Sunshine escrita por bellafurtado


Capítulo 9
Livro I: Capítulo 7 - Conversando...


Notas iniciais do capítulo

Como eu havia prometido, aqui está o outro capítulo. Espero que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/80516/chapter/9

                Eu ouvia vozes falando algumas coisas, mas não conseguia me focar nelas. Tudo o que eu conseguia pensar era que eu não veria Kyle por muito mais tempo. Infelizmente. Percebi que paramos em frente a uma porta e Kyle deu passagem para Peg passar. Ela entrou lentamente e murmurou de maneira delicada:

                -Olá.

                A mulher que estava no cômodo se sobressaltou assustada.

                -Sou eu de novo – disse Peg tranqüila.

                -É Peg – disse um homem que ali estava sentado. Reconheci-o como o homem que estava ao lado de Jeb na grande caverna, o outro com a expressão calma. Provavelmente o tal Doc.

                -É a alma – a mulher sussurrou atormentada. Por que todo esse espanto com a nossa espécie? Não éramos nós que matávamos e fazíamos coisas terríveis.

                -Sim, mas ela é amiga – pude ouvir o suposto Doc responder.

                -Doc? – Peg chamou-o novamente. – Você tem mais umas visitinhas. Tudo bem?

                Um momento de silêncio até que se ouviu Doc falando:

                -São todos amigos, certo? Outros humanos que moram aqui comigo. Nenhum deles jamais sonharia em machucar você. Eles podem entrar?

                -Tudo bem – pude ouvir o sussurro feminino em resposta.

                -Este é Ian – Peg disse quando ele entrou. – E Jared, e Jeb – ela ia dizendo à medida que, um a um, todos iam entrando. – E este é Kyle e... hum, Sunny.

                Pude perceber a surpresa de Doc ao ver meus olhos com o círculo prateado ao redor deles.

                -Tem mais alguém? – sussurrou a mulher.

                Pude ouvir Doc limpando a garganta e estremeci com o barulho. Meus nervos estavam em frangalhos.

                -Sim. Há muitas pessoas que vivem aqui. Todos... bem, a maioria é de humanos.

                -Trudy está a caminho – Peg disse.

                Olhei para Kyle e desliguei-me das conversas paralelas. Eu queria tanto poder passar mais tempo com ele, conhecer Peg, Ian, Jared, Jeb e o garoto, ajudar a tal curandeira... eu não queria deixar esse planeta maravilhoso. Todos conversavam.

                Pude perceber que Kyle me encarava pelo rabo do olho. Desviei o olhar corando. Foi quando vi uma pilha de criotanques. Dois deles possuíam almas dentro, e ao lado havia uma pilha com um tanto deles vazios.

                -Ah – arquejei assombrada.

                Lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. Eu não queria ir embora, não queria ficar num tanque como se fosse só mais um animal e, acima de tudo, não queria deixar Kyle. Era tão injusto que depois de tanto tempo procurando por ele, quando eu finalmente consigo achá-lo, eu tenha de ir embora!

                Encostei meu rosto no peito de Kyle e comecei a chorar descontrolada.

                -Eu não quero ir! – gemi no peito dele, abraçando-o com a pouca força que me restava. – Eu quero ficar com vocês.

                -Eu sei, Sunny – senti uma pontinha de tristeza em sua voz. – Sinto muito.

                Comecei a soluçar. Logo senti uma mão fina acariciando meus cabelos, mão que não pertencia ao Kyle. Era a mão da Peg.

                -Preciso falar com ela um minuto, Kyle – ela murmurou sem graça.

                Kyle me empurrou delicadamente, tomando cuidado para não ferir nem meu físico e nem o meu psicológico.

                -Não, não – implorei tentando segurar as lágrimas.

                -Está tudo bem – Peg me prometeu. – Ele não vai a lugar nenhum. Eu só quero lhe fazer umas perguntas.

                Pude sentir as grandes mãos de Kyle virando meu corpo gentilmente, de forma que eu ficasse de frente para Peg. Eu a abracei com força e continuei chorando cada vez mais. Ela provavelmente iria me entender. Senti Peg me arrastando para um canto afastado do quarto e podia ouvir os passos de Kyle nos seguindo. Paramos de frente para a parede e nos sentamos no chão.

                -Cruzes – murmurou Kyle. – Eu nunca pensei que pudesse ser assim. Que situação!

                -Como você a encontrou? – perguntou Peg. – E como a pegou? O que aconteceu? Por que ela está assim?

                Kyle começou a contar a longa história de como me achou, como me pegou, qual foi a minha reação, como passamos a viagem e outras dessas coisas. Despertei ao ouvi-lo chegar ao fim da história:

                -Ela apenas ficou olhando para mim por um tempão, depois finalmente disse: “Você é Kyle?”, e eu disse “Sou, quem é você?”, e ela me disse o seu nome. Como é mesmo?

                -Luz do Sol Através do Gelo – sussurrei desanimada. – Mas eu gosto de Sunny, é bonito.

                Kyle limpou a garganta e continuou:

                -Enfim, ela absolutamente não se importava de falar comigo. Não estava com medo como pensei que ficaria. Então nós conversamos – ele ficou calado por um instante, como se estivesse pensando se deveria ou não dizer algo. Decidiu-se por falar: - Ela estava feliz por me ver.

                -Eu costumava sonhar com ele o tempo todo – sussurrei para Peg. – Todas as noites. Eu ficava esperando que os Buscadores o encontrassem; sentia tanta falta dele... Quando o vi, pensei que era o velho sonho novamente.

                Pude ouvir Peg engolindo em seco e logo depois senti a mão de Kyle em meu rosto.

                -É uma boa garota, Peg. Não podemos enviá-la para um lugar realmente bom?

                -É isso o que quero perguntar a ela – Peg disse. – Onde você viveu, Sunny?

                -Só aqui e com os Ursos – murmurei desanimada, como que percebendo que minhas chances de ficar aqui eram nulas. – Estive cinco vidas lá. Mas prefiro aqui. Eu não tive nem um quarto da expectativa de vida aqui!

                -Eu sei do que está falando – Peg tentava me tranqüilizar, mas não conseguia. Afinal, ela também era uma alma. E ela ia poder ficar aqui, o que eu julgava ser uma grande injustiça. – Acredite-me, eu compreendo. Mas há outro lugar para onde você gostaria de ir? As Flores, talvez? É bonito lá; eu conheço.

                -Eu não quero ser uma planta – resmunguei como uma criancinha no ombro dela.

                -As Aranhas – ela começou mas parou antes de terminar.

                -Estou cansada de frio – reclamei. Quero dizer, nos Ursos praticamente tudo era gelo, e eu passei 5 vidas lá; de forma que já havia enjoado disso. – E eu gosto de cores.

                -Eu sei – ela deu um longo suspiro. – Eu não fui Golfinho, mas ouvi dizer que é muito agradável. Cor, mobilidade, família...

                -São todos tão distantes – murmurei segurando as lágrimas que teimavam em cair. A tristeza era um sentimento tão ruim e tão imensamente forte! Como eu queria conseguir sentir alegria nesse instante... – Quando eu chegasse a algum desses lugares, Kyle estaria... estaria... – solucei e comecei a chorar novamente em seu ombro.

                Seriam meus últimos atos nesse planeta, então era justo que eu os fizesse da maneira que meu temperamento exigisse.

                -Vocês não têm outras escolhas? – Kyle estava quase entrando em desespero. Pelas memórias de Jodi eu me lembrei que ele simplesmente detesta o choro feminino, se sente triste e impotente. – Não há mais lugares lá fora?

                -Não para onde aquelas naves siderais estejam indo – ela disse num sinal de cabeça negativo, seu rosto numa máscara de desgosto. – Há muitos mundos, mas só uns poucos, os mais recentes, estão abertos à colonização. E eu sinto muito, Sunny, mas tenho de lhe enviar para longe. Os Buscadores querem encontrar os meus amigos aqui, e eles trariam você de volta, se pudessem, para você mostrar o caminho.

                -Mas eu nem sei o caminho! – exclamei soluçando. A raiva começava a me invadir, o que me deixava ainda mais triste. A raiva era o pior sentimento existente, junto com o ódio. Afastei-os para o mais longe que pude e expliquei minha exclamação anterior: - Ele tapou meus olhos.

                Kyle olhou para ela como se lhe implorasse alguma coisa, mas ela só pode encará-lo com desânimo.

                -Só tem os Ursos, as Flores e os Golfinhos – ela disse. – Eu não vou mandá-la para o Planeta do Fogo.

                Estremeci. Ela percebeu isso e tratou de ajeitar o mau entendido:

                -Não se preocupe, Sunny. Você vai gostar dos Golfinhos. Vai ser bom. Claro que vai ser bom.

                Solucei ainda mais forte. Não haviam mais lágrimas para derrubar. Minha garganta ardia de tantos soluços e eu sentia falta de água. Peg deu um longo suspiro e continuou:

                -Sunny, eu tenho de lhe perguntar sobre Jodi.

                Pude perceber que Kyle se enrijeceu.

                “Finalmente a parte pela qual ele se interessa”, gritou minha consciência de maneira acusadora. Apertei meus olhos por um instante e os abri de novo. A voz, felizmente,  havia sumido.

                -O que sobre ela? – resmunguei à contra-gosto.

                -Ela está... ela está aí dentro com você? Você pode ouvi-la?

                Ergui uma sobrancelha. Funguei e levantei minha cabeça para olhar Peg.

                -Não compreendo o que quer dizer – falei confusa. Bem, eu tinha as memórias de Jodi. Seria isso o que ela queria dizer com “ouvi-la?”.

                -Ela já falou com você alguma vez? – Peg exemplificou a pergunta com uma paciência que só as almas têm. – Você alguma vez já teve consciência dos pensamentos dela?

                -No meu... corpo? Pensamentos dela? – eu jogava as palavras chave sem entender aonde ela queria chegar. – Ela não tem nenhum. Sou eu quem está aqui agora.

                Ela assentiu e Kyle perguntou rouco:

                -Isso é ruim?

                Não sei o bastante para dizer – ela respondeu no mesmo tom de sussurro que ele. – Mas provavelmente não é bom.

                Do que eles estão falando? É claro que isso não é ruim; é o que acontece com todas as almas... não é?

                Os olhos de Kyle se estreitaram.

                -Há quanto tempo está aqui, Sunny? – Peg perguntou. A situação era tão tensa que eu nem me lembrava mais. Franzi o cenho enquanto tentava me lembrar. Ao perceber que aquilo não me levaria a lugar nenhum, perguntei:

                -Há quanto tempo, Kyle? Cinco anos? Seis? Você desapareceu antes de eu ir para casa... – e com isso eu queria dizer “antes de Mip e Sol me colocarem no corpo de Jodi para formarmos uma família feliz”.

                -Seis – disse ele cheio de certeza.

                -E que idade você tem? – Peg voltou a perguntar.

                -Vinte e sete – respondi.

                Ela pareceu surpresa.Bem que minha mãe dizia que eu parecia maravilhosamente mais jovem.  Kyle se exaltou um pouco e perguntou:

                -Por que isso importa?

                -Não tenho certeza, mas parece que quanto mais tempo alguém passa como humano antes de se tornar alma, mas chances tem de... conseguir uma recuperação. Quanto maior for a porcentagem de sua vida como humano, mais lembranças eles terão, mais ligações, mais anos sendo chamados pelo nome certo... Não sei.

                -Vinte e um anos são bastantes? – Kyle perguntou, agora em total desespero.

                -Acho que vamos descobrir – ela disse dando de ombros de maneira inconsciente.

                -Não é justo! – gemi. – Por que você consegue ficar? Por que eu não posso ficar, se você pode?

                Novamente, ela engoliu em seco.

                -Isso não seria justo – ela destacou o “não seria”. – Mas eu não vou ficar, Sunny. Eu também tenho de ir. E logo. Pode ser que a gente parta juntas.

                Eu não queria que ela fosse embora por minha causa. Aquilo fez com que eu me sentisse mau... falei aquilo da boca para fora, sem pensar nas conseqüências.

                -Eu tenho de ir embora, Sunny, assim como você – ela murmurou com a voz embargada. – Tenho de devolver o meu corpo também.

                Um silêncio desconfortável se seguiu então. Mas ele foi cortado por uma voz turva e grosseira, que reconheci ser de Ian:

                -O quê?

                O olhar de fúria que ele lançava na nossa direção me fez tremer de tanto pavor. Kyle se moveu ao meu lado visivelmente perturbado com a troca de humor repentina do irmão.

                -Ian? – ele chamou espantado. – Qual é o problema?

                -Peg – Ian chamou-a entre dentes com uma raiva notória. Seus olhos pegavam fogo quando ele estendeu a mão na frente dela. Apertei Peg mais forte mas ela nem pareceu ter consciência disso.

                Pude sentir o corpo de Peg tremer. Ian perdeu a paciência e andou a longos passos até ali, agarrando o braço de Peg com violência e puxando-a com força. Mas eu simplesmente não conseguia me soltar, de forma que acabei sendo puxada junto.

                Ao perceber isso, Ian sacudiu Peg com força e me fez cair no chão. Doeu um pouco, vou admitir; provavelmente haveria um hematoma ali. Kyle também perdeu a paciência com o gesto grosseiro do irmão e saltou à minha frente como forma de proteção, gritando:

                -O que há com você?

                Ian nem se preocupou em responder: ergueu o pé e chutou o rosto de Kyle com força, fazendo-o cair no chão.

                -Ian! – Peg gritou em protesto de maneira horrorizada.

                Corri para a frente de Kyle antes que Ian tentasse qualquer coisa e me joguei em cima dele. Caímos os dois no chão e ele gemeu. Peg estava com medo, dava para perceber.

                -Venha cá – Ian gritou enquanto a puxava rispidamente para fora da caverna.

                -Ian – ela murmurou. Mas não conseguiu dizer mais nada.

                Todos tinham uma expressão de espanto no rosto, e absolutamente ninguém sabia o que dizer. A ex-curandeira estava desmaiada na maca. Mas então Ian parou de andar: Jared estava bloqueando a saída.

                -Você ficou maluco, Ian? – ele perguntou com raiva também. Como podiam fazer tanto uso de um sentimento tão terrível quanto esse? – O que vai fazer com ela?

                -Você sabia disso? – Ian gritou mais cheio de raiva do que nunca, sacudindo o braço de Peg sem parar. Senti meus olhos se encherem de lágrimas e meu corpo todo se estremecer.

                -Você vai machucá-la! – Jared retrucou.

                -Sabe o que ela está planejando? – vociferou Ian sem se importar com o que Jared havia dito.

                Jared não conseguiu responder, o que obviamente o entregou. Ele sabia e não fez nada para impedir. Talvez também quisesse sua verdadeira amada de volta, assim como Kyle... Aquilo foi demais para o Ian. Ele ergueu o braço e deu um soco no rosto de Jared, que cambaleou deixando a passagem livre.

                -Ian, pare! – Peg o repreendeu.

                -Pare você – ele vociferou para ela.

Ele passou por ali arrastando Peg. Jared se ergueu também e saiu atrás dos dois enquanto gritava:

-O’Shea!!!

Afundei minha cabeça no peito de Kyle e comecei a chorar tremendo. Aquilo estava sendo demais para mim... eu nuca havia visto nenhuma violência, principalmente em tão grande escala como naquela briga. Senti a mão de Kyle afagar meu cabelos.

-Está tudo bem – ele murmurou. Olhei seu rosto ensangüentado.

-Oh, céus! – gritei horrorizada. – Kyle, eu tenho que dar um jeito nisso.

Toquei seu nariz e ele gemeu. Uma lágrima espessa rolou pelo meu rosto.

-Olha, Sunny... deixa o Doc cuidar disso, tá? – ele pediu calmamente tirando minhas mãos trêmulas de seu rosto.

Ele encarou minha perna.

-Você está ferida – falou.

Olhei para a minha canela e vi um longo arranhão molhado de sangue que chegava à altura do joelho.

-Nem está doendo – falei. Ou eu estava tensa demais para sentir. – Foi quando tentei te salvar.

-Você se sacrificou por mim – ele disse um tanto surpreso. Corei e assenti.

Ele esboçou um sorriso e me pegou em seus braços, me deitando na maca da caverna-hospital.

-Descanse – ele pediu sentando-se na maca ao meu lado. – Teremos um dia longo.

Senti um arrepio na espinha. O dia longo seria o dia em que eu deixaria de vê-lo para sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Deixem reviews, recomendem e mandem capas!!!

beeijos:*
bellafurtado



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sunshine" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.