Fragmentos de Um Coração Desfeito escrita por Eduardo Amador
O consultório de Laura estava tranquilo como sempre, mas Rafael parecia mais agitado do que na última sessão. Ele entrou, ainda com aquele olhar perdido, mas havia algo diferente nele. Talvez fosse a maneira como segurava a cabeça um pouco mais erguida, ou a determinação em seus olhos.
"Olá, Rafael," disse Laura, dando-lhe um sorriso acolhedor. "Como você está se sentindo hoje?"
Rafael respirou fundo antes de responder. "Tenho me sentido um pouco melhor, acho. Depois da separação, fui passar uns dias na casa da minha irmã. Foi bom ter algum apoio familiar. Minha mãe e minha irmã me incentivaram a cuidar mais de mim, e eu decidi entrar na academia."
Laura assentiu, notando a mudança em seu tom. "Isso é ótimo, Rafael. O que te motivou a começar na academia?"
"Parte foi a insistência delas," ele admitiu, "mas também li uma matéria sobre a liberação de endorfina pelos exercícios. Eu disse para mim mesmo que só iria parar quando meu peito fosse maior que minha barriga." Ele deu um sorriso tímido, mas logo sua expressão ficou séria novamente. "Mas algo aconteceu essa semana que mexeu muito comigo."
Laura inclinou-se ligeiramente para frente, atenta. "O que aconteceu?"
"Eu entrei no Instagram dela através do navegador do meu celular," começou Rafael, com um olhar sombrio. "Eu sei que não deveria, mas fiz. Vi que aquele cara, Pedro, mandou uma foto de sunga para ela. A raiva me consumiu na hora. Perdi o controle e liguei para ela imediatamente."
Laura manteve a expressão serena, mas seus olhos mostravam compreensão. "E o que você disse a ela?"
"Eu pedi para ela contar a verdade," disse Rafael, a voz tremendo de emoção. "Pedi para ela admitir que era isso que ela queria, que admirava o corpo dele e não aguentava mais ficar comigo. Eu estava fora de mim. Disse algo que depois percebi que chamou sua atenção. Falei: 'Fala para mim que ele é um vestido de festa que você quer se amostrar e eu sou apenas aquele pretinho básico que você usa para se sentir confortável.'"
Laura franziu levemente a testa, interessada. "Essa é uma metáfora muito forte, Rafael. De onde veio isso? Alguém já te disse isso antes?"
Rafael balançou a cabeça, olhando para o chão. "Não, ninguém nunca disse isso. É assim que eu me sinto. Como um vestido básico, algo que a pessoa só usa para se sentir bem porque é confortável. Não sou algo especial, apenas... prático."
Laura deixou um silêncio se estender entre eles, permitindo que Rafael absorvesse suas próprias palavras. "Parece que sua autoestima está muito baixa, Rafael. É doloroso sentir-se assim. Como continuou a conversa com ela depois disso?"
Rafael suspirou, lembrando-se do momento. "Ela disse que nunca pensou nisso dessa forma. Que Pedro foi apenas para ela descobrir o que realmente queria e acabou. Não tem nada com ele agora. Ela só quer ficar sozinha, sentir o que precisa sentir. Mas ela também disse que nunca me viu como um 'pretinho básico'."
Laura assentiu, compreendendo a complexidade dos sentimentos de Rafael. "Foi importante ouvir isso dela. Ainda que a dor da separação e da traição sejam reais, é crucial entender que sua percepção de si mesmo é fundamental para sua recuperação. Você começou a academia, e isso é um grande passo. O que mais podemos fazer para melhorar essa autoestima?"
Rafael olhou para Laura, com uma mistura de esperança e dúvida. "Eu realmente não sei. Só sei que preciso encontrar uma maneira de me sentir bem comigo mesmo, sem depender do que ela ou qualquer outra pessoa pensa."
Laura sorriu gentilmente. "Vamos trabalhar nisso juntos. Focar em atividades que te tragam alegria, que melhorem sua saúde física e mental, são bons começos. Mas também precisamos trabalhar internamente, entender e desafiar essas crenças negativas que você tem sobre si mesmo. Está disposto a tentar?"
Rafael assentiu lentamente. "Estou. Não vai ser fácil, mas estou disposto a tentar."
"Ótimo," disse Laura, com um brilho de encorajamento nos olhos. "Vamos dar um passo de cada vez. E, quando você se sentir pronto, vamos explorar essas metáforas que você usa para se descrever. Entender de onde vêm pode ser a chave para mudá-las."
Rafael saiu do consultório sentindo-se um pouco mais leve. Sabia que o caminho seria longo e árduo, mas pelo menos agora tinha um plano e um apoio sólido. E isso, por enquanto, era o suficiente para seguir em frente.
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