Incursão no inferno (livro 2) escrita por Natália Alonso


Capítulo 3
Capítulo 2 – Demônios na superfície


Notas iniciais do capítulo

* Nota da autora: Neste capítulo há uma cena com o acompanhamento musical, recomendo usar como trilha sonora "Heroes", de David Bowie, a letra e ritmos tem sentido com a cena, a trama e o livro como um todo. Além de ser um grande compositor e uma obra memorável.



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“O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui.” - William Shakespeare

 

 

 

Aposentos de Astaroth

 

Lilith está deitada nos lençóis de seda azul, a mulher de pele de canela tem seus longos cabelos castanhos cobrindo o travesseiro que Astaroth deixara vazio. O quarto espaçoso é preenchido pelo som de urros dos guerreiros em treinamento de Abadon. Imersa no tédio, ela olha para o teto decorado, suspira e levanta começando a desembaraçar as madeixas com os dedos delgados.

— Confesso que fiquei feliz de você finalmente ter vindo até mim, Lilith. Não foi por falta de convites, você me fez ir pessoalmente até o Limbo só para te reivindicar. — fala Astaroth, enquanto banha-se no aposento ao lado. — Por um momento achei que Baphomet fosse me dar um coice quando eu sugeri.

Ela vira os olhos antes de responder.

— Imagine, querido rei. Se eu soubesse que estava tão ansioso por meus cuidados eu teria vindo antes. Quanto aos convites anteriores, eu achava que não era sério. — fala ela, caminhando nua, colocando pousada no ombro um longa trança que fizera com os cabelos escuros, a ponta cobre seu seio. Ela vai até a mesa de Astaroth e observa mapas e anotações, possui selos e assinaturas que ela reconhece como sendo de Abadon e Belzebu.

— Se está tentando me agradar por medo do que fiz a Paimom, posso lhe tranquilizar que não pretendo matar os membros do Limbo. — Astaroth admira no espelho sua pele branca leitosa no corpo forte. Por um instante, ele flexiona o braço conferindo a forma que o músculo traça a lateral torneada. — Quero dizer, apenas desejo garantir que não sejam vistos como um elo fraco no inferno.

— Paimom? O que aconteceu com ele? — responde ela fingindo tranquilidade enquanto se move rapidamente.

Astaroth retorna para o quarto, seus olhos vermelhos fitam a graciosa mulher que já está de volta em sua cama, deitada enaltecendo os largos quadris.

— Ele apenas não será mais um problema. — responde demônio de cabelos rubros que exibe seu malicioso sorriso.

 

 

 

White Cat, New Orleans

 

A boate já está fechada quando Lucy abre a escotilha de vidro no telhado. Ela entra no salão central, o palco com postes de dança é parcialmente iluminado estritamente pelos sinais de segurança, assim como o bar para as bebidas e coquetéis. Logo acima, avista o que deve ser o escritório e anda pelo teto. Um lugar como esses, cheio de traficantes, é ideal para lavagem de dinheiro. Em geral, há algum tipo de sensor voltado para o chão, mas não costumam colocar sensores no teto.

No escritório espaçoso há uma larga mesa ao fundo e um grande quadro com Nikolai pintado ao lado de um tigre siberiano. Ela admira a falta de talento do pintor e humildade do retratado no quadro, vestimenta pomposa e pose de como se o homem fosse um brilhante estrategista. Os outros quadros enfeitam a parede da esquerda, enquanto do lado direito a parede de vidro dá vista para o palco. Ela caminha encima do tapete e observa um grande cofre no chão atrás da mesa.

— Muito fácil. — fala Mefisto que aparecera ao lado, sua neblina esverdeada se dissipava ainda quando sua voz já era pronunciada.

— O que está fazendo aqui?

— Nossa, isso é forma de me tratar? Eu estava com saudades de você, minha querida.

Ela apenas cerra parcialmente os olhos questionando a falta de honestidade e presença de cinismo.

— O que está aprontando?

— Sabe que gosto de jogos. — Ele responde passando por ela e sentando-se na poltrona giratória de couro.

— Jogos?

— Sim, fiz uma aposta. Daqui a pouco vejo se ganho ou perco. — Ele agarra os braços da poltrona girando pelo eixo enquanto olha para ela em um sorriso lateral debochado. — E também, preciso que depois a gente tenha uma conversa, depois de seu expediente de policial que trabalha de graça.

— Não dá pra falar logo?

— Não. É coisa séria. Tanto faz falarmos aqui ou lá embaixo, mas precisamos de tempo. — Ele reflete um pouco. — Talvez até fosse melhor falarmos aqui, mas o problema é o tempo que eu fico fora, lá sempre é mais rápido então...

A mulher respira profundamente arqueando as sobrancelhas por detrás da máscara, um pouco preocupada pelo tom da fala dele.

— Certo.

Ruidosamente ele apoia os pés imundos no mogno da mesa e, como sempre, sujam a madeira, enquanto inspeciona curioso as gavetas.

— Não deveria ficar por aqui, está me desconcentrando.

Ele responde apenas com um gesto da mão imitando uma boca reclamando do falatório enquanto a outra move ruidosamente entre as canetas da gaveta. Ela vai até do cofre já aprontando o estetoscópio, mas então, sente o cheiro à sua volta.

— Que foi? — indaga ele.

— Não é esse, eles pagam em diamantes, esse cofre fede a dinheiro.

— Diamantes têm cheiro?

— Não, mas creio que eles não seriam guardados junto de um cofre que seria mais frequentemente aberto, precisa ser algo mais escondido.

Ela investiga melhor nas paredes, levantando os quadros, os livros da estante e olha a parte interna da mesa, conferindo as madeiras. Passa a mão tentando sentir elevações, bate para conferir se não há nada oco. Encontra um segundo cofre atrás de um dos quadros, mas ele também cheira a papéis e cocaína.

— Você poderia apenas pegar uma granada e com certeza iria aparecer alguma coisa.

— A ideia era de hoje eu passar despercebida.

— Não tem como. Oh! Que tesão é isso!

Ela arregala os olhos chocada com a fala repentina dele e nota que ele geme obscenamente se deliciando com o chocolate que acabara de comer.

— Ah, você quer um? É recheado de whisky, e dos bons!

— Coloca no lugar! — Ela responde rosnando baixo.

Ele faz beicinho, rouba mais um bombom fechando bomboniere de cristal logo em seguida, a peça tintila baixo quando é solta pelos dedos longos. Ele se inclina na mesa, exibe o doce na outra mão levando-o na boca, vira os olhos quando pressiona a massa de cacau na língua em um gesto sexual e em seguida morde o lábio inferior.

— E-eu não posso demorar e não quero que saibam que estive aqui. — Ela sussurra, ainda desorientada pela visão.

Ele deixa escapar uma risada em soluço.

— Ah, mas eu apostei contando com isso.

— O que?

A mulher coloca de volta o quadro e começa a andar em círculos, olhando por todo o escritório. O passo no tablado de madeira provoca um leve ranger das tábuas em seus pés, ela remove o tapete e nota pequenas ranhuras na madeira. Facilmente começa a desencaixar as peças para encontrar um cofre no chão, abaixo do tapete, não é um lugar confortável e óbvio. E o melhor, ele exala o cheiro de papéis, plástico e tecido.

Posiciona o estetoscópio e gira a chave até cada número provocar um pequeno clec. Abriu com facilidade, nele, um pequeno caderno de anotações com datas, nomes, números de porto, quantidade de diamantes e mercadorias. Um saco de diamantes em veludo azul e pronto, todas as provas necessárias para Manson conseguir uma prisão legítima.

Os diamantes são retornados para o saco de veludo ela os guarda na cintura. Pega um envelope plástico onde ajeita o caderninho com o maior cuidado possível. Usa a adaga para fazer um bolso secreto improvisado, não quer se arriscar perdê-lo, mas ela nota que algo está errado, tudo está muito quieto faz tempo. Ela amaldiçoa o próprio pensamento assim que se vira e vê taco de baseball prata e fosco atingi-la e lançar pela janela lateral. Seu corpo atravessa o vidro do escritório e cai no andar de baixo, direto no chão em frente ao palco. Algumas costelas também trincaram e ficam cutucando o pulmão direito quando ela finalmente respira atordoada.

— Você é ousada. — fala Nikolai, sentado em uma das mesas do salão. Ele toma vodca e suga ruidosamente as ostras de um balde na mesa. — Depois de me fazer perder mercadoria no porto, veio até aqui pegar mais alguma coisa?

Ela apenas levanta o rosto, é claro, coberto pela máscara. Pedaços de vidro que estavam em sua roupa caem no chão.

— Desculpa pela hora, da próxima vez eu aviso e trago uma torta.

Pode-se ouvir os passos distintos de vários homens chegando, bem armados e com cara de poucos amigos que não a deixam entusiasmada. Ela levanta-se do chão tentando ficar pronta para qualquer ataque. Ele ri com a boca cheia de ostras parcialmente mastigadas.

Que nojo.

— Gostei de você! — Ele perscruta a figura em uma análise minuciosa. — Tem um corpo legal, deve ter uma carinha boa embaixo dessa máscara. Poderia trabalhar para mim se quiser. Eu sempre preciso de guarda-costas, ou putas novas. Poderia ser as duas.

— Obrigada, mas dispenso o trabalho.

— Que pena.

Ele faz um gesto com à mão e outros capangas que estavam entorno chamam um homem nas sombras do corredor. O chão vibra levemente com seus passos pesados e logo ela vê a grande silhueta de seu corpo robusto. Assim que chega à porta, nota-se suas calças pretas com listras seguradas por um suspensório em seu peito nu. Não é do tipo com músculos torneados, mas as cicatrizes em sua pele são bem definidas. A vampira conta rapidamente doze no dorso, todos de tiros, seu ombro muito largo apoia um taco de baseball. Ele chega, abaixa a cabeça e passa pela porta, levantando para ela, olhando diretamente com seu único olho azul, o outro, assim como metade de sua face é um emaranhado de cicatrizes.

A vampira pensa rapidamente que ele não deve ser exatamente apenas forte, afinal, em uma única tacada, conseguiu fazer um lançamento de seu corpo através do vidro. Um amaldiçoado, um mutante talvez? Enquanto pensa em como vai ter que enfrentar o caolho gigante ela avalia o local buscando uma arma melhor do que suas mãos nuas, Mefisto aparece, como sempre, de forma imprudente e sem aviso.

— Tenho minhas dúvidas se esse é um primata comum ou uma versão ainda mais primitiva. Um neandertal talvez — Mefisto fala com tom de ironia e uma ponta de preocupação. Ele está deitado de lado no chão, na beirada do palco, sua cabeça está relaxada na mão —, mas a boa notícia é que pelo menos ele tem marcas, então dá para matar.

— São de tiros.

— E?

— Isso significa que ninguém chegou perto o suficiente para uma facada, não posso perder esses diamantes e o caderno. Preciso levar para o Manson, são provas irrefutáveis.

— Acha que dá para explicar isso para o gorila albino lá? Bom, ainda bem que o pior que pode acontecer é você morrer, né?

— Última chance, mocinha. Entregue os diamantes e eu peço que Górki não te machuque muito. — fala Nikolai, enquanto toma mais uma dose de vodca.

— Acho que se esqueceu do que fiz com seus homens no armazém, Nikolai.

— E quem disse que Górki é um homem? Acho que dá para reparar que ele é um tanto... peculiar.

Nikolai se inclina enquanto escolhe a música no celular conectado as caixas de som. Os outros homens apoiam os rifles no chão e colocam pistolas nos coldres, como se colocassem mais confortáveis para o espetáculo.

— Tô achando que vou perder a aposta. — diz Mefisto.

— Era isso? Você tá brincando né? — retruca inconformada.

— Que foi? Eu apostei em você!

O bastão tilinta no chão quando Górki o abandona e corre em direção dela. A atropela, agarrando pelo dorso e prensando-a contra a parede. Distraída com Mefisto, ela deixou ser pega. Assim que ela colide com força na parede o gigante começa com socos em sequência, que ela desvia. Ele até é bem rápido para o seu tamanho, o ar é cruelmente empurrado em cada golpe, a mulher salta e lhe dá um chute com muita força em seu estômago. Ele não move nenhum centímetro.

Vish! Perdi mesmo! — fala Mefisto já sentado no chão com suas mãos apoiadas atrás que o permitem assistir tudo como em um filme ao ar livre.

Górki agarra a perna da mulher e a atira com força até o fundo do salão, caindo entre cadeiras e mesas. Além de ser dolorido, é um pouco humilhante para a vampira que não costuma ser arremessada como um saco de lixo. Nikolai se decide na música e David Bowie começa a ecoar no salão, o instrumental chama a atenção de Mefisto que balança a cabeça no ritmo. Atordoada, a mulher sente o passo pesado do neandertal somente quando ele já está muito próximo. Ela rola no chão para desviar do soco, ele faz um buraco no chão com sua força.

Merda, ele fez a droga de um buraco no chão... definitivamente não é um “cara normal”.

— Ei, eu adoro essa música! — Mefisto se levanta, já desinteressado na luta.

A vampira fica desconcentrada, detesta surpresas, ainda mais com uma plateia desanimada. Mefistófeles sempre a afetou demais, mais do que ela gosta de admitir inclusive. Ainda no chão, ela chuta os testículos de Górki, ele finalmente para levando as mãos ao seu orgulho ferido. Ela consegue se levantar e o soca no estômago e dorso, ele não se move ainda. Ela corre e pega uma das cadeiras de metal e salta antes de atingi-lo nas costas, a cadeira entorta nas mãos dela, ela fica atônita quando ele se vira e a encara irritado. Segura-a pelo pescoço com uma das mãos e a levanta, prendendo contra a parede apertando os ossos do pescoço entre os dedos. Mefisto se move com empolgação apoiado no microfone. Sim, o demônio invocou um microfone e iluminação colorida com uma tênue neblina que emanava de seu corpo, decorando o palco de forma ritmada. Claro que somente a vampira podia ver, o miserável gosta mesmo de um show.

 

 

* Nota da autora: Para esse trecho de leitura recomendo usar como trilha sonora "Heroes", de David Bowie, a letra e ritmos tem sentido com a cena, a trama e o livro como um todo. Além de ser um grande compositor e uma obra memorável.

 

 

— I, I will be king (Eu, eu serei rei) — Ele posa com as mãos no alto dos cornos como se colocasse uma coroa.

And you, you will be queen (E você, você será a rainha) — Ele canta apontando para ela sendo brutalmente espancada.

Though nothing will drive them away (Embora nada, nada vá os afastar) — Os gestos do demônio são performáticos com a letra.

We can beat them, just for one day (Nós podemos vencê-los, apenas por um dia)

We can be heroes, just for one day (Oh, nós podemos ser heróis, apenas por um dia).

 

 

Górki a estrangula na parede. Com a perna esquerda ela agarra seu braço, pendurando-se e chuta com a direita o seu rosto. Finalmente ele se move, seu rosto inclina para trás e volta sangrando. Após o terceiro chute ele se desequilibra, bate-a novamente contra a parede, ela agarra seu braço com ambas as pernas, mas ele se vira e bate com ela inteira contra a construção. A mulher cai no chão junto de pedaços de concreto, puxando o ar com dificuldade, sente que uma de suas costelas perfurou seu pulmão. O som ficou um pouco distorcido na mente dela, não sente tanta dor, definitivamente algo quebrara em seu crânio.

Mefisto está rebolando com suas calças creme e pés imundos no palco, as luzes rosas e azuis acompanham a melodia. Ele abre a camisa escura, passando a mão em seu dorso em um movimento sinuoso de baixo para cima.

 

 

— And you, you can be mean (E você, você pode ser má) — Ele corta-se com uma de suas unhas longas e leva o sangue com o dedo a boca que exibe as presas levemente maiores do que o normal como em um rosnado.

And I, I'll drink all the time (E eu, eu vou beber o tempo todo) — Ele lambe os lábios superiores capturando o resto de sangue que tinha sobrado.

Cause we're lovers, and that is a fact (Porque nós somos amantes, e isso é um fato) — Agora o gesto explícito de cintura é acompanhado quando sorri malicioso.

Yes, we're lovers, and that is that (Sim, somos amantes, e isso é o que é).

 

 

Ela desliza por baixo das pernas de Górki e salta em suas costas o acertando com a adaga que tira de sua cintura. A lâmina se finca, mas quando vai puxar o músculo muito rígido faz com que a peça se quebre, mantendo o metal cravado em suas costas, fazendo com que ele urre de dor.

— Pera, você fala? — Ela murmura visivelmente surpresa.

O gigante gira o corpo e segura-a pelo braço para remover a mulher. Ela cai e levanta-se rapidamente apenas a tempo dele virar-se dando um golpe no estômago, ela se curva como se tentasse realinhar os intestinos internamente. A faca nas costas o incomoda o suficiente para ficar tentando arrancar o metal incrustrado, então ela aproveita e pega o pedestal do microfone de Mefisto e acerta no joelho do louro gorila. Ele ajoelha, ferido, dando a oportunidade de bater em sua cabeça e ele se curva com o movimento para trás. Ela dá o impulso para bater mais uma vez... e ele segura o pedestal com a mão.

Foram longos milésimos de segundos até ela perceber que estava muito perto para escapar. Ele puxa e enfia o pedestal em meu estômago, atravessando até as costas. Mefisto desliza os pés fazendo um passo comedido entre as estrofes.

 

 

— Though nothing will keep us together (Embora nada nos mantenha juntos) — Seu dedo passa agora pelo próprio rosto como se seguisse uma lágrima.

We could steal time just for one day (Poderíamos roubar tempo apenas por um dia). — Ele estreita os olhos em um pedido simbólico.

We can be heroes for ever and ever (Podemos ser heróis para todo o sempre)

What d'you say? (O que você diz?) — O demônio levanta o rosto como que questionasse diretamente a ela.

 

 

Górki puxa o pedestal de seu corpo e dá uma cotovelada no ombro dela. A mulher cai, tentando proteger o rosto com as mãos. Górki segura os cabelos erguendo o rosto e acertar com um gancho de direita. Ela estranha sentir que o maxilar não está mais no mesmo lugar, alguma coisa pastosa, com pedaços crocantes ficou no lugar.

 

 

We can be heroes, just for one day... (Nós podemos ser heróis, apenas por um dia...) — O som já está um pouco mais distorcido na mente dela.

 

 

Nikolai se levantou se aproximando, queria verificar a finalização do serviço. Górki continuou a bater rosto dela, agora diretamente no chão, uma, duas vezes, logo depois ela não sente mais nada.

 

 

 

Inferno, próximo ao rio Flegetonte

 

A vampira acorda atordoada no chão pedregoso, ela pisca longamente tentando tirar a poeira fina dos olhos. Se levanta sentindo o ar quente e pesado a sua volta. Ela nota que hoje o inferno parecia ainda mais barulhento do que o normal, como se as penitências estivessem sendo ainda mais duras. Nesse instante ela avista ao longe seu demônio favorito se aproximando rapidamente. Mefisto caminha sem se importar com as pedras, seus pés sempre foram acostumados ao terreno áspero, mas dessa vez ele parece um pouco apressado, olha para os lados como se conferisse se está sendo seguido.

— O que faz aqui, amaldiçoada! Deveria ter vindo para meu reino, imediatamente!

Ela estranha, então o demônio levanta a mão virando o braço para agredi-la. A costas da mão desce mais devagar propositadamente, a vampira desvia do golpe com facilidade e logo em seguida se levanta, porém, chocada pelo gesto e cambaleante pelo despertar infernal. Ele agarra seu braço puxando-a para perto.

— ANDE LOGO, MULHER! Não tenho tempo pra lhe dar ameixas!

Ameixas.

Isso penetra na mente dela como um tiro. Ele disse ameixas. A palavra foi escolhida pelo casal em seus momentos de intimidade, em jogos sexuais, quando querem que a cena pare, que o jogo seja desfeito. Algo além do sinal verde, amarelo e vermelho. Ameixas é sinal que tudo precisa parar, precisam de atenção. Em tantos anos de proximidade, em centenas de anos de vida e mais algumas centenas vividos no inferno eles tiveram muitos momentos de intimidade. Ameixas só foi dito uma vez por ela, duas vezes por ele. Eles sabem não ultrapassar limites um dos outro. Mas agora, a palavra ganhou outro significado.

Ainda que estivesse gritando, o sinal dito transmite a cumplicidade íntima dos dois e é reforçada pelos olhos dele. Seus lábios sussurram “corra assustada” pouco antes de a empurrar para o chão a derrubando. Alguns demônios que estavam ocupados com suas penitências olham de canto discretamente. Ela se levanta como pode, e começa a correr, escorregando entre as pedras e areia fina.

Mefisto invoca um chicote longo logo atrás dela, e sibila no ar antes de estalar no chão, errando por poucos centímetros os tornozelos da vampira. Ela corre mais rápido e acaba olhando para o alto, lá vê que Abigor que a observa com severidade e anota algo em um livro. Ela escuta o chicote girar no ar novamente.

— É PRA HOJE, MULHER!

Ela vai rapidamente até o final do círculo, passando pelo portal e chegando até o jardim flamejante de Mefistófeles. Confusa ela olha para trás e o demônio indica com o olhar que ela deve entrar.

— Não me faça falar novamente! — Ele gira o chicote no ar, a ponta acaba acertando o rosto da vampira, cortando levemente sua têmpora. O sangue é pouco e ela volta a correr, com o demônio logo atrás.

Assim que entra, ela ainda confusa espera que agora estejam seguros, do que quer que esteja acontecendo. Ele chega logo em seguida e ruge em fúria na entrada, sua pele pulsa esverdeada por um instante. A mulher arregala os olhos com a fera manifestada, então o chão treme e logo em seguida, portas e venezianas surgem onde sempre só haviam as aberturas de batentes e janelas, fechando totalmente o salão.

Pensa que pode se esconder?! — A voz dele sai distorcida em um gutural conjunto de vozes graves e agudos ao mesmo tempo.

Ela vira o rosto para o corredor, pensando se deveria sair dali. O tremor retorna e agora labaredas negras passam em torno dele indo na direção do corredor, com grades surgindo e lacrando o lugar completamente que se tornou escuro e com um ar abafado, opressivo.

Eu disse para não se mover! — O conjunto de gritos saiam em soluços como se não fossem somente as várias vozes dele, mas de seus condenados, aos soluços de súplicas penitentes.

As labaredas negras giram em torno dos dois derrubando os objetos de arte do salão finamente decorado. Ele caminha devagar enquanto ela está quase encolhida vendo que ele respira ruidoso como um predador cansado da corrida. Os olhos tiveram suas escleras tomadas pelo âmbar que tornava duas esferas brilhantes enraivecidas. Ela nota que as garras negras e longas se projetaram em seus dedos e ela fica em dúvida se deveria ter confiado na palavra de segurança. Então uma das garras enegrecidas é estendida na frente dos lábios dele pedindo silêncio, ele estende o braço para um grande vaso de granito que é elevado com as labaredas e lançado contra a veneziana. A peça se parte em pedaços em um estrondo assim como o suporte que rebate contra a porta recém criada. Então ele respira ofegante movendo a cabeça como se parasse para ouvir se havia alguém próximo, as labaredas vão acalmando aos poucos até sumirem por completo em uma brisa suave. Finalmente o chicote de sua mão desaparece no ar, ele suspira aliviado antes de sua pele retornar ao moreno claro e vir até a vampira.

— Pronto, acho que ninguém vai nos ouvir agora. — A voz gentil dele finalmente retornara, como se nada tivesse ocorrido.

— Me-mefisto?

— Me desculpe, eu te assustei?

Sim, assustou pra caralho. Ela nunca o tinha visto manifestar fúria demoníaca realmente, nem qualquer outro demônio na verdade.

— É... sim.  

— Querida, não acha mesmo que eu te faria qualquer mal, não é?

— Não...

Ele recua o rosto com a voz de incerteza dela.

— Não! É claro que não. — Ela reafirma com tom mais assertivo. — O que está acontecendo?

Ele leva as mãos no rosto puxando os cachos para trás dos cornos.

— Estamos em guerra, Astaroth está mudando várias regras nos círculos.

— Mas como? Você estava na superfície comigo agora pouco e só estava um pouco tenso...

— Lucy, horas na terra são dias aqui! Quando eu fui até você na superfície ainda estava tudo bem, mas assim que desci, descobri que... ele invadiu um dos círculos e matou um de nossos irmãos, ele destruiu Paimom!

— Espera, em guerra com o que? Astaroth não tinha dado um golpe? É entre demônios?

— É pior, querida. Ele quer guerra com a superfície, quer invadir a superfície. E estou tentando organizar um grupo contra ele.

— Foi por isso que Abigor me olhou de uma forma estranha agora pouco?

Ele torce o rosto confirmando.

— A gente ainda não conseguiu confirmar se ele vai ficar do lado de Astaroth, é possível. Em qualquer guerra, os círculos da Violência e da Ira são sempre os primeiros convocados. Por isso que tinha que fazer parecer que você está sofrendo penitência!

— Espera, então Baal vai ser convocado para lutar?

— Se fosse apenas isso, querida... Eu não o vejo desde o anúncio de guerra. — Ele olha para os lados apreensivo. — Acho que vou precisar de sua ajuda, na verdade, se você puder chamar alguns antigos amigos, seriam muito úteis também.

— Mas é claro que eu ajudo, só lamento que eu estava resolvendo a bagunça do Nikolai.

Ele meneia com os olhos.

— Eu sinto te dizer, mas o caderno que conseguiu só vai resolver uma parte, tá faltando um nome importante lá.

A mulher leva as mãos na cintura.

— Você é inacreditável. Você o ajudou?

— Não mesmo! Nikolai não me convocou, em nenhuma de minhas formas. Mas eu sei quem é o comprador, e você também vai gostar de saber.

Ela cruza os braços impaciente, ele faz a oferta.

— Se eu te der as informações que faltam no caderno, você poderia me ajudar?

— O que você sabe?

Ele levanta o indicador em negativa.

— Sem pressa, primeiro você chama seus amiguinhos. Eu realmente preciso de mãos fortes e não podem ser demônios.

— Quem você precisa além de mim?

— Só dois. Yuri...

— Fácil, o cachorro gosta de uma briga.

— E Jekyll.

Ela continua o olhando como se esperasse falar outros nomes, solta uma risada nervosa e depois para de repente.

— Você tá brincando, né?

— Pareço estar brincando, por acaso?

— Ele provavelmente vai me dar um tiro quando me ver.

— É... dado as circunstâncias, acho que é bem possível mesmo.

— Ele é tão essencial? Eu não sei se queria lidar com essa ferida agora, já...

— Querida, eu não te pediria isso se não fosse necessário.

Ela observa a tensão nos olhos do demônio.

— Eu sinto muito pelo seu irmão.

— Ah, tudo bem, eu não era exatamente ligado ao Paimom, era um escroto, eu avisei a ele que não deveria confiar no Astaroth. Estou tenso, pois temo que se fizerem metade do que ameaçam podem destruir tudo na superfície, e aqui. Nenhum lugar seria seguro.

Ele olha afetuoso e seu rosto vira uma carranca entristecida quando percebe que atingira o rosto dela com o chicote.

— Eu te acertei! Me perdoe, eu não queria. — Ele se aproxima examinando o corte.

Ela leva a mão na têmpora notando finalmente o pouco sangue do local.

— Eu nem tinha percebido...

Ele leva a mão no corte, um leve brilho esverdeado fecha a lesão delicadamente. Lentamente o demônio deposita um beijo no local e percorre com mais leves afagos em seu rosto indo até seus lábios. Porém, lá ele para antes do contato, quase como se fosse uma marionete com suas cordas recém cortadas. Percebe que ela tinha fechado os olhos também, entregue, então como se também despertasse de um sonho bom recua lambendo os lábios ao perceber seu impulso.

— Me desculpe, não queria ter te machucado.

— Não precisava se preocupar com isso, eu nem tinha sentido.

Ele ainda acaricia o rosto dela, os olhos amarelos fixos nos lábios não reivindicados.

— Estou com saudades. Eu sei do combinado, mas... eu posso dizer isso, só para constar, certo?

— Sim, claro que pode. Eu só não quero ser injusta com Manson, ele tem pouco tempo.

— Todos têm sempre pouco tempo. Ainda mais se comparar a nós, Lucy.

 

 

 

New Orleans

 

Lucy volta a vida, acorda com um rato mordiscando seus dedos da mão direita, ela sente o corpo dolorido, começa a se mover devagar e contida em algum lugar fechado, escuro, com um cheiro terrível. Com dificuldade ela vira o corpo para alcançar a bota, a retira e de dentro da meia pega o localizador. Quando aperta o botão aciona uma luz verde que passa a piscar e um sinal da posição dela é enviado. Essa é apenas uma das engenhocas de Hidekki, ele ou Manson devem encontra-la em breve.

Alguns minutos depois a vampira decide sair do sarcófago fedorento, está fechado, escuro, iluminado apenas por um estreito feixe de luz, que penetra no recinto apertado. Quando tenta se levantar acaba batendo forte a cabeça na tampa da caçamba de lixo, assim que abre percebe que o odor vinha de uma fralda suja jogada num canto. Ainda bem que não teve lixeiro pelo menos, ou estaria compactada agora. O companheiro de lixo sai balançando seu rabo pelado, ele para frente à mulher farejando-a.

— Não vire um monstrinho, hein. — diz para o roedor.

Ela sai da caçamba, tenta se limpar antes de caminhar para uma praça, falha em sua missão higiênica em busca de dignidade. Um mendigo se levanta do chão e sai de perto de dela, não é uma figura muito apresentável com restos de alimentos e excrementos de bebês em suas roupas. É de manhã e alguns pássaros cantam ao longe, algum tempo depois ela ouve o carro velho do Manson virar a esquina.

— Você est... merda! Tem certeza que você está viva? — fala Manson, da janela do carro velho.

— Obrigada por vir me buscar. — Ela responde já entrando no carro rapidamente.

— Então. Além de uma nova fragrância, o que você conseguiu? — fala Manson dirigindo e abrindo a outra janela do carro.

— Dá um tempo, Manson, ainda estou com dor de cabeça. Eu consegui evidências para você, só acabei perdendo a briga. — Ela bate a mão na cintura em busca do saco de veludo e vê que a alça de sua calça fora inclusive arrancada. — Porcaria, eles devem ter pego os diamantes quando eu morri.

— Eram muitos capangas? Que armas eles usaram?

— Górki.

— O que um Gorki? Uma arma?

— Sim, é um cara.

Uou, tempo! UM CARA fez isso com você?

— Ele era grande, tá legal? Daqueles que não passam na porta.

— Um vampiro?

— Não, acho que não.

— Um Frankenstein?

Ela o olha com desdém como se questionasse a seriedade da pergunta.

— Que foi? Depois de vampiros e homens-imortais, pensei direto em quem seria grandão. Afinal, não me disse porque acha que ele não é normal.

— Porque ele deu um soco que fez um buraco no chão, depois outro que arrancou a minha mandíbula fora. — Ele faz uma careta de nojo ao ouvir a descrição. — Acho que era um amaldiçoado.

— Tipo como o Memed, mehe... ein?

— Mehemed II, sim, ele era um amaldiçoado a centenas de anos atrás... isso mesmo. Aliás, tem outra questão que terei que fazer uma viagem de última hora.

— Quando?

— Vou tentar pegar uma passagem para amanhã se possível, Londres primeiro, depois terei que ir para São Petesburgo. Se tudo der certo eu volto rápido.

— Tá, mas o que tem a ver com o Nikolai?

— Não tem. É outra coisa que surgiu de última hora, enquanto estive no inferno surgiram algumas questões que tenho que resolver urgente.

Ele olha para a vampira rapidamente, e volta os olhos para a curva fechada demais que estava fazendo, os pneus gritam com o asfalto.

— Que tá acontecendo?

— Depois eu explico, com calma.

Cerrrto, voltando sobre o tal Gorki, vai planejar alguma forma de pegar evidências sem enfrentá-lo?

— Tá brincando? É uma questão de honra agora, preciso manter minha reputação. Agora eu quero arrebentar esse troglodita.

— Alguma ideia em mente?

— Algumas.

Eles ficam em silêncio por alguns instantes enquanto Manson disfarçadamente respira pela boca com o rosto voltado para a janela do carro.

— Então, tudo o que conseguiu, acabou perdendo?

— Ah, não. Estava me esquecendo, me dê o seu canivete.

Ele tira o canivete do bolso da calça e entrega, ela puxa a blusa até o alto do peito, apalpa a própria barriga com os dedos e com a outra mão corta o estômago na altura do fígado. Alguns jatos curtos de sangue respingam no vidro e no painel quando ela enfia a mão movendo um pouco dentro entre os órgãos internos, entre o estômago e o fígado ela finalmente encontra e tira um pacote plástico. Nele o caderno com as anotações, nomes, datas, produtos, pagamentos e locais de troca. Ela entrega o pacote ensanguentado à Manson que ainda dirigindo apoia a encomenda na perna do jeans. Ele olha pra ela um pouco abismado e irritado.

— Porra, Lucy!

— Que foi? — pergunta, enquanto abaixa a blusa no corte já quase fechado.

— Precisava mesmo fazer isso dentro do meu carro?

— Desculpe.

 

 

 

Limbo, Castelo das Ciências

 

Azazel caminha com suas sandálias romanas de um lado a outro, ele está tenso e assustado, deixa sua maça cair no chão e se senta em uma cadeira de vime. Baphomet observa inconformada a cena junto de Belial e Asmodeus, todos notam quando uma pequena fenda se formar no ar, ela aumenta e abre passagem para Metatron e Mefistófeles que se surpreende com a presença de Asmodeus.

— Irmãozinho. — Asmodeus se junta a Mefisto, suavemente.

— Eu não sabia que iria se unir a nós. Sempre se manteve neutro em tudo.

Asmodeus dá uma feição desgostosa.

— As coisas mudaram, e me preocupam.

Mefistófeles vê todos e avisa.

— Bom, depois que fiquei sabendo de Paimom, consegui falar com a Lucy, ela vai conseguir mais dois malditos para nós na superfície, creio que será o suficiente para o resgate de Lúcifer.

— Essa ideia de resgate, Mefisto... — Baphomet fala consternada. — eu ainda não tenho certeza se será bom, afinal houve revolta com ele antes por causa dos planos anteriores. Corremos o risco de trocarmos um problema por outro antigo.

— Pelo menos Lúcifer não matava os filhos, não impunha regras nos círculos e não incitava estupros como forma de penitência. — fala Asmodeus.

Metatron franze a testa.

— O que? O que é isso agora?

Asmodeus mostra uma feição enojada.

— Astaroth me convocou para uma reunião hoje de manhã, questionou meus métodos e de meus filhos de como nós punimos os pecados por manipular a luxúria. — O demônio se move como se deslizasse até próximo de Metatron. — Ele acha que devemos passar a usar o estupro como punição.

— Isso não faz sentido. Se o estupro é justamente uma violência, um pecado dos homens, pois tira a livre escolha, eles são punidos por fazerem justamente isso! — questiona Azazel.

— Sempre foi essa a linha de pensamento que tivemos, meu caro caído. Lúcifer estabeleceu assim, Moloch pensava assim, eu faço dessa forma, meus filhos Súcubo e Íncubo punem exatamente esses violadores. Mas para Astaroth, isso seria adequado não só para eles, mas também para outros pecados. Ele sugeriu que isso poderia ser uma penitência padrão.

— Não me surpreende. Ele falava disso quando incitou o golpe contra Lúcifer. — conclui Mefistófeles.

— Acha que os demônios irão apoiar o retorno de Lúcifer? — questiona Azazel para Metatron.

— Nem todos, mas a questão é que Astaroth sente-se ameaçado. Lúcifer é pai de todos, direta ou indiretamente, e os demônios valorizam uma “linhagem pura”. — Asmodeus fala enquanto levanta os dedos para o termo que desqualificaria orobas e todos os filhos de Moloch.

— Tradições podem ser mudadas, Meta. — Mefisto avisa. — Os demônios querem ordem no inferno, eles não irão apoiar nenhum rei que queira simplesmente destruir a ordem.

— Claro, mas também não irão confrontar Astaroth, todos sabemos do que ele é capaz. — Metatron caminha até Azazel e continua. — Eu fui até lá, vi o que a Legião de Belzebu fez com os raquíticos demônios de Paimom. Os fossos foram tomados e transformados em masmorras.

— Eles simplesmente deixaram você entrar e ver tudo? — Azazel questiona confuso.

Metatron suspira antes de responder:

— Eu não apareci para eles, fui na forma de projeção. Meu corpo estava nas Colinas de Rochas, na Ganância.

— Eu não sabia que você podia fazer isso. — fala Mefistófeles, visivelmente surpreso.

— Eu posso fazer muitas coisas.

— Pode ser humilde? — Mefisto retruca irônico. — Desculpe, só fico preocupado o quanto você fica assistindo a tudo sem fazer nada, Meta.

— Não se preocupe, não fico assistindo suas intimidades, Mefisto. Nem as tuas, nem de ninguém. — responde Metatron, com desdém ao demônio.

Azazel está irritado com ambos em sua competição de quem é o mais inconveniente ou poderoso. Ambos vencedores. O anjo caído olha para a entrada e vê Lilith finalmente entrar em suas vestes de tecidos crus, ela caminha passando pelo corredor sorrindo para seu amado de asa ferida.

— Isso já não importa mais, é tempos de fazermos sacrifícios. — Ele fala se levantando.

Lilith se aproxima, mas recusa o abraço quando ele chega perto demais.

— Meu amor, me desculpe. Eu ainda não tomei banho o suficiente pra me livrar do cheiro dele...

Azazel recusa ficar um instante sem o toque de sua amada e a abraça em um beijo ardente, cheio de saudade. Ela se derrete com o aconchego deixando escapar uma lágrima de alívio, tanto pelo que teve que fazer, como pelo receio que tinha de seu adorado anjo sentir qualquer aversão a ela por isso. Metatron aparenta confusa com o gesto, Mefisto percebe e a provoca:

— O que foi, não sabia que ela e o passarinho estão juntos até hoje?

— Você diz desde o início? — Metatron fala em espanto.

— Está surpresa pela união ou pela duração? — Belial se une a Mefistófeles na provocação a serafim.

— Aposto que ambos! — retoma Mefisto.

Metatron suspira fechando os olhos pensativa e logo sorri.

— O amor entre eles é perfeitamente possível. Ele era um anjo, por mais que seja um caído. Ela é uma criatura de Deus, por mais que tenha sido banida. Tudo perfeitamente plausível. — conclui satisfeita.

— Tá sugerindo que nós demônios não podemos amar? — Belial contesta.

— Por favor, amor é divino, e vocês... bom, não quero ofender, mas essa não é uma de suas qualidades.

— Eu sou um demônio nato — retruca Belial visivelmente consternado. —, Baal também, inclusive é um oroba.

Metatron meneia com os olhos julgadores, preconceituosos, brancos e vazios.

— Podem até sentir algo forte, intenso, humanos sentem forte desejo sexual duradouro também. Mas amor? Não, não é a mesma coisa, não me leve a mal.

Metatron sorria enquanto soltava suas palavras cruéis ainda que inconsciente de sua perversidade, ela se afasta para ir até Azazel. Belial fica com seus olhos em fúria, sua mão se fecha e ele ia atrás de Metatron, mas é impedido por Mefistófeles.

— Não vale a pena. — avisa Mefisto com a mão segurando o peito de Belial que respira fundo se acalmando antes que falar novamente.

— Você encontrou com Lucy no Flegetonte?

O demônio da heresia vira-se para ele, sussurrando.

— Sim. Eu fui o mais rápido que pude, Abigor estava olhando tudo de um jeito estranho, tive que tirá-la de lá, eu não sei se ele está do nosso lado ou não, Bel.

— Você o viu?

— Não... eu não o encontrei, na verdade, não vi nenhum oroba. Mas também não consegui procurar por muito tempo lá, eu não podia arriscar com...

— Eu entendo.

Mefisto leva a mão no ombro de Belial.

— Ei, Baal é um bruto forte, ele sabe se cuidar. Ele está bem, tenho certeza. Ele deve estar escondido junto dos outros orobas e... — Ele olha para a feição aflita de Belial. — eu prometo que nada vai acontecer com seu marido e meu amigo.

Belial sorri tentando passar confiança a ele.

— Você é sempre muito convincente, acho que explica muita coisa.

— Eu cumpro todas minhas promessas, Bel.

Assim que Bel se afasta de Mefistófeles, Asmodeus chega sorrateiro.

— Irmãozinho?

— O que foi, Asmodeus? — O nome do irmão mais velho sai em um suspiro de aborrecimento.

— Quando você disse que estava fazendo um grupo na superfície para o resgate de nosso pai, se referia a amaldiçoados poderosos?

— Sim, é claro, não vou pedir ajuda para uma equipe de incompetentes, você me conhece. Um cachorro, um amaldiçoado peso pesado e a Drácula.

— A Drácula. Essa é a vampira Lucy, aquela que uma vez você me apresentou, não é mesmo?

— Sim... eu te apresentei a um bom tempo atrás.

— Ah. Obrigado, só queria ter certeza que era a mesma. — Asmodeus finaliza a fala com o sorriso usual.

Mefisto recua o rosto torcendo a feição.

— É disso que se trata? Você não tem limites?

— O que?

— Um dos nossos morreu e você está pensando em quem irá levar para o abatedouro que chama de quarto?

— Perdão?

— Olha, não me leve a mal, mas eu não serei seu intermediário! Se ela não está “lhe dando atenção” é por ela estar em uma relação, ela não te explicou isso?

— Do que você está falando, Mefisto?

— Não se faça de desentendido agora, Asmodeus. Eu sei muito bem que você não perdeu a oportunidade quando teve chance! Eu vi vocês no meu jardim, não conseguiu nem esperar sair da minha casa! — Mefisto não consegue esconder o quanto estava contrariado em seus gestos com as mãos para o alto.

— Você diz sobre aquele dia?

— Ah! Por que? Teve tantos encontros assim que nem sabe mais qual? Era só o que me faltava, eu virar o porteiro! — O demônio da heresia vira-se para deixar Asmodeus falando sozinho.

— Espera, você acha que eu transei com ela?

Um segundo passa e Mefistófeles pausa em silêncio olhando para trás novamente para os olhos negros do irmão.

— Não?

— Não! — Asmodeus pontua a fala com firmeza.

— Mas... eu vi que vocês...

— Viu o que?

Mefisto balança o rosto um pouco confuso antes de Asmodeus retomar.

— Nós conversamos brevemente, ela me parecia aborrecida naquela hora e disse que tinha tido uma morte difícil. Então, sim, eu a convidei para uma companhia prazerosa, mas só consegui a acompanhar até o fim do seu jardim, depois ela se despediu de mim. — Asmodeus mostra sua surpresa com a situação. — Eu vim perguntando se era ela pois eu nunca mais a vi, então não tinha certeza se era a mesma vampira ou outra de mesmo nome. Eu não acompanho quem é o Drácula, isso é seu departamento. Ela te disse que nós...

Asmodeus falava com o indicador balançando para si mesmo e para ao notar a confusão no rosto do irmão.

— Na verdade... não exatamente...

Mefisto fica tentando lembrar da conversa que tivera a centenas de anos terrestres atrás com ela, o que ela dissera, quais foram as palavras exatas. Ela confirmou o convite para algo mais íntimo, sim, isso ficou muito claro, mas genuinamente ele não perguntou se ela aceitou o convite. Ela apenas não disse nada, então deixou que ele acreditasse no que queria acreditar, ele pensava que ela tinha sido cruel compensando o fato dele mesmo ter estado com outra pessoa naquele momento, então era o suficiente. Mefisto ficou com vontade de desaparecer nesse instante, de engolir seu próprio punho ou de mastigar um punhado de pedras. Mas ao invés disso, tragou o próprio orgulho e decide falar de forma adequada com o irmão.

— Me desculpe, praga.

— Tudo bem, irmãozinho. Eu sei que nem todos se sentem à vontade com minha... reputação.

— Você fala isso como se fosse um elogio. — Mefisto rebate.

— Para mim, é. — Asmodeus dá um sorriso frouxo.

Assim que Lilith e Azazel se acalmaram de sua tensão inicial, ela pôde finalmente falar.

— Enquanto eu estava com ele, sabia que não viriam até você. Foi uma forma de garantir sua segurança, meu amor. — fala a mulher com os olhos doces para Azazel. — Ele está tomando tudo, somente os que se aliaram a ele estão seguros.

— Não quero nem pensar nisso. — fala ele enquanto acaricia o rosto da bela a frente. — Não acredito que concordei com isso, só de pensar nele tocando em você...

Ela o cala de forma doce com um dedo no seu lábio, se aproxima e beija de forma casta e então declara ao amado caído:

— Acho que ele me pediu isso justamente para me testar, se eu recusasse saberia que estão se organizando contra seu delírio. O tempo que fica aqui é perigoso demais, amor.

— Venha conosco, temos aliados na terra. Esse lugar será palco de uma guerra, muito em breve.

— Eu não tenho boas lembranças da superfície e também não sei lutar. — Ela fala olhando para a clava de Azazel caída no chão. — Lute por mim, anjo.

— Então apenas saia do Limbo, se você se esconder...

Lilith olha para Baphomet e Belial, eles sorriem para ela.

— É claro que te ajudamos, criatura. — declara Baphomet.

Lilith volta seu rosto para o amado, feliz.

— Está bem, faremos isso assim que possível então. — fala ela enquanto tira os pergaminhos que encontrou no quarto de Astaroth e entrega ao seu soldado angelical.

Ele pega, fecha os olhos por um instante em agradecimento a ela.

— Eu venho lhe buscar, eu te amo, sempre.

— Não demore, eu também te amo. — Ela fala em um sorriso ficando junto de Belial e Baphomet no salão.

Metatron levanta o braço, junto dele ficam Mefisto, Asmodeus e um ponto de luz se forma no ar, Azazel se aproxima, a luz toma uma forma arredondada e em um instante desaparece com os quatro.

 

 

 

New Orleans

 

Lucy arruma as malas com unidades de sangue no porão enquanto Manson discute irritado sobre sua viagem repentina.

— Por que precisa tanto ir justo agora para dois lugares, isso não faz sentido!

— Eu já disse, preciso resolver isso urgentemente, eu volto logo, e possivelmente com até aliados para uma luta.

Possivelmente com até aliados para uma luta... — debocha Hidekki apoiado na parede do cômodo, imitando de forma desagradável o tom de voz dela.

— É sério, eu não tenho tempo nem paciência pra isso! — Ela fala enquanto abre uma maleta com uma cimitarra antiga.

— Que porra é essa?! — Manson gesticula aumentando o tom.

— É uma espada. — responde Hidekki.

— Eu sei que é uma espada! Eu quero saber porque ela vai precisar de uma!

— Eu só quero conferir se ela ainda está boa, com quem eu vou conversar não costuma ligar muito para pistolas... provavelmente a lâmina quebraria, está muito velha.

— Lucy, por favor, o que está acontecendo?

Nesse momento uma luz intensa surge no meio deles, os cega instantaneamente antes de apagar todos os computadores de Hidekki e as lâmpadas explodirem. O asiático vai até os eletrônicos verificar os aparelhos passando pela escuridão.

— Merda, merda, merda... isso foi um pico de energia? Pensei que você tivesse um sistema de segurança na casa!

— Eu tenho.

Ela puxa a espada, Manson saca sua arma enquanto eles se aproximam do meio da sala. A visão do policial se ajustou aos poucos revelando a silhueta das figuras que surgiram com a escuridão. Manson aponta a arma para o que se move a frente.

— Oi, querida. — Mefisto fala, docemente.

Seu sorriso lateral aparece junto de seus olhos amarelos no meio do escuro.

— Mefisto, o que está fazendo?

— Ah, desculpe, Metatron não sabe ajustar bem os portais aqui na superfície, ela sempre acaba estourando alguma coisa. Faça a gentileza, sim?

Mefisto faz um gesto para Metaron que levanta a mão ao alto e uma esfera de luz surge iluminando o local, um pouco forte demais, desajustado.

— Meu Deus! — Manson treme com a pistola na mão, seus olhos estão fixos nas figuras de Mefistófeles e Asmodeus, em seus chifres mais precisamente. A situação piora quando o demônio da luxúria vira seus olhos completamente negros para o policial, sua pele vermelha, seus cornos longos e escuros saindo da longa cabeleira são evidentemente sinais demoníacos.

— Manson, para, por favor! — Lucy apela para ele estendendo a mão. — Por que ele tá vendo vocês? Não deveria ser assim! — Ela fala e nota que atrás do grupo Hidekki também pegara uma faca e estava colado na parede.

— Isso não é, não pode ser... — Manson murmura, seus pavores escapam enquanto sua mão se move com o dedo no gatilho, a ponta da arma brilha com o movimento.

Asmodeus percebe que a mira travara nele, a feição antes tranquila toma agora uma contorção desconfiada, uma presa cresce além de seus lábios. Mefisto grita com Metatron.

— Não era para aparecermos aos outros, somente a ela!

— Você não disse isso, apenas mostrou o caminho da casa dela.

— Tenho que avisar tudo, você não consegue imaginar nada!

Mefistófeles percebe o movimento de Hidekki com a faca atrás de Azazel e o som do gatilho da arma sendo acionado. Ele pisca fazendo um gesto com o braço para em torno do corpo. O tempo passa a se mover muito lentamente.

— Eu tenho que fazer tudo... — resmunga o demônio para Metatron, a única que não está presa em sua bolha temporal.

A bala ainda sequer saiu do cano da arma, Lucy estava em angústia saltando no ar para tirar a arma dele, pelo trajeto, a bala irá atingir a mão da vampira antes que ela consiga tomar a pistola. Asmodeus ainda está contorcendo o rosto, suas garras estão surgindo devagar nas mãos. Mefisto vai até Hidekki, tira sua faca, a coloca na gaveta. Pega a maça de Azazel que iria revidar ao jovem e a posiciona em um cabideiro na parede próxima. O demônio olha para a Serafim que observa o movimento lento e sincronizado, chega a ser bonito.

— Vai ficar aí olhando?

Ela vai até Mefisto e ajuda a mover Asmodeus para virá-lo para outro ângulo, ele já tinha levantado seus braços para agarrar o policial. Agora virado para a parede ele apenas cortará o ar. Mefisto para, observa atentamente cada um dos personagens em cena e vira para Metatron.

— Agora você retoma o tempo, mas paralisa eles só para garantir que ninguém se mate, aliás, ela pode deixar livre.

O tempo volta, a bala leva os dedos anelar e mindinho da vampira antes dela tirar a pistola. Ela é a única que continua se movimentando segundos depois em dor, xingando e olha em torno. Manson, Asmodeus, Azazel e Hidekki estão paralisados, porém, conscientes.

— Vamos recomeçar, Lucy, pode nos apresentar a seus amigos? — Mefistófeles fala enquanto pressiona o centro da testa, impaciente.

— Que? Você moveu todo mundo e não pegou a bala?

Mefisto olha para a mão dela, pingando sangue no chão de pedra.

— É, esqueci disso.

Lucy balança o corpo com dor, vai até a pia onde pega um pano para enrolar na mão e estancar o sangramento.

 

 

*******

 

Após uma longa conversa apresentando todos, contando da guerra infernal, dos planos de Astaroth todos são libertados da paralisia e Lucy finalmente pode falar da viagem:

— Eu estava preparando para a viajem para Londres, depois para São Petersburgo. Amanhã mesmo posso embarcar.

— Eu sei, queri... — Mefistófeles interrompe o tratamento com intimidade, já que agora eles estão na presença de Manson e isso poderia gerar constrangimentos desnecessários. —, mas cada dia aqui é uma semana lá, acredite, aconteceram coisas demais. Inclusive, nem acho mais seguro Az descer novamente. — Mefisto fala.

— E talvez não seria recomendável para você também, Mefisto. — retruca Azazel.

Mefistófeles oscila a cabeça concordando de maneira frustrada.

— Talvez, eu ainda possa... ainda... Asmodeus também é o mais seguro, pois ainda não indicou que não estará neutro dessa vez. Mas eu posso ajudar com sua viajem, comigo o transporte seria muito mais rápido e barato.

— Você está sugerindo usarmos os portais?

— Sim, evitaria muitas horas e eu poderia trazer todos para cá no mesmo dia.

Cerrrto, e quanto ao restante fica aqui?

— Se não for abusar de sua hospitalidade. — Azazel fala enquanto observa a clava ainda pendurada no cabideiro.

Manson e Hidekki ficam próximos um do outro, eles observam as figuras bizarras das quais acabaram de serem apresentados. Mesmo que ambos não fossem exatamente religiosos e que soubessem que Lucy tinha interações demoníacas era muito diferente conhecer cada um pessoalmente. Ela percebe a tensão dos dois humanos no recinto que compartilham seus cigarros, ambos se matando lentamente.

— Eu sei que é muita informação para processar.

Hidekki dá uma profunda tragada antes de falar soltando fumaça entre os dentes.

— Qual delas? A de que demônios realmente tem chifres? A que querem escravizar humanos ou que tem alguns que são “os mocinhos”.

Manson olha para o celular rapidamente e questiona.

— Bom, você vai para Londres agora em uma fenda desse tipo?

— Sim, Mefisto ofereceu o transporte mais rápido.

— Bom, eu vou junto.

— Eu não sabia que você sequer pretendia ir.

— Quando você falou a dois dias que precisava viajar eu pedi os dias de folga que tenho acumulado, estavam me devendo na delegacia, acabaram de me liberar. Eu não ia deixar você ir sozinha convocar gente para briga sendo que disse que um deles pode nem gostar muito de sua visita.

Ela sorri, ele é protetivo até na confiança tola de achar que ele a protegeria de alguma maneira de Jekyll.

— Eu não acho que isso seja necessário.

— Eu disse que vou com você, não que só iria se precisasse.

— Obrigada pela companhia. Está bem. Vou falar com Mefisto.

Assim que ela se vira acaba dando de cara com Asmodeus que se aproxima sempre em seus passos deslizantes.

— Cara Lucy, a quanto tempo.

— Ah, sim... desculpe, acho que não lembro mais seu...

— Asmodeus. — Ele se reapresenta gentilmente curvando o corpo. — Compreendo que eu não tenha permanecido em sua memória, faz muito tempo realmente que não nos falamos. — Ele eleva o tom de voz para que Mefisto escute e discretamente olha para o irmão que desvia o rosto após o aceno. Lucy não nota o movimento entre eles, estava pensativa em sua lembrança e arqueia as sobrancelhas retomando.

— Oh. É verdade, eu... espero que não tenha algum ressentimento sobre isso.

— De forma alguma, minha cara. Inclusive gostaria de reafirmar que eu e meus ficaríamos gratos por sua companhia caso deseje em suas visitas infernais. Não necessariamente apenas para diversão, é bom poder conversar com quem poderia nos trazer mais informações da superfície sem ser através das penitências.

— Ah sim, claro, eu adoraria.

— Fascinante. Conversar com pessoas inteligentes é sempre agradável.

O demônio de pele rubra sorria ainda quando lança o olhar para Manson e Hidekki ainda chocados pela aproximação.

— Não é mesmo, caros mortais?

— Sim, é claro. Agora eu tenho mais um choque para assimilar, de que demônios podem ser corteses como ingleses do século XVII.

— O que isso significa? — Asmodeus inclina o rosto em nítida dúvida.

Lucy explode em uma risada franca.

— É um elogio, Asmodeus. Um elogio elegante, combina realmente contigo.

— Oh. Grato então.

Lucy aproveita que Asmodeus decidiu falar com os humanos assustados para avisar Mefistófeles.

— Como posso dizer isso, Manson vai conosco.

— Pera, isso não é um cruzeiro no Caribe, é para buscarmos os aliados e vir para cá o mais rápido possível.

— Sim, e ele está preocupado e anunciou que irá conosco.

Mefisto de repente travou o sorriso enquanto respirava profundamente.

— Claro. Vai ser divertido. — disse rangendo os dentes.

Foi então que o demônio da luxúria rosnou alto de repente. Ele sente sua pele queimar, observa o próprio braço e vê signos surgirem brilhantes e se espalhando aos poucos. Ele pragueja, está sendo invocado e deve ir imediatamente. Ele volta-se para Mefistófeles e Lucy.

— Infelizmente eu preciso ir.

— Algo errado, praga? — Mefisto fica preocupado.

— Espero que não, mas invocação não costuma ser um bom sinal.

Ele treme levemente contorcendo os braços com as insígnias o tomando e invadindo seu peito. Ele range baixo tentando se controlar, os outros notam quando ventos surgem e começam a envolver o demônio, luzes avermelhadas passam a circular enquanto uma insígnia surge em suas costas queimando o que restava de sua camisa. Ele ruge em dor, os ventos e as luzes se intensificam ficando mais próximos, o engolfam e o puxam violentamente para o chão, quebrando o piso e atravessando por um portal estreito. Os restos da pedra permanecem quebrados emanando calor e uma fumaça sulfurosa no porão da vampira. Ela olha suspirando para Mefisto.

— Fala sério, minha ardósia verde.


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