Entre Fogo e Gelo escrita por Nc Earnshaw


Capítulo 15
Quem é a vadia inútil?




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Capítulo 14

por N.C Earnshaw

 

PAUL SENTIU SEU CORPO despertando aos poucos. Espreguiçou-se e abriu os olhos lentamente, acostumando-se com a claridade do quarto. Por alguns segundos, a noite anterior ficou esquecida no fundo do seu cérebro adormecido. No entanto, rapidamente, sua memória voltou como um soco no estômago.

Era noite, e ele estava voltando da casa de Sam depois de ter jantado. Assim que passou da porta, xingou baixinho ao perceber que seu pai estava na sala podre de bêbado com uma garrafa de cerveja na mão e várias outras jogadas ao seu redor. Vendo o estado em que ele estava, Paul resolveu ignorá-lo e ir direto para o quarto, mas o pai gritou ordenando que ele voltasse. O lobo se lembrava de respirar fundo para se acalmar quando foi atingido por uma garrafa na cabeça. Ele se virou sangrando, e foi recebido com socos e pontapés. O pai estava totalmente descontrolado. Ele tentou se conter. Entretanto, a raiva que estava sentindo era tanta, que quando viu, já estava transformado. A única coisa que ele conseguiu enxergar através da névoa, foi o pai jogado no chão com sangue escorrendo pelo seu corpo.

Ele lembrava de voltar a forma humana e pegar um pano para estancar o sangue que jorrava. Então ela chegou. Paul não sabia como ela tinha ido parar ali tão rápido, mas ela foi tudo que ele precisava naquele momento. 

— Bom dia! — cumprimentou Wendy, sorrindo. Ela estava sentada ao lado dele em uma das cadeiras velhas que usavam na mesa da cozinha. 

— Isso está se tornando comum entre nós. — Ele passou a mão no rosto, sentindo seu interior se contorcer com a verdade daquelas palavras. Era bizarro o seu azar.

— Parece que sim — concordou ela, piscando o olho. — Mas eu espero que essa seja a última vez. 

— Pode apostar que eu também. — Paul se sentou na cama e apoiou as costas na cabeceira da cama. 

— Se você quiser saber notícias sobre o seu pai… — sugeriu Wendy timidamente. 

— Quero. 

— Carlisle me ligou e falou que ele está bem. Perdeu bastante sangue e provavelmente vai ter uma cicatriz, mas está vivo. Não é o importante?

Paul franziu o cenho. 

— Eu sei que quer saber o que aconteceu. — Ele a encarou sem disfarçar

— Eu não...  — titubeou a vampira, desviando o olhar dele. — Não precisa me contar agora. Pode me falar depois. 

Ele assentiu devagar, observando o rosto que o tirou do inferno em um dos piores momentos da sua vida. 

— Como conseguiu? 

— Consegui o quê? — indagou ela, confusa. Além disso, estava um pouco envergonhada com o modo intenso que ele a fitava.

— Como conseguiu resistir aquele tanto de sangue? — Ele torceu o nariz ao lembrar do cheiro forte de ferrugem.

— Esperava o quê? Que eu saltasse em cima do seu pai e bebesse cada gota do sangue dele com você ao lado? — retrucou ela, irritada. Entretanto, ao perceber a expressão no rosto dele, arrependeu-se. — Sinto muito. Paul, me desculpa. Eu… Eu não pensei muito no sangue quando cheguei aqui. Eu te vi ali, desesperado, com seu pai morrendo, e só pensei em te ajudar. Só pensei em te consolar.

Paul deu um sorrisinho de canto ao ouvir a confissão dela, e abriu a boca para provocá-la. 

— Sam está chegando. — Ela se endireitou na cadeira. Não confiava em Sam por completo.

Batidas soaram por todo o quarto, e Paul gritou para que ele entrasse. O brilho que tinha surgido durante a conversa se extinguiu no mesmo segundo.

— Vim ver como você está. — Sam encostou seu corpo ao lado da porta. O quarto não era tão grande para que coubesse os três. Além disso, não queria ficar espremido naquele local com uma vampira, por mais que estivesse começando a simpatizar com ela. — Eu estava no hospital, mas tive que voltar pra trocar de roupa. 

— Estou bem — afirmou Paul, jogando a coberta para longe e se virando na cama para colocar os pés no chão. — Ele já pode receber visitas? 

— Paul. — O alfa encarou Wendy de esguelha, em alerta por ela estar se movimentando. — Não vou perguntar o que aconteceu, porque já sei o bastante. Mas está controlado para ir a um hospital cheio de humanos? Já nos arriscamos o bastante levando seu pai até lá. 

— Estou — confirmou ele, erguendo-se e abrindo o armário. 

— Qual foi a história que inventaram? — Wendy deu espaço para o homem enorme vasculhar seu guarda-roupa. 

— O Dr. Cullen nos recebeu assim que chegamos. Ele assumiu o caso, e não tivemos que dar muitas explicações. Nos papéis colocaram que foi ataque de animal — contou Sam, cruzando os braços. — Obrigado, se você não tivesse ajudado, nós estaríamos com muitos problemas.

Wendy assentiu, surpresa com o agradecimento. E Paul não resistiu a rir baixinho ao ver a interação desconfortável que ocorria entre os dois. 

— Vai mesmo ao hospital? — conferiu ela, olhando para Paul. 

Ele tirou os olhos da camisa que segurava para encará-la. 

— Vou. 

— Preciso passar em casa para trocar de roupa e pegar o carro. Nos vemos lá? — quis saber ela, ansiosa por ter que deixar ele por algum tempo. 

— Tudo bem. — Ele voltou a fuçar o guarda-roupa, procurando achar algo que não estivesse fedendo ou rasgado. 

Ela levou a mão à boca e mordeu a unha do dedão, passando o olhar de Sam para Paul. 

— Vou esperar lá fora — avisou Sam, saindo do quarto para dar privacidade a eles. 

— Quer ajuda? — Ela se colocou ao lado dele.

— Não precisa — resmungou, jogando umas peças no chão. 

Wendy lançou um olhar sujo. Irritada, empurrou-o para o lado, fazendo com que ele rosnasse. Estava indignado com a intromissão.

— Aqui! — Animada, ela balançou uma camisa preta de mangas compridas sem detalhes e uma calça jeans azul com rasgos nos joelhos. — Isso vai ficar bom. Precisa de mais alguma coisa? 

Paul lambeu os lábios, fingindo estar pensativo. 

— Vai me ajudar a escolher uma cueca?

Wendy arregalou os olhos, exasperada com sua audácia. Ele apenas riu. 

— Vai se ferrar — disse ela antes de desaparecer.

O sorriso que ele tinha no rosto se desfez quando percebeu que ela tinha sumido. 

   ☀

— Eu posso saber por que droga eu não posso ver meu pai? — perguntou Paul, enfurecido. — Me falaram que ele estava bem! Eu exijo ver ele agora!

A recepcionista do hospital estremeceu e olhou ao redor, procurando por algum segurança. A raiva que ela viu nos olhos daquele homem a deixou aterrorizada. 

— Paul. — Sam agarrou o braço dele. — Pensei que você tivesse dito que ia ficar calmo. 

Ele bufou alto, e se afastou da mesa dando as costas para ela e Sam. 

— Me desculpe pelos modos do meu amigo. Ele só está nervoso com o estado do pai. — O Uley tentou acalmar a situação e não chamar mais atenção do que já estavam. 

— Tu-tudo bem — titubeou a mulher rechonchuda de cabelos escuros. — Eu entendo completamente. Mas não posso deixá-los entrar, senhores. Como falei antes, o paciente não está disponível para visitas. 

— E você pode nos informar quando vai ser isso? — O alfa virou a cabeça por um momento para garantir que Paul não estava surtando atrás de si.

— Não posso informá-los com certeza, mas acho que em um ou dois dias. 

— Acho que em um ou dois dias — resmungou o Lahote, afinando a voz para imitá-la. 

A mulher ficou constrangida ao ouvir a péssima imitação da sua voz. 

— Não tem como abrir uma exceção? — Sam deu um sorrisinho charmoso para a senhora. 

— Não — afirmou ela secamente ao ouvir os impropérios que Paul rosnava, atraindo olhares de todas as pessoas que passavam por ali. 

O Uley fechou a cara e arrastou Paul pelo braço até a entrada do hospital, que se conteve ao ouvir o rosnado de advertência do seu alfa. 

— Eu deveria voltar lá pra dentro e dizer umas poucas e boas para aquela mocreia horrorosa! “O paciente não está disponível para visitas”. Ah, que ela vá para o inferno! Vadia inútil. 

— Paul… — começou Sam, passando a mão no rosto para se acalmar. 

— Quem é a vadia inútil?

Os dois se viraram e viram Wendy se aproximando com uma expressão curiosa no rosto. 

— Espero que você não esteja falando de mim, Paul — brincou ela, parando ao lado deles. 

— Dessa vez não é de você. — Paul a checou de cima a baixo, pensando em como a cor azul ficava linda nela.

Ela arqueou uma das sobrancelhas.

— Chegaram há muito tempo? — Ela fez questão de ignorá-lo.

— Há um tempinho — admitiu Sam. — Não nos deixaram entrar. 

— Ah!

— É só isso que você diz? Ah. — manifestou-se o Lahote, irritado. — Aquela vadia não nos deixou entrar!

— Nossa, você está com um humor do cão! — Wendy deu um tapinha no ombro dele. — Não estava assim quando eu saí. 

Paul sorriu sarcástico. 

— Eu não estaria assim se aquela vadia tivesse…

— Ei! — Ela semicerrou os olhos. — A Mary é um amor, tá legal? Não a chame desses nomes.

— Então você conhece a recepcionista? — inquiriu Sam. 

— Meu pai trabalha aqui, conheço todo mundo. — A vampira deu de ombros. Era a verdade, afinal. Gostava de visitar seu pai no trabalho.

— Vocês deveriam ter esperado por mim. Carlisle avisou que eu estava vindo e arrumou uma brecha. 

— E só avisa isso agora? — revoltou-se Paul, jogando os braços para cima. 

Wendy encarou-o por alguns segundos e entrou no hospital cumprimentando a todos que via no caminho. Os dois grandalhões a seguiram. 

— Oi, Mary! Tudo bem? — A garota se aproximou da recepcionista com um sorriso largo.

— Wendy! —  O semblante da mulher se iluminou, encantada com as covinhas profundas no rosto da Cullen. Ela era uma “criança” adorável. — Estou bem sim, querida. Posso te ajudar em alguma coisa?

— Está vendo meus amigos ali atrás? — disse ela, apontando. — O pai de um deles sofreu um ataque de animal ontem a noite, e estamos querendo visitá-lo.

— Sinto muito, querida. Mas, como eu disse a eles agora há pouco, esse paciente não está disponível para visitas. 

Wendy fez um biquinho triste e deixou os ombros caírem. 

— Tudo bem, Mary, eu entendo completamente. Vou agora mesmo ligar para o meu pai e…

— O Dr. Cullen? — Mary corou furiosamente ao ouvir o nome do médico. 

— Sim — confirmou ela, virando um braço para trás e fazendo um joinha para os lobos. — Ele me falou que ia liberar nossa entrada aqui, mas parece que ele não teve tempo.

— Ah, querida, se o Dr. Cullen permitiu, não tem nada que eu possa dizer. — Ela se empertigou, arrumando-se na cadeira. — Vou dar a permissão.

No mesmo instante, a recepcionista entregou para Wendy três crachás com um sorriso imenso no rosto. Paul, que estava mais atrás, olhou em choque para a cena. 

— Muito obrigada, Mary — agradeceu a vampira, animada. — É sempre um prazer encontrá-la. 

A mulher enrubesceu mais ainda de prazer.  

— Não é nada, Srta. Cullen. — Ela balançou a mão timidamente. — Sempre que precisar.

Wendy sorriu e se virou, transformando o sorriso doce em malicioso. 

— Wendy? — chamou a mulher quando ela ia se afastando. 

— Sim? 

— O quarto é o 312. 

Ela assentiu. 

— Vamos.

Wendy os guiou até o quarto, passando pelos corredores e falando com todos os funcionários alegremente. 

— Puxa saco — disse Paul entre dentes, esbarrando nela. 

— É esse o quarto? — perguntou Sam ao pararem em frente a uma porta. 

—  É… — Wendy olhou de canto de olho para Paul, que segurava a maçaneta.

Ele respirou fundo e abriu a porta. E a visão que teve embrulhou o seu estômago. 

O quarto era pequeno e completamente branco. Ao lado do leito havia uma poltrona bege, provavelmente para algum acompanhante. Daniel estava cheio de máquinas ao redor, com o tórax todo enfaixado e com uma aparência frágil que ele nunca tinha visto — nem quando a mãe tinha os abandonado ou quando ele ficava tão embriagado que desmaiava. 

Paul sentiu a culpa o corroendo. Era o culpado por seu pai estar naquela situação. Também sentia raiva do velho, claro. Se ele não tivesse o atacado, se ele não tivesse sido tão violento para Paul durante toda sua vida, se tivesse o criado com carinho e amor, se a mãe dele não tivesse o deixado, tudo poderia ter sido diferente. Ele não seria aquele cara cabeça-quente que era movido pela raiva, e não teria quase matado seu próprio pai. O problema era que aquela não era a primeira vez que ele tinha perdido o controle.

Wendy, ao perceber o corpo dele trêmulo, resolveu se arriscar e consolá-lo. Envolveu a mão grande na sua, e apertou como forma de apoio. Ele a olhou de canto e depois para suas mãos unidas, mas não retirou sua mão ou falou algo. O contato da pele fria dela na dele era gostoso de sentir, e o acalmava. 

Ela sentiu seu peito aquecer ao perceber que não tinha sido rejeitada.

— Sabe se ele já acordou alguma vez? — interrogou Sam, quebrando o transe deles. 

— Quando Carlisle me ligou mais cedo, disse que não. — Wendy estranhou a cara de preocupação que o alfa tinha feito. 

— Acha que ele vai ser liberado logo?

Ela deu de ombros. 

— Eu ferrei com tudo — sussurrou Paul, encarando o rosto do pai com raiva. 

— Como assim? Não ferrou nada, seu pai está bem. — Ela acariciou o braço dele com a mão livre. 

— O problema... — contou Sam, indo para o lado oposto do quarto. — é que não podemos ter certeza que ele não vai dar com as línguas nos dentes. As pessoas não vão achá-lo uma fonte confiável, mas vai plantar suspeita. Se formos descobertos, não sei o que pode acontecer. 

Wendy arregalou os olhos. 

— Ele não sabia? Por que acham que ele vai falar? É o seu pai!

— Não tinha certeza — revelou Paul, olhando para ela. — E não podemos confiar num bêbado. Da próxima vez que ele tomar uma e sair por aí, vai contar nosso segredo. 

Um clima tenso se espalhou pelo quarto e Wendy mordeu o lábio inferior, nervosa. 

— Eu posso ajudar — confessou ela, chamando a atenção dos dois. 

Os lobos lançaram olhares céticos. 

— Ao menos que você possa fazer ele esquecer o que viu, não vejo como poderia ajudar. — Paul desvencilhou sua mão da dela, meio irritado. 

— Eu posso — afirmou ela. — Posso fazer ele esquecer. 

— Jacob nos contou que a sua família tem poderes — expôs Sam, duvidoso. — Mas ele só citou dois dos seus irmãos. 

Wendy suspirou ao perceber os olhares incrédulos. 

— Bem, alguns de nós tem poderes, como vocês já sabem pelo Jacob. Carlisle acredita que são características que tínhamos quando éramos humanos, mas eu duvido muito. — Ela apoiou um lado do quadril na cama. Não gostava de pensar que, de alguma forma, foi manipuladora em sua vida humana. Lembrava de ser uma boa líder no orfanato, e convencer as pessoas a fazerem o que ela queria, mas tudo inocentemente. Apenas queria coisas melhores para aquelas crianças. — Na minha família, quatro de nós tem poderes. Edward lê mentes, Alice vê o futuro, Jasper controla emoções e eu…

Ela hesitou com medo que Paul a achasse mais bizarra do que antes. 

— E você? — incentivou ele, olhando fixamente nos olhos dela. 

— Controlo pessoas. Eu peço e elas fazem. Se eu pedisse para um de vocês pular de uma ponte, vocês pulariam. Apenas preciso estar em contato direto com a pele e mandar. 

Sam pareceu ficar assustado, mas tentou disfarçar. Ela evitou olhar para Paul e ver o que ele estava sentindo. 

— Foi o que você fez ontem para me colocar para dormir? — murmurou ele.

— Sim, sinto muito. Queria que descansasse, e você não conseguia dormir depois de tudo. Prometo nunca mais fazer isso, a não ser, claro, que você peça.

— Eu aceitei. — Ele não pareceu se importar.

— Então não se importa que eu tenha poderes?

Ele riu baixo. 

— Acho até legal. Não é a coisa mais bizarra sobre você. 

Wendy ergueu a mão fechada em punho e deu um soquinho suave no ombro dele. 

Paul fingiu uma expressão de dor e ela revirou os olhos. 

— Com licença. — Uma voz soou atrás da porta. Era Carlisle. 

A vampira se adiantou para recebê-lo com uma abraço, e o médico bagunçou os cabelos dela ao se afastarem. 

Os dois lobos estavam tensos com a presença do vampiro. E Paul o encarava, cauteloso.

— Contei a eles sobre os meus poderes — avisou ela. — O Sr. Lahote não vai guardar segredo sobre a existência dos lobos.

Ele assentiu, entendendo a situação rapidamente. 

— Então acho melhor acordarmos ele logo.

 


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