Alfred subiu as escadas apressado, com uma velocidade que não tinha há alguns bons anos. Quando alcançou a maçaneta da porta estava esbaforido e com suor escorrendo pela testa – a tez branca parecia uma vela derretida.

O mordomo da Mansão Wayne poderia ser descrito como um verdadeiro lorde, incapaz de deixar o desespero arruinar sua fachada de tranquilidade – muitas vezes resignado com o destino. Entretanto, o jovem Damian estava testando seus limites: ele era um verdadeiro “gerador de preocupação” até mesmo mais do que o pai.

O anoso abriu a porta lentamente, com medo de ver o que havia por trás dela.

Quando chegara à Mansão, foi primeiro até a cozinha. Queria ver a bandeja com seus sanduíches vazia, em sinal de que o caçula da casa estava acordado mais uma vez. Entretanto, viu tudo revirado: garrafa de vinho quebrada no chão, cheiro de coisas queimadas, embalagens espalhadas. Em suma: viu um campo de guerra, salve por seus sanduíches de pepinos, exatamente no mesmo lugar.

No quarto amplo, as luzes estavam acesas e as “crianças” estavam bem e despertas.

Alfred finalmente respirou aliviado, se dando ao luxo de enxugar as gotículas de suor antes de entrar.

Damian estava deitado de bruços na cama, estava com o controle do videogame nas mãos e parecia estar concentrado no que fazia. Ao lado dele, como um espelho que mostra o futuro, Bruce estava na exata mesma posição – ambos mantinham a boca entreaberta, olhos vidrados e mexiam as sobrancelhas de acordo com as ações da partida. Em cima deles eles, com as costas sobre o pai e as pernas sobre o irmão, Richard estava se entupindo de batatinhas enquanto assistia à partida. Jason, sentado no chão e recostado na cama, se deliciava com uma mistura de sorvete e pipocas caramelizadas, permitindo-se comentar sobre tudo:

— Não, Damian! Você tem que pegar os atalhos! — Ele dizia com a boca cheia — Ah, B! Não é justo, você já decorou o caminho mais curto dessa pista!

— Só estou mais bem preparado — o pai se justificou.

— Mesmo assim: não é justo!

— Aceita logo que vai perder a aposta, Jay — Dick sorriu de canto.

— Eu fui enganado! Como eu ia saber que o B curte Dirt Rally?

— Eu não gosto, apenas me preparo... — novamente, Bruce se justificou.

— Parece que gosta sim, pai! — Damian comentou risonho, dos três era o único desinteressado no resultado da competição.

— Eu só...

— Só gosta de se preparar para eventuais partidas de videogame — Alfred falou pelo Patrão, sorrindo de canto ao finalmente ser notado por todos — Imagino que os cavalheiros acordaram bem cedo, só assim conseguindo comer tantas “porcarias” no começo do dia.

— Vimos o sol nascer — Dick comentou, virando o pacote de batatinhas para conseguir comer os farelos — Alfred, pode pegar mais uma para mim?

— Eu quero licor! — Jason disse e enfiou mais um pouco de pipoca com sorvete na boca, estava concentrado na partida — Por ai não, pirralho! Chega! Você é péssimo, me dá esse controle!

— Mas Jason... — o mais novo disse manhoso.

— Jason, ainda está na vez do seu irmão. Espere até ele perder para ser sua vez — Bruce interveio com a clássica regra dos jogos.

— Alfred... — como última tentativa, o “irmão do meio” olhou para o mordomo suplicando por uma oportunidade de se sair melhor que os outros. Chegava a fazer beicinho.

— Senhores, creio que este seja o fim da partida. — O mais velho caminhou e ficou na frente da TV. Todos suspiraram já imaginando o que viria, excerto por Damian, que não fazia ideia se deveria deixar o controle de lado ou continuar jogando, como o pai estava fazendo. — Se estão acordados e alimentados... mal alimentados, aliás, vocês podem ir se lavar e se aprontar para um café-da-manhã em família que será servido em... — o mordomo checou o relógio de pulso, ainda não eram nem seis da manhã — ... quarenta minutos.

— Ouviram o Alfred, rapazes. Para o banho, todos os três... — Disse Bruce.

— Exatamente, Patrão Bruce, todos para o banho.

— Eu vou treinar um pouco antes e... — Antes que o “pai exemplar” conseguisse se justificar melhor, Alfred desligou o videogame — ... trinar lá fora, Alfred. Eu não iria ficar jogando, se é o que pensou.

— Tenho certeza mais do que absoluta que pode ficar um dia sem seu treinamento, principalmente porque está chovendo lá fora — O mordomo encarou o patriarca com um tom cansado — E, além disso, alguém precisa ajudar Damian no banho enquanto eu limpo toda essa bagunça.

— Eu estou fora... — Jason avisou enquanto se levantava. Ele bateu as mãos contra a roupa para tirar os farelos – inútil, já que só piorou tudo com o melado das pipocas — ... Droga de ter que tomar banho todo dia — murmurou, tirando a camisa enquanto saia do quarto.

— Eu acho mesmo que estou precisando de um banho... — Dick reconheceu: sair de uma patrulha e apenas trocar de roupa nunca era uma boa ideia. Ele se levantou tentando ao máximo não apoiar peso algum sobre Damian.

— Até eu preciso de um banho, senhor Pennyworth? — Damian encarou o mordomo.

— Claro que sim, jovenzinho — O mordomo sorriu, indo ajudá-lo a se levantar. Comparado com os irmãos, ele não estava tão sujo, mas ainda assim tinha farelos até mesmo no cabelo, assim como uma mancha de sorvete na bochecha — Nada melhor do que começar o dia com um bom banho.

— Vamos, guri... — O irmão mais velho estendeu a mão para o caçula.

— Enquanto isso, espero que a pessoa que queimou algo no micro-ondas de novo me ajude com a bagunça da cozinha — Alfred encarou Bruce.

— Nesse caso... — Ele se levantou e foi até o filho, para ajudá-lo a andar até o banheiro.

— ... Patrão Wayne, está colocando a culpa no Mestre Dick?

— Mas não foi meu pai, senhor Pennyworth, ele ficou cuidando de mim o tempo todo. — Damian interveio, adoravelmente polido e educado. Esses bons modos deixariam saudade.

— É Alfred... — O rapaz culpado murmurou, saindo do quarto também — Acho que o “talento culinário” do B é contagiante...