Incursão no inferno (livro 2) escrita por Natália Alonso


Capítulo 1
Prólogo




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“ Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal. ” —  Friedrich Nietzsche.

 

 

 

Gênesis

 

No princípio, Deus criou os céus e a terra. Então Ele disse:

— Faça-se a luz!

E a luz foi feita. Ele viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Então chamou a luz de dia, as trevas de noite e disse:

— Faça-se um firmamento entre as águas e separe umas das outras.

E assim se fez na terra, em pouco tempo, o mar, os rios, as plantas, os animais preencheram a superfície nova. Decidiu que tudo era belo, mas ainda faltante e completou:

— Façamos o homem à minha imagem e semelhança. Que reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e os répteis que se arrastem sobre a terra.

Deus criou o homem à sua imagem; o homem e a mulher. E assim se fez. Ele contemplou toda a sua obra e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia.

Após toda a sua criação, Deus estava cansado e seus braços repousaram sobre seu trono, ao lado de seus anjos e arcanjos. Os celestiais eram suas criações mais puras, parte dele, para adorar a ele e as novas criaturas. Entre os anjos haviam Miguel, Gabriel, Rafael, Uriel, Zadkiel, Samael, Haniel, seus arcanjos. Generais de seus exércitos de anjos, com a função de proteger a humanidade e a criação. Havia também Metatron, a serafim, o reflexo da própria Divindade, que falava por Ele, ouvia e muitas vezes servia seus olhos para Ele. Alguns anjos criavam estrelas, outros, mais variedades de animais, mas haviam tantos anjos que admiravam o ato de criar que alguns deles acharam que poderiam fazer sem consultar o que Ele queria.

Entre esses arcanjos, um deles, Samael ficou particularmente encantado com a criatura humana. O primeiro par que andava no jardim o espantava e questionou se um dia eles seriam livres.

— Como pergunta se eles serão livres? — Miguel questiona a colocação do irmão.

— Eles têm que obedecer, tem que servir. Mas eles também são inteligentes, são bons, poderiam decidir pelo certo e errado, e se escolherem pelo certo mostrará que o fazem por bom grado, não por serem obrigados a isso. Assim eles terão de fato a liberdade. — fala Samael com tom de certeza. Ele próprio, Samael era belo, seus longos cabelos vermelhos eram como fogo e brilhavam como se ele portasse as próprias labaredas dentro de si ainda com sua pele muito alva.

A fala preocupou Miguel, como um arcanjo poderia sugerir que a criatura poderia escolher algo, e se eles escolhessem errado? Ele decidiu não avisar Metatron da ousadia do irmão, o que quase foi sua ruína. Isso porque Samael queria tanto provar que as criaturas poderiam ter poder de escolha e que optariam pela luz que ele decidiu fazer uma criatura, um anjo para si, um com poder de escolha. Ele seguiu os mesmos passos com o barro, com o sopro divino e uma pena arrancada de sua própria asa para garantir as asas desse belíssimo ser. Ah como era lindo, os cabelos dourados como de muitos de seus irmãos e longos eram perfeitos. Ele fizera Moloch e entregara a Deus sua própria criação. Ambos se apresentaram com grande amor em seu peito, devoção e fé pelo que sabiam ser o certo.

Mas Deus não viu da mesma forma. Ele viu o anjo a sua frente não como uma homenagem a sua criação, mas como uma cópia barata, tola e distorcida que ainda falava e questionava as ordens. Ele não gostou do poder de escolha, de toda essa ousada e fraudulenta feitoria. Ele teve a Ira pela primeira vez e baniu Samael e Moloch dos céus.

Samael não podia compreender, ele acreditava estar trazendo um presente para seu adorado Pai, mas a resposta veio com a dor do fogo queimando suas asas, do vento em seu rosto enquanto caia. Por que estavam caindo? Suas asas sempre os fizeram voar plenamente, mas agora não conseguiam se manter, era uma força descomunal que os empurrava para baixo, com violência. Seu filho, Moloch, tão belo, gritava em agonia à sua frente durante a queda, quando ambos bateram no chão uma grande cratera se formou, aos poucos eles foram engolfados pelo solo, absorvidos pela escuridão. E lá eles ficaram, em silêncio, por muito tempo.

Moloch chorou baixinho pensando onde poderia ter errado tanto se ele mal tinha surgido, será que era por ele ter dito que faria mais irmãos como ele? Samael não chorou por causa disso, mas pela própria dor que sentia em seu corpo. Deus o via como um ser distorcido, e assim o fez, os ossos de Samael pareciam se quebrar e se moldar. Ele gritava na terra se contorcendo, o vermelho de seus cabelos tingiu as escamas em sua barriga, assim como seus olhos. Já sua língua, que irritou tanto por falar, tornou-se bifurcada e ele tornara-se uma serpente negra e vermelha que se rastejava na criação. A cobra procurou seu filho que estava enterrado, buscou Moloch até finalmente reconhecê-lo. Ele também mudara, suas asas antes no branco perolado eram agora como carvão. Seus dedos projetavam garras, seus pés pareciam de uma águia e sua pele era negra profunda fazendo seus olhos vermelhos brilharem, somente seus cabelos dourados permaneceram. A cobra se assustou, o anjo caído se assustou com a serpente, ambos choraram.

Depois de algum tempo, Moloch saiu da terra com seu pai, ele não conseguiria chegar perto das criaturas no paraíso. Eram tão perfeitas, ele se escondera em uma caverna, na escuridão, onde O Pai também não o veria nessa forma horrenda. A serpente, no entanto, se esforçava para tomar forma angélica novamente, ou algo próximo disso, afinal também tinha asas negras e olhos vermelhos tal como seus belos cabelos.

— Filho, eu sei que ele irá entender. Ele só não viu que será bom quando as criaturas puderem escolher a luz.

— Não adianta. Ele não nos quer mais.

— Não é mais sobre nós, eles não podem ser apenas pontos de decoração, filho. São vivos, eles pensam. Não são como estrelas fixas, eu posso mostrar a Ele...

— Pai, eu não acho que Ele realmente se importe.

O arcanjo agora caído assim o fez, ele deixa a caverna retomando sua forma de cobra, sibilando pelo jardim. Lá, ele se assusta ao notar que a mulher mudara, era outra. Será que Deus também tinha ficado em ira com a mulher anterior e trocara por essa? Essa de agora era Eva, tão doce e parecia mais obediente do que a anterior. Sim, pensou a serpente, a primeira deve ter sido descartada também, ele iria procurá-la se necessário. Mas agora, ele rasteja até uma árvore frondosa com algumas maçãs.

É claro que isso também não foi visto de bons olhos pelo Criador. Miguel teve que descer mais uma vez até o Éden, e agora expulsar as duas criaturas do paraíso, apontando cruelmente sua espada flamejante para o ventre de Eva. Da caverna, Samael presenciou, seus olhos vermelhos choraram pela dor e humilhação que ambos sofreram, mas agora ele chorava também, pois ele não queria mais ficar na escuridão daquela caverna. Ele saiu, foi para a luz, Miguel chocou-se com a visão do irmão transformado.

— Não vai mais se esconder?

— Não. Não tenho vergonha alguma do que fiz. Não deveria ser assim. Não deveriam fazer criaturas sem escolha, apenas para o próprio agrado? Isso é soberba, é capricho.

— Está chamando as ordens de Deus de capricho? Tem ideia do tamanho de sua heresia? — responde Metatron, do alto do muro do éden.

Metatron tem uma forma feminina, o rosto cálido ainda é sério e sem sentimentos. Seus olhos são completamente brancos e parece fitar sem direção, porém, ela tudo vê.

— Era para que esse tempo em isolamento ter lhe feito aprender sobre humildade, Samael. Mas parece que realmente não poderá voltar. — avisa Metatron, com sua voz poderosa.

— Eu não pedi meu retorno. Não precisa mais me chamar Samael, pode me chamar de Lúcifer.

Moloch que ainda estava na caverna sai, exibindo sua forma de gárgula negra, assustando Miguel, ele dá a mão para Lúcifer antes de falar aos anjos.

— Eu ainda acreditava na bondade Dele. Que ele entenderia a libertação da criatura, mas parece que eu me enganei também. Vamos, pai, esse jardim não é para nós, afinal nós temos escolhas, nós faremos nosso próprio reino se for preciso.

— Que profano! — Miguel fecha os olhos antes de prender a espada na lateral de sua armadura.

— A propósito, eu encontrei Lilith. — retoma Moloch com os olhos em raiva. — Ela me contou tudo. Nós encontraremos cada anjo que fizeram cair por discordarem de seus métodos.

Lúcifer e Moloch deixam o Éden. Eles encontraram muitos caídos que aos poucos formaram sua família, mas Lúcifer queria mais filhos, e assim ele fez.

Alguns de seus irmãos caídos foram resgatados, algumas criaturas foram escolhidas e muitos filhos foram feitos por Lúcifer, outros foram feitos por Moloch. Agora ele fazia com o barro, seu sangue e suas negras penas moldes de seres fantásticos e poderosos. Adornou com chifres, presas e patas daqueles que admirava, para ele, as formas não indicavam vergonha, pelo contrário, eram motivo de orgulho e beleza. Quando a humanidade cresceu, o reino de Lúcifer também, foi necessário dividir o espaço, em uma visita pouco agradável, Deus falou por Metatron.

— Através dessa fenda vocês terão todo o espaço que precisam ficando dentro da terra, e podem sair quando precisarem.

— Oh, quanta gentileza, temos permissão de caminhar. — disse Lúcifer, já com um grande exército de demônios de todos os tipos.

— Na verdade, a humanidade está se rebelando, creio que alguns deles não serão aceitos nos céus. Gostaria de saber se você os aceitaria quando eles desencarnarem.

— Eu disse antes, e digo agora. Todos deveriam escolher o bem e a luz. Mas se não fizerem, é uma pena. Pelo menos tiveram a escolha de o fazer. Sim, eu aceito ficar com aqueles que escolheram errado.

E assim ele fez, o reino de Lúcifer tornou-se tão complexo quanto o céu. Foram divididos em nove círculos onde cada um sofreriam suas punições e retribuições necessárias. O primeiro era o Limbo, o mais brando onde apenas tolos permaneciam, sua filha Baphomet era a comandante. O segundo era gerido por Asmodeus, ele e seus filhos gêmeos Íncubo e Súcubo controlavam a luxúria. A gula era particularmente controlada por Mammor e Banshee no terceiro círculo.

O quarto círculo era comandado pelo Senhor das Moscas, Belzebu, onde a ganância era contida. Os irados seriam punidos no quinto círculo por Abadon. No sexto círculo, Mefistófeles controlava todos aqueles que vendiam suas almas e cometiam heresias. A violência era o círculo de Abigor, a fraude era punida por Paimom. E finalmente Astaroth, ele cuidava particularmente dos piores traidores no nono círculo. Lúcifer parou e contemplou toda a sua criação, e viu que tudo era muito bom.

 

 

 

Abril de 1498, margens do Flegetonte

 

Na primeira vez que morreu foi assustador. Conhecer o inferno, sentir a morte, ser engolfada pelo frio e depois o calor sufocante do submundo foi no mínimo um excesso de sensações que Lucy não sabia o que esperar. Porém, foi na primeira morte em que as coisas começaram a ficar mais claras do que seria dali em diante. Mefisto não poderia simplesmente tirar os poderes e a maldição, mas também não podia admitir que foi um engano tolo. Era preciso de um sacrifício, neste caso, Vlad foi o touro escolhido. Ninguém iria defendê-lo, ele não tinha uma boa reputação, foi vantajoso para Mefisto, para Lucy, para o inferno, para todos, menos Vlad, é claro.

Enviado para o nono círculo, o da traição, ele seria um condenado eterno. Algo adequado para o que fizera, ter transformado Lucy em uma vampira, torturado, profanado sua alma, obrigado a lutar em seu nome, deu elementos o suficiente para que a penitência dele não fosse motivo de tormento na mente dela. Definitivamente ela não ia lamentar seu infortúnio, até porque, ela também tinha outros interesses. Agora ela vagava livremente no inferno como se fosse uma colônia de férias, onde poderia descansar, e as vezes era até melhor estar lá do que viva.

Hoje mesmo, ela não se lamentou muito quando o homem que precisava matar conseguiu usar uma lâmina em sua garganta. Esse tipo inclusive, é até um alívio, é bem rápido, é algo que se acostumou. Hoje nem se preocupou em levar a mão ao corte tentando impedir de se esvaziar, ela queria isso, deveria agradecer a ele inclusive. Talvez até faça isso mais tarde.

Como muitas vezes, assim que ela desperta no inferno acaba encontrando algum demônio que possa indicar o caminho para Mefistófeles. O fato de ele estar dentro do sexto círculo, da Heresia, facilita algumas coisas já que não costuma ser muito longe de onde ela costuma acordar. Normalmente Lucy desperta nas margens do rio Flegetonte, por vezes nos precipícios ao seu lado. O rio de sangue é no círculo da violência, e normalmente Lucy quando morre é assassinada, muitas vezes também acorda no círculo da Ira, que também não é muito distante. Abigor, seu comandante supremo, já se acostumou com a passagem da vampira. Sequer registram mais suas vindas, de tão banal. Ela rapidamente usa seu olfato para captar no meio do reino férreo e sulfuroso o cheiro de Baal.

Assim que encontra o demônio cabeça de búfalo, corpulento, de patas largas e quase sempre com seu machado a mulher sorri em satisfação. Às vezes ele apenas indica o caminho, mas hoje ele rapidamente larga o chicote longo no apoio para acompanhar a vampira até o jardim de Mefisto.

— Lucy, que bom que você veio!

O demônio parecia estar mais animado do que o comum com sua presença, ele anda apressadamente a direcionando para o caminho que ela perfeitamente poderia ir sozinha.

— Está tudo bem, Baal? Aconteceu alguma coisa?

— Tudo ótimo, eu só... só quero te levar logo para Mefisto.

Ele balançou sua longa cauda e passava a mão na crina longa nervosamente. Ela nota que o peito dele arfava como se tentasse hiperventilar, os passos rápidos do alto demônio forçaram com que ela tivesse que quase correr para acompanhá-lo.

— Estou fedendo?

— O que?

Ele para, murmurando algo indistinguível. Inclina-se para que ela possa farejá-lo. Ela sorri maliciosamente ao notar que não só ele não estava fedendo, mas parecia usar algum tipo de perfume cítrico.

— Na verdade, está cheirando muito bem!

— Mesmo?

Ela balança o rosto com um sorriso, ele olha ao longe antes de continuar o caminho.

— Mefisto disse que era pra te levar sempre direto a ele, ele já avisou a maioria dos principados e duques. Então, se algum dia não me encontrar, você pode buscar qualquer comandante.

— Que bom.

— Se bem que você quase sempre vem por aqui no Flegetonte mesmo, então isso não deve mudar muito.

— Certo. E por que estamos correndo, Baal?

— O que? Não, não estamos correndo... — O demônio para avistando que Mefisto está na frente do palácio, junto de Azazel e outro demônio. Ele engole seco antes de bufar e ajeitar a postura. — Olhe só quem eu encontrei!

Os três voltam seu olhar. Azazel levanta os olhos rapidamente acima dos óculos e depois volta para os papéis que estão na mesa, a pena em sua mão não parou de se mover, mesmo quando ele não olhava. Mefisto dá aquele sorriso lateral que se alarga devagar e sussurra para si mesmo algo. Ela lê seus lábios e sabe que foi seu próprio nome. O outro demônio, olha para ela, mas volta seus olhos vermelhos diretamente para Baal, em um discreto sorriso.

— Mefisto, Az, Belial... — Baal cumprimenta calmamente.

Belial tem a pele completamente negra, os curtos chifres de cabra se projetam para frente antes de se curvar para trás. Ele é alto, corpo esguio e queixo fino, veste uma túnica negra com bordados dourados. Sua mão se coloca na frente do peito ao menear a cabeça aos que chegaram.

— É um prazer conhecê-la, senhora Lucy. — disse com seu brinco delicado balançando apenas em sua orelha esquerda. Ao lado do brinco, uma trança de cabelo estava pendente em seu ombro com algumas pedrarias na ponta.

— Eu a trouxe. — Baal completa com uma fungada de sua larga narina com aro dourado.

— Eu vejo que sim. — Belial sorri e pousa os olhos admirando a crina de Baal.

Mefisto levanta as mãos para desviar dos dois e cumprimentar a mulher direcionando-a para o jardim. Ele parece tentar segurar o riso malicioso enquanto se afasta.

— Graças a Satã que você apareceu, desculpa perfeita.

— Isso é realmente o que parece? — A vampira questiona curiosa.

Agora já afastados, ambos olham de soslaio e viram rapidamente ao notar que Belial estava falando algo próximo a orelha pontuda de Baal, o corpulento estava levemente corado e sorrindo timidamente. Enquanto tudo ocorre, Azazel continua escrevendo em seus papéis, concentrado, alheio a tudo em torno.

— Estão nessa faz meses, eu fiquei segurando Bel aqui até que Baal aparecesse, ainda bem que você veio, eu não tinha mais o que falar sobre guerra com ele. Violência nunca foi minha atividade favorita.

— Oh, que bom que fui útil de alguma maneira.

Os olhos amarelos dele capturam os verdes dela, que por um instante ficam fendidos com a surpresa.

— Útil e agradável. Acho que é perfeito para ambos.

— Ambos?

Ele ri, sem dar a certeza a ela se ele se referia aos demônios ou a ele mesmo. Eles ficam conversando sobre sua morte recente, sobre o vício em trabalho de Azazel e sua estabilidade emocional, sobre como o sexto círculo é relativamente mais tranquilo em relação aos outros. Ambos parecem que nunca acabam os assuntos que desejam compartilhar. A prosa se prolonga enquanto estão sentados no jardim de fogo, as árvores decorativas e flores estão permanentemente em chamas, queimando e florescendo as labaredas constantemente. Ela admirava o bioma quando uma nova voz surge.

— Irmãozinho.

Mefisto perde parte do sorriso tolo ao voltar o olhar para o alto demônio de pele vermelha e olhos negros a frente. Os chifres longos e escuros saem por meio da longa cabeleira negra que o adornam até sua cintura. A figura caminha suavemente até ambos e segura um pergaminho na mão de garras pontudas e escuras.

— Vim te chamar para a reunião, peço que não se atrase novamente, Astaroth tem ficado irritante quando tenho que ficar dando desculpas para sua displicência. — A fala é toda em tom debochado, não parece uma recriminação, mas vários segredos sórdidos compartilhados. Ele move então seu olhar para a mulher e levanta as sobrancelhas escuras. — Não vai me apresentar?

— Esta é Lucy, a vampira que eu comentei.

— Oh, você não tinha comentado todos os aspectos relevantes, pelo que vejo. — Ele estende a mão para ela.

— É um prazer conhecer mais um dos tantos irmãos de Mefisto, você é? — Ela oferece um aperto de mãos, mas o demônio rapidamente move seu punho para um beijo gentil entre os dedos dela.

— Asmodeus. — Ele fala, deixando o S final sibilar.

— É um prazer conhecê-lo.

Ele alarga o sorriso de muitos dentes com os olhos negros a engolfando.

— Sim. Isso é meu, querida.

Mefisto engole seco e estende a mão para pegar o pergaminho.

— Era só isso, praga? Mesmo horário?

O demônio mais velho sorri com o apelido infantil.

— Sim, o mesmo que você dificilmente chega.

— Tá, eu... vou tentar lembrar das reuniões de família. Não quero ficar devendo favor a ninguém.

— Oh, querido irmãozinho. Normalmente as dívidas somos nós que temos com você, sabe que eu nunca exijo essas bobagens. Eu sempre prefiro a negociação do que a brutalidade, ainda mais de Abadon.

— Certo, certo... — Mefisto fala enquanto lê o pergaminho rapidamente.

— Infelizmente preciso ir agora, só vim deixar isso com você. — O demônio se curva para a vampira deixando seu aroma floral envolvê-la. — Ao contrário do meu irmãozinho, eu não tenho muitos funcionários. Prefiro fazer quase tudo pessoalmente.

— Bom trabalho então.

Ele meneia a cabeça para ambos e vai embora em seus passos silenciosos. Mefisto parece que começa a relaxar novamente.

— Alguma coisa errada?

— Não, é que... ele é um pouco inconveniente por vezes, aliás, seria até bom se você não desse tanta... abertura para ele.

— O que? Não entendi. Que tipo de abertura eu dei? Achei que estava sendo apenas educada.

O demônio suspira, os olhos estão quase que tomados pelo amarelo como se sua íris, assim como a pupila tivessem tomado toda a esfera.

— Isso pode ser o suficiente.

— Ele é de qual círculo?

— Segundo, da luxúria.

Ela pensa por um instante e então percebe.

— Ah, então quando eu disse que era um prazer conhecê-lo...

— É-é..., isso mesmo. Ele achou que você estava disponível. — Ele fala com um olhar malicioso.

A mulher ri com o nervosismo de Mefisto.

— Entendo. Corro algum risco? Achei que tinha dito que demônios não costumam ser estupradores...

— O que? Não! Não, ele não faz essas coisas, pelo contrário. É pra lá que vão esses bastardos, tem toda uma ala de castigo para isso, ele acredita no poder da luxúria, não no roubo da luxúria pelo poder... Quanto a isso fique tranquila.

— Está bem. Então por que devo me preocupar?

Ele balança a cabeça pensando na resposta que não sai de seus lábios. Ela sorri como se entendesse o que ele gostaria de dizer, mas não o fez. Ela retoma devido à falta de resposta dele.

— Então, quer dizer que eu não estou disponível?

Ele arregala os olhos e novamente não fala nada, apenas um leve sorriso escapa dos lábios. O silêncio permanece enquanto ele se levanta para ir à frente dela.

— Eu gosto de sua companhia, Lucy.

— Eu também aprecio muito a sua, senhor Mefistófeles.

Ele recua, olha em torno e depois se aproxima devagar.

— Eu só não quero que se magoe aqui. Na superfície você já tem muita coisa com que se preocupar, aqui não precisa ser assim.

— E por que eu me magoaria?

— Asmodeus sempre só quer sexo, nada mais. — Ele cospe a informação como se ao falar rápido tornaria as palavras mais fortes.

— E isso é um problema?

Ele arregala os olhos como se corrigisse.

— Não, claro que não. Você é livre, faz o que quiser...

— Exatamente. A não ser que isso seja na verdade um problema para você. Isso te magoaria, Mefisto?

Ela agora o olha com as pálpebras levemente fechadas, convidativas.

— Eu... não tinha certeza se... — Ele franze as sobrancelhas e lambe os lábios antes de retomar a fala. — Você daria uma ótima demônia, sabe fazer uma tentação.

— É mesmo? Acha que estou te tentando?

Ele solta um rosnado baixo.

— Sim.

— E está funcionando?

— Definitivamente.

— Então, de qual círculo eu deveria pertencer?

Ele ronrona se aproximando, coloca as mãos próximas as pernas dela para se inclinar.

— Isso depende, tem algum que você gostaria de ficar?

Ela lambe os lábios.

— Ah tem.

Eles se aproximam para um beijo que ambos anseiam a muito tempo e notam que a corporação da vampira está se desfazendo. Ela percebe que provavelmente seu corpo está voltando a vida na terra, ele para ao notar a falta de densidade dela.

— Justo agora? — Ele resmunga, ambos riem. — Será que fica mal eu estar torcendo para você morrer logo?

— Acho que não, eu ficaria feliz.

O demônio se afasta, deixando a imagem da vampira se esvair enquanto ele sussurra.

— Até breve então.

Assim que ela desaparece, Azazel, Baal e Belial que olhavam toda a cena na frente do palácio desviam o olhar, fingindo estarem entretidos em outras coisas quando Mefisto vem até eles.

— Bem, é isso... — Mefisto anda batendo os pés no piso de pedra como se chutasse algo invisível.

— Sabe, temos poucos processos no momento. — Murmura Azazel com o rosto ainda baixo nos papéis. — Todos olham para o anjo caído que continua. — Então, se você precisar se ausentar um tempo não seria um problema, antes da reunião, é claro.

Mefisto olha para o anjo curvado na pilha de papéis.

— Sério? Suponho que daria tempo de eu ver algumas almas vendidas na terra, talvez?

— Sim, claro. Negócios. — O anjo para de escrever e olha diretamente para o príncipe infernal. — Só não se atrase na reunião, é bom evitar problemas.

— Claro! — Mefisto olha para Baal e Belial, tão surpresos quanto ele. — Vou então ver esses que querem vender suas almas, malditos hereges!

Azazel olha calmamente e volta a folhear um grande livro de consulta. Mefisto murmura qualquer coisa, acena para Baal e Belial enquanto se afasta. Baal fala baixo com o caído que continua lendo na mesa.

— Az, isso foi gentil. Mas pelo que eu saiba você recebeu muitos vendidos agora pouco, você dará conta?

Azazel suspira, faz um gesto com uma mão e duas cadeiras surgem na frente da mesa, no sentido oposto dele. Ele puxa uma pilha de papéis colocando-a na ponta da mesa.

— É por isso que eu ficarei feliz se me auxiliarem, afinal, Bel também não precisa ir embora já, não é mesmo? — A voz suave de Azazel sugere.

— Eu não tenho pressa, gostaria de ficar. — Belial prontamente ajeita a cadeira de forma a ficar próxima da outra livre e dá dois tapas no assento convidando o oroba.

O demônio de cabeça de búfalo balança o corpo encabulado, senta-se com alguma dificuldade e pega os papéis. Somente Azazel gostava de cuidar da burocracia, números e leis, mas hoje, os outros demônios também o fariam de bom grado.

Na superfície, Lucy abriu os olhos sentindo sua garganta quente, ela leva a mão na pele recentemente fechada sentindo a cicatriz que se formara. Ainda está suja de sangue, agora seco em seu pescoço e colo, ela se levanta do chão com alguma dificuldade e vê a bagunça em que está quando acabou morta. Precisa pensar em se limpar, em matar esse agiota que conseguiu se defender, mas agora, sua prioridade é apenas de limpar o sangue do chão de sua casa. Ela só teve tempo de pegar um pano e um balde de água colocando no corredor quando ouve o rasgar dimensional e o cheiro narcótico de Mefisto invadir o ambiente.

— Mefis...

Assim que se vira para olhar o demônio repara que ele já andou pelo corredor, ele a puxa pelo braço para auxiliar se levantar e sua outra mão vai direto para sua nuca. A boca faminta a beija de maneira gentil, olhos fechados, entregues, ela o abraça puxando para perto com a outra mão emaranhada nos cachos de seus cabelos. O beijo cresce, ansioso e sedento, os lábios dele percorrem seu maxilar, sua cicatriz recém-formada, seu colo ainda sujo de sangue. A leve mordida na base do pescoço faz ela soltar um gemido desejoso e suas mãos passam pelos quadris dele, puxando-o, uma de suas mãos invade sua camisa com as unhas acariciando suas costelas. Isso provoca uma eletricidade nele que faz seus olhos amarelos vibrarem.

Ele a empurra contra a parede e depois começa descer em seu corpo atrevidamente. O excesso de panos da saia é levantado, ele fica de joelhos reverenciando seu ventre, então pausa por um instante levantando o rosto a ela, pedindo sua autorização. Ela acena que sim e vê ele mergulhar entre suas pernas para provar a carne que anseia. Ela tenta se equilibrar quando suas pernas são afastadas, uma delas é puxada para se apoiar no ombro do demônio enquanto ele a invade com a língua em movimentos sinuosos. O clima estava fresco, mas ambos suam intensamente enquanto ela finca as garras na madeira da parede. Quase cai, ela precisa segurar um dos cornos dele para não desabar. As mãos dele percorrem suas ancas e uma delas passa a explorar internamente, gemidos abafados no corredor estreito tornam o local inebriante. Quando a mulher finalmente tensiona, solta um gemido arfante e trêmulo o demônio para, apreciando a visão em adoração, volta a subir percorrendo em beijos em seu colo.

— Mefisto — Ela fala suplicante. —, não diga que precisa ir embora agora...

Ele a beija profundamente, segura seu rosto, sorri e rosna no seu ouvido.

— Eu estou só começando, querida.

Então a puxa, faz com que ela se agarre com a pernas em sua cintura, e a carrega pelos quadris. Ele olha rapidamente pelo corredor, chuta a porta para abrir o quarto e assim poderem ficar mais à vontade, ele pode ficar o dia todo na superfície antes de voltar ao inferno sem perder a hora. Ele não vai se atrasar, mas também não chegará um minuto mais cedo do que precisa.

 

 

 

Maio de 1498, Círculo da violência

 

A vampira começa a acordar no chão de pedras, em uma encosta e sente as vibrações de passos pesados se aproximando. Os cascos largos de Baal param próximo ao seu rosto e sente sua grande mão tocar o ombro, verificando se ela já está consciente. O toque do demônio a faz se mover rapidamente, ela está com os olhos fendidos, arregalados em terror, quando nota Baal a sua frente ela respira aliviada. Ao contrário da última vez, essa morte não foi tranquila, não foi rápida.

— Lucy?

Ela leva a mão ao pescoço, verificando sua continuidade entre cabeça e dorso. Então olha rapidamente para si mesma nos braços e toca o próprio ventre, como se conferisse se os órgãos estavam internos de si mesma, da forma que deveriam. Só depois fecha os olhos tentando relaxar.

— Está tudo bem? — questiona o demônio, preocupado.

— Sim... parece que... agora estou bem, Baal. Obrigada.

— Morte difícil?

— É...

Ao se levantar, ela dá uma longa olhada no ser com cabeça de búfalo visivelmente com a pelagem e crina mais brilhante e sedosos.

— Interessante, parece que você pegou a cera de carnaúba. — Ela ri enquanto tenta se equilibrar para a caminhada.

Ele dá um guincho, balança a larga cabeça enquanto começa a descer a montanha com ela.

— Deu para notar?

— Claramente.

— Você deu a recomendação, eu arranjei na mesma semana, estou usando sempre desde então.

— E? — A mulher questiona com curiosidade.

Ele sorri timidamente.

— Bel notou também.

— Eu sabia que notaria, e então?

O búfalo balança a cauda deixando escapar a animação, Lucy repara que seus braços também pareciam estar mais torneados do que se lembrava.

— Tenho que te levar rápido, pois mais tarde temos um jantar. — Ele fala baixinho como se o precipício ao lado pudesse ouvi-los.

— Estou tão feliz por você, querido amigo.

Ele sorri, mas abaixa o focinho em uma expressão aflita.

— O que foi?

— Eu não sei se vai ser... quero dizer... Belial é antropomórfico, é como Mefisto, como Azazel... É da parte bonita da família, acha mesmo que ele poderia gostar de cascos?

A vampira para de andar, olha para os olhos negros dele, quase quarenta anos que se conhecem. Esse demônio, apesar de seu círculo ser da violência, é ao mesmo tempo sensível e inseguro. Ela volta o olhar para os cascos largos e polidos dele, nota que ele aparou um pouco a pelagem em torno.

— Realmente, são cascos muito bonitos, Baal.

Ele bufa.

— Está falando isso só pra me agradar.

— É verdade. Eu acho lindo seus cascos.

— Mesmo?

— Eu tenho certeza que Belial também vê assim, ou então ele é um idiota e não merece seu coração peludo.

Ele respira aliviado, olha para frente e vê que Azazel está como sempre na frente do palácio de Mefisto, em sua mesa ele analisa um documento. O decaído está com sua mesma veste branca que usa quase como um antigo uniforme militar. Os cabelos claros combinam bem com sua pele, mas sua feição sempre séria só se contrasta com suas falas ácidas. Um outro demônio está de costas, seus cabelos pretos vão até a cintura, ele vira o rosto levemente ao notar a aproximação da mulher.

— Azazel, vim encontrar Mefisto.

O anjo transformado permanece com os olhos baixos no papel.

— Claro, Lucy. Você sabe que pode entrar, é só ir.

— Vampira, Lucy. — A voz do demônio obriga com que ela olhe seu rosto, reconhecendo pelos olhos negros.

— Olá, Asmodeus.

Ele meneia com a cabeça e um sorriso curto. A vampira é cordial, mas não quer ficar muito tempo na porta, não é uma boa ideia ficar interrompendo a concentração do metódico documentador alado. Logo na entrada o cheiro inebriante de Mefistófeles a conduz, o alecrim selvagem preenche todo o local. Ela segue pelo corredor, ouvindo o barulho suave entre as salas, até chegar em uma onde finalmente encontra aquele que aprecia tanto a companhia.

Ele está de costas, completamente absorto em prazer e curvado nos braços de Shax, uma demônia de pele azulada. As costas estreitas dele têm algumas cicatrizes que se destacam em um tom de verde na pele marrom clara, suas pernas fortes estão de pés plantados no chão para dar força aos movimentos repetitivos. Ela tem suas pernas roliças cruzadas nos quadris de Mefisto, enquanto se apoia em uma mesa, suada e com os dedos entrelaçados nos cabelos cacheados dele. Ambos estão ofegantes, um cheiro doce, provavelmente dela, paira no ambiente. A demônia nota a presença invasora na porta, sorri e avisa no ouvido dele.

— Ora, Mefisto, eu não sabia que seria uma festa.

Ele olha para Shax confuso, diminui o ritmo dos movimentos que eram tão cheios de desejos para virar o rosto para trás.

— Merda! — A vampira pragueja baixo, recua, acaba batendo na parede atrás de si antes de conseguir andar pelo corredor, saindo rapidamente. Quando já está virada no corredor nota o silêncio, o casal parara suas atividades.

— O que? — Mefisto questiona para o nada.

A morta vai o mais rápido que pode sem fazer barulho, talvez ele não a tenha visto, talvez consiga fingir que nada aconteceu.

— Lucy?

Não. Não vai dar para fingir. Os passos apressados vêm atrás dela.

— Espera!

Ela não responde, apenas quer sair dali.

— Lucy, espera!

A fala sai um pouco ofegante, ele segura o pulso da vampira que já estava na porta, obrigando-a parar e responder.

— Desculpe, eu deveria ter... ah, eu não devia ter entrado assim.

— Eu disse que você podia entrar direto sempre que viesse!

— É, mas... me desculpe.

Ela decide se virar, e depois desvia o olhar por notar que o demônio estava ainda cobrindo a cintura com um lenço que provavelmente manifestou no último segundo.

— Porr... eu esqueci de...

— Você não tem que... eu que fui... invasiva.

Ele olha para ela com seus olhos amarelos, suas fendas quase desapareceram de tão finas.

— Eu não esperava que você viesse hoje e... isso nem é uma...

— Ei, é sério, Mefisto. Está tudo bem.

Ela fala, mas olhando para fora, então sorri de lado para ele. Ele fica avaliando e então sorri, ambos os sorrisos foram igualmente posados, frios. Ela se despede enaltecendo que não teve importância. Ele sabe que tem, ambos fingem bem. Ele solta sua mão deixando-a sair. Ela passa ao lado da mesa de Azazel assim que ele tinha acabado de entregar o último pergaminho a Asmodeus. O alado repara sua saída, o estranhamento o faz virar para trás vendo Mefisto na porta, segurando o lenço da cintura, franze as sobrancelhas e torna a olhar novamente, perplexo. Então vira-se para frente e enrola o pergaminho na mão para entregar ao demônio à frente dele.

— Mais algum? — diz o alado roboticamente.

— Não, eram só esses, Azazel. Obrigado.

Asmodeus se retira, Azazel tira os óculos pousando-os na mesa, observa os documentos na superfície de madeira como se avaliasse a situação. Pega o copo vazio, se levanta e vai até a porta do salão encontrando Mefisto que ainda estava na entrada. O demônio de peito desnudo parece aguardar qualquer fala áspera do documentador que ignora sua presença e passa por ele em direção a fonte de água.

— Fale. — Mefistófeles inquere.

Azazel olha para Mefisto, observa melhor suas peculiares vestes, o cheiro distinto e o movimento de Shax no corredor ao longe. Ele serve água no copo e bebe antes de falar.

— Asmodeus estava entregando o registro da seita da Dinamarca, ele encerrou a penitência deles, agora eles serão entregues a nós. — fala calmamente, engole mais água e depois retorna à mesa, veste seus óculos para retomar o trabalho.

Mefisto fica parado na porta, esperava algum comentário recriminatório dele, ou talvez alguma ironia. Mas nada veio, nenhuma palavra, não era necessário.

Lucy caminha rapidamente para o jardim apenas focando em sair dali. Entre os arbustos ela para, senta-se ao lado de uma árvore flamejante, fica pensativa sobre o que esperava. Bom, não deveria ser nenhum choque para ela, afinal nada tinha sido acertado sobre uma relação ou... ou... o que ela esperava? Eles só tinham ficado íntimos uma vez, ninguém disse nada sobre exclusividade. Enquanto estava pensando em quanto tempo mais teria que esperar até subir à vida ela sentiu a presença de alguém que se sentara ao seu lado no jardim.

— Olá, vampira.

O demônio de pele vermelha e olhos negros chama com seu sorriso sínico.

— Olá. — Ela responde, tentando disfarçar o nítido desconforto.

Mefisto ainda observava na janela, apesar da distância, ele consegue ver que Lucy fala com Asmodeus. Então ele nota que o demônio se levantou se aproximando dela, algo é dito, algo é respondido.

O vermelho gesticula, ela parece concordar.

Ele se aproxima mais, ela disse algo olhando para baixo.

Ele se inclina, ela sorri.

Droga, ela sorriu.

Ele fala mais alguma coisa. Ela ainda está sorrindo.

Ele estendeu o braço para ela, um claro convite para que ela o acompanhe. Ela pousa a mão no braço do familiar de Mefistófeles e ambos caminham para fora do jardim. Os olhos amarelos seguem os passos dos dois se afastarem até que seu transe é interrompido pela voz de Shax chamando-o pelo corredor. Mefisto balança a cabeça, mas então se vira, e retorna para o quarto em que estava antes.

 

 

 

Maio de 1498, Roma, Itália

 

Lucy tinha voltado há poucos dias do inferno enquanto organiza no quarto mais algumas peças que deseja levar. A vampira está de mudança para a Espanha agora, não quer mais nenhum vínculo com a Itália, já passou tempo demais, já morreu demais. Ela já se acostumara a ir embora do país quando estava enfastiada da desgraça local, quando não suportava conviver com lembranças violentas. Pensa inclusive em talvez parar com a atividade de assassina, apesar do bom pagamento ela frequentemente acaba morta e, no momento, pretende dar um tempo de suas visitas infernais. É quando está pensando justamente nisso que sente uma fenda dimensional se abrir atrás de si e a presença demoníaca entrar.

— Podemos conversar? — questiona Mefisto, já se acomodando em sua poltrona.

Ela olha para trás, balança a cabeça e continua a organizar seus objetos pessoais.

— Claro.

— Nós não falamos depois de eu ter vindo aqui da última vez, e depois você apareceu no inferno então, acabou sendo...

Ela sorri para ele, enquanto dobra uma peça de roupa e acomoda em uma pilha, o gesto indiferente deixa o demônio atordoado.

— Eu não sabia que você vinha naquela hora, Lucy.

— Eu não planejei minha ida ao inferno, Mefisto. Eu fui decapitada. — Ela o corrige gentilmente enquanto caminha para dobrar outras peças de roupas e colocar no baú.

— Certo. Mas a questão é que para você passou poucas semanas aqui, não é? Entre uma coisa e outra?

Ela lança um olhar questionador.

— Onde quer chegar?

— No inferno, o tempo é diferente, você sabe disso. Para mim você ficou em silêncio por quase um ano, Lucy. Você não apareceu, não me chamou e eu não... não achei que seria certo eu vir até aqui ficar te espionando.

— Eu não tinha pensado nisso realmente. Deve ter sido difícil para você meu silêncio. Me desculpe por isso. — As palavras dela saíram com uma ponta de raiva controlada.

— É claro, eu...

— Eu estava ocupada. Estava prisioneira, sendo torturada, por Dorian.

Os lábios de Mefisto curvam-se para baixo.

— E-eu não sabia disso.

— É, eu sei. Realmente foram poucas semanas, eu estava vivendo minha vida normalmente, até que um dia eu chego em casa e ele estava bem aí, nessa poltrona. E antes que eu pudesse correr, ele disse “PARE” usando o poder da lança de Longinos em mim.

O demônio olha para a própria poltrona sentindo-se desconfortável. Ela continua.

— E eu fiquei parada. Por oito dias direto. Em pé, sem dormir, sem comer, urinando em minhas pernas apenas quando ele permitia. E quando ele percebeu que eu acabaria morrendo por falta de alimento e sono ele me mandou que eu começasse a comer meus próprios braços. A dor me manteria acordada.

Ela diz tudo olhando diretamente a ele enquanto habilmente dobrava as peças de roupas. Sua carranca no rosto demonstra o ressentimento. Mas ela ainda não terminou de descrever seu infortúnio para o demônio.

— Ele queria que durasse, e foi assim por vinte e três dias, quando ele finalmente se cansou de me fazer contar minha intimidade, de me humilhar. Então ele me deu a ordem para que eu entregasse a ele o serrote que ele usaria no meu pescoço. Sabe, eu nem encontrei minha cabeça quando voltei? Acho que aquele desgraçado levou a porra da minha cabeça como um maldito suvenir.

Ele nota a mancha de sangue no piso de madeira sob os pés dela. Ela treme um pouco antes de terminar a fala, mas então respira fundo antes de finalizar.

— Então não, não consegui te convocar enquanto estava paralisada. É por isso que pretendo me mudar, que eu não quero mais morar nessa casa. Se você tivesse me espionado saberia o por que eu não estava morrendo com tanta frequência. — A mulher sorri para ele. — Mas tudo bem. — Um falso tom conformado sai de maneira fria.

— Eu não tinha ideia, Lucy. Eu... sinto muito.

— Tudo bem, Mefisto. Nós não tínhamos firmado nenhum compromisso realmente, você nunca disse que era desse tipo. — A fala é suave, mas cheia de veneno e um pouco de rancor.

— Desse tipo?

— Do tipo que quer compromisso.

Isso feriu mais a ele em ouvir do ela ao dizer. Ele vira o rosto antes de rebater.

— É, não disse, mas você é, Lucy.

— Eu sou o que? — Ela fala em tom desafiante.

Ele para um pouco pensativo, torce um pouco o nariz antes de retomar.

— É, suponho que não. Afinal, retribuiu na mesma moeda.

— Não sei do que está falando. — Ela rebate enquanto dobra as peças de roupas.

— Dá pra parar com isso! — Ele gesticula apontando para as roupas que não precisam de urgência diante da conversa.

Ela para, solta as peças e olha para ele enquanto se senta na beirada da cama.

— Eu sei de Asmodeus! — O demônio fala quase que cuspindo as palavras.

— Sabe o que?

— Eu vi quando vocês saíram juntos.

— Sim, ele me ofereceu companhia, eu tinha um longo período no inferno até regenerar minha cabeça, Mefisto.

Ele torce o rosto.

— Conhecendo bem o meu irmão, ele ofereceu mais do que apenas companhia.

Ela olha para ele, decepcionada.

— Sim. Ele ofereceu.

— Claro. Você sabe que essas coisas não significam nada para ele, não é?

Ela fecha os olhos impaciente e sorri azeda.

— Bom, eu não sei por que está tão bravo, Mefisto. Pelo que eu pude ver, não teve tanto significado para você, afinal, estava bem acompanhado...

Ele para surpreso e embala a cabeça com a mão no rosto.

— Eu não diria isso, mas... eu sei que pareceu que...

Ela se levanta, se aproxima e senta na cama agora próximo ao demônio.

— Mefisto. Eu já disse, está tudo bem. Você nunca me deveu explicações. Nós não firmamos nada.

— É, realmente...

— Então, se você é livre, eu espero que esteja claro que eu também sou.

Ele arregala os olhos, faz um sorriso posado.

— Claro. — Ele olha um pouco culpado antes de concordar. — Tem razão.

Ela se levanta, voltando para outra pilha de roupas. Ele pigarreia antes de questionar.

— É justo, então parece que dessa vez é você que vai me propor algum tipo de acordo?

Ele dá um sorriso debochado.

— Bom, eu não sei se precisamos de um papel registrando isso, mas você se divertiu comigo, eu também. Isso é bom, se divertir de vez em quando.

— De vez em quando? — Ele sibila.

— É. Não é bom o suficiente?

Ele leva dois segundos para processar as informações e conseguir lembrar como falar.

— Entendo. Parece bom. — Ele olha para a mesa e nota uma adaga e alguns tecidos próximos. — Isso é para o trabalho ou para me visitar em breve? Ou ambos?

Ela observa.

— Tenho que terminar de arrumar minha mala, mas depois farei eu mesma ter uma breve viajem no inferno antes de minha mudança. Você sabe que as vezes eu gosto de fazer um descanso da vida aqui.

Ele arqueia as sobrancelhas.

— Eu devo preparar um jantar para nós? — Ele sorri com as mãos apoiando o queixo.

Ela sorri de volta, friamente.

— Não, querido. Eu já tenho compromisso para essa visita.

Mefisto mantém o rosto sorrindo, mesmo após sentir seu peito rasgando internamente. Então ele se levanta, ambos sorriem quando se cumprimentam cordialmente, ele abre a fenda dimensional para ir embora. A mulher também manteve a finura posada até ele sair. Assim que a fenda se dissipa ela respira profundamente, uma dor toma sua face e permanece no quarto vazio, seus olhos vertem uma umidade enquanto observa as roupas dobradas.

 

 

*******

Lúcifer foi o criador do inferno, pai de todos os demônios e seu monarca. Mas quando seu governo foi questionado por seus filhos ele acabara preso e seu filho mais velho, Moloch passou a ser o príncipe regente por milênios, ele organizava e comandava seus irmãos. Porém, seu irmão mais novo Astaroth teve um vislumbre do poder, ele se organizou junto de Belzebu e Paimom onde se rebelaram contra Moloch. O príncipe regente acabou preso, assim como o pai de todos, acabou em uma cela imunda. Astaroth sentou-se em seu trono, tudo observou e não viu como muito bom. Ele estava pronto para fazer uma Nova Era, uma transformação que seria como nas tradições infernais, com sangue e dor.

 

 

 

Inferno, atualmente, Reino de Astaroth

 

Os demônios se organizaram na grande mesa. Na cabeceira, a cadeira de Astaroth estava reservada, nas laterais, cada governante dos Círculos deveriam ficar a postos. Os generais e subalternos de funções específicas devem ficar de pé, próximos de seus comandantes.

Mefisto senta-se em sua cadeira, esparrama-se impaciente com a reunião de família da qual ele nunca fica muito ansioso. Ele nota que novamente não colocaram uma mesa auxiliar para seu escrivão oficial, quando Azazel chega carregando os livros de documentações Mefisto suspira, levanta-se da mesa e oferece a cadeira para o caído. Os demônios se entreolham para a ousadia de Mefisto, não é o gesto que surpreende, mas o fato de ser Azazel, um anjo caído se sentar à mesa dos principados demônios natos. Azazel não se incomoda com isso, ou pelo menos finge muito bem, ele se preocupa em alinhar o livro de registros, as canetas e os óculos. Pelo menos agora não usa mais pena e tinteiro, ocupava muito espaço anteriormente, além da sujeira inconveniente.

Mefisto bate os pés descalços impaciente com o início da reunião, ele acena para Paimon, Belzebu, e Mammor já sentados que murmuram algo sobre a presença de Azazel.

— Ele está atrasado... — Azazel sussurra.

— Me criticam quando o faço, mas ele pode, aparentemente. — Mefisto reclama.

Abigor se ajeita na cadeira, também entediado, Baal permanece em pé atrás dele e olha para Mefisto. Eles ficam trocando olhares de deboche dos outros comandantes e de tédio sobre a reunião. Nesse instante, aqueles que estavam fora da sala e também aguardavam decidem entrar. Sabnock vem seguido por Asmodeus que lança um olhar para Mefisto em sincera gentileza no cumprimento. Mefisto sorri fingidamente, Azazel olha e continua mexendo na caneta, pronto para anotações.

Finalmente, chega Astaroth, todos se levantam para a saudação oficial.

— Salve, Astaroth, vida longa ao rei.

Ele observa a todos em silêncio avaliador. A pele branca lhe dá uma aparência quase albina devido aos olhos e cabelos vermelhos de onde os cornos longos e brancos saem coroando seu status. Ele dá um discreto sorriso antes de caminhar até a cadeira da ponta da mesa, ele olha por um instante para Azazel no local, olha para Mefisto e depois se senta permitindo a todos que também se acomodem.

— Peço desculpas, meus irmãos, pelo atraso. Irmãos e amigos. — completa, olhando para Azazel que não se abala, abre a caneta e o caderno de registros. — Receio que eu não fui muito claro quanto aos motivos dessa reunião chamada com urgência, essa não é exatamente para negociações, creio que seja por isso que esqueci de colocar uma mesa para seu escrivão, querido irmãozinho. — Agora o olhar de Astaroth vai para Mefisto.

— Tudo bem, não me ofende.

Astaroth sorri.

— Essa é uma reunião para informar sobre mudanças urgentes. A revolução foi um sucesso, — Paimon e Belzebu se entreolham orgulhosos por terem auxiliado Astaroth no golpe — isso fez com que eu tivesse acesso a tudo o que nosso irmão acabava escondendo de nós. Infelizmente não posso dizer que estou surpreso.

— Tantos problemas assim? — questiona a Baphomet.

— Oh, sim. Infelizmente. Imagino que não estamos imunes à corrupção... nada pessoal, Paimon. Pelo contrário, na verdade. O círculo da fraude é um dos que notei ser um dos mais “limpos”.

Ele diz deixando a palavra “limpo” sair por uma carranca no rosto, quase como se fosse errado por dizê-la.

— A maioria são coisas pequenas que não tem grande relevância, mas alguns... me causaram consternação.

— Certo, convocou uma reunião para nos informar que irá intensificar a fiscalização e a papelada? — Abadon fala com tédio nítido.

Astaroth sorri.

— Não. — Ele faz um gesto para que a porta se abra para a entrada de outro ser. — Eu convoquei a reunião de família para informar que precisamos nos unir para a guerra.

As portas se abrem e o cheiro angelical da Serafim preenche o ambiente, o almíscar emana da pele branca de Metatron. Ela tem os cabelos longos e prateados, assim como seus olhos em branco profundo e sem emoção. Apesar de ser uma forma feminina, ela que é a própria Existência, tem uma voz que reverbera poderosa e assustadora.

— Os infernos vão realmente anunciar sua tentativa de guerra, rei Astaroth?

— Sim, agora estou anunciando para meus irmãos, diante de ti, para que torne isso oficial. — responde o rei, de sua cadeira.

Os demônios se questionam entre si, alguns sorriem maquiavélicos.

— Sim, meus caros irmãos. Está na hora da tomada da terra, o Inferno não será apenas aqui, mas a superfície será a nossa morada.

Todos os demônios se calam, Astaroth começa a ditar os novos Dogmas:

— Amanhã mesmo irei passar no Limbo, quero falar contigo, Baphomet, e que Belial e Lilith estejam juntos.

— Algum problema, senhor? — Baphomet pergunta preocupada.

— Deixemos para amanhã, sim?

Azazel engole seco, ele segura a caneta embaixo da mesa para que não possam ver suas mãos trêmulas, se concentra para respirar devagar.

— Abigor, governante do quinto círculo, a Ira, deve organizar os exércitos. Os que forem humanos e antropomórficos devem ficar a postos para uso. Os outros devem ir para os trabalhos no respectivo poço, principalmente os orobas para que fiquem escondidos.

— Meu Senhor, não pode estar faland... — Abigor tenta falar consternado.

— Querido irmão! — Apesar da fala de Astaroth começar com gentileza, seu tom indica ameaça. — Eu reconheço que você se afeiçoe a esses que nosso irmão Moloch fez com escamas, chifres e patas, alguns são até úteis, mas vamos ser francos, eles não são a mesma coisa que nós que viemos diretamente do pai Lúcifer. A visão de tais criaturas é horrenda e jamais deveriam ter sido criados. Não irei expulsá-los, mas não quero cruzar com os monstros com cabeça de cavalo e bois, ou o que quer que sejam;

A ira toma o rosto de Baal que estava em pé encostado na parede, seus chifres de búfalo são característicos. Os orobas são grandiosos guerreiros, dorso e braços de homens gigantescos com pernas e cabeças de cavalos, nunca deveriam ser desvalorizados. Mefisto cruza o olhar para Baal revolto, quase como pedindo calma ao amigo. Astaroth retoma:

— Mefistófeles.

Mefisto olha em um sorriso estampado.

— Sabe que precisamos rever alguns contratos, não é mesmo?

— Sem problemas, é por isso que sempre pago um bom salário aos meus documentadores.

Azazel levanta uma das sobrancelhas como se concordasse, nesse sentido, de fato, Mefisto nunca foi mesquinho. Afinal ele tinha tantas riquezas que realmente não precisaria.

— Que bom, só informo que qualquer contrato em duplicidade será extinto, sabe disso, não é?

— Por Satã! Ainda bem que creio não ter nenhum caso desses. — Mefisto sabe como posar e já fica pensando o que fará com tantos os contratos que fizera a mais do que precisava. A idade das trevas foi particularmente caótica, entre elas, tem a situação de Lucy, é claro.

O rei continua:

— Paimom, governante do oitavo círculo, a Fraude, deve entregar o seu exército a mim, os fraudulentos e amaldiçoados também devem ser usados na conquista da humanidade.

Paimom bate na mesa, ele sabe que isso é condenar sua Legião. Eles não são guerreiros, são apenas demônios enganadores e fraudulentos. Pecados que segundo Astaroth, são menos importantes, tolos. É apenas uma forma que o rei encontrou para destruir seu círculo e tomar posse de uma área importante do inferno, os fossos que ligam todos os círculos. Tomando os fossos, o rei pode vigiar de perto cada canto do inferno, aparecer de forma rápida e aplicar sua tirania em cada governante. Ele se arrependeu amargamente em ter apoiado seu golpe contra Moloch.

Ao som da batida, Astaroth apenas olha para o comandante, que se retrai.

— Algum problema, Paimom?

— Não, meu senhor. Irei obedecer.

— Eu sei que irá. — completa de forma austera o rei.

A reunião é tensa, mas rapidamente é encerrada. Aos poucos os demônios se dispersam e Mefisto, preocupado com sua própria autonomia, fala em particular com Metatron.

— Não vai falar nada sobre isso?

— Sabes que não é minha função falar. Tudo é um plano que precisa ser seguido.

— Está louca, Metatron? Dessa forma, você também será afetada, ninguém mais poderá tomar suas próprias decisões!

— E quem disse que antes podíamos? — A celestial vira o rosto de olhos pálidos para o demônio, sua feição é de tranquilidade e perturbadora apatia. — A única coisa que importa é ter o equilíbrio, ter o céu, a terra e o inferno. Como eles ocorrem e em quais configurações não importa muito.

— Não importa para você, que é esse meio-anjo-meio-qualquer-coisa. E depois falam que eu que sou arrogante. — fala Mefisto em desdém. — Mas para todo o resto, muda tudo, Astaroth vai levar o inferno à ruína!

— Mefisto, por que está consternado? Se o inferno tomar realmente a terra terão mais almas, serão mais poderosos.

Mefistófeles olha para os lados, ele nota que Azazel já chamara Baal e mais alguns para próximo também.

— Como você pode ser tão divina e tão obtusa? Se o inferno tomar a terra pra começar não ficaremos mais fortes, será apenas um massacre. Gente morta por massacre não vem pro inferno! E depois sobrarão tão poucos na terra que os demônios não terão mais escravos nem do que se alimentam, aqueles que são devoradores. Qual você acha que será o próximo alvo?

Metatron arqueia as sobrancelhas.

— Astaroth não iria tão longe. Isso iria destruir o inferno.

— E não vai sobrar nada. Toda a criação sendo destruída por um idiota que não sabe como manter a máquina no ritmo. Astaroth tem cabeça de gafanhoto, ele vai comer tudo até não sobrar nada!

Metatron faz uma pausa como se quase lamentasse a ruína dos infernos. Então retoma para Mefisto, inclinando o rosto com calma.

— Ainda assim, isso não afeta diretamente a Divindade e Existência em nada. Apenas vocês.

Mefisto fica irritado, ele nunca soube lidar muito bem com a apatia dela, nesse momento, Azazel chega e complementa à fala de ambos.

— Não lhe afeta diretamente, Metatron. Mas muda a Lei original dos Infernos, e isso não lhe incomoda? — Caminha o caído, sempre em sua imponente armadura, ainda que com uma das asas quebradas.

— Deveria?

— Você que é o próprio equilíbrio, é a que vê sem precisar de olhos, ao longe. Não enxerga o que está para acontecer? O infortúnio, a ruína não só dos infernos, mas de toda a criação divina.

Metatron finalmente arqueia as sobrancelhas, fica pensativa.

— Não é apenas o equilíbrio terreno que está em jogo, mas o divino também.

— Pode não ser um anjo, nem um demônio. Mas sabe que cada um tem o seu lugar e devem assim permanecer.

— Sim.

“Equilíbrio”, essa é a única palavra que realmente importa para um dos seres mais poderosos dentre todos se tornar uma grande aliada. Metatron precisava ser convencida, e toda essa guerra seria facilmente um massacre se ela não estivesse junto.

— Está bem. Quantos aliados temos afinal?

 


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