10.000 horas escrita por Lou5858


Capítulo 1
Capítulo único




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10.000 horas

 

Me lanço em uma das cadeiras da ilha central da cozinha porque sinto meu corpo implorar por um escalda pé tranquilizante e suspiro. O cansaço cobrando o descanso que nunca foi mandatório antes de eu fazer 31 anos.

Contente com o resultado do meu trabalho das últimas horas, tento ignorar a pilha de louça suja, a nuvem de farinha assentada no chão da cozinha e os pingos de corantes alimentícios que mancham minha bancada marmorizada. Dou uma golada no chá, já morno, enquanto roubo uma olhada para a janela da cozinha. Respiro aliviada quando percebo que ainda não há neve, mas só por segurança, aumento a temperatura no termostato.

Me arrasto até a mesa da cozinha, de onde pego o celular e mesmo já sabendo que não haveria novidades, abro meu aplicativo de mensagem de texto para ver se há alguma não lida. Não há. Rolo os olhos sabendo que o avião não teria terminado de cruzar o país em um intervalo de duzentos minutos.

Decido arrumar a cozinha antes que meu corpo desacelere e sucumba a exaustão que tem me feito passar mais tempo dormindo do que qualquer outra coisa. Com uma lista de reprodução de músicas natalinas tocando, arrumo toda a bagunça que passei as últimas horas criando. Quando me dou por satisfeita, volto para a bancada onde os biscoitos amanteigados e a casinha de gengibre estão secando e passo um tempo admirando o que criei.

Natal era uma data realmente significativa para mim. Eu gostava de tudo o que era relacionado. O clichê, o clima, as comidas, as tradições, as músicas... O significado de se passar um dia inteiro rodeado por pessoas que eu amo era a melhor parte, mas era inegável que desde que Edward chegou na minha vida, e se transformou na “minha pessoa”, tudo ficou melhor.

Depois de satisfeita com a arrumação, passo o barbante pelo furinho do biscoito e sorrio quando faço a amarração. Me certifico de que está suficientemente reforçado para ser pendurado na árvore. Edward e eu tínhamos o hábito de decorar biscoitos de Natal desde o dia que nos conhecemos. Inclusive, foi por isso que nos aproximamos.

Acaricio a lateral do biscoito amanteigado e toco no glacê. Percebo que já está suficientemente seco para continuar a decoração. Pego o saco de decoração e com as mãos firmes de quem pratica isso anualmente há décadas, faço o desenho dos botões do meu game-boy, onde compartilhamos uma partida de Tetris quanto tínhamos quatro anos. Solto um suspiro cheio de nostalgia ao lembrar daquele dia, sobretudo do carinho que meu pai não se furtava de demonstrar.

Δ há pouco mais de 27 anos

 

— Viu, filha? Estão chamando as crianças para decorar os biscoitos.

— Não quero. Nem tem criança legal — respondo sem olhar na direção do meu pai. Solto uma bufada longa quando ele me cutuca a costela e reclama que estou mal-humorada demais. 

 

Bato o pé e digo por entre os dentes que não estou mal-humorada. Nem reclamei desse vestido quente que me fez usar, ou da música que estava alta para caramba. Eu já estava com sono há um tempão esperando o Papai Noel, que meu pai disse que viria na festa do trabalho dele, mas que não chegava nunca. Ouvi duas mulheres com terno preto dizerem que ele estava preso no trânsito, mas eu acho que elas não sabem que o trenó dele voa, então como ele estaria no trânsito se não tem carro no céu?

 

Além disso, não tem ninguém legal para brincar e as duas únicas crianças que vi, zombaram do meu sotaque. Eu nunca brincaria com eles dois de novo, mesmo que fosse para fazer os biscoitos do Papai Noel! Ele ia entender, e lá na minha casa vai ter biscoitos fresquinhos no dia 24 para ele comer.

 

Eu estava sendo uma ótima garota sim. Não estava aborrecendo ninguém e só estava bem quietinha jogando tetris sem nem fazer bagunça. Não conseguia entender porque papai queria que eu fosse brincar com aquelas crianças chatas.

 

— O filho da tia Lizzie já chega aqui. Ele é um ótimo garoto, mas é novo na cidade, então não tem muitos amigos.

— Nem eu — levantei os ombros com indiferença. Meu olho fixo no jogo esperando a peça em “L” cair para eu encaixar nas outras.

— Ele também tem um game-boy, sabia? O jogo favorito é o Pac-man.

— Então ele é bobo, porque tetris é muito mais bom.

— Você pode achar que tetris é melhor, filha, mas pessoas podem gostar de coisas diferentes. Ele prefere outro e tudo bem.

 

Levantei o ombro em indiferença novamente enquanto murmurei que ele era bobo. Vi o bigode do meu pai tremer enquanto ele tentava esconder o sorriso e eu deixei o meu escapar. Papai me puxou para seu colo e me encheu de beijos e cócegas. Eu estava gargalhando alto e o jogo já estava esquecido na mesa quando senti alguém me cutucar no braço.

 

Me desvencilhei do papai e olhei para um menino. Ele era engraçado. Estava sem os dois dentes da frente e seu cabelo era vermelho igual da pequena sereia. O rosto tinha uma porção de pintas e o olho era verde quase igual o da Alice, minha amiga da escola. Encarei por um tempão esperando ele dizer o que queria comigo.

 

— Oi! Sou Edward, quer brincar?

— Não. Estou com o papai — respondi com o cenho franzido, irritada por ele estar me chamando quando o papai estava fazendo cócegas.

— Você fala diferente — ele disse e imediatamente bufei.

— Sou meio brasileira — expliquei e ele arregalou os olhos.

— O que é isso?

— Eu sou meio do Brasil, ué.

— O que é um Brasil? — ele perguntou e senti papai chacoalhar em risadas.

— Ela nasceu em um país diferente do seu, Edward. O Brasil é onde sua avó e mãe nasceram, e foi onde ela morou pelo último ano; por isso, fala com sotaque. Lá eles falam português, e não inglês como você.

— Mas ela está falando em inglês — o menino disse. Encarei papai, esperando que explicasse porque também estava ficando um pouquinho confusa.

— Isso é porque ela fala os dois. O inglês, o que se usa aqui nos Estados Unidos, e o português, o que se fala no Brasil.

— Ah — ele respondeu com indiferença e me encarou. Vi que seu rosto estava vermelhinho igual o meu quando fico com vergonha. — Uau. Você pode me ensinar? — pediu e eu olhei confusa porque não sabia o que ele queria. Não respondi.

— Filha, esse é Edward, o filho da tia Lizzie. Lembra que te falei dele?

— Você gosta de Pac-man — acusei e não entendi porque o menino de cabelo e bochechas vermelhas sorriu.

— Ela tem um game-boy, filho — papai disse e o olhei.

— Ele não é seu filho! Eu que sou!

— É modo de dizer, princesa. Edward, essa é minha filha Isabella. Ela também adora o game-boy, mas seu jogo favorito é tetris.

— Eu acho o mais difícil de todos os jogos difíceis, ainda mais quando fica rapidão.

— Mas aí é só você olhar a peça que vai cair e ver onde ela encaixa.

— Tem que ser muito rápido. Como você consegue?

— Aqui — digo e desço do colo do meu pai. — Vou te mostrar — explico o puxando pela mão na direção do parquinho.

~hoje

Termino a decoração e borrifo uma solução com glitter comestível. Deixo a memória do nosso primeiro encontro voltar à superfície dos meus pensamentos, sobretudo quando deixamos o parquinho para participar da atividade de decoração dos biscoitos natalinos.

Naquele dia decidimos decorar os nossos biscoitos como se fossem um gabe-boy, e desde continuamos executando a mesma decoração e pendurando o biscoito nas árvores-de-natal das nossas vidas. Nos apegamos tanto ao dia de biscoitos, que desde o Natal seguinte à festa, nos encontramos no dia 23 para decorar os nossos. Isso virou o símbolo do início da nossa amizade.

Lembro nitidamente do dia em que nos conhecemos, sobretudo sobre a curiosidade que tinha sobre o Brasil e outras curiosidades sobre mim. Perguntou se meu nome do meio — Marie — era uma homenagem à minha avó Maria. Perguntou se eu gostava de brincar na chuva e contou adorar brincar na neve. Perguntou sobre meus amigos e se eu sentia falta do que estavam longe. Quando disse que sim, ele prometeu que, então, seria o meu melhor amigo. E, de fato, é isso o que somos há mais de 27 anos.

Alcanço o celular e percebo que só passou vinte minutos desde a última vez que chequei. Suspiro ansiosa, mas dou uma risada ao notar o quão ridícula estou sendo.  Para passar tempo, volto a fazer o que jurei para ele que jamais voltaria a fazer: decorar os biscoitos sozinha. Não é minha culpa se ele não estava comigo no Natal, sobretudo no dia em que, há mais de duas décadas, reservamos para preparar os biscoitos.

Me senti bem com a decisão só por poucos minutos, porque quando terminei de decorar o Rudolph, a rena de nariz vermelho, mas que na nossa versão também tinha um de seus chifres meio quebrado, meio pendurado, sinto uma pontada na boca do estômago e me incomodo por fazer isso sem ele. Ainda assim, abro nosso aplicativo de conversas, fotografo o biscoito e envio para ele, mesmo sem esperar que me responda.

A foto segue com a legenda “Decorar biscoitos sem você é mais complicado do que parece. Minha memória está cada dia pior, então você devia estar aqui para recontar como sempre fez :(”. Em seguida escrevo outra, já antecipando como ele responderia: “sorte a minha que temos memórias tão marcantes e é impossível esquecer quando você quebrou o Rudolph. Te amo, te amo, te amo. Como sempre, estamos com saudade.”

— Oscar? — chamo, preocupada com o silêncio dentro de casa, e quando não responde, vou até a sua cama.

Sorrio quando vejo a bolinha de pelo levantar a cabeça com a minha aproximação, mas logo deixá-la cair pesada no tecido acolchoado. Seu rabinho balança no instante que me sento no chão ao seu lado e fica ainda mais voraz quando acaricio seus pelos branquinhos. Não resisto e o puxo para meu colo.

Oscar, nosso maltês de apenas quatro meses, solta um longo suspiro quando o deito em minhas coxas e se aconchega no meu colo. Esconde o focinho gelado na minha barriga pedindo o chamego atrás das orelhas que sei que gosta. Solto uma risada quando ele vem focinhar o biscoito do Rudolph sem um dos chifres, mas o tiro da sua direção para comer de uma só vez. Enquanto mastigo, descanso a minha cabeça na parede e forço a memória para lembrar do dia que inspirou o biscoito em questão.

Quando Edward e eu nos escrevemos para a universidade, enviamos os documentos para as mesmas instituições. A decisão de seguirmos para a mesma universidade, independente de passarmos para o curso prioritário ou não, veio de comum acordo quando percebemos haver um risco real de acabarmos nos distanciando se morássemos afastados, e nenhum de nós queria isso. O anúncio não caiu bem aos olhos dos nossos pais, porque preocupavam-se com a possibilidade de prejudicarmos nosso futuro profissional.

Hoje entendo com facilidade a maneira com a qual encararam a situação, mas na época, realmente só não fazia sentido um futuro sem o outro.

Receber cartas de aceite de universidades distintas seria irônico se não tivesse sido tão trágico.

Durante os três anos que seguiram nossa graduação, mantivemos a promessa de nos ver pelo menos duas vezes ao ano e nos falar toda semana. Comparativamente a maneira que vivemos nas quase duas décadas que nos conhecíamos, nossa relação esfriou, mas todas às vezes que nos reencontrávamos, era como se tivesse passado poucos minutos desde a última vez que nos vimos.

Sorrio, lembrando no dia que falei sobre isso com ele. Na ocasião, ele só rolou os olhos e disse que “é isso o que acontece quando uma metade do seu coração se reconecta com a outra parte”.

 

Quando eu digo que Edward Cullen é a minha pessoa, não exagero. Ele é exatamente tudo o que eu preciso. Diferente de tudo o que sonhei, mas perfeito em sua própria particularidade. Ele sempre foi meu melhor amigo, meu confidente, meu conselheiro, meu conforto... A minha pessoa. Ele é a personificação do meu chocolate quente favorito (aquele com noz-moscada), do meu cobertor favorito (aquele cheio de furos, mas que ainda abraça meu corpo do jeito mais confortável possível) e da sensação de elação que sempre surge quando como um pão de queijo. Edward é o mais próximo do que eu consigo chamar de casa.

 

E por mais que tivesse sido extremamente difícil morar há treze horas da “minha pessoa”, serviu como aprendizado, sobretudo para que eu entendesse o real significado que ele tinha na minha vida, e a forma com a qual eu me sentia sobre nós dois.

 

Demorei anos para deixar de sentir angústia ao perceber o tempo em que demorei para realmente entender o que se passava dentro de mim. A verdade é que durante os dois primeiros anos em que estivemos afastados, acreditei que quanto mais tempo ele passava dedicando esforços para viver a sua própria vida em Chicago, com seus novos amigos e rotina, menos tempo nutria a nossa relação que, dia após dia, tornava-se algo mais distante e estranho.

 

Tanya foi seu primeiro relacionamento sério, e quanto mais cuidava da relação com ela, menos parecia cuidar da nossa. As ligações passaram a ficar mais escassas, nossos encontros bianuais começaram a ser feitos em trio, e eu percebia que pouco a pouco tinha menos relevância na sua vida. Entendi que isso era algo a se esperar, porque na ordem “natural” das relações, é isso o que acontece quando você finalmente encontra o seu respectivo parceiro.

Foi nessa crença que me apeguei durante esses anos. Uma expectativa de que, eventualmente, também encontraria alguém para me tirar do eixo, como achava que Tanya fazia com ele.

 

Eventualmente, percebi que a sensação de angústia que frequentemente me acompanhava, era porque durante todo esse tempo, me senti negligenciada pelo meu melhor amigo. Assim, decidi buscar o conforto de um relacionamento em outras pessoas. Achei que ao viver um amor de verdade, daqueles avassaladores que te roubam o chão, conseguiria colocar um afastamento entre Edward e eu, e, eventualmente, criar menos expectativa no que eu achava que ele deveria me dar.

 

A verdade é que eu também queria ter o que ele tinha com ela. Queria me sentir tão querida e desejada por alguém, que todo o resto some em comparação. E tentei. Por vários meses tentei encontrar uma pessoa que me sentisse assim, alguém que me fizesse esquecer de todo o resto. De verdade tentei. Nesses dois primeiros anos de faculdade, me envolvi com quatro pessoas diferentes, mas mesmo que eu quisesse, ninguém me fazia sentir o que eu achava que merecia viver.

 

A despeito de lutar muito contra essa sensação, percebi que quando mais tentava preencher o vazio que Edward gerava em mim, mas acabava procurando justamente por ele — mesmo que em outras pessoas. Ironicamente, o que ele e eu tínhamos era longe de ser avassalador e de roubar meu chão. Com ele eu tinha conforto, amizade, admiração e segurança. E mesmo não sendo o que os livros descrevem como amor, era isso que eu queria ter para o resto da minha vida.

 

Finalmente percebi que todo esse turbilhão de sentimentos, na verdade significava que eu estava apaixonada por ele.

Essa realização aconteceu no final de semana em que ele dirigiu as treze horas que separavam nossas casas, em meio a uma nevasca horrorosa, só porque não queria me deixar passar o Natal sozinha. Naquele dia quando ele passou pela porta de entrada da minha casa, tudo o que eu queria fazer era segurar o seu rosto e enchê-lo de beijos depois de confidenciar esse monte de sentimentos novos.

 

Na época, eu estava estagiando em um hospital e em razão da escala, só consegui folga para o Ano Novo. Assim, este seria o primeiro desde que nos conhecemos em que passaríamos afastados, já que ele já tinha se programado para voltar para Forks e eu não poderia viajar. Recebê-lo na minha noite favorita, sabendo que ele tinha mudado todos os seus planos, modificou a forma com a qual olhava para ele e nosso relacionamento.

Passamos a noite embolados no sofá assistindo Como o Grinch Roubou o Natal, Esqueceram De Mim, e, por fim, Duro de Matar — ele insiste que é o melhor filme de Natal já feito. Quando acabaram, decidimos dormir porque ainda não nevaria nessa noite, então não faria sentido aguardar pelo fenômeno.

Naquela noite eu não vi problema em dividir a cama com Edward porque fazíamos isso há anos. Não pensei na sua namorada, tampouco em como eu sentia meu coração bombear forte quando sentia o cheiro do seu perfume bem pertinho.

Jurei que não criei expectativas quando insistiu em contar a história da festa que invadiu com seus amigos, usando sua mão para gesticular todos os absurdos, e o meu corpo como palco para a história. Sentia-me em brasas e frequentemente me arrepiava com seus toques, mas foquei em me manter atenta e não deixar meus pensamentos me levarem para um espaço em que eu não estaria preparada para lidar.

 

Para isso, foquei na lembrança de que Edward sempre foi muito gestual. Costumava dizer que ele amava com seus toques como uma extensão do seu sentimento. E comigo nunca foi diferente, mas naquela noite algo parecia destoante.

Δ há pouco mais de 10 anos

Está frio, e estamos assistindo aos filmes agarradinhos no sofá.

 

Edward sempre foi maníaco por deitar de conchinha e não seria eu que reclamaria do chamego. Estou no meio de uma gargalhada por causa de uma cena de um dos filmes quando percebo que se mexe para encaixar melhor os nossos corpos. Sinto a sua respiração quente e pesada no meu pescoço, e em seguida esconde o rosto na minha nuca e respira meu cabelo. Suas mãos me apertam mais na cintura e meu corpo inteiro tensiona. Se liberta em arrepios apenas quando me ele beija ali e torna a relaxar contra meu corpo no sofá.

 

A hora passa, o filme termina e confesso que prestei atenção em poucas partes. Estava hiper alerta de tudo o que acontecia, e não conseguia desprender a atenção do homem atrás de mim. Por isso até não me manifestei quando ele deu play em outro filme quase que imediatamente após o primeiro terminar.

 

— Depois desse vamos comer alguma coisa? — ele pergunta enquanto sua mão brinca com meus dedos.

— Mas tá de madrugada.

— E daí?

— Hum... “e daí” parece mesmo um argumento bom o suficiente — digo e ele ri atrás de mim.

 

A hora passa rápido depois disso. Dessa vez assisto o filme porque estou familiarizada com a forma que brinca com meus dedos. É um momento gostoso, descontraído e divertido. Comentamos o filme inteiro e por vezes brincamos de antecipar uma frase icônica. O filme acaba e rapidamente me desvencilho dele para sair do sofá. Só assim sinto que consigo respirar.

 

Vamos até a cozinha, onde ele prepara um macarrão sem glúten, que sempre mantenho na minha dispensa, com molho vermelho. A essa altura da nossa amizade eu nem tentava mais fingir que sabia cozinhar. Ele, por outro lado, é incrível.

 

Enquanto ele cozinha, volto a me sentir confortável com nossa interação. Edward implicante eu conheço, mas o Edward que mexe com meu corpo da maneira que fazia lá na sala era desconhecido.

 

— Aqui — diz e levanto meu olho do chá quentinho para observá-lo do outro lado da cozinha.

— O que?

— Prova aqui — oferece uma colher com molho.

 

Caminho até ele e deixo a xícara na bancada ao lado. Ele segura meu queixo e encara minha boca. E é justamente aí que meu mundo vira de ponta a cabeça.

 

Não tem nada normal na maneira que me encara enquanto provo seu molho. Percebo um frio na barriga gigantesco quando noto como as suas narinas expandem e o seu rosto inteiro se cobre de vermelho. Sinto a mão tensionar no meu maxilar e descer até meu pescoço, onde começa a me acariciar. Termino de engolir o molho e respiro forte para me concentrar.

 

Edward volta a me fitar os olhos e percebo que a sua respiração também está acelerada. O verde da sua íris é vivido e me paralisa.

 

— Uma delícia — murmuro e me arrependo no segundo em que seus olhos voltam para a minha boca.

— É? — sussurra e dá um passinho minúsculo na minha direção. Assinto com a cabeça e sinto minha barriga inteira gelar em antecipação.

 

Ele encara minha boca e em seguida busca meus olhos. Percebo que umedece seus lábios enquanto o polegar acaricia a pele que cobre minha jugular.

 

— Edward? — pergunto em um fio de voz, sentindo tanta insegurança quanto possível.

— Hum? — murmura e cola ainda mais os nossos corpos. O encaro e não consigo formular nada relevante. Não sei se quero, na verdade. A vontade de senti-lo me incapacitando de fazer qualquer coisa além de desejar mais.

 

Com o meu silêncio ele termina de unir nossos corpos, mas quando levanta a mão para segurar a minha cintura, seu braço esbarra na xícara de chá que tinha deixado ao meu lado e me queimo com o líquido ainda quente.

 

E quase tão rápido quanto surgiu, a tensão sexual é dissipado.

 

Me escuso para passar uma pomada para aliviar a dor e colocar alguma distância entre nós antes que seja tarde demais.

 

Retorno para uma mesa posta e um Edward com uma expressão apologética. Entendo que ele não quer falar sobre o que aconteceu pela maneira com que desvia o olhar. Me sinto resignada, mas decido respeitá-lo. Me esforço muito para normalizar o clima desconfortável que fica, sobretudo quando percebo esse mesmo movimento vindo dele. Ao final do jantar, sei que está tudo bem.

 

Bem alimentados e exaustos das últimas horas, decidimos dormir. Ofereço a cama, e quando ele argumenta que vai ficar no sofá e apenas rolo os olhos, me desfazendo do que diz porque dividimos a mesma cama desde crianças. Não faz sentido ser diferente agora. Digo para ele, que acaba consentido.

 

Quando saio do banheiro ele já está no quarto. Usa uma calça xadrez e uma camisa de alguma banda de rock que jamais ouvirei. Se aproxima com um sorriso tentativo e ajusta a alça virada da minha camisola. Acaricia meu rosto, meu cabelo e me dá um beijo longo e doce no rosto.

 

— Eu tô muito feliz de estar aqui hoje, Bella. Nunca vai existir maneira melhor de passar o Natal se não contigo — diz e dá uma tríade de beijos na minha têmpora. Se afasta e demoro alguns segundos para conseguir reagir. Quando me movo, ele já está se deitando.

— Obrigada por ter vindo — digo quando me aconchego no colchão. Estamos deitados de frente então vejo quando sorri. Abre os braços, mantendo a expressão, em um convite mudo.

 

Incapaz de negá-lo, aninho meu corpo ao seu e escondo o sorriso quando sinto seu beijo no topo da minha cabeça.

 

Com meu rosto apoiado em seu peito e escutando seu coração bater rápido contra meu ouvido, me percebo em um dilema. Se por um lado tento não interpretar todos os seus gestos, porque sempre foi carinhoso, por outro, hoje tudo pareceu diferente.

 

Sentindo-me confusa e apavorada com a ideia de dar nome ao que estou sentindo, durmo nos braços do meu melhor amigo com uma única certeza: amizade é a última coisa que passa pela minha cabeça. Sobretudo quando espalma a mão nas minhas costas, me trazendo ainda mais para perto, e beija meu ombro antes de me desejar boa noite.

 

No dia seguinte acordo sozinha na cama, mas a casa cheira à Natal.

 

No caminho para a cozinha que divido com minha colega de quarto, ouço o álbum de Natal de Michael Bublé. Quando me aproximo, vejo Edward no centro do cômodo com uma colher de pau, fazendo uma interpretação da música diretamente para mim. Solto uma gargalhada descontrolada quando percebo seu tronco inteiro coberto de farinha.

 

— O que você está fazendo? — pergunto quando nos sirvo uma xícara de café.

— O que te parece, Zizi? — diz e faz um floreio com as mãos.

 

Estou gargalhando quando me puxa para um abraço e mergulho nas memórias que esse apelido me traz. É como ele me chamava quando éramos pequenos. Variação de Izzy, que deriva de Isa.

 

Estamos dançando e cantando, e me sinto tão livre que me permito ser trazida para o abraço de Edward sem qualquer resistência. Na verdade, aproveito a aproximação para abraçá-lo ainda mais forte.

 

— Obrigada, obrigada, obrigada — digo com veemência e sei que está sorrindo.

 

Está tocando uma música lenta quando leva suas mãos à minha cintura e começa a nos embalar em uma dança. Sinto meu coração bater esquisito no momento em que ele afunda o rosto no meu pescoço e me cheira ali.

 

— Eu adoro seu cheiro, sabia? Me faz pensar imediatamente em casa. Qual perfume você usa? — Me beija o pescoço e arfo nos seus braços. Me arrepio inteira e o tesão que coloquei para dormir ontem, acorda desenfreado como uma criança na manhã de Natal. Eu sei que choramingo, porque ele me abraça ainda mais forte e começa a roçar a ponta do nariz pelo meu pescoço.

 

Não sei se por sorte ou azar, seu celular — que estava ligado na caixinha de som — toca. Estou tão assustada que não consigo reagir. Ainda estou estática quando se afasta para buscar o aparelho. Minutos depois ele retorna, mas evito olhá-lo.

 

— A farinha é sem glúten, não é? — me asseguro antes que possa falar qualquer coisa. Edward é celíaco, e frequentemente desmemoriado.

— Sim. Achei na sua despensa — explica, e sem maiores justificativas, volta a fazer os biscoitos.

 

Passamos a hora seguinte ignorando o que aconteceu e nos empenhando em terminar nossa tarefa. Enquanto ele coloca a forma no forno, começo a preparar o glacê real.

 

Edward e eu criamos a tradição de decorar biscoitos e pendurá-los na árvore de Natal. Anualmente fazíamos alguns que remetem à nossa história, como o Game-boy, que foi o que nos aproximou na infância, ou o queijo, que o fazia lembrar de Minas Gerais, no Brasil, destino da nossa primeira viagem internacional.

 

Durante o processo de decoração, passo todo o tempo zombando dos biscoitos dele. Edward é um excelente cozinheiro e faz os biscoitos mais saborosos, mas parece completamente incapaz de decorá-los. Ainda assim, insiste que façamos juntos.

 

Uma vez decorados, precisam de algumas horas para secar. E sabendo que ele não tem autocontrole para esperar que estejam prontos antes de serem consumidos, o levo para conhecer um pouco mais da cidade onde moro há três anos. Edward já veio me visitar algumas vezes, mas nenhuma delas, nessa época do ano — e Nova Iorque no Natal é um acontecimento.

 

Patinamos no gelo em frente à árvore de Natal no Rockefeller Center, depois seguimos para o Central Park, onde caminhamos por duas horas até finalmente acharmos um coral que cante cantigas natalinas. Vamos ao Holiday Market, onde ele insiste em comprar um presente de Natal. É um enfeite de árvore em formato de floco de neve que se divide em duas partes iguais, e após me dar a minha metade, me faz prometer que sempre os teremos unidos no Natal.

 

Tento me manter focada em não estragar tudo o que construímos até aqui ao ceder a uma vontade que era potencialmente motivada por carência. O levo para comer em um restaurante em um terraço chique de Manhattan, e tento fazer piadas de praticamente tudo para tentar aliviar um pouco da tensão que ronda nossas interações. Ele consente, e logo estamos mais uma vez em um espaço de conforto.

 

Decido que a próxima parada precisa ser na Dyker Heights, em Brooklin, porque poucas coisas são tão pouco românticas quanto decorações natalinas exageradas e uma porção de turistas alinhando-se para tirar fotos. Quando menciono o lugar, ele já está convencido. Nem preciso explicar o que era o bairro, porque Edward quer conhecê-lo há anos. Também pudera, a rua é a materialização exagerada de todos os sonhos natalinos.

 

O que não antecipo é como a animação dele ao chegarmos lá é contagiante. O seu sorriso e a maneira que seus olhos brilham é diferente.

 

Me sinto expandir quando ele me busca em meio a multidão ao avistar algo que eu preciso ver. A expressão é sempre contagiante. Vejo um fio minúsculo do verde dos seus olhos, que brigam por espaço com seus lábios que lhes rasgam o rosto em um sorriso apaixonante.

 

Cai o primeiro floco de neve entre nós dois e seu sorriso ilumina os olhos. Meu coração triplica de tamanho e é aí que sei: estou em uma rota sem retorno.

 

Tudo. Absolutamente tudo nessa noite me deixa apaixonada por ele.

 

Tentando desanuviar meus pensamentos, me afasto para registrar o momento quando interage com um Papai Noel inflável. É pela tela do meu celular que o vejo pular na rena e escorregar. O vídeo corre enquanto ele tenta agarrar o chifre e o objeto quebra na sua mão. Gargalho descontrolada e Edward começa a cair em câmera lenta. Afunda na neve do gramado da casa e rio ainda mais alto.

 

Tiro mais algumas fotos, e quando me dou por satisfeita, sigo em sua direção para ajudá-lo. Ofereço a mão, mas não dá tempo de recuar quando percebo o que Edward quer que aconteça.

 

Ele segura a minha mão e ao me puxar, me faz cair em cima de si. Já preparado para a minha queda e empacotados com casacos enormes, faz com que eu não sinta o impacto. O que sinto, no entanto, é a minha respiração falhar quando nossa gargalhada some e nossas bocas se encontram em um beijo descontrolado.

 

Eu realmente não sei dizer quem o inicia ou quanto tempo passamos assim, mas a forma com a qual desacelera nossos lábios e segura minha nuca enquanto me enche de beijinhos até virarem só carícias, parece muito mais do que apenas um equívoco.

 

Estou sorrindo, bobinha e entregue nos braços do meu melhor amigo quando afasta meu rosto do seu. Me olha, e ali vejo sua expressão torturada.

 

— Desculpa — ele murmura e solta minha nuca. — Desculpa, Zizi. Não sei o que houve. Eu só—

— Tá, sem problemas — o interrompo, respondendo com um sorriso largo e forçado demais. Me afasto.

 

A volta para casa é constrangedora. O silêncio é doloroso —físico e congelante como a neve no Natal.

 

Entro em casa apressada, me ocupando para não termos tempo de conversar sobre o ocorrido.

 

— Será que os biscoitos estão secos? — Sigo para a cozinha. Escuto seus passos me seguindo e sinto quando para ao meu lado.

— Parece que sim — diz com a voz miúda e noto quando toca um dos biscoitos para testar se o glacê endureceu. — Quer pendurar?

— Quero — respondo de imediato e o escuto suspirar ao meu lado.

— Desculpa, Bella. Sério. Eu não sei...

— Deixa para lá. Está tudo bem. — Edward estava com os braços cruzados na frente do peito e uma expressão angustiada. — Sério, relaxa. Por mim você nem precisa falar para Tanya, não tem nada demais para falar.

— Ah! Tanya... — ele diz e fecha os olhos. — Eu nem acho que a gente está mais junto.

— Como assim? — pergunto e ele levanta um dos ombros em indiferença. Sigo o encarando até me contar.

— Ela queria passar o Natal comigo, mas eu disse que viria para cá. Então falou que se eu viesse que não a procurasse mais. E bom, estou aqui, não estou? — diz e me confundo com a rigidez da ironia contrastada pela doçura de sua fala.

— Edward você não precisava... — O aperto no braço. Ele me encara e a expressão suaviza.

— Não tinha chance de eu não passar o Natal contigo, Zizi.

— Me desculpa, eu não queria que isso acontecesse.

— Não queria, é? — murmura quando me abraça. O olho, confusa, porque está sorrindo. — Tá tudo bem, sério. — Me beija a testa e com a boca ainda ali, murmura: — Eu acho que não faria nada diferente.

 

O respiro por alguns instantes, mas logo decido por não agir nas minhas vontades. Conheço Edward o suficiente para saber que ele está vulnerável, e provavelmente carente.

 

Me esforço para deixar a noite leve e descontraída. Ligo a caixa de som em uma playlist de barulho de lareira, aumento o aquecedor de casa, preparo nosso chocolate quente com noz-moscada e me esforço muito para deixar essa noite o mais próximo possível do normal. Estou confusa e mexida para caramba, mas sei que o que Edward precisa é da sua melhor amiga, assim, garanto que é só ela quem vê pelo resto do tempo que passamos juntos.

 

Insisto para que ele me reconte o significado de cada um de nossos ornamentos de biscoito enquanto os penduramos na árvore — inclusive o de floco de neve que recentemente compramos. Adormeço novamente em seus braços enquanto estamos assistindo um filme de Natal, e prometo não mais arriscar a minha relação com ele.

Δ hoje

 

Dou um tapa na barriga sentindo o biscoito pesar no meu estômago e sorrio com a memória. Hoje sei que Edward e eu já estávamos apaixonados naquela época, mas agora aos 31 é fácil olhar para o passado e perceber que éramos jovens burros. Podíamos ter nos poupados de muito sofrimento, mas não há um minuto do meu passado que eu mudaria, se possível fosse. Somos quem somos justamente pelos desafios impostos na nossa trajetória.

Oscar enfia o focinho entre minha mão e a barriga e solto uma gargalhada quando coço suas orelhinhas. Ele brinca de morder meus dedos, mas paro a brincadeira quando sinto os dentinhos no meu anel de noivado. De maneira nenhuma poderia permitir que um filhote de maltês arranhasse uma joia de família, e que apesar do valor material, tinha uma riqueza emocional altíssima justamente pela forma e por quem me foi entregue.

Depois do incidente no Natal em Nova Iorque, em que nos beijamos pela primeira vez, tentamos realmente fingir que nada aconteceu. Passamos meses patinando pelo assunto, mas nenhum de nós parecia corajoso o suficiente para endereçar o problema. O medo que eu tinha disso respingar negativamente na nossa amizade, era o mesmo que o dele, e isso durou até o nosso último ano de faculdade. Especificamente quando nos reencontramos para as férias de verão.

Era a nossa última viagem “universitária”, então decidimos fazer o melhor, à despeito da escassez de tempo e dinheiro. Assim, alugamos uma casa mequetrefe em Miami com outros oito colegas. Lembro-me que estava tão preocupada com o que aconteceria quando voltássemos a nos ver que pedi para um amigo da faculdade fingir estarmos um relacionamento.

Inocente, achei mesmo que essa seria a solução ideal para evitar qualquer tipo de conflito com meu melhor amigo. A verdade é que a minha ação acabou nos levando justamente para a cova dos leões. Edward não ficou feliz com a notícia de que eu estava em um relacionamento e não se furtou em me dizer.

Foi nessa viagem, também, que ele descobriu que eu passaria seis meses fazendo um intercâmbio no Brasil — e não foi da maneira mais cuidadosa. Além da minha faculdade permitir, minha avó estava recentemente tendo alguns problemas de saúde, e a possibilidade de passar tantos meses com ela pareceu oportuna.

Quando optamos por fazer faculdades distantes, o fizemos sob a promessa de que nos reuniríamos depois da faculdade. Nos últimos meses, Edward começou a me sondar sobre a possibilidade de dividirmos apartamentos. Como eu já sabia desse meu plano de fazer o intercâmbio, e por acreditar que morar com ele poderia ser um risco à nossa amizade, me esquivei de qualquer compromisso futuro.

E então, na festa, enquanto ele me fuzilava com os olhos e me golpeava com palavras duras por achar que eu estava namorando uma pessoa — que estava mais interessado em outra mulher que não era eu —, minha colega de quarto mencionou algo sobre os preparativos da minha viagem, à ocorrer em alguns meses.

Edward começou a perguntar e, eventualmente, cedi. O puxei para conversar em um dos quartos da casa alugada e depois de compartilhar meus planos, mutuamente despejamos um mundo de frustração acumulada.

Ele me culpou por não partilhar meus planos, enquanto eu o culpei por criar expectativas que não ofereci. Passamos boa parte daquela hora machucando o outro, até que ele decidiu colocar uma pausa na discussão. Se desculpou pela maneira que lidou com tudo, e explicou que não estava conseguindo ser racional pelo ciúme. Inspirada pela honestidade do meu melhor amigo, contei a verdade e expliquei o porquê de ter feito o que fiz, sobretudo sobre o medo de arriscar nossa relação por uma vontade de ficar com ele que simplesmente não abandonava meus pensamentos.

Sua resposta foi segurar minha mão enquanto nos guiava, em meio a uma tempestade que enlameou meu all-star branco inteiro, na direção de um estúdio de tatuagem.

Toco na lateral externa do meu punho direito, onde tenho as linhas finas marcando a minha pele. O desenho é pequeno e delicado, e traz apenas o contorno da metade de um pinheiro. No dia, o tatuador espelhou o desenho no punho esquerdo de Edward, de modo que quando andássemos de mãos dadas, as metades formariam o pinheiro de Natal. É clichê e exatamente o que sempre fomos: previsíveis, confiáveis e confortáveis.

Ao longo dos anos, aprendi que amar Edward era exatamente isso: conforto.

Entendi que amor não precisa ser arrebatador. Amor é também olhar cheio de confiança e um carinho que gera dentro da gente uma vontade de viver isso no cotidiano. Amor é um sentimento tão singelo que as vezes sinto que me faltam palavras para descrever o que é Edward para mim. Mas quando consigo, sei que é o que faz as dores se calarem e as angústias amenizarem. É um sentimento tão transparente e incondicional, que só pensar no meu desejo juvenil de viver algo arrebatador me faz sorrir, porque o que ele é para mim é o oposto disso. Edward é a minha paz. 

E isso ficou tão evidente depois que nos tatuamos e percebemos o quão certo parecíamos. A memória de ver todo esse sentimento espelhado nos seus olhos verdes ainda me era vívida...

Δ há um pouco menos de dez anos

 

Estamos caminhando de volta para a casa alugada quando o sinto apertar os dedos na minha mão. Quando o olho, percebo ter um sorriso travesso. Levanto uma sobrancelha e ele me puxa para outra direção. Grito pedindo explicações do porquê estamos correndo no meio de Miami durante uma tempestade e ele só gargalha alto.

 

Me olha, e penso que se eu pudesse, também tatuaria a expressão que tem no rosto. Sua face ri por inteiro. Os olhos fechadinhos e o pouco de sua íris verde que está aparente é vibrante como nunca vi. Seu rosto está todo ruborizado e os lábios, que rasgam a face em um sorriso, vermelhos.

 

Ele para na minha frente e o sorriso diminui de tamanho até que sua expressão é séria. Tira a minha franja de cima de meus olhos e toma meu rosto em suas mãos. O vejo se aproximar, e sinto meu corpo inteiro estremecer em antecipação. Eu sei exatamente o que vai acontecer, e ainda assim é como se eu tivesse cedido todo o controle do meu corpo para ele.

 

— Você sabe o quanto eu amo o Natal, não sabe? — Ele diz depois de suspirar.

— Sei.

— Sabe o porquê? — Dou um meio sorriso, esperando que conclua, porque sei que foi uma pergunta retórica. — Natal é mágico, e tem algo... Não sei, tem algo diferente. Sei lá, uma sensação tão gostosa, como se eu pudesse me permitir ter esperança, sabe? — pergunta e assinto. — Além do Natal, só tem outra coisinha que me faz sentir tão completo e seguro assim.

— É? — pergunto e ele murmura sua concordância enquanto me sorri. — E qual é essa outra coisinha? — pergunto e sinto o coração bater mais forte quando acaricia o cantinho dos meus lábios.

— Você, Zizi. Você é o meu Natal — diz, mas ao invés de me beijar os lábios, beija no punho ao lado da tatuagem. — Pra sempre você é a melhor parte da minha vida.

 

Desvio o olhar, escondendo meus olhos enquanto me emociono com a palavra.  Eu sei exatamente o que ele quer dizer. Sei, porque também sinto.

 

Quando o olho, tenho a certeza de que também espelho a emoção que tem nos seus olhos marejados. Um amor purinho e tão cheio de expectativas quanto uma manhã de Natal.

 

— Eu te amo — sussurro e sinto sua risada nos meus lábios no mesmo instante em que me beija.

 

Uma carícia que pareceu ser construída pelo entrelaço das nossas vidas e que data desde o dia em que nos conhecemos. Uma antecipação contrastando com a certeza de que é ele quem sempre deveria ter tido parte de mim... Era pacífico me sentir assim.

 

Nos beijamos por muito tempo na beira daquela orla. Sei que as ondas do mar batem ao fundo, e que há uma porção de universitários celebrando em todos os lugares daquela praia. Sei também que a chuva cai forte no asfalto, mas tudo o que consigo ouvir de verdade é o barulho do meu coração, que bate frenético respondendo ao Edward.

 

Entendo que quando falam sobre “a voz do coração” é isto o que querem dizer.

 

 — Fica comigo, Zizi. Vamos ficar juntos de verdade...— murmura contra meus lábios assim que cessamos o beijo.

— Eu estou indo pro Brasil — suspiro depois de alguns instantes. Ele me puxa novamente e me dá mais três beijos castos. Em seguida beija a ponta do meu nariz e a têmpora. Encosta nossas testas e quando o encaro, sorri.

— Eu te espero até o último dia da minha vida, te juro.

— Edward...

— É sério. Você é tudo o que eu quero. Tudo o que eu sempre quis.

— Sempre? — pergunto agora genuinamente intrigada.

— Sempre. Não me lembro de um só dia em que não fui completamente apaixonado por você.

 

Δ hoje

Foi naquele dia que descobri o que é amor recíproco e incondicional. Buscamos uma tenda para nos proteger da chuva e conversamos por horas sobre o que estávamos sentindo, o que esperávamos do futuro e como lidariam com a minha mudança.

Não tínhamos o plano perfeito, e certamente não tomamos as decisões mais acertadas, mas o que importa é que decidimos ficar juntos.

Com o meu all-star branco imundo pela chuva, dançamos debaixo do luar assim que a tempestade cessou. Trocamos tantas promessas e carícias que realmente hoje me parece estranho considerar um universo em que não soubéssemos do amor incondicional que sentíamos pelo outro.

Não sabíamos o quão desafiador seria seguir um relacionamento à distância pelo tempo em que fiquei no Brasil, tampouco quão complexo seria o nosso namoro ao percebemos que ele, músico, e eu, enfermeira, teríamos horários bagunçados e frequentemente desencontrados. Não tardou até que nosso relacionamento tivesse se tornado desgastado pela sua complexidade. Era frustrante estar fisicamente perto e simultaneamente distante. Morávamos no mesmo bairro, mas com nosso desencontro de agenda, durante meses a maior parte da nossa comunicação era restrita por mensagem de texto e ligações de vídeo esparsas, conciliadas por nossas raras folgas.

Foi uma estrada dura, nos machucamos muito no processo e demorou para entendermos a importância de ceder pelo outro. Aprendemos e construímos juntos durante todo o processo. Foi difícil, e por vezes achei que não sobreviveríamos aos desafios impostos, mas ele me fez confiar em nós dois, na nossa história e no nosso amor durante todo o tempo.

Mas Edward parecia ter um amor inquebrável, e em sua resiliência, me ensinou a confiar no processo e a aproveitar a jornada.

Com ele, entendi que mesmo em meio as nossas dificuldades e imperfeições, o que importava era a jornada.

Por isso lembro com tanto carinho sobre nosso segundo natal juntos. Foi nele em que tudo mudou.

Δ há uns oito anos

 

Eu estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele.

 

O tempo em que passei com Edward desde quando decidimos namorar, foram os melhores da minha vida. Era frustrante não conviver com ele o tanto quanto eu gostaria, mas o que tínhamos era real demais para aplacar a minha angústia. Eu confiava no processo e sabia que no fim, daríamos um jeito.

 

Decidimos passar a véspera da véspera de Natal no meu apartamento. No dia seguinte seguiríamos para a cidade em que nossa família ainda mora, para passar o resto das festas de final de ano com eles. Só então, após o ano novo, viajaríamos para o Caribe para curtir dez dias juntos. Férias há muito tempo antecipadas.

 

Edward e eu tínhamos o hábito de passar os dias 23 de dezembro juntinhos, geralmente decorando a casa e os nossos tradicionais biscoitos. Esse ano, no entanto, ao contrário de respeitar nossa tradição natalina, passou quase o dia inteiro ajudando seu colega de apartamento a fazer mudança, já que decidiu não renovar o contrato de aluguel.

 

Confesso que quando me contou que moraria sozinho fiquei ligeiramente decepcionada por não me sondar para morar com ele. Era prematuro antecipar isso, eu sei, especialmente porque apesar de estarmos namorando há mais de um ano e meio, só começamos a morar na mesma cidade há um, e só consegui reajustar meu cronograma no hospital para se equiparar aos horários dele há poucos dias.

 

Nossa relação não é nada convencional, e somos uma dupla desde os nossos quatro anos. Ao longo da nossa vida, aprendemos a conviver grudadinhos e separados, mas é diferente quando há um relacionamento amoroso na equação. Apesar de nos conhecermos o suficiente para conseguir suportar a distância e os horários incompatíveis, eu sabia que ambos estávamos chegando no nosso limite. Assim, combinei que faria alguns turnos extra nos últimos meses para conseguir pleitear junto à minha coordenadora um horário razoável.

 

Aconteceu na semana passada, depois de uma longa conversa com a minha chefe sobre as minhas expectativas de futuro, sobretudo no hospital. Ela foi mais compreensiva do que imaginei e fez os reajustes necessários para que eu não precisasse mais trabalhar de madrugada. Edward foi sempre muito acolhedor aos meus horários, mas não havia tempo de qualidade entre nós.

 

Ele sabia que eu estava fazendo esse movimento em uma tentativa de ficar mais perto, então não parecia absurdo imaginar que também quisesse passar mais tempo comigo. No entanto, perceber que ele não tomou nenhuma atitude com relação a nós dois depois que seu colega o notificou a saída, me dizia tudo o que eu precisava saber.

 

Enquanto tento controlar a ansiedade sobre uma vida a dois com Edward, pondero sobre o que fazer enquanto ele não chega e volto a me sentir ligeiramente incomodada com o fato de que decidiu fazer mudança do amigo logo hoje, no nosso dia. Irracionalmente irritada, pego os ingredientes para fazer a massa de biscoitos de gengibre e posiciono tudo na bancada da cozinha.

 

Eu realmente tento me convencer a não fazer os biscoitos, mas a única coisa capaz de aplacar a minha insatisfação com a ausência dele seria tomar um chá de flor de laranjeira enquanto mordisco um homenzinho de gengibre quentinho. Decido que ele terá que lidar com sua própria irritação de ter sido abandonado no processo de fazer biscoitos na sua sessão de terapia.

 

No mesmo momento em que coloco a batedeira na bancada, meu celular vibra tirando-me dos meus pensamentos. Sorrio quando vejo seu nome na notificação de pop-up.

 

[Edward]: Quase terminando aqui. Vou tomar um banho, passar no mercado pra comprar o que você pediu e chego aí em 1h... no máx. 2h, tá?

[Bella]: Você tem câmera escondida nessa casa né

[Edward]: ??

 

Tiro uma foto do que estava prestes a fazer e mando para ele.

 

[Edward]: NÃO SE ATREVA ISABELLA.

[Edward]: Chego aí em 10 minutos.

 

Solto uma risada e arrumo todos os ingredientes na bancada para que Edward os encontre mais facilmente quando chegar. Ele odeia meus biscoitos. Diz que nunca estão no ponto correto, sendo ou muito duros, ou macios demais.

 

Como dito, demora pouco mais de dez minutos para meu interfone tocar. Edward tem a chave do meu apartamento, então não me surpreende vê-lo cruzar o imóvel para me inspecionar na cozinha. Os olhos estão semicerrados enquanto vasculham tudo o que está disposto na bancada. Solto uma risadinha e vou até meu namorado. Passo os braços por trás de seu pescoço e fico na pontinha do pé para beijá-lo.

 

Ele me dá um selinho rápido, mas logo se afasta alegando que precisa tomar banho. Termino de lavar a louça e arrumar a cozinha enquanto ele se lava, e quando retorna, vem direto para mim. Me puxa em um abraço apertado e enche meu rosto inteiro de beijos. Cheira meu pescoço, beija meu nariz, minha têmpora e meus lábios. Repete o processo como se sua vida dependesse disso, e já estou gargalhando quando se afasta.

 

Ele me olha com o sorriso mais precioso que tem. Exatamente o que guarda apenas para mim. Nesse, seus olhos ficam fechadinhos, as sardinhas vermelhinhas ruborizam e o nariz fica franzido. O lábio rasga o rosto inteirinho e seus dentes ficam todos a mostra. É quase como se ele fosse incapaz de refrear o movimento da sua face quando quer me dar esse sorriso. Me estico e o beijo mais uma vez. Enquanto nos beijamos, sua mão passeia pelo meu cabelo em um toque cheio de devoção.

 

Não há nada que me faça sentir tão preciosa quanto o toque dele. Respiro o pescoço do meu namorado enquanto sussurra uma porção de juras de amor. Isso era outra coisa que Edward guardava apenas para mim: quando estávamos juntos, ele nunca se refreia se me fazer sentir amada.

 

Depois de alguns minutos matando a saudade, ele me expulsa da cozinha e pede que eu vá arrumar a sala para vermos o filme. Pelo cheiro de gengibre que não tarda a aparecer, sei que está fazendo a massa do biscoito de Natal enquanto afasto os móveis e instalo o projetor. Inflo o colchão de plástico, distribuo os travesseiros e cobertores e deixo tudo do jeito que sei que gosta.

 

Eventualmente volta, e após deitar seu corpo no colchão, me aconchega em seus braços. Damos início a um dos filmes que sempre assistimos no Natal, mas já vimos tantas vezes que sequer paramos de conversar para prestar atenção na película. Ele me conta sobre a mudança de Seth, e sobre os seus últimos dias de trabalho. Me mostra algumas pesquisas que fez sobre restaurantes que quer me levar nas férias, e tenta me convencer, mais uma vez, a adotar um cachorro. Quase uso a oportunidade para sugerir que façamos isso juntos quando dividirmos um apartamento, mas me acovardo. Também o atualizo sobre os últimos acontecimentos da minha vida, e me conforto com a maneira que escuta cada palavra que digo. Com ele eu realmente me sinto vista.

 

Quando o filme já está encaminhando para o fim, sugiro que façamos os biscoitos para secarem durante a madrugada para pendurarmos amanhã na minha árvore. Ele começa a dar uma porção de desculpas atropeladas e quando o pressiono para que me diga o que está passando pela sua cabeça, porque realmente estranho o comportamento, ele admite querer aproveitar que sua casa está vazia para podermos passar o Natal lá. A minha também está vazia, porque minha colega de apartamento já viajou, mas entendo o simbolismo de sua fala, e concedo.

 

Colocamos a árvore-de-natal, os enfeites, as luzes e os itens para os biscoitos de Natal dentro do carro dele, mas antes de seguirmos para a sua casa, decido que quero ser corajosa por nós dois, e enquanto me aguarda na rua, volto para o meu apartamento e busco o único biscoito que decorei no dia anterior. O biscoito deve pesar algumas gramas, mas a sensação é que carrego uma tonelada no meu ombro.

 

— Ué, não íamos para a sua casa? — pergunto quando percebo que ele dirige direto. Olho para meu namorado e o percebo tenso. Ele me olha de soslaio e pigarreia.

— Esqueci uma coisa.

— O quê?

— Papel higiênico.

— Ah podia ter pegado lá de casa — digo e troco de música. Ele estaciona no supermercado 24h e enquanto o aguardo dentro do carro busco dentro da minha bolsa pelo biscoito. Sinto meu coração bater tão forte quanto uma bateria de escola de samba brasileira e começo a me questionar de é insanidade demais pedir que ele venha morar comigo, sendo que faz poucos dias desde que equalizamos nossos horários de trabalho e ampliamos a convivência. Se ele quisesse uma vida a dois, provavelmente teria aproveitado a mudança do seu amigo para isso, não teria?

 

Minha mão já está suando quando Edward volta, e a minha confiança quase não existe mais. 

 

— Cadê o papel higiênico? — pergunto quando percebo que ele só tem uma garrafa de água com gás

— Quê?

— Você não veio aqui pra comprar isso.

— Lembrei que tinha em casa.

— Certo, vamos então? Tô congelando.

— Ô amor... — murmura e me puxa para um abraço. Esfrega meus braços tentando me aquecer e eu dou uma risada.

— Se você ligar o carro, o aquecedor ativa — sugiro e ele rola os olhos. Mas faz conforme indiquei.

 

Desliga o carro na vaga do estacionamento ao lado do seu prédio e demora uma eternidade para fazer o caminho até a sua casa. Percebo que vai e volta no carro para buscar algo que esqueceu, e quando faço menção de seguir em direção ao apartamento sem ele, tem um rompante de efusividade. Começa a gesticular de maneira voraz e argumenta de mil maneiras diferentes sobre como eu preciso espera-lo.

 

— Ei, o que tá rolando? — pergunto, apertando seu braço. Ele me olha e solta um longo suspiro.

— Tô nervoso.

— Por quê?

— Porque sim — ri e coloca uma mexa do meu cabelo por trás da orelha. — Hoje é um dia especial, e preparei uma surpresa — murmura e sorri, espelhando o meu riso.

— Que dia é hoje?

— Faz 10000 horas que você aceitou viver isso aqui — murmura e me puxa para um beijo, terminando-os com seus tradicionais beijos castos pelo meu rosto. — Quer dizer, vai fazer à meia noite e treze.

— Sério? — exclamo e ele concorda efusivo.

— Juro. É o equivalente a 416 dias, se você está se perguntando.

— Eu te amo — digo e entrelaço nossos dedos. — Você falou algo sobre surpresa? — pressiono e ele deixa o ombro cair com suas risadas.

— Vem. — Enlaça a minha cintura com uma mão, enquanto a outra segura a bolsa com os materiais dos biscoitos. Lembro disso e sinto meu ombro pesar com o biscoito que eu carrego na minha própria bolsa.

 

Chegamos na frente de sua porta e ele posiciona as mãos na frente de meus olhos, impedindo-me de ver. Ainda assim pede para eu manter os olhos fechados.

 

— Pra sua informação, rolei os olhos agora, ok? — digo e ele sacode em risadas atras de mim. Beija meu pescoço e escuto a porta se abrir.

— Eu preciso soltar seus olhos pra fazer uma coisa, mas promete pra mim que não vai abrir até que diga que pode?

— Prometo, amor. Claro.

 

Fico parada na mesma posição, batalhando com uma vontade quase irrefreável de descumprir a tarefa. Pouco tempo passa antes dele me dizer que posso abrir, e quando faço, sinto meu corpo triplicar de tamanho.

 

A pequena sala estava coberta em luzes e decorações de Natal. A árvore é enorme, destoando do tamanho do apartamento em seu gigantisco, e está lotada luzes coloridas e bolas vermelhas no melhor estilo “no Natal, mais é mais” que tanto amamos. Vejo meias de natalinas, enfeites na parede, uma mesa de jantar arrumada com louça temática. Meus olhos finalmente encontram Edward e vejo que usa um gorro de Papai Noel e um sorriso encantador. Está há alguns metros de mim, então quando me estende a mão, vou sem hesitar.

 

Me segura o rosto quando me beija demorado. Já estou entregue quando ele descola nossos lábios e espalha beijinhos por toda a minha face.

 

— Por que não vai ver se o Papai Noel deixou algo para você debaixo da árvore?

 

Debaixo da árvore há um único embrulho de presente. É pequeno, e quando me abaixo para pegá-lo, sinto sua leveza. Desembrulho com delicadeza e arfo quando vejo que é uma caixinha de veludo rubi. Me viro na direção do meu namorado e ele já está próximo de mim com um sorriso é contagiante. Aponta a cabeça na direção da caixa, me encorajando a abrir, e quando o faço, percebo que minhas mãos tremem.

 

Solto uma respiração que há semanas estou segurando ao ver, repousado na almofadinha aveludada, o anel de sua mãe. É um anel antigo, em estilo vitoriano. Seu formato é oval e cravejado com minúsculas orbes de diamante. Edward se ajoelha na minha frente e choro todo o sentimento reprimido dos últimos dias. Seus olhos parecem tão molhados quanto os meus quando toma minha mão na sua.

 

— Eu não me lembro de um momento na minha vida em que não sonhava com um futuro contigo, Zizi. Talvez eu nunca consiga ser o que você merece, mas vou passar o tempo que for preciso tentando. Pelo resto das nossas vidas, eu quero ter a liberdade de poder te amar como minha esposa — diz com a voz tão embargada que me percebo gargalhando.

— Meu amor... Amo acordar todo dia sem ter ideia do que vai acontecer, exceto que vou trabalhar incansavelmente pra te fazer feliz também. Nosso processo é lindo, e eu quero muito continuar vivendo isso contigo. Claro que aceito casar contigo, te amo, te amo, te amo!

 

Ele gargalha, se levanta e me puxa para um abraço. Esconde o rosto no meu pescoço e me enche de beijos.

 

— Peraí, você me pediu em casamento ou só tá pedindo pra gente passar o Natal juntos mesmo? — implico e ele dá um tapa na minha bunda.

— Eu quero mais que um casamento. Quero uma vida. Quero encher essa casa com as nossas crianças, quero dormir e acordar do seu lado... Quero viver um Natal todos os dias da minha existência contigo, meu amor. Mas, por hora, casa comigo? Me dá a honra de ser a minha esposa, Zizi?

 

O respondo com um beijo descontrolado, mas tão, tão feliz. Me sinto completa de verdade, e quando a gargalhada vem, não a impeço de sair. Ele me olha em dúvida e o abraço mais forte.

 

— Pega o seu presente na minha bolsa — digo e ele me olha sapeca. Vai até a minha bolsa e passa horas procurando até que levanta um embrulho em papel alumínio.

— É isso? — pergunta enquanto mostra o pacote.

— É! Desculpa o embrulho, não deu tempo de fazer melhor — solto uma risada do olhar de ultrage que me lança.

 

Abre o pacote e ri descontrolado. Larga a cabeça no sofá enquanto tenta se recompor da risada e quando finalmente me olha, dou de ombros.

 

— Acho que te dar um biscoito no formato da chave da minha casa não é um pedido tão bom quanto esse, não é?

 

Ainda estou sorrindo quando salta do sofá e me pega em um beijo apaixonado.

 

Δ hoje

 

Passamos aquela noite toda mostrando por meio de nossos corpos o quanto estávamos apaixonados e dedicados em fazer o outro feliz. Foi só quando a manhã trouxe o vislumbre da neve que caiu durante a madrugada, que permitimos que nossos corpos, exaustos, descansassem.

Não demorou para trocarmos nossos votos de casamento perante de Deus, e o sinto abençoando nosso relacionamento todos os dias. Foi um dia leve e muito cheio de amor. Decidimos nos casar em Forks, a cidade onde nós crescemos, e só estavam presentes os nossos amigos mais próximos e familiares.

Meu celular toca e quando vejo o nome do meu marido na tela, finalmente solto o suspiro que estava preso há tantas horas.

— Finalmente, amor — digo e escuto seu próprio suspiro na linha.

— Sim, finalmente. Acabei de desembarcar. Quer que eu leve algo da rua para você?

— Só traz seus beijos quentinhos. — Ele dá uma risada e após falarmos um pouco sobre como foi a viagem de volta para casa, desligamos.

Edward chega e depois de quase duas semanas longe do meu marido, me permito ser um pouco egoísta. Seguro a novidade que preciso dividir com ele, e aproveito todo o amor que está disposto a me dar. Passamos a hora seguinte matando a saudade com nossos corpos e palavras.

Edward é tão doce com seu jeito de amar, que as vezes parece fisicamente doloroso imaginar uma vida sem ele.

Eventualmente voltamos para a sala, onde ele prepara nosso cafofo natalino, que tradicionalmente consiste de um colchão inflável, encaixado no nosso sofá em formado de “L”, várias almofadas, cobertores e um filme de Natal na televisão.

Levo os biscoitos assados e os sacos de confeiteiro com os glacês já prontos. Posiciono-os acima da tábua de madeira que ele também já tinha deixado ali e depois de me aninhar nos braços do meu marido, começo a decorá-los.

Depois de passar uma quantidade de tempo ridícula reclamando que os biscoitos estavam duros, e que eu deveria ter esperado que chegasse para fazer, finalmente o sinto espalhar beijos por qualquer parte de mim que estava exposta à sua frente — e me permito sorrir todas as vezes.

Termino de decorar o último biscoito e enquanto ele levanta para levá-los para a cozinha para terminarem de secar, pego o que tinha feito mais cedo e coloco dentro da sua meia Natalina. Ele não demora a retornar e antes que volte a se aninhar no colchão comigo, aponto para a lareira.

— Não vai ver se o Papai Noel deixou algo para ti? — Ele me sorri enorme e eu dou uma risada. Eu nunca me cansarei da animação contagiante que ele guarda para o Natal.

Vai para a meia e tira de dentro dela uma embalagem translúcida com um único biscoito dentro. Noto seu olhar confuso buscar o meu. Sorrindo, pergunto: — O que diz aí?

— “Você não é o único atrasado neste Natal” — diz, mas seu tom é mais confuso do que qualquer outra coisa.

— Vira o biscoito, talvez tenha algo do outro lado — sugiro e rio quando noto a velocidade com a qual o faz.

— Uma Flork barriguda e a frase “Testamos positivo e não foi para COVID”? Bella eu não tô entendendo nada.

— Meu deus, como você é lento! — Me levanto e caminho em sua direção com a minha gargalhada ecoando pela casa. Enquanto vou, noto que volta a encarar o biscoito, virando-o de um lado para o outro. — Lembra quando você me pediu em casamento e disse que fazia 10.000 horas desde que aceitei entrar num relacionamento contigo?

— Claro. — Para de girar o biscoito e me olha com uma risada travessa, curiosa.

— Eu fiz as contas, e hoje faz 10.000 horas desde que nos casamos.

— Sério?

— Sim — digo, e sorrio quando percebo o seu próprio riso. — E lembra que no dia que me pediu em casamento, prometemos que encheríamos a nossa casa de filhos? E que lotaríamos o nosso Natal com um monte de criança?

O sorriso em seu rosto some. Arregala os olhos instantes antes de desviarem dos meus para a minha barriga. Faz isso por várias vezes, e só para quando posiciono minha mão na altura do umbigo. Acaricio a barriga por cima do casaco de tricô do Rudolph e ele sorri enorme. Seus olhos fixam no movimento da minha mão por um tempão, e então me olha.

Sua expressão é hilária... Um misto perfeito de assombro com elação.

— Você tá grávida, Zizi? — pergunta em um fio de voz e já percebo seus olhos marejados. O biscoito agora esquecido em cima da lareira.

— Faz seis semanas, mas descobri só anteontem quando saiu o resultado do exame de sangue — sussurro com um sorriso. — Feliz Natal, Edward. — Seus olhos pulam dos meus para a minha barriga, onde ainda acaricio por cima do suéter.

— Você tá falando sério? Tem um bebê nosso aqui? — Noto que seu rosto está todo iluminado. Seu olhar é tão vibrante quanto as luzes que piscam na nossa sala.

— Tem um bebê nosso aqui — confirmo com suavidade e deixo as lágrimas correrem quando ele se ajoelha na minha frente e esconde o rosto na minha barriga. Seu corpo inteiro chacoalha com seu próprio choro enquanto me abraça apertado.

O movimento abrupto, assusta Oscar, que rosna. Edward ri e o puxa para seu abraço.

Me olha com uma devoção que acho que só se aproxima do dia do nosso casamento quando cruzei a igreja e caminhei até ele.

Eventualmente controla seu choro e levanta seu corpo, me toma em seus braços em um abraço apertado e demorado. Me beija lento, sem pressa nem interesse em segurar quaisquer uma de suas emoções. Nossas lágrimas se misturam em um entrelaçamento apaixonado e tão, tão feliz, que não parece haver maneira de ser mais perfeito do que isso.

Passamos quase uma hora abraçados e nos acariciando deitados no sofá. Oscar cochila, em sua posição favorita — em cima da minha barriga — enquanto Edward começa a enumerar o que temos que fazer e tudo o que pretende mostrar ao nosso bebê. Está tão perdido em seus planos, praticamente em um monólogo, que nem me sinto culpada quando meus olhos pesam e caio no sono.

— Achei que você não ia acordar nunca — ele diz animado ao meu lado. Estou deitada no sofá e percebo que está massageando meus pés. A TV está ligada em algum filme natalino que nunca vi. Já está me olhando quando o busco com os olhos e sorri. — Preguiçosa — murmura contra meu pé antes de dar um beijinho.

— Estou criando órgãos, Edward. Você tem noção de que meu corpo precisa me colocar para dormir pra economizar energia já que estou criando uma vida? — digo séria com a expressão propositalmente irritada e ele arreganha a boca em um sorriso enorme.

Se joga no sofá e me abraça forte novamente. Enche meu rosto de beijos até que eu me perca em gargalhadas.

— Estou pensando aqui que se for menina deveríamos chamá-la de Noelly ou Carolina. Pesquisei no Google e são nomes que existem no Brasil também — murmura e me inflo de amor mais uma vez. Percebo que desde que acordei sua mão não desgrudou da minha barriga.

— E se for menino?

— O que acha de Natanael?

— Qual a relação disso com Natal? — pergunto em meio a risadas porque sei que as escolhas para os nomes femininos têm relação com nossa data favorita.

— Pesquisa como se diz Natal em português — pede, e quando o faço solto uma gargalhada.

— Você é tão piegas, Edward.

— E você me ama assim mesmo.

— Amo. Amo e não trocaria absolutamente nada em você.

— Mal posso esperar para o próximo Natal, Zizi. O meu maior presente de Natal finalmente debaixo da minha árvore.

Me inundo com suas palavras e deixo meu corpo inteiro sentir aquele amor. O observo, e sei que espelho o mesmo sorriso, mas sou incapaz de desgrudar meus olhos dos dele.

Percebo que a música do filme toca baixinho ao fundo e a casa pisca com as luzes de Natal. Quando olho para a grande janela da sala vejo neve e permito o choro cair. As lágrimas escapam enquanto acaricio o rosto do meu marido, que está repousado na minha barriga, porque exatamente aqui, nesse pedacinho de paraíso, tenho tudo o que sempre sonhei.


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Notas finais do capítulo

N/A: Fora do padrão pra mim escrever algo que é só doce do início ao fim, né? Mas é Natal, e não consegui fazer diferente hehehe Espero que tenham gostado de acompanhar nosso casal durante vários Natais, enquanto transitavam de apenas amizade para amor.

Valk, que desafio você me deu! Espero que tenha conseguido captar os easter eggs que coloquei ao longo da história! Tentei ao máximo das vida para uma história de amor real que sei que você gosta, mas sem perder a individualidade desses personagens. Espero que tenha sido uma leitura gostosinha :) Feliz Natal, meu bem!

Feliz Natal, POSOlovers. Vejo vocês na atualização de Temporada de Casamento!
Boas festas!!



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