A vez de Lacey escrita por Camélia Bardon


Capítulo 8
Narciso


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! O capítulo de hoje é mais curto porque a Hadley e a Isla trabalham quase com a mesma coisa, então meio que é dois em um.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801325/chapter/8

Por muito mais do que apenas alguns dias Lacey agradeceu por Hadley e Isla terem deixado as pernas de pau de lado para concentrar-se em outras carreiras – além de morrer de medo de cair, Lacey ficaria paralisada pela vertigem. Lacey não conseguia imaginá-las no auge dos 24 anos afugentando os convidados com seus projetos mirabolantes e potencialmente homicidas. Lacey tinha o palpite de que grande parte do “sossego” das gêmeas tinha a ver com as altezinhas. Hadley e Isla eram fissuradas nas sobrinhas – e não era para menos, as três também eram fascinadas nas tias.

Com as expansões do reino, alguém tinha de se certificar de que tudo estava correndo como deveria. Por esse motivo, as tarefas foram divididas entre as mais velhas e, quando as mais velhas cresceram, as mais novas se prontificaram para assumir outras. Era o caso das gêmeas, que trocaram as pernas de pau por engenharia civil e arquitetura. Não é como cortar e medir madeira, diziam elas, porém é divertido de se fazer cálculos do mesmo jeito. Só de pensar em cálculos Lacey já sentia as pernas bambas, ainda assim optou por acompanhar o trabalho das irmãs.

Hadley planejava a reconstrução de um prédio que oferecia risco às famílias, então Isla a adaptava para o papel e executava. Por vezes eram convocadas por outros reinos para fazer intervenções ou optar em projetos de construções, e o faziam com prazer. A única coisa que ainda era uma incógnita aos olhos de Lacey era como poderia duas garotas tão hiperativas ter o autodomínio de sentarem e estudarem sempre que necessário?

Bem, Lacey raciocinou, talvez precisemos fazer alguns sacrifícios em nome de nossas paixões... Ou, talvez, tenhamos de sucumbir a elas quando a hora é chegada. Lutar contra uma grande paixão seria esmurrar um saco de pancadas sem luvas. Ou, como diriam as línguas experientes, “dar murro em ponta de faca”.

Com sua temível prancheta, Hadley – a número 8, a Bruxa Má do Oeste e por muitas vezes a tia Haddy – caminhava por entre as casas e recebia reverências dos súditos com profundo respeito. Não acostumada com aquele tratamento, Lacey não tinha outra opção a não ser imitá-la com um sorriso constrangido. Ao chegarem ao local da nova construção, um complexo de “casas geminadas”, como Hadley chamava, Lacey observou com admiração.

— Por que são casas geminadas? — ela indagou, franzindo a testa com leveza.

— Porque a estrutura é a mesma, para casas diferentes... Seguindo o mesmo modelo lado a lado, podemos economizar espaço e, principalmente, dinheiro. Muitos estavam abandonando o reino por conta das taxas de uma casa ora muito pequena, ora muito grande — Hadley explicou, trocando o peso dos pés. — Depois de conversarmos com a Ashlyn, vimos que era bem melhor aplicar esta solução. Com déficit de impostos, a economia do reino cai, afinal de contas.

— Sei...

Disso, Lacey entendia apenas o básico. Seria pior querer interromper o fluxo de ideias de Hadley. Era muito arriscado, com aquela prancheta por perto.

— Algumas casas caíram pelo solo impróprio... Pretendemos realocá-las para um local mais seguro. Enquanto isso, fornecemos moradia e alimentação.

— Que incrível — Lacey piscou, assimilando tudo que ouvia. — É possível determinar o quão estável é um terreno para se construir prédios nele com cálculos?

— Sim — Hadley riu, mostrando-os a Lacey. Esta arregalou os olhos e permaneceu observando-os como se estivesse hipnotizada. — Esta disciplina se chama “Agronomia”. É um pouco complicado lidar com tudo, mas antes isso do que fazendo de qualquer jeito e tendo que fazer a mesma coisa duas vezes.

— Fascinante...

Hadley sorriu, ajeitando a postura.

— Sua tarefa é me ajudar a descobrir qual a renda dos moradores daqui... Fazer um inventário do que foi perdido e saber como podemos ressarcir o valor. Dependendo de qual for sua profissão, serão realocados para uma propriedade equivalente à que moram. Seja agradável, faça com que se sintam confortáveis... Já servirá de muita ajuda.

Lacey assentiu animadamente. Ser agradável é fácil! Hadley, então, bagunçou os cabelos meticulosamente presos da irmã, fazendo com que Lacey soltasse um resmungo com as bochechas coradas. Rumando para encontrar-se com os camponeses, ela perguntou-se por que é que nunca havia o feito antes. Se esse era o requisito – ouvir e amabilidade –, Lacey poderia considerar-se útil nesse sentido.

— Bom dia — ela sorriu após arrumar os fios de cabelo que haviam se desalinhado. — Sinto muito por suas perdas... Estamos aqui para ajudar.

— Bom dia, Alteza — o mais velho (porém que não parecia ser o pai das crianças que se escondiam atrás dele) realizou uma reverência cuidadosa. — Agradecemos pelo auxílio... Não contávamos com aquela chuva de granizo do mês passado.

— E nem nós... Diversas janelas do Palácio ficaram prejudicadas, bem como as residências adjacentes dos criados.

Ele assentiu com a cabeça, tristonho. O cansaço era visível através de suas bolsas abaixo dos olhos em tom arroxeado.

— Meu nome é Lacey — ela sorriu, acenando uma mão para o casal de pequeninos atrás dele. — Por favor, quais são os nomes de vocês?

As crianças olharam para o mais velho, como se pedissem permissão para falar. Afinal de contas, não é todo dia que se fala com uma princesa, não é mesmo? Confirmando com um meneio de cabeça, ele colocou as mãos sobre os ombros dos dois.

— Estes são Miles e Maren. E eu sou Dash, sou irmão destes dois. Cuido deles desde que nossos pais morreram por conta de uma tuberculose.

— Oh... Meus sentimentos — Lacey murmurou com sinceridade. No entanto, ao ouvir o “oi” tímido dos irmãos, seu sorriso de praxe voltou a estampar o rosto da princesa. — Minha mãe também faleceu quando eu era muito nova. Bem... Muito prazer em conhecê-los! Então, estou aqui para saber mais um pouquinho do que vocês fazem para se divertir por aqui. O que acham?

Maren parecia ser a mais extrovertida dos dois, então concordou primeiro. Era notável o respeito que ela tinha pelo irmão mais velho, sempre o olhando de soslaio buscando confirmação. Após Dash sorrir para os dois e para Lacey, os dois aceitaram as mãos que lhe ofereciam. Lacey, por outro lado, sorriu de lado com as bochechas coradas.

Após estabelecer confiança entre os pequeninos, Maren conduziu-a pela mão pelos arredores do vilarejo. A garotinha contou sobre o ofício do irmão, que era minerador – “como o papai era”, acrescentou Miles. Quando não estavam estudando – “com o senhor Paul, Alteza” –, ambos se ocupavam de brincar com as crianças que ficavam aguardando os operários. Lacey compreendeu que havia certa união em nome da mesma causa entre as crianças, independente do quanto o pai ou responsável em questão ganhava monetariamente. Com um pouquinho de insistência, Lacey foi bem-sucedida em descobrir que Dash e eles conseguiam levar a vida todos os meses, porém não com folgas. Anotando tudo em sua prancheta, Lacey devolveu-a com satisfação. Nada tão satisfatório, claro, do que voltar para casa e ter para quem contar os feitos heroicos.

— Me senti parte de um todo — Lacey dividiu para o jardineiro, enquanto dividiam a leitura do cuidado de orquídeas. Lacey surpreendeu-se por ele também não saber manejá-las. Ao relembrá-la de que era uma flor tropical e que não estavam no clima exatamente adequado para seu cultivo, Luke sorriu de escanteio e proferiu um singelo “acredito que a senhorita superestime meus conhecimentos, Alteza”. — Quer dizer... Útil de verdade, sabe? Não só um peso agradável de ser carregado. Acho que posso fazer isso dar certo.

— Quer dizer que passará mais tempo fora, Alteza? — Luke perguntou num tom cuidadoso.

— Ainda não sei. Não posso dar um veredito sem ter experimentado todos os ofícios.

— Ah, isso é justo.

— Obrigada! Mas devo confessar que estou apostando minhas fichas neste em específico. Foi tão bom conversar com as crianças e o senhor Dash. Ele é um homem muito gentil e prestativo.

Luke assentiu com a cabeça, virando desinteressadamente uma página da Enciclopédia Botânica.

— Oh, é mesmo?

— Sim! Foi bem mais fácil fazer perguntas pessoais. Hadley disse que nem todos reagem bem a perguntas pessoais.

— Imagino que será muito agradável para a senhorita, Alteza, se o senhor Dash acompanhá-la nesses casos com sua gentileza notável.

Lacey olhou-o de canto, curiosa com a nova reação. Escondendo um sorriso atrás do livro, Lacey acompanhou com seu caderno de anotações em mãos.

— Certamente que sim. Poderia me ajudar hoje, se estiver com o tempo?

— É claro, Alteza. Do que precisa?

— Poderia me acompanhar até a floresta aberta? — Lacey sorriu com timidez. — Preciso de amostras de narciso e de lírio-do-vale para meu projeto... Seria ótimo contar com boa companhia...

Luke levantou-se de prontidão, deixando a boina cair uma vez mais. Lacey levou uma mão à boca para ocultar a risada. Ele tratou de ajeitar-se como se nada tivesse acontecido.

— Vejo que tenho um competidor à altura em matéria de desastres inocentes — Lacey comentou em tom bem-humorado.

— A senhorita não faz ideia, Alteza. Temo dizer que eu tenha uma segunda personalidade organizada e cuidadosa.

— Conte-me tudo no caminho!

Luke sorriu, estendendo um braço para que Lacey tomasse a dianteira na caminhada.

O dia estava mesmo brilhante e produtivo... Nem mesmo uma chuva de granizos a preocuparia agora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O ciúme hihihi
Até o próximo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A vez de Lacey" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.