Quebrada escrita por MarcosFLuder


Capítulo 3
Siga o dinheiro


Notas iniciais do capítulo

Bom dia a quem me honra acompanhando essa história. Já estamos no capítulo 3. As referências a série continuam. Os eventos que tiveram início no capítulo anterior foram citados no episódio 10 e 11 da quarta temporada. Também haverá uma citação de um acontecimento ocorrido no episódio 7 da terceira temporada. Espero que continuem gostando da história. Aproveitem o capítulo.



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TERCEIRO BANCO ESTADUAL DE BOSTON

 

O aparelho foi ativado às 19:00 horas, com as primeiras imagens da agência bancária surgindo no laptop dela de imediato. Daisy guiou remotamente o aparelho até a área que mais lhe chamou a atenção quando esteve lá, algumas horas antes. Aquela era uma agência pequena, muito pequena para o volume de dinheiro que circulava por lá; isto segundo a movimentação que ela conseguiu levantar em suas invasões on-line. A jovem inumana não tinha dúvida de que uma parte dos recursos que abasteciam os Watchdogs vinham dali. Seguir o dinheiro era a melhor forma de encontrar os seus integrantes, principalmente os de escalão mais alto, e mais do que tudo, os seus financiadores. Daisy sabia que precisava agir naquela noite mesmo. Tudo o que faltava era mapear a agência, saber exatamente onde se movimentar. Tempo era essencial, não podia, de forma alguma, se demorar demais.

Ela começou a estudar todas as imagens da agência que o seu aparelho lhe mandou. Daisy não tinha dúvida de que o dinheiro estaria num cofre particular. Seja quem forem os financiadores dos Watchdogs, não iam usar recursos que poderiam ser rastreados numa conta bancária. Ela ia entrar no banco essa noite. Mataria dois coelhos com uma cajadada só; abalaria as finanças dos Watchdogs, ao mesmo tempo que se pouparia de outra noite de pesadelos. A jovem inumana deu uma nova olhada na foto que tirou do aparelho. Os dados ali contidos permitiram saber de onde vieram os recursos para consegui-lo. E pensar que a sua missão naquela noite era só impedir a ação de alguns fanáticos.

 

PONTE EDISON

CIDADE DE SUNBURY

TRÊS DIAS ANTES

 

— De que forma vocês conseguiriam me culpar por isso? – Daisy olhou rapidamente para o aparelho, antes de retomar o olhar para os mercenários.

 

— As pessoas que nos instruíram disseram que esse aparelho imita exatamente os seus poderes – disse o outro mercenário – eles disseram que fariam com que todos acreditassem que você fez isso.

 

— Eles quem? – ela grita.

 

— Não sabemos! Pode nos torturar a vontade, vadia inumana, nunca iremos contar aquilo que não sabemos.

 

— Os verdadeiros Watchdogs não têm recursos para contratar mercenários como vocês, menos ainda para conseguir um aparelho desses – Daisy afirmou, mais para si mesmo que para os quatro mercenários – eu os venho seguindo a um bom tempo. São apenas um bando de haters de internet. Um monte de homens brancos frustrados e patéticos, desesperados para encontrar algo que possam odiar, algo que compense suas vidas medíocres – ela volta a olhar do aparelho para os mercenários – de onde está vindo o dinheiro para tudo isso?

 

Não durou mais que 2 ou 3 segundos. Foi o tempo que Daisy levou, perdendo o foco em seus pensamentos, tempo suficiente para que o líder do grupo agisse. Ele recuperara a consciência sem que ela percebesse. Também era inteligente o suficiente para usar os recursos que tinha à mão. Nesse caso, o fato do chão do barracão ser de terra batida. Reunindo um pouco dela em suas mãos, ele a atirou contra os olhos de Daisy. Ela conseguiu evitar que fossem atingidos, não lhe permitindo deixá-la momentaneamente cega. Os segundos que perdeu, entretanto, foram suficientes para que o mercenário, mesmo ferido na coxa, agisse. A jovem inumana sentiu o impacto de um corpo bem maior que o seu, empurrando-a para o chão. Logo tinha suas mãos presas por ele, seu imenso corpo sobre o dela, praticamente paralisando-a contra o chão de terra batida.

 

— O que estão esperando idiotas? – o mercenário grita – peguem as armas e matem essa vadia.

 

Daisy vê os três homens se levantando, indo até a mesa onde deixara as armas. Seriam poucos segundos para decidir o que fazer. Ela estava em dúvida se conseguiria usar os seus poderes antes de ser atingida por algum tiro. Teria de ser pelo jeito mais difícil. Para isso, Daisy precisava que o homem em cima dela se comportasse como normalmente os homens se comportam em situações assim, quando acreditam que tem uma mulher à sua mercê. Para sua sorte, é justamente o que ele faz, ao aproximar seu rosto do dela. Era possível notar a expressão de sádica felicidade na face do líder dos mercenários. Este chegou próximo o suficiente para que Daisy lhe desse uma violenta cabeçada, forte o suficiente para quebrar-lhe o nariz em mais de um pedaço.

A jovem inumana sabia que ainda não era o momento de usar seus poderes, e sim se proteger dos tiros que estavam a ponto de disparar contra ela. Com um movimento ágil de corpo, colocou-se atrás do mercenário, este ainda sentido a dor do nariz quebrado. O homem era bem corpulento, tornando-se um escudo muito eficiente, recebendo todas as balas que foram destinadas para ela. Os três outros mercenários tiveram uns breves segundos de hesitação, ao ver que tinham acertado o colega. Era tudo o que Daisy precisava. Agora sim, era a hora de usar seus poderes, o que ela fez, vibrando as armas das mãos deles até estas se despedaçarem. A jovem inumana se viu encarando os três mercenários restantes, sendo encarada por eles de volta, esperando que viessem com tudo para cima dela. Era o que homens nesta situação normalmente faziam, tal como May a ensinara.

Normalmente não quer dizer sempre; às vezes os homens podem surpreender. Foi o que um deles fez, pois em vez de atacar Daisy, voltou-se para o aparelho e tratou de ligá-lo. A expressão no rosto de todos os presentes no barracão era de surpresa e espanto. Continuava assim quando os primeiros tremores começaram. Um desses tremores faz com que Daisy tropece no corpo do mercenário morto e caia no chão. Os outros três aproveitam o momento e correm porta à fora. A jovem inumana hesita sobre o que fazer, apenas por alguns segundos, antes de se dar conta que o teto do barracão está prestes a cair. Ela trata de correr também. Do lado de fora, ouve o barulho de um carro saindo em disparada. A ideia de segui-los dura na mente dela apenas por 1 segundo. Essa ideia morre em seus pensamentos assim que se dá conta do que acontece à sua volta. Daisy vê, horrorizada, que a ponte está quase colapsando, e que várias pessoas que a atravessam naquele momento podem estar a alguns segundos de morrer.

 

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Michelle Caldwell sempre gostou de correr à noite. Eram seus momentos favoritos de paz e tranquilidade, depois de um dia inteiro dividindo-se entre as responsabilidades do trabalho e da família. Ela gostava particularmente de correr sobre a ponte Edison, na pista reservada aos pedestres. A movimentação dos carros era pequena naquele horário. Parecia tudo absolutamente normal, até que os primeiros tremores ocorreram. Michelle se apoiou na divisória que separava a pista dos pedestres daquela onde os carros circulavam. Ela viu os poucos veículos na pista pararem, dois deles batendo de frente, ouvindo também os primeiros gritos; tudo isso antes que ela mesma fosse tomada por um medo paralisante. Os tremores não paravam, ao contrário, tornaram-se ainda mais fortes. As primeiras rachaduras surgiram no meio da pista dos carros e os gritos se tornaram ainda mais estridentes.

Michelle não sabia o que fazer. Ela já estava quase na metade da ponte, hesitando para que lado correr. Um novo tremor fez com que a área onde estava entrasse em colapso. Por um breve segundo, sentiu seu corpo flutuando no ar. Ela gritou, enquanto mexia seus braços, desesperada para encontrar algo em que se segurar. Um pedaço de ferro, exposto pelo colapso da ponte, foi o que a manteve segura. Michelle não teve tempo de sentir-se aliviada. Logo se deu conta de que estava presa em algo que se mantinha ligado de maneira muito frágil à ponte agora, pendurada no ar, numa altura em que a possível queda, provavelmente seria fatal. Do alto, Michelle vê uma figura. Estava escuro, mas ela conseguia distinguir alguns traços femininos. Fosse quem era, a figura estava com seus braços levantados e Michelle não sabia por que ela estava naquela posição, onde poderia ser facilmente atingida pelos destroços que já começavam a cair da ponte. Tudo o que Michelle percebeu é que a ponte aparentemente parara de colapsar. Constatar isso, no entanto, pouco mudava a sua situação.

 

*********************************

 

Daisy sabia muito bem que não poderia impedir a queda da ponte. Ela nem mesmo tinha certeza de que poderia retardar o colapso, ou se poderia fazê-lo tempo suficiente para que todos em cima da estrutura pudessem escapar. O que ela sabia de fato é que não poderia deixar de tentar. Era o que estava fazendo, utilizando seus poderes numa escala que nunca experimentara antes. A jovem inumana sentia isso em seu corpo, nos pequenos estalos que chegavam a seus ouvidos, na dor que crescia exponencialmente, de dentro para fora. Seu coração batia acelerado e estava tendo dificuldade em respirar. Sangue escorria de seu nariz, o gosto dele chegando a seus lábios.

Ela via pessoas e carros passando nas extremidades da ponte, um enorme alívio tomando conta dela. Sentia que seu corpo não resistiria muito tempo mais. É nesse momento que vê a mulher pendurada na ponte. Seu coração acelerou ainda mais, quase a ponto de um enfarto. A queda daquela altura dificilmente deixaria de resultar em morte. Ela se lembrou de Rosalind, de como aparou a queda dela com seus poderes. A situação era bem diferente agora, mas quando a mulher finalmente caiu, a jovem inumana nem pensou duas vezes. Um de suas mãos ainda tentava manter a ponte em pé, a outra criou um colchão de ar, do mesmo tipo que salvou Rosalind. A mulher desceu suavemente até o chão.

 

— Depressa – ela gritou para a mulher – eu não vou aguentar mais tempo – sua voz saia num tom quase agonizante agora. A mulher se levantou e correu. Daisy fez o mesmo, com a ponte colapsando de vez agora.

 

*******************************

 

Tudo era uma confusão de fumaça, poeira e sons discrepantes. A dor tomava todo o seu corpo, mas ela se forçou a levantar-se. Daisy tirou um frasco de comprimidos do seu cinto. Eram os últimos, mas ela precisava desesperadamente tomá-los, ou mal poderia se manter em pé agora. Estava exposta demais, não poderia ficar ali. Cada movimento seu ainda era muito doloroso, mas ela tratou de se afastar. Sentiu alguém tocá-la por trás. Um enorme pânico toma conta dela naquele momento. Ao se virar, já pronta para reagir da maneira que pudesse, deu de cara com uma mulher negra, de meia-idade, vestida em roupas de corrida. A mulher estava coberta de pó e sujeira, tal como a própria Daisy estava.

 

— Está tudo bem, deixe-me ajudá-la – ela falava num tom gentil – creio que você precisa ir para um hospital.

 

— Não, não – Daisy estava ligeiramente trêmula, notando que mais pessoas se aproximavam delas, todas com seus celulares voltados para sua direção. Ela não podia ficar ali.

 

A jovem inumana respirou fundo. A dor precisando ser esquecida agora. As pílulas tinham que servir para isso. Focou apenas num objetivo, se colocar na direção do local onde deixou a van. Todos os sons estavam distantes agora, inclusive o som da voz da mulher ao seu lado, a mesma que acabara de salvar de uma queda para a morte certa. Daisy respirou fundo mais uma vez, focada apenas no que teria de fazer. Ela deu alguns passos a frente e usou novamente os seus poderes, agora criando uma forte corrente de vento que a impulsionou para cima, em direção onde deixara a van. A jovem inumana ainda não estava voando, mas foi um salto e tanto, deixando-a bem distante das pessoas que acabara de salvar.

 

*******************************

 

Ela acordou na manhã seguinte com o corpo ainda dolorido. O último frasco de pílulas para os seus ossos, vazio. Daisy teria de contatar Elena novamente. Sabia que estava colocando a amiga em risco por ela roubar essas pílulas do estoque da S.H.I.E.L.D, mas não havia outra escolha. A jovem inumana olhou o despertador no criado mudo e viu que já eram mais de 11:00 horas da manhã. Ela não dormiu, simplesmente desmaiou por quase 15 horas. Foi então que se deu conta, estivera todo esse tempo inconsciente, um sono sem sonhos, e melhor, sem pesadelos, sem as lembranças que a faziam acordar de madrugada. Mesmo com o corpo ainda bem dolorido, Daisy sorriu, pela primeira vez em muito tempo.

Aproveitou para pegar o laptop e ver o que foi noticiado sobre a ponte. Nos noticiários havia muita especulação, mas nada definitivo. Buscou nas fotos alguém conhecido, até sentir uma pontada no coração, ao ver as figuras de Mack e Coulson no local. A foto não era direcionada aos dois, mas era possível vê-los bem. A sua presença no local foi descrita de modo contraditório por várias testemunhas. A mulher que ela salvara foi quem deu os melhores detalhes. Seu depoimento foi positivo para Daisy, mas outras pessoas afirmaram o contrário, acusando-a de ter provocado a queda da ponte. Ela viu algumas fotos suas; todas felizmente com péssima definição, nenhuma mostrando seu rosto. Uma das fotos mostrava o momento em que decolou para fugir, quase como se voasse. A jovem inumana portava um sorriso bem suave, enquanto salvava essa foto no seu laptop.

Daisy descansou mais um pouco, tomou banho, e depois encomendou algo para comer. Resolveu se concentrar nas fotos que tinha tirado do aparelho. Começou a sua pesquisa pelas inscrições encontradas nele. Como esperado, ela constatou que seguir o dinheiro era a melhor forma de descobrir quem estava por trás disso, e quais seus próximos passos. Foi seguindo o dinheiro que ela encontrou a empresa de fachada que encomendou o aparelho. Foi dessa forma também que descobriu de onde vinha o dinheiro, de três bancos diferentes, que abastecia os Watchdogs. Era seguindo o dinheiro que conseguiria impedir suas ações, encontrá-los, e acabar com a ameaça deles.

 

TERCEIRO BANCO ESTADUAL DE BOSTON

DOIS DIAS DEPOIS

 

A ação foi rápida e milimetricamente calculada. Daisy sabia que não podia usar de muita sutileza, então o melhor era fazer tudo dentro do tempo previsto, antes da chegada da polícia. Ela entrou no banco sabendo exatamente aonde ir, derrubando a parede que dava para os cofres, onde sabia que estava parte do dinheiro que financiava os Watchdogs. Usar seus poderes estava cobrando o seu preço. As dores eram lancinantes, mesmo com o novo estoque de pílulas que Elena mandou, mas Daisy não se importou. Tal como ela imaginara, aquele não era um dinheiro que poderia estar depositado legalmente numa conta bancária. Devia haver mais de 1 milhão de dólares naquele cofre particular. Não havia tempo para fazer contagens. A ex-agente da SH.I.E.L.D colocou tudo numa bolsa e tratou de ir embora, pois já era possível ouvir as sirenes.

 

CIDADE DE CLAYTON HILL

NEBRASKA

CINCO DIAS DEPOIS

 

O roubo do segundo banco foi mais difícil do que ela esperava. A segurança fora reforçada e ela teve de usar o seu poder mais vezes do que o planejado. Felizmente eram homens comuns, embora relativamente bem treinados, que ela enfrentou. As tatuagens nas mãos indicavam que eram membros dos Watchdogs. Mais uma vez o aprendizado com May foi-lhe muito útil. Os Watchdogs tinham mais de 2 milhões e meio de dólares à sua disposição naquele banco. Menos recursos para suas ações, mas ainda faltava um terceiro banco em sua lista. Ela também precisava descobrir o melhor uso para esse dinheiro, mas isso teria de ficar para mais tarde. Daisy pegou o frasco com as pílulas que Elena lhe mandou. Foram várias delas que tomou, pois as dores em seu corpo eram intensas. Ela sabia, no entanto, que as pílulas só dariam conta de curar as fraturas em seus ossos, com as dores apenas diminuindo. Havia um lado bom nisso, se concentrar nas dores deixavam as lembranças que queria enterradas dentro dela, longe. A jovem inumana abraçou essas dores como uma amiga, enquanto se deitava na cama, tentando dormir.

 

**********************************

 

Outra vez ela acorda no meio da madrugada. Sua respiração acelerada, seu coração aos pulos. Agora era uma lembrança dela, de quando se submeteu a doar o próprio sangue para os planos de Hive, colocando sua vida em risco em favor dele. O pior de tudo é que Daisy fez isso por sua escolha. Sentiu-se feliz em colocar sua vida em risco para que as experiências de Hive se concretizassem, mesmo tendo visto os resultados delas em várias pessoas. O fato de que seus amigos poderiam acabar daquele jeito horrível em nada mudava o seu desejo de ajudá-lo a atingir seus objetivos. Ela seguia firme em direção a tudo isso, sentindo-se plena, feliz como nunca estivera antes.

Daisy não sabia direito o que mais doía nessas lembranças. Às vezes parecia que era a triste certeza de que fizera tudo aquilo por sua vontade, ainda que sob a influência de Hive. Era saber que estivera feliz o tempo todo em que se submetera às vontades dele. Era uma felicidade que nunca sentira antes, e sabia, jamais voltaria a sentir de novo. Aquela foi a primeira vez em dias que as lembranças voltavam a atormentá-la. Por um breve tempo, achou que poderia finalmente curar-se, mas foi só uma ilusão. Ainda pensava nisso quando vozes alteradas, vindas do apartamento vizinho, chamaram a sua atenção. Era o apartamento ocupado por um casal que conhecera só de vista, alguns dias antes, mas cuja impressão, ela sabia agora, a fazia recordar tudo o que vivera com Hive.

 

TRÊS DIAS ANTES

 

Ainda sentia algumas dores no corpo quando chegou ao edifício de aspecto decadente, mas bem discreto. Alugara ali um pequeno apartamento. Pagou o mês adiantado, embora não tivesse a intenção de ficar tanto tempo assim. Ela entrou no elevador e viu a porta já sendo fechada, quando uma mão masculina surge, fazendo-a abrir-se de novo. Era um casal, ambos bem jovens, por volta de 20 anos cada. Havia algo neles que lhe era familiar. A maneira como se olhavam, os sorrisos dirigidos um ao outro, o ar leve, ligeiramente ingênuo de ambos, Daisy notou tudo isso. Este sentimento a incomodou e ela se manteve bem no canto do elevador, evitando qualquer contato visual com eles.

No entanto, mesmo de cabeça abaixada, evitando o máximo de contato, Daisy foi capaz de notar a mudança brusca no comportamento de ambos. Eles deixaram de se tocar, e os risos cessaram de repente, substituídos por palavras sussurradas. Ele fez menção de aumentar o tom de voz, mas ela insistia em sussurrar. Daisy não sabia direito o que causara isso. Talvez tenha sido por conta de um comentário aparentemente casual da jovem para seu parceiro. Ainda que tenha sido uma boba provocação de namorados, mudou o comportamento dele para com ela. Eram diálogos sussurrados, mas Daisy percebeu a tensão que surgiu entre ambos.

 

— Podemos discutir isso quando estivermos no nosso canto? – Daisy notou o tom de voz da jovem, havia uma mistura de tristeza e medo nela.

 

— Quem você pensa que é para me dizer quando ou onde dizer as coisas? – a voz dele era um tom mais baixo do que o normal e mesmo não gritando, a linguagem corporal da jovem denunciava o medo que ela sentia agora. Esse temor ficou evidente quando Daisy notou-a dando um passo atrás, em relação ao namorado.

 

Daisy mantinha sua cabeça abaixada, decidida a evitar qualquer contato visual com o casal. A jovem inumana não queria se meter nisso. Tudo o que não precisava agora é chamar a atenção. Contudo, algo no casal ainda lhe era familiar. Ao mesmo tempo, a ideia de se omitir enquanto uma outra mulher podia ser agredida, era inaceitável para ela. Felizmente as coisas se acalmaram entre ambos e sobrou apenas um silêncio constrangedor no elevador. A parada se deu no mesmo andar e foi ainda mais embaraçoso constatar que o casal ia ficar no apartamento ao lado do dela. Daisy viu quando o jovem abriu a porta e meio que empurrou sua companheira para dentro. Ela também abriu a porta de seu apartamento, mas acabou por fazer contato visual com ele. A jovem inumana viu algo naqueles olhos, foi bem rápido e sutil, mas a familiaridade despertada era-lhe bem evidente.

 

— O que está olhando? – o tom agressivo dele ao perguntar, fez com essa familiaridade se desfizesse na hora. Daisy nada respondeu, entrando rapidamente em seu apartamento. Ela precisava se concentrar nos planos que tinha para o segundo banco em sua lista. Tudo correndo bem, estaria pronta para agir dali a poucos dias.

 

TRÊS DIAS DEPOIS

 

O que começou como vozes alteradas no apartamento vizinho, agora era o barulho de gritos e objetos quebrados. Havia de tudo nesses gritos, acusações, justificativas, pedidos de desculpas, mais acusações, mais pedidos de desculpas, novas justificativas, que geravam ameaças. Por alguns segundos fez-se um silêncio que, ela sabia, antecederia a uma nova explosão. Esta veio na forma de mais objetos quebrados, gritos de medo, pedidos de calma, que só resultavam em mais gritos, ameaças, e mais objetos quebrados. Daisy tentou inutilmente tapar os ouvidos com as mãos, evitar de ouvir o que vinha do outro apartamento, mas os sons continuavam inundando-a. Pior que isso, contudo, eram as lembranças que voltavam a ser despertadas.

 

“Você terá de fazer uma escolha”, ela ouvia agora a voz Hive.

 

“Eu sei”, era a resposta dela, sentindo a aspereza das mãos dele em seu corpo. Uma dessas mãos estava em seu ombro, firmes, embora não a apertassem muito forte, a outra passeava de seu rosto ao cabelo, de maneira falsamente suave.

 

Um grito agudo veio do outro apartamento, antecedido que foi por um barulho levemente estalado, seguido por outro barulho, agora de um corpo caindo no chão. Um choro baixo, mas que Daisy conseguia ouvir, se seguiu a um pedido de clemência, que ela sabia, não seria atendido. Era impossível para ela não lembrar, que durante todo o tempo em que estiveram juntos, Hive nunca a agrediu fisicamente. Em todas as vezes que exerceu, de maneira mais intensa, o seu poder sobre ela, estavam sempre sozinhos. Ele jamais a expôs aos outros inumanos completamente vulnerável. Se lembrar disso não lhe traz alívio, longe disso, pois junto vinha a gratidão que sentia por ele. Essa gratidão, por sua vez, só fazia aumentar o desejo de estar ao seu lado.

Daisy podia ouvir a voz suplicante da jovem no apartamento ao lado. Mesmo com uma parede as separando, ela podia sentir a mistura de medo, com o desejo desesperado por conexão. Ela sentira o mesmo por Hive, um medo constante e desesperado de perder a felicidade e o êxtase que só ele era capaz de lhe dar. Ela temia pela ideia de não poder mais preencher o vazio que sentira a sua vida toda. A felicidade por estar junto a Hive só fazia aumentar, principalmente quando via o seu sorriso dirigido a ela. Daisy abraça as próprias pernas, lágrimas deslizando pelo seu rosto. Os barulhos vindos do outro apartamento se misturando, em completa cacofonia, às lembranças dolorosas de um passado recente.

 

“Quando chegar a hora, você terá de fazer uma escolha”, Era a voz dele em seus ouvidos, uma das mãos ainda segurando seu ombro, a outra agora apertando levemente o seu pescoço – “que escolha você fará, Daisy? Eu, ou os seus amigos da S.H.I.E.L.D?”, a voz Hive vinha sempre num tom baixo e suave, jamais gritou com ela, nem uma única vez. O olhar dela para ele é pura devoção ao afirmar:

 

“Eu escolho você, eu sempre escolherei você”. Ela sente as mãos dele afrouxando o leve aperto sobre seu ombro e pescoço, ambas agora acariciando seu rosto e cabelos.

 

“Você não pode nem imaginar o quanto eu fico feliz de ouvir você dizer isso, Daisy”. Ele sorri para ela, fazendo-a retribuir o sorriso, sentindo seu corpo sendo inundado por uma onda de felicidade e relaxamento, algo que nunca sentira com ninguém, só com ele.

 

Um grito mais agudo, vindo do apartamento ao lado, meio que a desperta. As lembranças dolorosas sumindo de seus pensamentos, embora as terríveis sensações que despertam nela continuem a afetá-la. Mais um grito, seguindo de um choro baixo, mais barulho de coisas quebradas e então outro grito, agora masculino. Daisy se levanta da cama num impulso e se dirige em direção aos gritos e barulhos. Não há tempo para sutileza e ela arromba a porta do apartamento vizinho ao seu. A jovem inumana vê sua vizinha caída no chão, o rosto bem machucado, sangue escorrendo pela face, um choro baixo e sofrido. O jovem que a agredia se volta para a ex-agente da S.H.I.E.L.D, uma expressão de descontrole em seu rosto.

 

— Quem você pensa que é para se meter onde não foi chamada, sua vagabunda? – ele dá dois passos a frente, mas para, ao ver que Daisy não recuou. O tom de voz diminui, mas a ameaça ainda permanece – quer apanhar também? – ela sorri ao ouvir a pergunta, seus olhos brilham. Se pudesse ver seu rosto naquele instante, talvez de assustasse com a ar maligno que emanava dele.

 

— Tenta a sorte, babaca – ela continua sorrindo, torcendo para que ele faça o esperado.

 

O sujeito é mais novo que ela, e nem é especialmente corpulento. O rosto tem um traço suave, quase adolescente. Ele faz os gestos típicos dos grandes brigões, movendo os braços como se fosse um lutador de boxe. Daisy apenas se mantém atenta aos seus movimentos, se colocando entre ele e a jovem agredida. Ela o vê fazer um movimento em sua direção. É tão lento que nem precisa se desviar demais para evitar o soco. A guarda dele bem baixa, tanto que Daisy não teve a menor dificuldade em encaixar um soco no seu nariz, para depois jogá-lo no chão, com um chute no peitoral. Ele se levanta, agora já atordoado. Uma das mãos no nariz, que ela tomou o cuidado de não quebrar, não dessa vez; foi só para ele sentir o golpe. Daisy vê a surpresa estampada na face dele, mas junto com esta, vem também a raiva, que o impulsiona, tentando forçar o peso de seu corpo contra a jovem inumana. Ela não lhe dá essa chance e logo o jovem agressor está no chão outra vez, isso depois de levar um forte chute nas costas.

Era como jogar um brinquedo de um lado a outro. Ele era só um valentão, do tipo que só ataca quem não consegue se defender. Daisy estava gostando de brincar com ele. Sentia um prazer quase sádico nisso. Se May a visse agora, lhe daria uma bronca por estar agindo assim. Ela sempre dizia que nunca se deve entrar numa luta para brincar com o adversário, não importando quão inferior ele seja. Lutas precisam ser resolvidas o mais rápido possível, antes que algo inesperado aconteça, May sempre fez questão de dizer. Daisy vê o jovem se levantar de novo, agora é possível ver o medo no olhar dele. Isso a deixa confusa, o olhar de medo torna o rosto dele mais suave, a faz se lembrar de alguém. A jovem caída pede que parem de lutar e Daisy volta o seu olhar para ela. A jovem inumana sente-se confusa, olha de um para o outro, tão jovens, tão parecidos, tão estranhamente familiares para ela.

O barulho de vidro se partindo, seguido do grito da jovem, a desperta desses pensamentos. May tinha razão, como sempre, aliás; o inesperado sempre podia ocorrer quando não se resolvia uma luta rapidamente. Foi por uma fração de segundo que Daisy viu o jovem agressor vindo em sua direção, uma garrafa quebrada na mão, pronta para rasgar-lhe a barriga. A jovem inumana fez um movimento rápido de corpo, girando de forma a se colocar atrás de seu agressor. Ela sabia exatamente o que fazer. Acabar logo com a luta, como May lhe ensinara. Uma de suas mãos segurou firme o ombro do jovem que tentara matá-la com a garrafa quebrada, a outra lhe agarrou o braço. O som de um osso quebrado, seguido do grito dele, confirmou para ela que o ombro fora deslocado. No entanto, ele ainda segurava a garrafa, mesmo estando caído no chão agora. Ela não hesita em pisar-lhe o pulso, provocando um novo grito, junto com o barulho de mais um osso quebrado. Agora era a jovem agredida antes que grita também, implorando para que Daisy deixasse seu agressor em paz.

A jovem inumana não parece ouvir os apelos desesperados de sua vizinha agredida. As lembranças de tudo o que viveu com Hive retornam com força, enquanto vê o jovem agressor implorando para não apanhar mais. Ela vê o rosto dele contorcido em dor, o que a faz lembrar de sua própria dor, sob o olhar decepcionado de Hive. Olhar para o jovem caído faz com que se lembre dos momentos em que tinha aquela mão áspera em seu ombro, da outra mão, igualmente áspera, apertando o seu pescoço, com mais força que o habitual. O olhar suplicante do jovem caído diante dela é o mesmo que ela lançava para Hive, quando sentia que o desapontava.

Os apelos do jovem caído diante dela lhe trazem a lembrança da voz de Hive em seus ouvidos. O desespero dele traz-lhe à tona, a lembrança do seu próprio desespero, da tristeza que sentia com a ideia de desapontar Hive, do medo terrível que sentia, de perder a felicidade que somente ele era capaz de lhe dar. Ela se lembra do arrepio pelo corpo, do som baixo e imperioso, reafirmando o seu pertencimento a ele, acabando com o vazio que sempre sentira, e que apenas com Hive era preenchido. Daisy se lembra da felicidade que perdeu, da culpa e do embaraço que carrega por sentir-se assim. Um ódio que guardava a um bom tempo emerge dela. Era o mesmo ódio que descarregou em Hive, quando soube que a felicidade que só ele podia lhe dar, se perdera para sempre. Emerge um desejo de morte que represava dentro de si, e que decide extravasar naquele momento.

 

— Nunca mais! – ela grita, enquanto começa a socar o rosto do jovem caído – nunca mais – ela continua a gritar, enquanto desfere novos socos no jovem – você está morto seu desgraçado, porque não me deixa em paz? Me deixa em paz – Daisy está completamente fora de si, até que sente algo a empurrá-la. É a jovem que tinha sido agredida anteriormente, jogando o seu corpo contra o dela, que cai de lado.

 

— Para, por favor – a jovem grita, algo na voz dela soando mais uma vez familiar para Daisy – você vai matá-lo, por favor pare – a jovem inumana se levanta, espantada ao ver a outra jovem se colocando a frente de seu agressor, pronta a defendê-lo, sabe-se lá como – não o mate por favor. Eu o amo.

 

Daisy se espanta com a atitude da jovem que salvara de um espancamento, e que agora defende o seu agressor. Ambas se encaram, e no olhar dela, a jovem inumana finalmente entende, pois já vivera isso. Ela também defendeu Hive quando o viu numa situação vulnerável, enfrentando Lash, parecendo que ia ser derrotado. Estava fraca pelo sangue que tinha doado, mas se dispôs a lutar por ele, da mesma forma que a jovem diante dela estava fazendo pelo seu agressor. As duas mulheres continuavam se encarando, ambas chorando muito. Daisy se ajoelhou, ficando na mesma altura da outra jovem, acabando por abraçá-la.

 

— Eu sinto muito Jemma – Daisy diz entre soluços – eu sinto muito, me desculpe. Me desculpe, Jemma.

 

— Por que você está me chamando assim? – a voz da outra jovem soa confusa aos ouvidos de Daisy – eu não me chamo Jemma.


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Notas finais do capítulo

Capítulo postado como prometido. No próximo domingo está programada a postagem do capítulo 4. Aguardem.



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