O grande jipe estava em movimento, sempre respeitando a velocidade da via. O que não parecia um comportamento adequado para um humano. Minha felicidade por encontrá-lo era evidente. Ele olhou para mim de soslaio e deu um sorriso.

-Você parecia triste naquele dia – ele disse.

Assenti.

-Meu amigo... Olhos Entrelaçados. Eu o magoei.

Kyle negou com a cabeça.

-Você não é obrigada a amá-lo só porque ele te ama. Não é justo com você, Sunny.

Esbocei um sorriso.

-E seus pais? - ele perguntou. - Pude ver que eram os corpos dos pais de Jodi... Eles são realmente seus pais?

-De coração – expliquei. - Mil Pétalas e Segundo Nascer do Sol, são seus nomes. Quando eu fui colocada neste corpo, eles disseram que não era uma vida completa sem a filha de seus corpos. Eu achei um gesto bonito.

Ele assentiu. Pude perceber que era um assunto desconfortável para ele.

-Desculpe – murmurei.

-Sem problemas. Sunny... por que você não se assustou ao me ver?

Dei de ombros e admiti corada:

-Eu sentia saudades de você.

Ele deu um sorriso de lado.

-Jodi iria gostar de você... uma pena que não terão a chance de se encontrarem.

Olhei para ele confusa mas ele não disse mais nada. Parou às margens de um deserto e pegou um pano.

-Desculpe fazer isso, Sunny, mas é necessário. Só algumas regras que estabelecemos, sabe?

Assenti e ele colocou aquela faixa de tecido em meus olhos, me deixando cega por alguns instantes. Não era uma boa sensação a de não enxergar nada. Ainda mais por ele estar do meu lado. Eu queria ver seu lindo rosto, mas aquela faixa não deixava. Mas regras são regras; e eu não devo quebrá-las.

O jipe parou em um lugar escuro. A porta de Kyle se abriu, eu podia perceber com o som. Ouvi passos; provavelmente ele havia saído do carro. Meu coração se acelerou de pânico; mas logo depois, para o meu imenso alívio, a porta ao meu lado se abriu.

-Dessa com cuidado – Kyle pediu. Ele segurou meus ombros e me guiou por um caminho sob o sol escaldante.

Nós andávamos lentamente para que eu não tropeçasse. E aí o sol parou. Onde será que entramos? Demos algumas voltas e então ouvi uma voz de um homem mais velho falando:

-Kyle?

-Oi Jeb – Kyle disse acanhado.

-Ora, seu verme, como ousa voltar aqui?

Fiquei em estado de choque. Como podiam falar assim com ele? O que ele havia feito de errado? Será que iriam fazer algo contra ele. Senti meu corpo tremer e meu coração acelerar a um ritmo inimaginável.

-Jeb, você está assustando-a – Kyle se contentou em dizer.

-Quem é essa? - Jeb perguntou curioso.

-É Sunny.

Senti a venda em meus olhos sendo retirada.

-Traga a garota com você.

-Por quê?

-Vou reunir um conselho. Você não podia ter feito isso, arriscou a vida de todos nós.

-Mas Jeb...

-Cala essa sua boca enorme, Kyle.

Jeb saiu andando por uma abertura na rocha que deveria ser a parede. Havia ali uma fonte com um cheiro desagradável, sem falar que tudo era feito de rochas. Estou numa caverna?

Três homens surgiram pela abertura na pedra que funcionava como uma porta.

-Seu imbecil! - rugiu um moreno de olhos claros.

-Olá para você também, Jared.

-Como pôde nos arriscar desse jeito só para ir atrás de uma pessoa que você nem tem certeza de onde está; não tem certeza nem mesmo de que ela ainda existe?

Eu o encarei tremendo, segurando-me a Kyle. Ele olhou para trás notando meu pânico. Estendeu seus braços e virou as palmas das mãos para trás, num sinal evidente de proteção. Aquela caverna já estava cheia de gente. Não gente como eu: outros humanos. Uma resistência. Fiquei ainda mais assombrada; eles iriam nos matar.

-Ora seu imbecil! - gritou um homem que acabara de chegar. Ele se parecia um pouco com Kyle.

-Ian, mantenha a calma, por favor...

-Igual você mantém a calma com Peg? - Ian perguntou com raiva.

-Ian, por favor...

Ian deu um grito de raiva e se apoiou na parede com os braços cruzados, os ombros rígidos pela tensão.

Olhei de soslaio para duas mulheres de cabelos extremamente vermelhos que pareciam se divertir com a situação. Como alguém pode gostar de todo esse desentendimento? Enquanto isso, o tal Jared continuava a gritar com Kyle, por vezes até tentando alguma agressão física. Kyle e eu estávamos encurralados contra a parede da caverna, todos gritando de maneira ameaçadora para ele.

Eu estava cada vez mais assombrada com tudo isso. Eles iriam nos matar. Não teriam piedade. Agarrei Kyle com mais força, temendo a violência de Jared contra ele. Os outros dois homens que haviam chegado com Jared só olhavam a discussão sem saber o que fazer; deviam ser amigos do Kyle.

-Aaron, Brandt – Kyle falou suplicante.

O mais alto, Aaron, deu de ombros e falou:

-Foi mal, cara. A gente não pode fazer nada por você. Você nos deixou na mão.

Jared ao ouvir isso ficou ainda mais bravo e avançou em Kyle, que se contentou em dizer com sua voz grave:

-Apenas acalme-se, ok? Para trás, Jared, está assustando ela!

Um garoto de mais ou menos 15 anos agarrou o braço de Jared pedindo calma. Ele seria um bom amigo em meio a essa resistência de humanos furiosos. Eu observava toda aquela gente com os olhos arregalados de medo. Eles vociferavam com raiva perguntas:

-Em que você estava pensando?

-Como você se atreve?

-Por que voltou, afinal?

Eu podia ver dois homens com a expressão ligeiramente calma que se encontravam no fundo. Um deles era o grisalho Jeb, mas o outro eu não tinha ideia. Uma pequena mulher de cabelos curtos e negros era quem mais despejava perguntas terríveis contra Kyle.

E então ele olhou para frente, focalizando uma bela mulher bronzeada de olhos claros e cabelos castanhos lisos e compridos.

-Peg? - ele a chamou, uma centelha de esperança brilhando em seus olhos azuis intensos. - Finalmente você chegou! Pode me dar uma ajudinha aqui, por favor?