo com a garra, alcançar a base de fio muito grosso, se conseguir cortar, se cons...
Enquanto a vampira tentava sobreviver, Mefisto, do outro lado do parque sente como se seu peito estivesse sendo cortado, a sensação era algo específica que ele reconheceu.
— Lucy? Não ouse morrer agora. — Ele murmurou para si mesmo enquanto estava usando um construto esverdeado para proteger Manson e outro para esmagar diversos soldados que atacavam aos montes.
No rio, a vampira tentava subir no fio, diminuindo a pressão no pescoço. Então um demônio saltou da ponte agarrando suas pernas, ouve um estralo forte em sua coluna, sua mão pende lateralmente, ela não sente mais nada dos ombros para baixo, está tudo inerte, não consegue se mover. Seus olhos lacrimejam e ela sente o ar acabando, a ponte se move de um lado a outro em sua visão, ficando cada vez mais turva, ela mal consegue enxergar os demônios que riam dela enquanto agonizava. Ela balança no vento, pendurada como um saco de batatas. Uma, duas vezes, e finalmente sua vista fica nimbosa e não está mais presente naquele corpo.
Quando a serafim atinge a naga novamente, a gigantesca fera dá um golpe usando seus braços na garganta de Jekyll, assim, consegue se desprender e escapa rastejando em um sibilar alto. Os demônios são convocados com o som que reverberava de seu tronco escamoso e aos poucos vão se reunindo em retirada. Porém, quando Abigor vai até o outro bando, ele passa ao lado do rio e vê o corpo pendente da vampira, ele acelera e ataca rapidamente Mefisto para tirar seu construto que imobilizava o desacordado Belzebu.
— Abigor! Não faça isso! — Baphomet fala.
Abigor olha para eles segurando Belzebu nos braços.
— Apenas... — Abigor olha fixo em Mefisto e depois mira em direção ao rio. — Eu sinto muito.
Mefisto fita confuso e antes que possa falar, Abigor fez uma fenda fugindo com Belzebu desacordado nos braços. Logo em seguida, ele nota que muitos dos condenados de Abigor começaram a definhar em pó quando o serpentino desceu aos infernos, ele os invocou de baixo para que não precisasse esperar que passassem os portais.
— O que está acontecendo? Ele nunca fugiu. — Mefistófeles murmura.
— Eu não sei, mas é melhor reunirmos os feridos. — Baphomet observa que ainda há civis que estavam feridos e apavorados com a visão deles.
— Não se preocupe com isso, eles não entenderão nossa imagem, eu já dei um jeito nisso. — Mefisto fala com tranquilidade apontando para os repórteres que se amontoavam tentando tirar fotos e gravar todo o ato.
— Os outros estão perto do rio, já disse para eles descerem em sua direção. — avisa Hidekki pelo comunicador para eles.
— Isso foi muito simples, muito rápido, não combina com Abigor. — Baphomet fala com o demônio da heresia.
— Creio que o objetivo não era destruir tudo, mas sim testar, ou talvez pegar algo... eu não sei, ele conseguiu alguma coisa ou então não teria batido em retirada daquela forma.
Quando os dois grupos se unem eles percebem a falta da vampira, Mefisto franze o cenho.
— Eu não estou sentindo... — O demônio murmura a si mesmo em tom preocupado, Baphomet ao seu lado o questiona.
— O que?
— Eu não a sinto! — responde já apreensivo.
— Eu acho que ela caiu no rio, deve estar mais abaixo, na água. — Avisa Jekyll.
— Não tem problema, eu encontro fácil. — O russo fareja o ar e começa a correr mais próximo da margem do rio descendo com a correnteza.
Gritos são ouvidos próximos da ponte, o grupo corre na direção quando escuta Yuri falando no comunicador.
— Eu a achei!
Quando todos chegam, veem o licano puxando a vampira pelo grosso fio de poste para a ponte tentando tirar seu corpo pendurado. Manson grita afastando os civis próximos.
— Saiam daqui, deem espaço, vocês precisam se afastar!
Assim que Yuri consegue pegá-la, Mefisto fica ofegante, com os olhos arregalados e boca falhando na fala.
— N-não... não podia ser agora...
Manson rapidamente usa uma faca para cortar o fio, ele ainda está tranquilo, balança o rosto dela no colo tentando acordá-la.
— Pronto, daqui a pouco ela volta...
— Ela não vai voltar. — Mefisto sussurra.
— Do que você está falando? Ela sempre volta.
— Isso era quando eu estava lá, no inferno. Eu impedia que ela sofresse a penitência e permanecesse lá, mas agora... eu estou aqui.
— Então, isso significa que ela está perdida lá? — Manson fala confuso.
— Ela morreu pela violência, provavelmente está no círculo de Abigor, foi por isso que ele disse... eu acho que ele deve estar tratando da penitência dela, provavelmente será o primeiro pecado a ser expurgado.
— Como assim?
— É o inferno. O que você acha que vai ser?
— Não, isso não pode estar acontecendo! — Manson ainda confuso segura o rosto inerte da mulher no colo, ele tira a máscara dela vendo seus olhos paralisados.
O policial a coloca no chão e começa a fazer massagens cardíacas na mulher. Mefisto sente sua mão trêmula ser pega por Baphomet.
— Tem que ter um jeito. — Ela fala baixo.
— Eu não pensei nisso, eu não deveria tê-la chamado, eu fui estúpido de...
— Mefisto, para, pensa! Tudo tem um preço.
O demônio olha confuso para os olhos de cabra dela, mas então ele se acalma.
— Ele pode trocar.
— Claro que pode, mas mande outro fazer a negociação.
Mefisto foca os olhos de serpente amarelos e dá um leve sorriso para a irmã. Ele se abaixa fazendo sinais de invocação no chão.
— Se ele quer a coroa, ele que ajude com isso pelo menos, não temos que fazer tudo sozinhos.
Vale do Flegetonte
O rio passa suavemente, mas as águas vibram ritmicamente com os tambores que agora estão fixos em um pulsar dando a marcha de guerra dos inúmeros soldados preparados. Entre diversas tropas dos batalhões mais sanguinários que passaram na terra, um grupo chama a atenção do Estrela da Manhã, os vampiros estão alinhados e parecem sibilar com a caminhada daquele que aparenta a magreza de sua longa prisão.
As pedras alaranjadas da margem do rio eram cheias de orobas anteriomente, Lúcifer nota que não encontra nenhum deles entre os demônios prontos para combate, todos desapareceram pela ordem de Astaroth que aparentemente foi cruelmente acatada. Quando ele anda com suas botas pela ponte do castelo negro ele pode ver que estava sendo observado por muitas figuras das torres secundárias, todos parecem curiosos. Os portões são abertos, sem que nenhum demônio veio receber o antigo governante que ainda caminha sozinho até o salão principal onde encontra Abigor em seu trono.
— Pai. Vejo que foi liberto, imagino por nossos irmãos traidores, Mefistófeles, Baphomet, Belial...
— Abigor. Sabemos que eu não vim aqui para falar com você.
— Então veio ao local errado. Aqui apenas a violência é tratada.
Lúcifer respira fundo em desdém.
— Então quer dizer que eu vim trazer o que Astaroth quer à toa? Vamos lá, filho, sabemos que ele veio aqui quando soube que eu estava a caminho. Eu quero negociar por essa guerra.
Abigor permanece resoluto.
— A guerra nem começou, você sabe disso.
— Eu sei. E se o rei quiser matar aquele que o desafia, terá que ter a arma adequada, não acha? Comigo não basta armas abençoadas comuns, precisa ser um pouco mais... celestial.
Abigor pisca devagar e inclina o rosto para a direita. Lúcifer acompanha seu olhar no vazio da sala e fala:
— Certo, Astaroth?
A área parecia estar vazia, mas a falta de qualquer brisa indicava a anomalia. Um único olho vermelho se abre devagar, ainda semicerrado em raiva quando aos poucos a pele branca leitosa do demônio vai surgindo. A cabeleira vermelha surge pouco depois e cobre parcialmente as cicatrizes recentes em sua face com o olho ausente, a falha é ainda adornada pelo chifre quebrado de sua cabeça. Lúcifer não consegue conter o sorriso.
— Olha, eu fiquei magoado com a Baphomet em ter construído aquela cela minúscula para mim, mas acho que terei que dar meus parabéns por ela te deixar mais belo, filho.
— O que veio oferecer, Estrela da Manhã?
— Primeiro, quero saber se tem o que eu procuro. Eu nem disse o que quero ainda.
— Já era esperado que viessem barganhar. — Astaroth meneia para Abigor.
O demônio da violência faz um gesto com a mão e uma porta se abre permitindo a entrada de Vlad Tepes, ele entra radiante enquanto puxa uma corrente e arrasta a jaula de ferro em volta da cabeça da alma de Lucy. A mulher rasteja com as garras arrancadas, dentes e olhos ausentes no rosto. Ela luta contra algo invisível no ar enquanto treme e balbucia palavras sem sentido, está magra, poucos cabelos e em farrapos, os ferimentos e cicatrizes na pele indicam a tortura longa e contínua. O vampiro puxa a mulher próximo das próprias pernas, fazendo com que ela se aninhe como um animal com curtos ganidos.
— Fique aqui, meu bem. — O vampiro fala baixo para ela.
Ele levanta levemente uma das botas pisando na ponta dos dedos dela enquanto sorri em satisfação.
— É, imagino que você esteja cuidando da penitência, Vlad.
— Mas é claro, tenho cuidado, pessoalmente. — Vlad sorri mostrando suas presas enquanto afaga empurrando a cabeça de Lucy para próximo da própria pélvis. — É ótimo saber que eu tenho muito, muito tempo.
Lúcifer torce os lábios com a cena por demais expositiva.
— Hum... — Lúcifer faz as contas com os dedos. — Eu imagino que deve ter acumulado um tanto, ela tem o que, 560 anos de vampira, então isso daria...
— Ela precisa cumprir mais de quatro mil anos de penitência, não só pelo vampirismo, mas por todos os pecados não pagos. Ela mal começou, teve apenas cento e vinte e dois anos até agora. — Abigor fala.
Lúcifer franze a testa.
— É uma dívida e tanto...
— Bom, era esse o produto que veio buscar, não era? — Astaroth fala com satisfação.
— Sim, adivinharam. Em troca, eu ofereço a Cimitarra de Luz.
O olho vermelho de Astaroth brilha em contentamento.
— Pela alma de uma mortal? Que pechincha. Tem certeza que ela vale tudo isso?
— Por meu nome, claro que não! Por mim ela ficaria aqui. Mas me convenceram que ela precisa estar viva. Não tive escolha, fui pressionado a isso.
— Imagino que tenha sido um pedido do pequeno Mefistófeles.
— Ele sempre foi excêntrico.
Astaroth olha desconfiado.
— Pai, acha mesmo que Mefistófeles vai te dar a coroa assim? Ele mesmo foi um dos que atrapalhou seus planos para fazer um filho na terra, o anticristo. Fez o golpe para que Moloch assumisse, ele ajudou Baphomet com sua cela.
— É, eu não preciso ser lembrado disso.
Astaroth estreita o único olho, insistindo.
— Ele vai te trair. Afinal, tu já está por demais velho que nós, deixe que que o inferno seja governado por alguém mais jovem.
Lúcifer sorri.
— Agradeço pelos conselhos, filho, por sua preocupação. Mas eu já passei um tempo descansando, eu gostaria de trabalhar um pouco.
O antigo rei ergue as mãos invocando a espada curvada que o brilho furta-cor reluz em ondas até seu cabo dourado. Ele oferece a peça diretamente para o rei a sua frente.
— E então?
— Por que acha que eu não pegaria essa arma e te mataria agora, seria tão mais fácil. — Astaroth fala entre os dentes ao se aproximar.
— Seria. Mas não faria isso, você iria querer uma batalha enorme, vista por todos. Você gosta de palco, não vou recriminar, eu também.
Astaroth sorri, pega a espada da mão de Lúcifer e se afasta devagar, sem lhe dar as costas. Por mais que fosse ele que estivesse armado, o histórico de Lúcifer fazia com que fosse sábio não lhe dar as costas. Vlad suspira em desgosto, se abaixa sussurrando para a mulher algo que a faz tremer. Então acaricia a cabeça ferida dela através das grades antes de andar e oferecer a ponta da corrente. Quando Lúcifer vai pegar, o vampiro recua a oferta alguns centímetros. O ato chama a atenção de todos que olham receosos para Vlad que alerta:
— Avise a Mefisto, que o segundo contrato dela foi revogado. O primeiro é que está valendo.
Então ele sorri, e oferece novamente a ponta da corrente. Lúcifer pega o metal com certo nojo de como aparenta estar gorduroso.
— Não dá pra tirar essa coisa da cabeça dela? — referindo-se a jaula de ferro que obriga-o a puxar como um animal.
— Esqueci onde coloquei a chave. Aliás, ande devagar até subir, ela está com um pequeno dano nos joelhos, não consegue andar em duas pernas.
Lúcifer sorri falseado.
— Sem problemas.
O demônio caminha saindo do salão conduzindo a alma rastejante da maldita atrás de si.
New Orleans
Na ponte, Manson tinha parado a pouco tempo de fazer as massagens cardíacas no corpo inerte da vampira, ele estava com a camisa completamente grudada de suor do esforço. Desesperado ainda não aceitava que Jekyll tentava lhe dizer que Mefistófeles tinha conseguido outra forma de ressuscitar a mulher que jazia no chão. O demônio andava de um lado a outro em seus pés descalços enquanto suas mãos trêmulas balançavam no ar até que Metatron inspira profundamente.
— Oh, ele conseguiu!
Um pentagrama surge no chão com mais alguns signos em volta fazendo um fogo vermelho surgir a imagem de Lúcifer que suspira aliviado para Mefisto.
— Por um momento eu achei que Astaroth iria me matar ali mesmo.
— Não ia. — fala Mefistófeles, impaciente.
— Ele cogitou.
— Tenho certeza que sim!
— Ela deve acordar a qualquer momento.
— O pelo amor de Deus, que bom... — Manson vai até o corpo de Lucy para acordá-la.
— Eu tive todo o trabalho e ele agradece quem tá cagando pra isso. — Lúcifer resmunga. — Ela estava na merda, bem que você avisou.
— Abigor estava lá? — Mefisto questiona com a mão na testa.
— Sim, ele, Astaroth e o Vlad, com uma cara sinistra.
— Vlad? O que ele estava fazendo ali? — Mefistófeles franze o cenho.
— Foi ele quem a trouxe, que nem um cachorro.
— Como assim, cachorro? — Baphomet vira-se aflita para Lúcifer.
— Sim, tinha uma jaula na cabeça dela.
— De ferro? Era quadrada?
O antigo demônio olha para Mefisto e Baphomet consternado comprovando a descrição.
— Por que isso é importante?
Mefisto racionaliza a informação, mas ele mal tem tempo de processar antes de correr e afastar Manson do corpo de Lucy que tinha acabado de despertar. Assim que ele puxa o policial para longe dela, a mulher que tinha acabado de despertar se levanta em fúria, seus olhos completamente enegrecidos e presas aparentes indicam a cólera que sente no momento. Suas garras acabam atingindo a lateral do demônio enquanto ela grita.
— VÁ EMBORA!
Ele só levanta o braço direito em defesa quando Yuri na forma de lobisomem tenta conter os braços da mulher.
— Lucy, para!
Ela chuta o lobisomem com facilidade e urra feroz quando é tocada por Jekyll que a segura com os braços gigantescos. Ela grita para o amigo enquanto vira o corpo para o desequilibrar.
— EU MATEI VOCÊ! EU MATO DE NOVO SE PRECISAR, DESGRAÇADA! — vociferou Lucy para o amigo transformado.
Completamente fora de si, ela finca as presas no pescoço dele fazendo soltá-la, então ela é atingida pela lança de Baphomet. A vampira segura a lança fincada no ventre e vira o corpo para usar a arma para bater na demônia enquanto Yuri retornou agarrado em suas costas.
— Que merda tá acontecendo? — Manson fala com Mefisto.
— Eles a entregaram com a prisão mental! Ela ainda tá na penitência, eu achei que seria Abigor que faria, mas foi o... aquele asqueroso.
Em sua mente, Lucy estava sendo contida por Mehmed enquanto um dos torturadores da inquisição espanhola a atingia no ventre. A vampira crava as garras nas costas de Yuri o arrancando de cima de si, Baphomet é atingida pelo corpo do lobisomem que fora jogado. A vampira gira a lança e prepara-se para jogá-la contra Manson que ela enxerga como Dorian. Nesse instante, Metatron e Lúcifer se unem contendo a vampira, desarmando-a e suspendendo-a no ar através de um construto único em conjunto das entidades opostas. Agora presa em uma redoma de poder, ela era impedida de atacar os outros, porém, o frenesi da mulher parecia aumentar continuamente, seus olhos vidrados tornam nítido que está alucinando, que enxergava ainda estar sendo atacada. Ela tentava mover os braços, vociferou com brutalidade e usa tanta força que um dos construtos luminosos racha no ar.
— Isso tá piorando, ela acha que ainda está lá! — Mefisto avisa Metatron.
— O que devo fazer então? Deixá-la solta? Ela vai matar as pessoas aqui!
Ela via que estava sendo segurada por nazistas que queriam cortar a sua perna, a visão da serra ficando próxima a faziam tremer em força para se libertar. Exasperado, Mefistófeles torna-se uma neblina verde e vai até a mulher pairando na sua frente tentando falar com ela.
— Lucy, me escuta! Você precisa sair da penitência, ainda está em sua mente!
— EU VOU TE MATAR DE NOVO, MALDITO! — gritou a mulher para o padre inquisidor à sua frente.
— Lucy, sou eu, Mefisto, você precisa ouvir a minha voz. — Ele entra no construto e toca seu rosto.
— Mefisto?
Os olhos da vampira mudam do negro para o vermelho, ela em um espasmo de horror e muda a feição para a profunda repulsa.
— VÁ SE FODER! NÃO TOCA EM MIM! — Com uma força gigantesca ela quebra o próprio braço direito arrancando-o de um dos construtos e atinge as garras rasgando o peito do demônio à sua frente. — FICA LONGE DE MIM!
Confuso, ao mesmo tempo que assombrado pelo gesto, em um supetão ele rompe os construtos empurrando a vampira contra uma parede de um prédio que estava próximo. O corpo dela afunda na construção com a violência do golpe, mas ela ainda responde com um chute no peito cortado dele. Ele tentava segurar seus pulsos, mas ainda escapam com força e duas garras atingem a lateral de sua mandíbula. Ele assume sua forma verdadeira em uma gárgula com suas asas gigantescas de morcego estourando a camisa e as garras prendendo finalmente os braços dela contra a parede. Sua pele fica verde escura, os chifres mais alongados e seus pés formaram longas garras que os prendem com firmeza na parede.
— Lucy, sou eu, Mefisto, por favor!
— NÃO, DESGRAÇADO! — Ela vocifera tentando o morder e se soltar novamente.
O restante do grupo se aproxima, mas permanece a distância, no chão. O demônio rosna de dor sentindo o sangue azul escuro escorrer do peito de pele acamurçada.
— EU JURO QUE TE MATO!
— Não! Me escuta! Você precisa me ouvir!
Ele passa uma das mãos no queixo sangrento e depois pressiona o colo dela para contê-la. Mas então ele percebe que a mulher muda bruscamente com o toque. Agora ela juntou as pernas e se encolhe contra a parede, virando seu rosto tentando se afastar.
— Não, chega, Mefisto, eu não quero...
— O-o que é isso?
— Por favor...
Ela murmura baixo suplicante. Em asco, o demônio lê sua linguagem corporal, sua fuga no olhar e entende que tipo de penitência que Vlad fez, e aparentemente, usou a imagem do demônio para executá-la. Ele se aproxima mais e passa a sussurrar no ouvido dela, nota que ela está tremendo apavorada. Nesse momento o grupo apenas olha confuso a cena, apenas Yuri levanta as orelhas pontudas e nota que Baphomet também está com a mesma reação espantada com os sussurros dela e posteriormente, com a fala do demônio.
— Não... eu não fiz isso.
— Por favor, eu não quero, não assim... — A vampira suplica.
— O que fizeram não era... não era eu.
A mulher continua em martírio da dor sentida.
— Não é isso. Lucy, por favor, escuta minha voz, você está no limiar, o que quer que você esteja vendo, não é real.
— Por favor, Mefisto, eu não aguento mais...
— Lucy, sou eu verdadeiramente agora, por favor, você precisa sair sozinha daí. Eu não posso tirar você do limiar, ninguém pode. Você precisa vir até mim por sua vontade. Nós todos estamos aqui, seus amigos.
— Mas você disse que todos estavam mortos e depois me... ficou sangrando...
O demônio luta com a própria mente para não imaginar o que ela viveu, ele tenta manter a calma.
— Eu não te machuquei, eu não poderia, eu prefiro morrer lentamente a isso.
Ele aproveita que as garras das asas seguram os pulsos dela e permitem que as mãos dele estejam livres para tocar no rosto da mulher. Ele move uma mecha de cabelo negro tirando-a dos olhos ainda vermelhos dela, então gentilmente conduz o rosto para que ela encontre as fendas de seus olhos amarelos.
— Eu estou aqui. Eu nunca te machucaria, você sabe disso.
— Você estava lá, era...
— Não era eu, mas... eu sinto muito a sua falta. — sussurra enquanto encosta sua testa na dela. — Merda, como eu... eu quero... quero que seja para sempre agora, eu quero que o mundo morra se você for ter medo de mim, Lucy.
— Você disse que odiava todos...
— Sim, eu odeio. Eu odeio todos que me fazem lembrar que você não é min... eu fui um tolo de achar que isso não era... Eu fui cego por centenas de anos.
— Mefisto?
— Sim.
— É você mesmo?
— Sou eu, eu prometo, meu amor. Sou o seu demônio.
A mulher chora emocionada, seus braços deixam de fazer força, porém, agora ela tem dificuldade de respirar. A face passa a ficar azulada e a boca puxa o ar ruidosamente, mas em sua mente, nada alimenta seus pulmões.
— Saia daí, Lucy, você precisa sair!
— Está escuro! Eu não vejo nada!
— Só siga minha voz, venha até mim!
Ela arqueia o peito, no limiar ela nadava na escuridão, as águas tinham coberto completamente o local em que estava e apenas uma luz tênue com a voz do demônio que a guiava. Ela nadou, sentindo o frio das águas quase congelando seus músculos, a dor quase a paralisou antes que ela pudesse finalmente respirar aliviada e seus olhos retornaram nos verdes enxergando finalmente o demônio à frente. Ele abraça a mulher, eles permanecem assim por alguns instantes com ela pendurada em seus braços. Então ele usa as garras das asas para movê-los para baixo do prédio, descendo-os pela parede até o chão. Lá embaixo, Manson ergue as mãos para pegá-la, o demônio hesita, mas em seguida entrega a mulher aos prantos nos braços do homem negro que a consola.
*******
Já na residência da vampira, cada um se reúne em torno da televisão que transmitia imagens do ataque que acabara de acontecer. As imagens borradas dos demônios e também dos membros da resistência aparecem e são descritas pelos repórteres como algo sem precedentes.
— Estranhamente esse grupo que também são de monstros parecem que estavam nos protegendo. — fala a repórter.
— Eu nem sei se devemos chamar de monstros, não sabemos realmente o que são, quero dizer, minha mãe os chamaria de diabos.
— Você não pode estar falando sério, acha que demônios estão atacando pessoas no meio de uma festa de carnaval apenas por que não gostaram do tema do desfile? Eu só comento que não são pessoas comuns que...
— E se forem aqueles com habilidades especiais ou mutações, são tantas possibilidades que a gente ainda nem sabe.
— Qual é, aquele cara literalmente virou metade cobra!
— É, e o outro que virou um chifrudo verde que salvou outra era também uma gárgula gigante bem feia, ele estava lutando do nosso lado!
A discussão na mesa de jornal é acalorada, a cena é cortada para o depoimento de locais que testemunharam.
— Aquela com patas usava uma lança e salvou a minha família, era assustadora, mas me salvou!
— Vocês são indianos, aposto que rezam para essas coisas também! — fala outro do lado.
— O que? Eu sou paquistanês, idiota!
— Então é homem-bomba?
Corta a cena para outra turma de entrevistados.
— A mulher nos empurrou pouco antes de ser pega pelo monte de demônios, eles iam nos atacar. Ela era aquela da tevê que falam que defendeu a venda local, aquela de máscara. Ela que caiu no rio.
— Eles a afogaram.
— Enforcaram, eu vi, tava morta.
— É, mas o morcego verde a ressuscitou.
— Morcego? — Mefisto cospe a palavra entre os dentes, visivelmente incomodado.
— Acho que são as asas, você sabe, não somos do grupo dos populares aqui. — Baphomet murmura para o demônio que ficou incomodado com a autoimagem.
— Inacreditável, eles estão mais preocupados com nossa aparência do que o que fazemos.
— São humanos, eles são limitados nesse aspecto.
O demônio resmunga com os braços cruzados enquanto Lúcifer ri.
— Você só tá assim pois te chamaram de feio.
— A maioria das pessoas não sabem apreciar realmente o que é beleza, Mefisto. — Yuri fala em um sorriso sensual. — Aliás, eu particularmente tenho que dizer que estou admirado com toda sua família.
Yuri fala isso enquanto observa as pernas musculosas de Baphomet.
— É mesmo, cachorro, parece que está no cio. — Lúcifer comenta debochado.
— Não você, eu não gosto de ossos, nem de reis, nem de gente que trata mal mulheres.
Mefisto ri alto. Então ele percebe que Azazel finalmente saíra do quarto que estava descansando e vai até ele.
— Az.
— Sim.
— Como você está, amigo?
O rosto do anjo caído é de desolação, os olhos estão rodeados de pequenas irritações vermelhas inchadas, ele abre a boca para falar, mas se interrompe com os lábios para baixo. O demônio recua do questionamento.
— Péssima pergunta, eu sei. Mas eu...
— O que você precisa, Mefisto?
— Vou precisar que você lute, você está em condições de fazer isso?
— Quando? Contra quem? Fala logo.
— Para recuperar a alma de Lucy tivemos que entregar a cimitarra de Luz, e agora precisaremos de alguma outra arma celestial de arcanjo que possa matar Astaroth.
— A minha maça não será o suficiente. Ela seria cortada pela cimitarra de luz.
— Por isso estou pedindo que lute, não é aqui, é no andar de cima.
— Qual você quer, Mefisto?
— O ideal, seria a espada Azul Flamejante, de Miguel.
Azazel abre um sorriso modesto.
— Considere feito.
— Muito obrigado, amigo, eu sinto muito por te pedir isso agora que...
— Não. Vai ser bom. Faz tempo que eu precisava falar algumas coisas na cara daquele canalha. Agora que eu nada a perder, me parece perfeito.
Mefistófeles arqueia as sobrancelhas.
— Az, eu... eu não quero que você...
— Não se preocupe Mefisto. Eu vou ficar bem. Meu único medo que eu tinha em enfrentar o Miguel era dele se vingar em Lilith. Agora, eu posso fazer o que quiser com aquele porco alado.
Azazel anda pelo corredor. Mefisto permanece e percebe que todos estão descansando em seus cômodos, ele decide tomar sua forma de neblina tênue para procurar a vampira. A sombra se desloca rapidamente entre os cômodos. Belial parece finalmente estar andando melhor, ele está com a cicatriz do ferimento mais formada em suas costas enquanto faz flexões sozinho no quarto. Hidekki está lendo uma revista de imagens particularmente perturbadoras, Jekyll dorme profundamente no quarto. Metatron parece estar em transe, ela paira no ar com os olhos profundos em branco leitoso com a boca aberta estagnada. O demônio a circunda curioso, o que será que ela anda vendo agora.
Um som vem ao longe e atrai a atenção de Mefisto, ainda em forma de sombra ele vê que Baphomet treina no quarto, ela usa a lança que sibila no ar e bate na lateral das costas de Yuri, na forma de licano. O russo sorri para a demônia.
— É sério, se continuar assim, eu vou acabar me apaixonando.
— Você quer treinar ou apenas ficar me adulando?
— Dá pra ser os dois?
A demônia responde com um golpe em sua pata direita, ele desvia por pouco. Mefisto acha interessante essa interação, ele nunca vira Baphomet deixar alguém se aproximar.
Assim que sai do cômodo sente a presença de outro que o observava.
— Você ainda tem o hábito de ficar bisbilhotando todo mundo. — Lúcifer fala próximo.
— Eu só estava querendo ver como cada um estava lidando, estamos em guerra, e você é um dos interessados, deveria querer saber como estão aqueles que estão lutando por sua coroa.
— É por mim, mesmo, Mefisto?
— O que quer dizer?
— Eu te conheço. Você, Abigor, Baphomet, sempre escondiam alguma coisa...
— Você só tá falando isso, pois a gente se uniu quando você surtou que queria fazer um filho, o anticristo. E não foi só nós que te colocamos naquela prisão.
— Não. Mas ainda assim, você sempre teve uma carta a mais.
— Eu nunca fui dos grandões, os outros eram mais velhos, mais fortes, queria que eu continuasse apanhando como quando criança?
— Eu lembro bem como você foi na breve infância. Pequeno sim, mas escapava muitas vezes das crueldades dos maiores.
— Engraçado, lembramos de minha infância de jeitos diferentes, tantas vezes que meu braço estava quebrado pelo Astaroth, Belzebu ou Abadon.
— É, eu nem lembrava disso.
— O braço era meu, eu lembro.
Mefistófeles se afasta sem dar as costas para Lúcifer, ele toma a forma de sombra antes de subir as escadas, ele nota que a porta do quarto está aberta e Manson aparentemente saiu. A mulher está sozinha, encolhida na beirada da cama, seu olhar está longe e vazio, a sombra se aproxima, devagar, no canto do quarto. O silêncio permanece por longos minutos.
— Você sabe quanto tempo foi? — A mulher diz ainda com o olhar distante, voltado para a sacada.
Ele não responde.
— Não finja que não está aí. Por favor.
O demônio engole seco antes de aparecer, mas acha melhor não se aproximar por enquanto, ele senta-se no chão, olhando-a lateralmente.
— Abigor disse que você cumpriu cento e vinte e dois anos.
Ela franze a testa, confusa.
— Pareceu mais? — Ele questiona.
— Não sei, eu perdi a noção completamente depois do primeiro ano. Eu nem achei que a guerra existisse mais.
Silêncio por um tempo, começou a chover, a água bate no vitrô da sacada.
— É... esse o efeito do tempo no inferno. Quero dizer, na penitência é ainda mais lento.
— É, acho que sim.
Mefisto nota que ela ainda não trocara de roupa, estava vestindo ainda a calça e camisa rasgada e encardida da luta, as botas sujas de lama manchavam os lençóis.
— Eu já fui torturada, muitas vezes.
— Eu sei.
— Os ingleses me pegaram quando eu estava na China. Teve aqueles nazis, a inquisição, e... foram tantos.
Ele apenas balança a cabeça confirmando.
— Mas em todos durou apenas alguns meses, eram mortais. Eram loucos que eu matei depois, eu me vinguei.
— Sim. — Ele fala o mais suave que consegue.
— Mas dessa vez não acabava. Não parava.
— Lucy, isso é o inferno, é feito para ser horrível.
— Não, Mefisto. Se fosse só isso eu não... — Ela fica com a voz embargada.
O demônio vira o rosto olhando-a.
— Antônio e Lara estavam lá. Meu marido e minha filha... ela me mordia e arrancava... — a mulher olha para os próprios braços. — o que eu poderia fazer? Minha filha estava com fome.
Mefistófeles balança a cabeça em negação.
— Não, ela não está no inferno.
— Isso foi o que você me disse na época.
— Eu verifiquei. Nenhuma criança morta pela inquisição jamais foi, eu os verifiquei pessoalmente. Nem no limbo eles ficaram.
— Mirian, Olívia, Perseu... todos estavam lá, Mefisto, todos que eu amei me...
— Não, Lucy. As pessoas que você ficou sempre foram... claro, exceto Vlad, tirando esse, todos os outros, nenhum deles veio abaixo. Você sempre me pediu que eu olhasse onde estavam, nenhum deles ficou.
A chuva se intensifica, a água escorre pelo vidro e o relâmpago brilha ao longe. A mulher fica ofegante, ainda olhando para o movimento das águas, ela não consegue virar-se ao demônio.
— E então você desceu lá.
— Não. Eu fiquei aqui, o tempo todo.
— Isso não pode ser... Você esteve lá, Mefisto, aqui você deixou claro o quanto estava ansioso para que ficássemos juntos de novo.
— Sim, eu disse isso.
— E não aguentou esperar, seu desgraçado.
— O que?
— Você sabe o que você fez.
— Não! Isso... não era eu, Lucy.
Ela vira o rosto em direção à parede, ele fica em dúvida se está chorando ou rosnando, ele tenta esclarecer.
— Eu não podia descer, não tinha como negociar. Tanto que pedi para Lúcifer, foi ele quem te buscou.
Ela balança a cabeça rapidamente.
— Isso não é possível...
— Lucy, nas penitências usam demônios metamorfos, que podem se transformar em qualquer aspecto. Foi assim que imitaram suas esposas, filha, marido...
— Imitariam você?
— Isso... eu acho isso que foi outra pessoa.
— Quem?
— Eu preciso saber, se quando “eu” aparecia, se tinha um cheiro específico, doce.
— Sim. Almíscar. Era forte.
Mefisto leva as mãos no rosto, ele começa a se levantar para sair.
— Eu sinto muito.
— Não. Agora fale.
— Isso não vai trazer nenhum benefício, na verdade pode atrapalhar as coisas.
— Mefisto. Fale a verdade. Foi você?
O demônio vira-se para ela, que se retrai.
— Não! Como pode achar que eu te machucaria? Eu te disse de manhã. Eu te falei quando estava te chamando do limiar!
— Que limiar? Do que está falando?
— Você lutou conosco.
— Não.
— Você... não lembra? Hoje de manhã, nós falamos...
— Quando eu voltei hoje estava no chão, abraçada com Manson.
O demônio percebe que ela não iria se lembrar do limiar e da transição dimensional, tudo aquilo que dissera em seu momento mais vulnerável durante a luta fora em vão. Ele sentia seu peito rasgando em pedaços com vontade de sumir.
— Foi você?
— Não. — Ele rosna já irritado. — Esse cheiro é de uma droga que temos lá, quando o demônio ou carrasco não é um metamorfo, mas ele precisa conduzir uma sugestão de imagem mental. A gente guarda em tubos ou... eu sei lá, eu não atuo nesse tipo de penitência! Acho que eram frascos de vidro. E então se jogar no torturado e fazer as sugestões mentais o penitente vai ver aquilo que se quer.
— Por que fez isso, Mefisto, eu sempre... não você... — A mulher treme ao ver os pés do demônio à frente.
— FOI VLAD!
— Isso não é possível.
— Lúcifer me contou tudo, ele disse que Vlad te trouxe em uma corrente, e que estava te exibindo se como um animal de estimação!
— Eu não lembro dele...
— Lucy, eu juro. Lúcifer disse do jeito que ele falava e te tocava... Ele fez de propósito, pois ele sempre quis se vingar de você e eu, foi a forma dele fazer isso atacando nós dois juntos. Eu... — Mefistófeles fecha os olhos decepcionado. — eu falhei contigo, prometi que ele não chegaria perto de você, mas foi pior do que eu imaginei.
— Eu acho que eu o vi em apenas um momento, mas...
— Ele disse diretamente que seu segundo contrato estava anulado, eu acho que ele se referia ao fato que fizemos baseado que o seu casamento com ele não foi consumado!
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que ele... “consumou” o casamento com você. Para o contrato não importa como foi feito o ato em si...
A mulher se contorce, suas garras perfuram o colchão.
— Eu teria visto ele, eu lembraria dele!
— Você precisa acreditar em mim, eu jamais faria algo assim com você!
— Foram várias vezes, Mefisto! Você disse que tinha matado todos aqui!
— Por favor, pense, por que eu diria algo assim? Tente lembrar de como foi...
— A última coisa que quero é lembrar nos momentos que passamos juntos agora, seu imundo!
— Lucy, eu sei que isso dói, mas você precisa relembrar dos detalhes, certeza que teve momentos em que ele não conseguiu fingir, ele não poderia dizer cada palavra nossa.
Ele dá um passo à frente e ela grita trêmula, em um salto ela vai até o outro lado da cama erguendo as mãos em gesto de defesa.
— NÃONÃONÃO!
O demônio ficou estático, uma de suas mãos erguidas, ele ia tocá-la no rosto, mas agora acariciava o vazio. Nesse momento em que a vampira está em expressão de profundo pavor Manson aparece na porta do quarto segurando um pacote de comida japonesa delivery na mão. Ele está com a camisa molhada em sopa e apoia o pacote na cômoda olhando a cena.
— Que porra é essa? — O policial indaga.
— Eu só queria... — O demônio balbucia ainda sem se mover.
Manson olha para a mulher no canto e depois fixamente para o demônio à frente. Desolado, Mefisto baixa a mão antes de falar.
— Eu prometo que vou corrigir isso, Lucy.
A mulher ainda não olha para ele quando o demônio sai, passando pelo policial, que o avalia desconfiado.
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