Ayleen escrita por Nana


Capítulo 2
Christimas in your eyes




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O vento frio ricocheteava em seu rosto, chegando a fazer a ponta de seu nariz queimar. Ayleen não achava que aquilo era uma boa ideia, mas Alex insistira tanto que acabou concordando em ajudá-lo com as compras de natal. Não que houvesse muita coisa em que pudesse ajudar, claro.

Agora se encontrava no meio da Charter Row, uma das avenidas mais movimentadas da cidade, com os pés doendo, várias sacolas em uma mão e a coleira de Leslie na outra.

A cachorra se mantinha parada bem ao seu lado. Ayleen podia ouvir perfeitamente a respiração ofegante da labradora.

“Leslie está com sede” Ela disse enquanto se abaixava levemente para poder passar os dedos no pelo macio do animal.

“Hm, tudo bem” Alex respondeu ao seu lado. Estava desacostumado a andar com a cão guia de Ayleen. Ela geralmente a deixava em casa quando saíam juntos. “Tem uma mercearia na esquina, vamos lá?”

"Ela está cansada e eu também. Prefiro ficar esperando, pode ser?"

"Claro... Vem, fica aqui no canto" Alex a guiou até a parede de um estabelecimento, tirando-a do caminho das pessoas que passavam pela calçada e colocou as sacolas no chão, ao lado de seus pés.

"Você quer alguma coisa?" O músico perguntou enquanto Ayleen se ajeitava perto da parede, com Leslie ao seu lado.

"Não. Obrigada" respondeu sorrindo.

"Ok. Volto logo, não saia daqui. Qualquer coisa grita, tudo bem? A mercearia fica bem aqui na esquina"

"Alex... Eu tenho 22 anos, sei me cuidar"

Ele riu, colocando uma mecha do cabelo castanho dela para trás da orelha.

"Eu sei que sabe, Ay" O polegar rodeou a bochecha corada pelo frio, escorregou pelo pescoço alvo da pianista, caindo para o braço esquerdo até que seus polegares se tocassem. Os dedos frios, longos e ossudos dela tocaram os seus. “Eu só quero te proteger”.

Ayleen passou a língua pelos lábios rosados, sentindo o gosto de melancia do gloss.“Eu sei.”

Alex suspirou, afastando seus dedos dos dela, deixando-a logo em seguida. Ela encostou a cabeça junto à parede ainda sentindo o rastro dos dedos de Alex em seu pescoço e braço. Queimava.

Leslie ainda ofegava em seus pés. A cachorra já devia começar a apresentar alguns sinais de velhice, vez que a acompanhava desde os 12 anos.

Alex costumava dizer que as rotineiras terças e quintas eram os dias de folga de Leslie. Gosto da ideia de ser seus olhos quando saímos juntos ele disse uma vez.

Trocou o apoio da perna e fechou os olhos, mas quase que simultaneamente sentiu a cachorra ao seu lado sentar e latir. Não um latido ofensivo como quando fareja um perigo, mas um latido manhoso e amigável. Ayleen apurou seus ouvidos, Leslie só reagia assim a uma pessoa.

“Hey garota!” Ela abriu os olhos diante da voz, mesmo sabendo que não faria diferença alguma estar ou não de olhos fechados. O dono da voz também sabia.

Leslie latiu e Ayleen pode sentir o rabo do animal balançando freneticamente, batendo em sua perna em todas as vezes. Sentiu os dedos amolecidos e Leslie se soltou, dando alguns passos pra frente.

Ela foi até ele. Ela o adorava.

Naquele momento, Ayleen desejou ter ido com Alex.

“Ei, Ay” Ele disse e sua voz lhe pareceu bastante relaxada.

Ela pigarreou antes de responder. “Oi.”

“Que surpresa te encontrar aqui” Ele se aproximou mais e Ayleen pode sentir o corpo dele a um passo do seu.

“Digo o mesmo, James. Achei que ainda estivesse na França”

James. Como era estranho chamá-lo daquele jeito.

“Eu estava. Cheguei semana passada” respondeu, sua voz ainda era suave e polida. Ayleen teve a impressão que ele sorrira pelo modo como puxou o ar dos pulmões. “Estava pretendendo passar na sua casa sexta. Se não tiver problema, claro.”

Puxou o ar dos pulmões antes de se preparar para respondê-lo, mas foi interrompida por Leslie que latiu andando entre os dois como se quisesse chamar atenção.

“Ei garota, também senti sua falta” Ele disse usando de uma voz um pouco mais doce, como se falasse com uma criança. “Para onde você estava indo? Eu posso te acompanhar até em casa”.

James pegou em sua mão e de imediato Aylen sentiu um choque se espalhar por seu braço esquerdo. Com o contato, sentiu também a coleira de Leslie que havia escapado de sua mão quando ele apareceu. Je só a estava devolvendo.

“Oi” Ayleen se assustou ao ouvir a voz de Alex bem próxima.

O primeiro instinto foi quebrar o contato de sua mão com a de James.

“Alex” A garota sorriu aliviada pela chegada do amigo “Esse é o James, meu amigo”

“E aí cara” James cumprimentou.

Não houve uma resposta verbal da parte de Alex, o que a deixou tensa perante a situação. Talvez ele tenha assentido com a cabeça. Ela queria acreditar que sim.

“Bom, vou nessa. Foi ótimo te ver de novo, Ay. Passo na sua casa sexta, ok?”

“Ok” Foi o máximo que conseguiu responder

“Tchau garota” Ele se abaixou para acariciar uma Leslie bastante agitada. “Tchau, cara” Disse à Alex, que manteve-se imóvel ao lado dela. Ayleen podia sentir sua respiração um pouco mais pesada que o habitual.

“Tchau” murmurou em resposta.

Ayleen soltou o ar que nem percebera que estava segurando quando James se fora. Alex se abaixara para colocar água para Leslie e muito provavelmente havia comprado um pote ou algo assim, pois conseguia ouvir com clareza o barulho da língua da cachorra contra a água.

Ele nada disse e ela tampouco. O silencio a incomodava, apesar de continuar ouvindo as buzinas dos carros, os motores e as pessoas conversando enquanto passavam pela calçada.

O silêncio dele a incomodava porque não era como quando estão no estúdio e ele não diz nada enquanto a ouve tocar, ou quando a conversa termina e apenas o som do rádio preenche o carro.

Aqueles eram silêncios confortáveis, esse não.

“Quem era aquele cara?” Alex perguntara sem cerimônias. Agora ele estava de pé e ela pode sentir o cheiro forte de cigarro que emanava de suas roupas e da relativa proximidade de sua boca. Podia sentir a respiração dele ricochetear em sua bochecha.

“James” disse tomando coragem para completar “Meu ex namorado”

“Ex namorado?” A surpresa na voz do músico a irritou.

“Por que o tom de surpresa, Alex? Por acaso acha que ninguém se interessaria por mim pelo fato de eu ser cega?” Ayleen devolveu grosseira. Não achava que Alex seria preconceituoso a esse ponto, mas já tinha lidado tantas vezes com a surpresa e o preconceito das pessoas que aprendera a atacar antes de ser atacada.

“Ei ei ei” Ele disse, soltando um risinho pelo nariz. “Não é nada disso, de onde tirou essa besteira? Só estou surpreso, você nunca mencionou esse cara antes”

Ayleen suspirou, relaxando. “Desculpe. É que a presença dele me afeta, eu não queria ser grossa com você”.

“Quer me contar o que aconteceu?” Ele perguntou gentil como sempre.

“É que... É uma longa história”

“Podemos comer alguma coisa enquanto você me conta, o que acha?”

Ela sorriu, desencostando-se da parede gelada. “Tudo bem.”

***

"Hi Katie" Alex murmurou meio sonolento ao entrar pela porta dos fundos, na cozinha da casa. Jamie e Katie moravam ridiculamente perto da casa de seus pais e Alex estava acostumado a chegar lá a hora que bem entendia. Nem se dava mais ao trabalho de bater na porta, após todos aqueles anos de amizade, meras formalidades já não eram mais necessárias.

"Oi Alex" Sorriu virando metade do corpo para poder cumprimentá-lo com um beijo na bochecha.

"Está grande, hein?" Ele comentou a respeito da enorme barriga de grávida, ela parecia maior por baixo do casaco de frio.

Katie sorriu fechando a torneira " 8 meses, daqui a pouco ela está aqui"

Alex devolveu o sorriso, ela estava radiante.

"Onde está o idiota do seu marido?"

"Lá em cima, provavelmente dormindo. É só o que ele faz ultimamente.” Alex riu, tirando as mãos do bolso do casaco. Soprando-as, a fim de esquentá-las.

"Você tá pálido, estava no frio?"

"Fui fazer umas compras de natal com a Ay. Estacionei o carro na rua de trás e andamos praticamente toda a Charter Row"

"Ahh por que não a trouxe? Eu ia amar vê-la de novo."

"Não sei, nem me passou pela cabeça" Respondeu sério.

"Quer um café?" Ele assentiu. O rosto sério, os olhos mais fundos que nunca. Katie percebeu que havia algo de errado ali.

Encheu duas xícaras com café preto e forte, depositando-as na mesa redonda da cozinha num convite mudo para que se sentassem.

"E então? Quer me contar o que está acontecendo?" Perguntou como não quer nada entre uma golada e outra.

Alex passava o dedo no gargalo da xícara com o café intocado.

"Nem eu sei o que está acontecendo, Katie"

"Tem algo a ver com a Ayleen, não tem?"

Ele levantou o olhar da xícara para ela, a língua escovou os dentes fazendo um barulho no fim, junto ao canino.

Alex sabia que Katie era confiável e que não havia problema algum em se abrir com ela. O fato é que já era difícil o bastante admitir aquilo para si mesmo, quanto mais assim em voz alta.

"Olha, se você não qu-" Ela começou, a fim de dissolver o clima pesado que havia se instaurado ali de repente.

"Acho que estou gostando da Ayleen" Disse num suspiro.

Katie sorriu.

"Jura?” A voz dela veio carregada de sarcasmo e diversão. “Achei que não ia admitir isso nunca"

O músico passou a mão pelos cabelos e sorriu nervoso.

"Hoje durante as compras nos encontramos com o ex-namorado dela. Eu nem sabia que ela teve um namorado!"

"Qual o problema de ela ter tido um namorado? Você já teve várias"

"O problema é que ela ainda gosta dele, Katie. Isso foi um balde de água bem gelada em cima da minha cabeça.”

"Ela te disse isso?" Perguntou após um longo gole do líquido quente.

"Disse...Quer dizer, não tão diretamente, mas disse."

A presença dele me afeta. As palavras dela ecoaram em sua cabeça.

"Olha Alex eu não sei o que ela te disse, mas posso afirmar que assim como esteve o tempo todo na cara que você sente algo por ela, está na cara que ela sente algo por você."

"Não viaja, Katie”

"Alex, você nunca percebeu maneira que ela age com você? E você? Você praticamente se mudou de novo pra Sheffield após tê-la conhecido.”

“Você está exagerando” Ele bufou contrariado.

“Ah é? Quando foi a última vez que esteve em Los Angeles?”

“No aniversário do Miles... Há 5 meses” Admitiu. Desde que se mudara pra Los Angeles nunca ficara tanto tempo longe da cidade ensolarada e aconchegante.

“Então, o que você me diz” Ela alfinetou após tê-lo feito admitir.

“Isso tudo é tão desgastante, odeio me sentir perdido.”

“Por que você não tenta conversar com ela, diga como se sente”

“Não sei se é uma boa ideia, ela pode se assustar e eu não quero que ela se afaste.”

Katie sorriu compreensiva e terminou de tomar o café.

“Talvez ela não se afaste. E de qualquer forma, ele não é mais o namorado dela. Do que você tem medo? Chame-a para sair, não para fazer música, mas para um encontro de verdade.”

Alex forçou um sorriso e assentiu com a cabeça. “Acho que você tem razão.”

***

 O barulho era ensurdecedor. Havia uma banda marcial tocando, abafada pela gritaria dos torcedores em algum lugar por ali. Tudo era caloroso demais, intenso demais. Ayleen estava eufórica.

Era a primeira vez que estava num jogo de futebol de verdade e a sensação era maravilhosa.

Quando Alex quebrou a rotina, a chamando para sair num sábado à noite , o jogo do Sheffield Wednesday fora sua primeira opção. Alex relutou num primeiro momento. Não sei Ay, pode ser um pouco perigoso. Mas no final, a insistência e empolgação dela o venceram.

“Acho que nunca te vi tão empolgada” Alex gritou para que ela pudesse ouvir em meio ao barulho. Ela sorriu e Alex sentiu seu coração aquecer.

“É que nunca vim a um jogo antes, meu pai não gosta de futebol e nunca me trouxe”

“Tomara que você nos dê sorte” Sheffield Wednesday era o clube de futebol da cidade que não saía da segunda divisão desde 2005, mas mesmo assim, Alex como o bom nacionalista e apaixonado pela cidade que era, nunca deixou de acompanhar o time do coração sempre que possível. Ayleen também era uma torcedora fanática pelo visto.

“Quer pipoca?” Ele perguntou ao ver o moço do carrinho azul passar por perto, duas fileiras abaixo da que eles se encontravam.

“Hurum” Respondeu com sorriso nos lábios.

Alex, então, desceu os degraus da arquibancada, parando no caminho para uma foto com um grupo de fãs bastante simpáticos. Ao chegar no carrinho, pediu duas pipocas salgadas e um copo grande de coca cola para que dividissem e, com certa dificuldade em razão das mãos ocupadas, conseguiu voltar para perto de Ayleen.

“Cuidado” Disse ao depositar a pipoca no colo dela.

“Quando vai começar?” Ela perguntou enquanto levava um punhado de pipoca à boca.

“Daqui a pouco, Ay”

Quando a partida começou Ayleen estava nervosa.  O jogo era o último do ano, visto que estavam no meio do mês de dezembro e a temporada sofreria uma pausa para as festas de fim de ano. Ayleen sorria e perguntava a todo o momento o que estava acontecendo e Alex ficava atento a cada lance para poder descrever com o máximo de detalhes possível.

No momento em que o Wednesday conseguiu fazer o primeiro gol, a gritaria foi total  e Ayleen se levantou para comemorar junto dos demais, assim como Alex que a puxou para um abraço meio desajeitado. Ele sentiu o cheiro cítrico dos cabelos dela e do creme hidratante que usava na pele. Pare de agir feito um idiota, Turner. É só uma garota.

Suspirou, afastando-se. No fundo ele sabia que não se tratava de apenas uma garota.

 “Acho que vou te trazer a todos os jogos, meu amuleto da sorte” Alex disse para quebrar o gelo que havia se instaurado ali.

“Parece que eu tenho pé quente” Ela respondeu com um sorriso tão pleno que o fez sorrir também. Ele nunca a tinha visto tão feliz e tudo estaria perfeito se não fosse pela vagueza dos olhos verdes. Alex julgava que jamais se conformaria com o fato de ela não poder enxergá-lo, não poder sorrir diretamente para ele, pois o brilho de seu olhar estava sempre cruelmente distante.

“Eu tenho certeza disso” Disse, voltando a prestar atenção na partida.

Não houve outros gols e a partida se encerrou com o magro placar 1x0 para o Sheffield Wednesday, o que não fez a vitória parecer menos saborosa. Ayleen sorria empolgada com o fato de ter estreado tão bem em partidas de futebol.

“Eu não sabia desse seu amor todo pelo futebol. Achei que reservasse todo esse espaço para o balé e a música.” Ele disse quando ambos já se encontravam no conforto do automóvel.

“O balé já não faz parte da minha vida” Ela suspirou num misto de resignação e nostalgia.

Ayleen certa vez o contara que teve de deixar o balé de lado conforme a doença, que posteriormente a deixou completamente cega aos 12 anos de idade, fora progredindo. Após alguns meses de acompanhamento psicológico, o pai de Ayleen foi orientado a incentivá-la a se dedicar a outra coisa que tomasse o espaço que antes era dedicado ao balé.

Assim, aos 13 anos de idade, Ayleen foi apresentada ao piano de cauda. O começo foi um pouco desastroso, ela disse certa vez. Mas aos poucos acabou por tomar amor pelo instrumento.

“Bom, pelo menos você tem a música. Acredite quando eu digo que você é absolutamente espetacular.”

“Obrigada, mas eu não tenho nenhum dom natural para a música. Acabei ficando boa de tanto treinar e olha que foi um longo processo. Ainda tenho muito para melhorar.”

“Bom, então devo agradecer ao seu professor por despertar esse talento em você”

Ayleen sorriu de modo doce, mas triste. “Sim, James era um doce comigo e tinha uma paciência de Jó”

“James, seu ex-namorado?”

“Sim. Ele era monitor do conservatório estadual de música, foi assim que nos conhecemos. Eu era péssima e ele se esforçou para me ajudar mesmo eu não querendo ser ajudada. Acho que ele só tinha pena como todo o resto.”

“E vocês namoraram por muito tempo?”

“Dos 14 aos 18 anos”

“Ninguém namora uma pessoa por 4 anos por pena, Ay. Você devia parar de se colocar pra baixo assim” Advertiu-a.

“Que seja, Alex. Às vezes você parece minha terapeuta falando”

“Você devia ouvi-la com mais frequência, quem sabe alguma coisa não entra nessa sua cabecinha oca” Alex tentava prestar atenção no trânsito que havia na saída do estádio, mas tirou uma das mãos do volante para dar um leve peteleco na cabeça dela ao pronunciar a palavra ‘oca’.

“Idiota” Ela disse séria, mas acabou por soltar um risinho logo após.

Alex respirou fundo, lutando com a vontade de perguntar o que realmente queria. Sua língua coçava para perguntar se ela ainda nutria sentimentos pelo tal James. Ao invés disso, se concentrou em sair do nó de carros que também saíam do estádio e após ter conseguido tornou a olhar pra ela.

“Podemos jantar em algum lugar, o que você acha?”

“Acho ótimo, estou morrendo de fome.”

***

A noite de natal chegara, enfim.

O céu estrelado deixava a noite do dia 25 de dezembro ainda mais bonita, apesar de toda a neve acumulada nas ruas. 

Penny e Jackie terminavam os últimos preparativos para a ceia. Jamie e Katie estavam sentados no sofá rindo de algo enquanto Alex permanecia em pé perto dos dois, ponderando se congelava do lado de fora ou se morria por falta de nicotina no sistema nervoso.  Naquele ano Nick e Kelly foram passar o natal junto da família dela nos EUA, privando-os da companhia contagiante de Hearst.

Às vezes Alex tinha a impressão que estava ficando pra trás. A grande maioria de seus amigos já haviam se casado ou estavam construindo suas próprias famílias, enquanto ele continuava estagnado. Até mesmo Miles, seu companheiro de farra, havia se apaixonado e estava cogitando um casamento na igreja com tudo que se tem direito.

Tomou mais um gole de cerveja e então se dirigiu até a porta da frente, após ouvir o som da campainha. Talvez fosse Matt e Breanna, eles estavam sempre atrasados.

Alex precisou tomar um tempo para respirar ao ver que, na verdade, quem o esperava era uma Ayleen ainda mais bonita do que ele estava acostumado, acompanhada do pai e do irmão.

“Que bom que vocês vieram” O músico disse sem nem mesmo desviar os olhos dela. Os cabelos estavam presos de um só lado e caíam numa cascata encaracolada do outro. Os olhos verdes realçados pela maquiagem e o vestido azul marinho por baixo do sobretudo bege só a deixaram ainda mais perfeita. Simplesmente maravilhosa. “Entrem”.

Alex se ofereceu para ajudá-la a descer o conhecido degrau.

“Estou feliz que você veio” Murmurou próximo ao ouvido dela que sorriu ao responder:

“Também estou feliz por estar aqui”

“Ayleen!” Sorriu ao ouvir a voz amável de Katie. “Que bom que veio” a voz se aproximou e ela pode sentir o toque da mão de Alex em suas costas desaparecer. “Você está lindíssima!”

“Obrigada, Katie”

“Vem, sente-se conosco” Katie a puxou pelo braço com delicadeza, guiando-a até que se sentassem no sofá.

Quando Ayleen foi pra companhia de Katie, Alex dedicou-se a manter uma conversa amigável com o pai e o irmão dela nos minutos que se seguiram, até que a campainha tocou novamente e dessa vez era mesmo Matt e Breanna, acompanhados do Sr. e Sra. Helders. Esta última segurava uma torta nas mãos.

“Não acredito, essa é a torta de chocolate e nozes?”

“É claro, querido.” Alex sorriu animado com a perspectiva de comer sua torta favorita.

A ceia aconteceu de forma descontraída enquanto seus pais faziam questão de relembrar todas as sapequices de Alex e seus amigos durante a infância e adolescência. Eles sempre o envergonhavam com aquelas histórias, mas ele não podia se irritar. Não quando Ayleen ouvia com tanta atenção e gargalhava daquela forma.

Após a sobremesa, Penny pedira para que Ayleen tocasse algo no piano da sala. Ela relutou por alguns minutos, dizendo que não tinha nada ensaiado, mas acabou acatando o pedido de todos.

Quando Ay se sentou, fechou os olhos e começou a tocar como se fosse um anjo caído do céu, Alex não pode deixar de se lembrar do momento que a ouvira pela primeira vez.

Como todos os anos, Alex voltara a Sheffield para comemoração do natal que naquele ano seria celebrado na casa dos Cook.

Já passava das 19h e Alex passeava pelas ruas do centro com os presentes de Natal dos seus pais numa mão e um copo de café na outra quando uma loja de instrumentos artesanais chamou sua atenção. Se aproximou para poder ver os instrumentos mais de perto, mas assim que seus pés adentraram o estabelecimento, foi tomado por uma sensação indescritível.

Imediatamente fechou os olhos, absorvendo a melodia. Era algo simétrico, límpido, leve. As notas se espalhavam pelo local, tomando conta de cada mísero canto a sua volta. Tomava conta dele também, pois a melodia calma fez seus poros se eriçarem e ele se perguntou qual fora a última vez que ficara daquele jeito pelo simples fato de estar ouvindo música.

Abriu os olhos a procura do pianista e aos fundos da loja viu uma garota sentada com a postura ereta. Estava de lado e os dedos corriam ágeis pelo teclado do instrumento.

Alex pensou que estava tendo uma miragem.

Aproximou-se a passos lentos, tomando cuidado para causar qualquer perturbação que quebrasse a magia daquele momento. Já estava bem perto quando contornou o piano de cauda para que pudesse ver o rosto da garota.

Ela tinha os olhos fechados.  A boca rosada estava levemente aberta, a pele alva e o vinco de concentração entre suas sobrancelhas, o faziam lembrar da imagem de um quadro renascentista em que um anjo roga aos céus.

Baixou o olhar para as mãos e elas também eram brancas e delicadas. Os dedos longos e finos e as unhas curtas pintadas de um branco perolado quase transparente, deslizavam pelas teclas do instrumento, quase confundindo-se com elas.

A música foi ganhando dramaticidade, ficando mais rápida e pesada a cada segundo. Os dedos deslizavam cada vez mais rápido e Alex se viu incapaz de desviar os olhos. Prendeu a respiração quando viu que a melodia havia chegado em seu ápice e que havia acabado, deixando apenas o eco em seus ouvidos.

Desviou os olhos da mão para o rosto dela, encontrando seus olhos abertos. Eles eram verdes e brilhavam de tal forma que ele precisou tomar um minuto para si. Sentia a pele do rosto formigar e ele teve certeza que pode alcançar a alma dela através daquele olhar. Haviam se passados apenas alguns segundos, mas era como se estivesse preso pelo magnetismo daqueles olhos por anos.

Olhos escuros nos claros. Um encontro de almas.

“Isso foi incrível”. Incrível parecia pouco, parecia nada perto do que ele presenciara.

No mesmo momento que as palavras saíram de sua boca, se arrependeu, pois a bolha de vidro em que havia mergulhado se quebrou. Percebeu, então, que sua garganta estava seca e seus membros anestesiados. Céus, aquilo era possível? A garota também pareceu despertar, pois arregalou os olhos e se remexeu inquieta sobre a cadeira.

“Quem está aí?” Perguntou.

A voz era delicada, mas continha um quê de surpresa que o intrigou. Ele não soube decifrar de imediato, mas não demorou muito para que percebesse que ela não podia vê-lo.

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Logo após aquele momento o pai de Ayleen aparecera, ele era o dono da loja e também o responsável pela fabricação dos instrumentos. Alex, ainda atordoado pelo que presenciara, disse que estava interessado no trabalho do homem.

Ele voltou naquele mesmo lugar nos dias que se seguiram e em todos eles ela estava lá. Quando não estava sentada tocando feito um anjo, estava no balcão acompanhando o pai.

Um dia, quando fora levar o desenho do violão que queria para a confecção, tomou coragem e puxou assunto, elogiando seu talento como pianista. Ela sorriu e agradeceu. O papo acabou ali, mas continuou outro dia, quando o pai dela não estava na loja e Alex fez questão de esperar, fazendo-a companhia.

Naquele dia eles conversaram por horas a fio.

Em certa ocasião, quando Alex encomendara um segundo violão apenas para continuar a vê-la e percebeu que não poderia fazer aquilo para sempre, propôs a ela uma parceria musical e a convidou para um café. Ela riu e perguntou o que um astro do rock e uma pianista clássica não formada poderiam produzir juntos, mas acabou aceitando.

Alex despertou de seus devaneios com um sorriso bobo nos lábios ao ouvir as palmas direcionadas à apresentação recém-terminada.

***

Já passava das 23h quando ele se aproximou de Ayleen, que estava sentada no sofá com um copo de coca cola nas mãos. Quase todas as mulheres estavam desfazendo a mesa do jantar e ela resolvera se sentar para não atrapalhar a movimentação.

“Oi” Ela sorriu ao ouvir a voz do músico e perceber que ele era o dono dos passos que ouvira segundos antes.

“Oi, Alex.”

“Se divertiu?”

“Muito. Obrigada por me convidar” Respondeu com um sorriso nos lábios. Aquele havia sido o melhor natal da sua vida desde a morte de sua mãe.

“Escuta, tenho uma coisa para você lá em cima. Vem comigo?” Ela sorriu, assentiu com a cabeça e se levantou, sentindo a mão dele em suas costas logo em seguida.  

Ele a ajudou a subir os degraus da escada que dava acesso ao segundo andar e ao chegar ao quarto dele, suspirou.

O quarto de Alex a transmitia um misto de sensações que não sabia explicar. Era sempre o cômodo mais quente da casa, pois ele odiava o frio e fazia questão do uso da calefação. O cheiro era uma mistura do produto de limpeza passado no chão, livros antigos, pois Alex mantinha uma estante cheia deles, e nicotina. Muita nicotina. Ela gostava quando ele a levava lá, sempre a fazia se sentir mais próxima dele.

Familiarizada com o cômodo, foi direto sentar-se na cama, antes de dizer:

“Você não precisava ter comprado nada pra mim e sabe disso”

“É só uma lembrancinha.” A voz veio do canto direito do quarto, onde havia uma escrivaninha. Ela sabia disso, pois já havia esbarrado nela diversas vezes. “Na verdade não sei se foi uma boa ideia, mas espero que goste.” Ele se aproximou, pediu que ela erguesse as mãos e depositou um objeto nelas logo em seguida.

Ayleen, então, passou a analisar o objeto que devia ser um pouco menor que uma caixa de sapatos, tateando-o minutos a fio até desvendar o que tinha em mãos.

“É um piano de brinquedo?” Perguntou sorrindo.

“Não é um piano de brinquedo. É uma réplica em miniatura de um Steinway&Sons, já que eu sei que você não aceitaria se eu te desse um de verdade”

Ayleen sorriu, ainda tateando a peça em mãos. Ter um Steinway era o sonho de qualquer pianista e Alex estava certo ao dizer que ela jamais aceitaria um de verdade, já que a média de preço do instrumento varia entre 100 e 150 mil dólares.

“Obrigada, Alex. Eu nem sei o que dizer, isso foi muito doce da sua parte” Disse, sentindo os olhos marejados.

Alex sentou-se ao seu lado, fazendo o colchão ondular.

“Ele é uma caixinha de música também. Abra a tampa” Ela fez o que ele pediu e imediatamente seus ouvidos foram agraciados por uma melodia suave e conhecida. Ela riu e sentiu os olhos ainda mais afogados em lágrimas. Era um trecho do quebra nozes, a sua peça favorita.

“Aonde conseguiu isso? É... incrível”.

“Mandei fazer” A resposta foi sussurrada e o hálito quente dele soprou em sua bochecha, fazendo seu corpo formigar. “Mandei fazer isso também” Alex tomou o piano de suas mãos e depositou um objeto pequeno em seu lugar. O formato parecia o de uma pequena boneca, mas a textura era diferente, mais gelada.

Alex, percebendo a dificuldade dela, começou a descrever o objeto: “É uma bailarina feita de porcelana pra colocar em cima do piano. Fiz questão que o artista a fizesse o mais parecida possível com você. Queria unir suas duas paixões.”

Ayleen deixou que as lágrimas presas escorressem pelo rosto. “E como ela é?”

O músico puxou o ar para os pulmões antes de responder.

“Ela é delicada. Está numa pose famosa do balé com uma das pernas levantada e os braços ligeiramente abertos. A expressão é serena, os olhos são verdes, o nariz é fino, mas não muito e está em total harmonia com o resto do rosto. A boca está fechada e...”

“É assim que você me vê, Alex? É assim que eu sou?” Interrompeu, passando a mão pelo rosto e enxugando as lágrimas que continuavam a vazar de seus olhos.

“Não.” Ele respondeu após alguns segundos de silencio. Ayleen pensou em abrir a boca para agradecer pelo presente, mas ele resolveu continuar. “Nem o mais talentoso dos artistas conseguiria reproduzir sua beleza, Ayleen. E não é apenas porque você é perfeita, mas porque ele jamais seria capaz de pintar o brilho dos seus olhos, a covinha tímida que se forma na sua bochecha esquerda quando sorri ou mesmo reproduzir o som da sua risada.”

Ela permaneceu calada pelo minuto que se seguiu. Estava pasma com o que acabara de ouvir, mas ao mesmo tempo sentia o coração derreter dentro do peito. Jamais havia ouvido algo tão bonito, nem mesmo do pai. Ela tinha ideia de que a perfeição estava nos olhos de quem vê, pois ela se lembrava de que quando se olhou no espelho pela ultima vez , tinha a boca ligeiramente torta, um dos olhos um pouco mais aberto que o outro e da ponta estranha do nariz. E essas coisas não mudam com o tempo.

“Alex...”

“Ay” A voz dele estava bem mais perto. O hálito batendo bem próximo à boca. Sentiu as mãos dele afastar uma mecha de seu cabelo enquanto a outra a puxava pelo queixo, fazendo com que suas bocas ficassem tentadoramente próximas. Ela praticamente o respirava. “Eu amo você”

Ayleen não tivera tempo sequer de raciocinar sobre o que tinha acabado de ouvir, pois no segundo seguinte teve seus lábios tomados pelos de Alex e de repente todos os pensamentos que gritavam em sua mente se calaram.

A textura dos lábios e da língua dele na sua era absolutamente renovadora. O gosto era uma mistura única de cerveja, torta de nozes e das lágrimas que ainda caíam. Alex levou a mão que estivera em seu queixo para a nuca, apertando-a mais contra si enquanto aprofundavam o beijo. A outra mão desceu lentamente por suas costas, causando um arrepio gostoso em seu corpo.

Ayleen, ainda segurando a bonequinha de porcelana numa das mãos, puxou-o para uma espécie de abraço, ao mesmo tempo em que a mão livre se enterrava nos fios levemente molhados, não dando a mínima para a sensação pegajosa de que tanto falava para irritá-lo.

Meu Deus, ela não sabia que seu coração era capaz de bater tão forte e rápido. O beijo seguia em sintonia, ainda mais intenso e urgente.

Alex a apertava pela cintura com propriedade enquanto ela enterrava ainda mais a mão nos cabelos da nuca dele. Ambos negavam a vontade de respirar, de puxar o ar para os pulmões, mas o fizeram com certa relutância, sem deixar com que suas bocas se separassem demais. 

Ela suspirou quando ele lhe deu um selinho e passou a ponta do nariz por seu rosto, fazendo-lhe um carinho. Ayleen retribuiu o gesto e eles ficaram ali acariciando um ao outro pelos minutos que se seguiram.

“Eu também amo você” Ela disse, quebrando o silêncio. Naquele momento não se importava se sofreria quando ele se cansasse dela ou quando voltasse para Los Angeles como fazia de tempos em tempos, afinal, lá era sua casa.

Alex riu, plantando-lhe um beijo na ponta do nariz, o que a fez sorrir também.

É muito bom ouvir isso... Feliz Natal, Ay” Sussurrou

“Feliz Natal, Alex”

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Come on, come on, come on

Before the moment’s gone

Number one party anthem

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Querides, é isso! Essa história é muito tchuquinha, fica como um acalento ao coração.

Me digam se gostaram.

Vou tentar fazer um capítulo bônus!

Bjos



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